Texto: Paulo Rco – Membro de Honra do Mochileiros.com
Resolvi escrever esse texto como uma espécie de relação, tentando ter bom humor, dos variados tipos que aparecem para palpitar quando você quer viajar. Eles surgem como se fossem enviados de algum ser maligno para atrapalhar os nossos planos. Vamos lá:
1 – A tia piedosa
Essa é clássica, em toda família aparece uma. A gente fala que vai viajar sozinho e lá vem ela: “Coitado, vai sozinho por que? Não tem amigos? Que triste!” Como a maioria das tias, ela viaja em excursões com mais 39 pessoas e acha o máximo aquele espírito de grupo, de todo mundo estar sempre junto e com “jantar de confraternização” no final. Até fica amiga do guia que faz questão de levá-la ao que mais gosta: todas as feiras de artesanato disponíveis, ainda que o artesanato na verdade venha da China.
2 – O colega que vira amigo íntimo
Acontece com quem, como eu, trabalha em um local grande, no meu caso com mais trezentos colegas. A rádio-peão se encarrega de levar a todo mundo a notícia de que a gente vai entrar de férias. Nesse momento, aquele colega que trabalha cinco andares acima e que te dá só bom dia no elevador se converte em amigo íntimo e pede uma lista de cinco perfumes dois relógios e três óculos. Obviamente como ele é amigo, ainda vai querer que você use a sua cota de importação para trazer tudo sem impostos. Se a viagem for para os Estados Unidos, nosso poder de sedução aumenta e em três dias aparecem sete melhores amigos sendo que um deles se considera mais íntimo e especifica até o endereço da loja onde quer que se compre o produto.
3 – O conhecedor da Europa
Esse tem em todo o lugar. A gente fala que vai passar quinze dias por lá e vai conhecer três ou quatro cidades. Com o seu amplo conhecimento, ele se dispõe a generosamente dar conselhos: “Mas que desperdício, passei quinze dias lá e conheci dez países. Pra que pagar passagem cara e só conhecer um país?”. Isso decorre de um problema de interpretação da palavra “conhecer”, a gente acha que conhecer é ter tempo para andar pelo lugar, ele acha que conhecer é simplesmente ir ao lugar. Como não dá para discutir a semântica da palavra, melhor mesmo é fingir que concorda: “Que pena, já está tudo reservado. Da próxima vez eu farei isso.” Esse tipo geralmente vem em combo com o próximo a ser descrito.
4 – O preocupado com a segurança
Ele começa dizendo assim: “Mas você vai por sua conta? Não acha perigoso chegar lá e ter que se orientar sozinho? E se algo der errado?” Por ser uma pessoa preocupada com a segurança, jamais entenderá quem viaja independentemente e se arrisca a encarar um selvagem metrô numa capital desconhecida. Por esse motivo sempre opta pelos pacotes que incluem transfer do aeroporto e city-tour. Devido à sua predileção por pacotes, acaba fazendo aquelas viagens com dez cidades em quinze dias e “conhecendo” muita coisa. Uma vez feita essa primeira viagem e sendo ela para a Europa, automaticamente se torna o Conhecedor da Europa descrito acima.
5 – O especialista em assuntos internacionais
Basta você dizer que vai para a ____________ (complete com Bolívia, Venezuela ou outro país com governo de esquerda) e ele surge com o discurso: “Cuidado! Não vá para país comunista! Cuidado com a água, lá falta comida! Saiu na ___________ (nome de revista ou jornal) que a situação lá está complicada.” Ele não entende que a gente vai para a Bolívia ver o Salar de Uyuni e não para nos inscrevermos num grupo guerrilheiro. Como geralmente costuma ser nosso tio ou avô, acaba que o melhor é relevar a situação.
NOTA: a ideia é ter bom humor com quem quer botar defeito na viagem, não estou defendendo nenhuma posição política.
6 – O hipocondríaco
Geralmente é aquele colega de serviço que acha o ventilador de teto causa gripe e pede para desligar mesmo que a temperatura esteja acima dos 30ºC. Ele sempre vai achar um motivo clínico para não ir a qualquer lugar do mundo. Vai para lugar frio: “pode pegar pneumonia”, vai para a Índia: “vai dar intoxicação alimentar”, vai para lugar quente: “tem mosquito da dengue. Consegue achar motivos até para te convencer a não ir para a inofensiva Buenos Aires: “lá só come batata e carne, vai faltar verdura, pouca vitamina dá anemia”. A gente pode até argumentar falando que já foi em lugar parecido e que nada sofreu, mas ele vai dizer que foi “pura sorte” ou então que “algum verme deve ter incubado, mas seu organismo eliminou”. A melhor maneira de fazer com que essa pessoa pare de dar palpite em sua viagem é desviar o foco de preocupação pra algo mais imediato e falar pra ele: “Dizem que Fulano pegou ameba depois de comer naquele self-service da esquina. Aquele que você vai todo dia.” Na hora ele vai correr até a farmácia pra comprar Licor de Cacau Xavier e a paz volta a reinar.
Texto publicado originalmente no fórum.
A imagem (da home e) que traz até este post é de Jan Tinneberg/Unsplash.