Meu último ano foi um ano em que muita coisa aconteceu e eu finalmente passei a entender essa loucura de não ter lugar no mundo, ou de pertencer à todos eles.
Eu comecei essa vida nômade como quem não quer nada, mas sonhando com tudo. Fui passar mais um carnaval no Rio e terminei o carnaval embarcando pra Índia. Tive uma noite incrível dormindo em uma casa-barco flutuando pelos canais de Kerala. Já não tive a mesma sorte nos canais de Veneza e perdi minha câmera afogada nas águas de lá. Me acidentei no meio de um festival indiano e fui parar no hospital em uma cidade que eu nem sei o nome. Fingi costume e me esbanjei de trufas quando visitei Ístria. Dormi em uma praça pública porque eu não encontrei lugar para ficar em uma praia da Croácia. Tomei o banho de cachoeira mais gelado da vida na Bósnia. Reencontrei um velho amigo italiano na Hungria. Soprei uma vela de decoração no meu aniversário de 30 anos em cima do melhor “bolo” de aniversário feito de pão com Nutella em Budapeste. Fui visitar uma nova amiga no Chipre. Me permiti chorar até lavar a alma em Jerusalém. Conheci a história incrível da minha família de Israel. Caminhei pelo muro da Cisjordânia para conhecer a Palestina. Vi o sol nascer sob o Mar Morto. Cruzei a Slovenia de carona com uma família da Ucrânia e conversei pelo Google translator a viagem inteira. Renovei todas as energias na Chapada dos Veadeiros. Quebrei meus preconceitos contra os Estados Unidos. Conheci o Grand Canyon mesmo com muita chuva e neblina. Almocei uma lata de atum todos os dias no Yosemite. Visitei uma praia nudista sem querer em São Francisco. Sobrevoei Los Angeles fazendo manobras no ar dentro de um avião caça.
Nadei com centenas de focas no mar congelante da África do Sul. Acampei na mata escutando elefantes e hipopótamos em Botswana. Prometi voltar para a Namíbia. Nadei na beira de uma das maiores quedas d’água do mundo na Zâmbia. Fiz xixi do alto de uma árvore cercada por animais selvagens no Zimbabwe. Terminei o ano sem dinheiro porém feliz vendendo brigadeiros no deserto do Atacama. Deixei um pedacinho de mim e trouxe um pouco comigo de todos esses lugares.
Foi mais um ano nômade com tudo que eu jamais poderia imaginar. Perdi as contas de quantas camas diferentes eu dormi. Na verdade, perdi as contas se foram tantas camas assim ou se foram mais sofás, assentos de avião, poltronas de ônibus, salas de espera de aeroporto, colchonetes de acampamento, casas de árvore, sacos de dormir. Ao invés, talvez eu possa contar quantas peças de roupa eu usei o ano todo sem me esforçar muito, quantas vezes eu me enrolei uma toalha confortável sem medo de encharcá-la, ou quantas vezes eu usei um shampoo que estava num pote maior que 100ml.
Parece fácil, né?!
Eu sei que vendo de fora parece tudo muito fácil. Parece que eu tenho uma vida perfeita e que tudo aconteceu como um passe de mágica. Parece que eu não passei por dificuldades, parece que eu tive o maior apoio da minha família e dos meus amigos, parece que eu não tenho uma família super tradicional que não mediu esforços pra me guiar para um caminho convencional, parece que eu nunca fui julgada pelo que eu faço, parece que eu nunca chorei por não escutar um simples “vai lá, eu acredito em você!” das pessoas que eu mais queria, parece que eu nunca imaginei que muita gente iria dar risada pelas minhas costas, parece que meu trabalho nunca foi levado como uma piada, parece que eu nunca senti medo de fracassar, parece que eu nunca senti vergonha de postar uma foto, parece que não dói perceber que você tem amigos no mundo inteiro mas não tem um grupo de amigos em nenhum lugar, parece que é simples saber que você tem toda a independência do mundo e ainda assim você sempre depende de alguém pra poder ter um lugar pra dormir, parece que eu não me importo em ser sempre a pessoa indo embora sabendo que aquela pessoa especial não vai me esperar pra sempre e também não virá comigo, parece que é tudo muito fácil, não parece?!
Eu sei que também parece que eu sou a pessoa mais auto-confiante do mundo, a pessoa que dá as caras, que é forte, que se joga, que tem o corpo fechado pra energias negativas, que não tem vergonha de pedir um canto pra dormir, que não se importa em admitir que está sem dinheiro, que nunca se sentiu insegura para vender o próprio trabalho. Parece mesmo que eu ganhei na loteria e que eu nunca soube como é estar com R$50 no banco dizendo pra mim mesma que tá tudo bem e que darei um jeito… realmente, parece que foi tudo pura “sorte”.
Quer saber de um segredo?!
As coisas nunca são como parecem ser e cada escolha na vida carrega junto uma renúncia, cabe a você colocar isso tudo na balança e descobrir qual lado pesa mais.
Eu escolhi o que pesava menos e decidi nadar contra essa corrente que te puxa incansavelmente pro outro lado. Não foi fácil e continua não sendo nada fácil, mas dói menos o peso de carregar a vida nas costas do que o peso de dar as costas pra vida. Liberdade pra mim significa muito mais do que poder acordar, dormir e trabalhar a hora que eu bem entender fazendo o que eu amo. Eu até achei que liberdade se limitasse à isso, mas que contraditório esse pensamento de que até a liberdade tem limites – é de uma liberdade de espírito que estou me referindo, uma liberdade que me dá certeza de que estou sendo verdadeira comigo mesma e genuína nos meus atos, pra conseguir lidar com todos esses “pareceres” e ainda assim me sentir mais feliz do que nunca.
Chegou o aniversário de 3 anos de uma das decisões mais importantes e difíceis da minha vida, que foi o dia em que “larguei tudo” e dei uma nova chance pra mim mesma. A única coisa que eu consigo pensar, no entanto, é que se esse “largar tudo” se trata de bens materiais e de conquistas da vida, no fundo, no fundo, eu nunca larguei absolutamente nada.
Fotos e texto: Patricia Schussel Gomes • travel inspiration
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Texto originalmente publicado no Grupo Mochileiros em:
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