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Resumo:

Itinerário: Tabatinga (AM) → Letícia (Colômbia)→ Tabatinga (AM) → Amaturá (AM) → Fonte Boa (AM) → Tefé (AM) → Manaus (AM) → Presidente Figueiredo (AM) → Balbina (AM) → Manaus (AM) → São Gabriel da Cachoeira (AM) → Manaus (AM) → Itacoatiara (AM) → Parintins (AM) → Santarém (PA) → Itaituba (PA) → São Luís do Tapajós (PA) → Parque Nacional da Amazônia (PA) → Flona de Tapajós (PA) → Santarém (PA) → Macapá (AP) → Curiaú (AP) → Macapá (AP) → Belém (PA) → Ilha de Marajó (PA) → Belém (PA).

Período: 25/03/2002 a 13/05/2002

Ida: Voo de São Paulo a Tabatinga no Amazonas pela Varig, previsto para sair às 09h16.

Volta: Voo de Belém do Pará a São Paulo pela Varig, previsto para sair às 16h.

Considerações Gerais:

Não pretendo aqui fazer um relato detalhado, mas apenas descrever a viagem com as informações que considerar mais relevantes para quem pretende fazer um roteiro semelhante, principalmente o trajeto, acomodações, meios de transporte e informações adicionais que eu achar relevantes.

Nesta época eu ainda não registrava detalhadamente as informações, então albergues, pousadas, pensões, hotéis e meios de transporte poderão não ter informações detalhadas, mas procurarei citar as informações de que eu lembrar para tentar dar a melhor ideia possível a quem desejar repetir o trajeto e ter uma base para pesquisar detalhes. Depois de tanto tempo os preços que eu citar serão somente para referência e análise da relação entre eles, pois já devem ter mudado muito.

Sobre os locais a visitar, só vou citar os de que mais gostei ou que estiverem fora dos roteiros tradicionais. Os outros pode-se ver facilmente nos roteiros disponíveis na internet. Os meus itens preferidos geralmente relacionam-se à Natureza e à Espiritualidade.

Informações Gerais:

Em toda a viagem houve bastante sol e bastante chuva 🌧️. Estava no período chuvoso, em uma região que já é naturalmente chuvosa. Tomei muitos banhos de chuva. Alguns anos depois, em 2005, haveria uma seca muito forte na região amazônica, com os rios diminuindo muito de volume. As temperaturas também estiveram altas, passando dos 30 C ao longo do dia, mas a chuva geralmente acabava atenuando o calor.

A população de uma maneira geral foi muito cordial e gentil 👍. Impressionante como índios daquela região são gentis, em sua imensa maioria. Porém em algumas localidades pequenas, principalmente no Alto Solimões, acho que devido ao meu cabelo longo, ao fato de estar sozinho, tiveram algum tipo de xenofobia ou discriminação em relação a mim. Acho que pensaram que eu era gay e era algo com que não estavam acostumados e com que não lidavam bem.

Conheci pessoas dos mais diferentes tipos, desde índios aculturados, índios mais afastados, missionários, militares, ambientalistas, garimpeiros, mateiros, ribeirinhos, comerciantes, barqueiros e outros. Falaram-me que em alguns locais como Atalaia do Norte ainda havia índios canibais e eu não fui lá 😀.

Foram raros os idosos que encontrei, numa mostra que a vida na floresta não era fácil. Uma mulher aos 35 anos já costumava ser avó e considerada já com certa idade. Pessoas com mais e 40 e perto de 50 eram raras e tinham muitas vezes uma aparência bem desgastada. Numa viagem de barco, chamou-me atenção uma moça jovem, acho que de 24 anos ou menos, que já tinha 4 filhos.

Acho que esta viagem mudou minha visão a respeito das forças armadas, especialmente do exército. Em muitas ocasiões encontrei militares e em algumas vezes pedi informações ou ajuda, e eles sempre foram extremamente prestativos e gentis. Tinha uma visão um pouco negativa, fundamentada no que sabia do período da ditadura militar, dos abusos de autoridade, intolerância, torturas e mortes. Mas teoricamente já imaginava, e agora comprovava na prática, que as patentes mais baixas não estão preocupadas com nenhum tipo de ideologia ou dominação. Geralmente estão dispostas a ajudar. Suas ações provavelmente vêm de toda a doutrinação que recebem e das ordens que lhes dão, ainda que se possa analisar cada caso específico.

Vários índios pareceram-me não gostar muito da FUNAI. Numa ocasião um deles me disse “A FUNAI só faz besteira”.

Pela primeira vez ouvi o termo “interior do município”. As cidades no meio da floresta eram muito pequenas e havia muitas comunidades bem distantes, algumas a dias de viagem de barco. Este era o interior do município.

As paisagens ao longo da viagem agradaram-me muito, passando por áreas de florestas, rios, cachoeiras, campos, áreas alagadas, montanhas e outros ::otemo::::otemo::::otemo::.

A viagem no geral foi tranquila. Houve muita imprecisão nas informações sobre horários e itinerários de barcos, principalmente no Alto Solimões. Uma viajante estrangeira que encontrei num barco inclusive me disse que tinha recebido uma informação sobre o destino do barco na cidade, outra diferente no porto e quando subiu no barco descobriu que as duas informações anteriores estavam erradas 😀.  Eu demorei a me acostumar a dormir em redes, mas depois não houve problemas. Em viagens mais longas, dormi, tomei banho e fiz as refeições nos barcos. Tive um pequeno incidente numa negociação numa viagem de barco.

Num dos trechos de barco (acho que foi a volta de São Gabriel da Cachoeira para Manaus), havia vários homens em volta da televisão assistindo a novela e 2 mulheres de uns 50 a 60 anos, bem mais longe, esticando o pescoço para conseguir ver a tela. Eu achei absurdo e perguntei para elas se não queriam chegar mais perto. Elas deram um leve sorriso e disseram "sim, vamos um pouco mais perto". Moveram suas cadeiras uns 10 cm para frente. Eu ri, mas não quis incentivá-las mais nem falar com os homens, pois achei que em vez de ajudá-las, poderia gerar algum constrangimento para elas.

Boa parte dos habitantes locais moradores de cidades, mesmo que de origem indígena, pareciam não se importar muito com a questão ambiental naquela época. Várias vezes vi pessoas pegarem o copo de plástico para tomar água e depois, com o lixo ao lado, jogarem o copo no rio.

Num dos trechos cruzamos com um enorme navio 🚢 já no Rio Amazonas. Fiquei surpreso com um navio daquele tamanho, que só havia visto no mar, estar em um rio. Mas conforme ele foi afastando-se, ficou minúsculo perto do tamanho do rio.

Como usei repelente não tive grandes problemas com mosquitos, embora houvesse muitos. Certa vez parei na floresta para meditar e quando acabei, ao voltar a prestar atenção a meu redor, vi que toda a minha roupa estava coberta de mosquitos. Meus braços, que estavam com repelente, estavam sem nenhum mosquito 😀. Num dos trechos, dormi no andar inferior de um barco e acordei todo picado (talvez por carrapatos). Tive um incidente na Transamazônica possivelmente com uma onça. Fiquei um pouco preocupado em nadar em rios em que se dizia haver piranhas. Mas a viagem acabou sem danos relevantes.

Eu era (e ainda sou) vegetariano. Foi um pouco difícil conseguir comida vegetariana. As pessoas não estavam acostumadas a este tipo de alimentação. Algumas nem sabiam como se chamava e achavam estranho. Quando fui visitar uma comunidade indígena, comi carne com eles para não ofendê-los. Meus dentes voltaram amarelos de tanto comer macaxeira. Adorei as frutas locais, como cupuaçu, taperebá (cajá) e açaí. Achei o guaraná industrializado amazônico bem mais forte do que aquele a que estava acostumado. Gostei bastante e experimentei algumas marcas locais.

Alguns estabelecimentos comerciais aceitaram cartão de crédito (principalmente companhias de ônibus, mercados e agências de turismo), mas a maioria não aceitou. Pouquíssimos aceitaram vale-refeição que eu tinha.

Não tive nenhum problema de segurança em relação a assaltos, mas já naquela época, achei as cidades maiores com aparência insegura. As pequenas pareciam tranquilas.

A Viagem:

Fui de SP a Tabatinga na 2.a feira 25/03/2002. Fiz escala em Manaus. A saída estava prevista para as 9h16. Acabaram pegando meu lugar na janela no voo entre Manaus e Tabatinga. Não quis exigir meu lugar, Deu para apreciar um pouco a paisagem, mas não foi o mesmo que estar na janela. Cheguei no meio da tarde (eram 2 horas a menos devido ao fuso horário).

Fiquei hospedado num hotel razoavelmente perto do porto, numa travessa da avenida principal por R$ 15,00 a diária. Mas um dos donos não tinha troco, paguei R$ 20,00 e ele ficou de devolver o troco depois. Ele disse-me que ali a única diversão eram mulheres e cachaça, quando perguntei quais pontos de interesse a área tinha.

Para as atrações de Tabatinga veja https://www.brasilturismo.com/am/tabatinga e https://www.tripadvisor.co/Tourism-g675026-Tabatinga_State_of_Amazonas-Vacations.html. Os pontos de que mais gostei foram a visita à comunidade indígena, o Rio Solimões, a visita a Letícia e a floresta. Achei a cidade com aspecto um pouco perigoso, já naquela época.

Inicialmente fui dar uma volta pela cidade. Conversei com uma espécie de guia local, que tinha origem indígena e me deu informações sobre pontos a visitar. Ele me explicou sobre visita às comunidades indígenas, o ritual da pelação (entrada das meninas na idade adulta, em que têm seus cabelos cortados após beberem algo inebriante) e outros pontos da cidade. Depois da conversa fui até onde acabava a área urbana e começava a área rural. Interessante que logo começavam trechos de mata, que ia ficando maior. Achei o clima bem quente, mas nada intolerável. A terra era bem forte. No fim do dia, enquanto jantava, fiquei conversando com um menininho 👦 de uns 10 anos. Quando me despedi, ele perguntou se eu não iria voltar mais. Respondi que não pretendia. Ele fez uma cara de triste e perguntou se nunca mais mesmo. Aí eu percebi que ele parecia ter-me considerado um amigo (talvez sua mãe, que estava em outra mesa acompanhada de um possível namorado, já não desse tanta atenção para ele – pelo que entendi ela havia se separado do pai dele). Então disse que poderia voltar um dia, mas que era muito longe. De qualquer forma, estaria ali com ele espiritualmente. Achei as imediações do hotel um pouco problemáticas, com muitos bares, que aparentemente só vendiam bebidas alcoólicas.

Na 3.a feira, 26/03, fui conhecer a comunidade indígena ticuna de Umariaçu. O guia do dia anterior já tinha explicado como era e como chegar. Fui em direção a um igarapé, onde havia uma índia bem pequena (parecia ter entre 5 e 10 anos) com uma canoa 🛶 proporcional para me atravessar. Subi na canoa, a canoa virou e eu me molhei. Fiz isso cerca de 3 vezes e a canoa virou todas as vezes 😀, até um passante, que estava dando risada junto com a indiazinha, dizer-me que a canoa era muito pequena para mim. Mudamos de canoa e ela me levou por alguns centavos (literalmente). Passeei pela comunidade, passei por uma sala de aula em que os indiozinhos me viram pela janela e deram risada da cena inesperada. Ouvi a professora, que não me viu, dando uma bronca neles por causa do barulho. Conversei com alguns índios. Enquanto passeava por um trecho com cabanas, vi um índio acordando e espreguiçando perto do meio-dia. Não pude deixar de me lembrar de Macunaíma. À parte quaisquer desequilíbrios e dificuldades que tenha visto, achei uma comunidade interessante. Voltei à tarde para a cidade.

Num dos dias eu fui em direção à fronteira para ir conhecer Letícia, capital do departamento do Amazonas na Colômbia. Passei pela fronteira e nem percebi. Só notei quando comecei a ver placas em espanhol 😀. Aí voltei e havia uma pequena guarita indicando a fronteira. Perguntei para um guarda que estava ali perto e ele me disse que poderia ir até Letícia, sem necessidade de nenhum procedimento ou documento, mas que não fosse mais longe, pois aí poderia haver problemas com as FARC. Achei a cidade bonita, bem mais estruturada que Tabatinga, mas é necessário considerar que ela era a capital do departamento (situação equivalente à de Manaus). Gostei dos prédios e monumentos públicos. Não fui conhecer áreas naturais mais distantes. Os colombianos pareceram-me bem hospitaleiros.

Na 4.a feira 27/03, fui a um igarapé pela manhã. Muito bom, água fresca naquele calor. Ouvi um rapaz que lá estava dizendo para um amigo que eu havia dito que era americano. Eu lhe disse que era tão brasileiro quanto ele. Perguntou-me se meu calçado velho era especial, com materiais avançados 😀. Ele achou que eu estava muito mole para subir o morro na volta. Perto do meio da tarde, fui fechar a conta e o atendente não tinha o troco que o outro atendente tinha ficado devendo. Esperei um pouco e deixei para lá, pois precisava pegar o barco. Já embarcado descobri que precisava de uma rede para ficar e dormir. Disseram-me que dava tempo e eu saí para comprar a mais barata que encontrei, por R$ 10,00. Perto de 16h o barco 🚢 saiu. Eu fui até Amaturá, uma cidadezinha no meio da floresta, às margens do Rio Solimões.

Não me adaptei de início a dormir na rede. Achei incômodo e a circulação parecia não fluir bem. Sentia um pouco de dor nas pernas após longo período deitado. Achei o barco um pouco cheio (não tinha visto nada ainda 😀).

Neste ou em outros trechos percorridos de barco, pude ver botos cinzas por várias vezes 🐬, aves 🦜 e paisagens espetaculares de pôr e nascer do sol 🌅, incluindo vários arco-íris 🌈 em cascata, ou seja, um dentro do outro.

Para as atrações de Amaturá veja https://www.brasilturismo.com/am/amatura. Os pontos de que mais gostei foram a floresta, o rio e a população local, incluindo os índios.

Na 5.a feira 28/03 à tarde cheguei a Amaturá. Lá paguei R$ 15,00 por um quarto. A cidade era bem pequena. Só tinha 2 veículos, o caminhão do lixo e uma caminhonete (estilo Saveiro). A área natural era magnífica. Fui dar um volta e conheci a igreja franciscana e o Frei Gino, que tinha missões em aldeias. Falou-me também que era da mesma linha da igreja ao lado do Extra da Avenida Brigadeiro Luís Antônio em São Paulo. Conversei com ele, que tinha nascido na Itália, sobre a vida ali. Ele contou muitas histórias. Falou que receberam ameaças em algumas situações. Disse que poderia me levar a uma aldeia indígena mais distante no sábado, se eu quisesse. Eu prontamente interessei-me e deixamos combinado. Era semana santa e eles estavam preparando os rituais.

Conheci um homem de uns 50 anos que tinha uma casa ali e tinha várias atividades. Era também caçador. Contou-me de algumas caçadas de que havia participado. Mostrou-me uma cicatriz (acho que era de picada de cobra). Incentivou-me a nadar no Igarapé Preto e depois de eu nadar disse-me que eu não deveria nadar ali, pois poderiam aparecer piranhas, jacarés, cobras etc. Eu pensei comigo “Ele me incentiva e só agora me diz isso!” 😀. Perto do fim do dia ele disse que iria para casa, pois era a hora da malária.

Como eu estava com cabelos compridos, vários jovens de lá acharam que eu era gay, algo que pareciam não aceitar bem, e começaram a fazer piadas, rindo. Ouvi também dizerem “Cada coisa que tem em São Paulo”.

Fui dar uma volta pela floresta no entorno da cidade. Magnífica! Choveu 🌧️. Sujei os sapatos de barro. Conheci várias serrarias e semelhantes. Alguns até me explicaram como usavam a madeira e a serragem. Achei um cupuaçu verde, tentei comer, mas não deu muito certo. Havia um boi amarrado num poste perto da igreja 🐂.

Tentei conversar com alguns índios que estavam de barco para ir conhecer suas aldeias. Mas eles não entenderam direito e acharam que eu era da FUNAI. Um deles até me disse: “O senhor diz que está querendo conhecer todas as aldeias na margem do rio e que não é da FUNAI. Acha que vamos acreditar nesta besteira” 😀. Estes mesmos estavam vendendo dois peixes de uns 3 kg cada por cerca de R$ 3,00. Fiquei bestificado com o preço baixo. Falei depois com um outro que estava de canoa e ele me disse que eram 7 dias remando para subir o igarapé até sua aldeia. Aí eu desisti 😀.

No sábado 30/03 fui com o Frei Gino até a aldeia mais distante. Quando estava indo para embarcar, o boi quase deu uma chifrada no frei. Acho que ficou estimulado pela túnica marrom 😀. Quase virei a canoa voadeira 🛥️ quando subi, dada minha falta de costume 😀. Foram cerca de 30 minutos de voadeira rio abaixo. A comunidade recebeu-me muito bem. Gostavam muito do frei. Ali era um lugar afastado da cidade e bem mais próximo dos índios que costumamos imaginar. Levaram-me para dar uma volta, fomos até uma lagoa, passamos por outro igarapé. No fim fomos para o barracão contar histórias. Só foram os homens e adolescentes. Pediram-me para contar uma, inicialmente ia contar a do menino Jesus, mas aí percebi que eles já a conheciam de cor. Então contei a história do acidente de helicóptero que tinha acontecido recentemente com João Paulo Diniz, a modelo Fernanda Vogel que era sua namorada, o piloto Ribeiro e o copiloto Luís Roberto. História meio triste, mas achei que a dinâmica poderia mostrar-lhes um pouco de um mundo bem distante do a que estavam acostumados, além da plateia ser formada por homens adultos.

No domingo 31/03 eu assisti algumas celebrações de Páscoa e aproveitei para contemplar um pouco a cidade, o ambiente natural e o rio. Vi um índio com a camisa do Corinthians e um boné do Palmeiras ou vice-versa e pensei comigo que aquela cena só era possível num local como aquele mesmo. Ele parecia bem velho e aparentemente estava indo viajar para tratamento de saúde. Parecia ter algum problema nos olhos. Chamou-me atenção, pois foram raros os idosos que encontrei na floresta. Como o barco não tinha um horário certo para sair, fui mais cedo para o porto para esperar. Peguei o barco no início da tarde e fui até Fonte Boa, onde cheguei na manhã do dia seguinte.

Conheci um homem na viagem que era comerciante, tinha tido empresas e perdeu tudo, inclusive a mulher, devido ao álcool e às farras envolvidas quando estava sob seu efeito. Ele precisava ir em direção a Manaus, mas a imprevisibilidade do transporte naquela região era muito grande (tinham dito para ele chegar lá até o meio-dia, que muito provavelmente conseguiria embarcar até a manhã do dia seguinte 😀) e creio que ele ficou no pequeno terminal flutuante (isso mesmo uma plataforma móvel que ficava flutuando, presa à margem de modo flexível) que existia mais de um dia esperando por um barco, posto que não se sabia a hora exata em que passaria.

O terminal marítimo flutuante era um pouco distante da cidade. Pegamos um pequeno ônibus, se bem me lembro, que um passageiro orientou-me que existia. Este mesmo passageiro comentou ao longo da viagem que o pai dele dizia que o certo era seguir a regra da maioria e deu como exemplo o corte de cabelo, que se a maioria cortava curto, parecia ser o certo. Acho que meu cabelo inspirou o exemplo 😀

Para as atrações de Fonte Boa veja https://www.guiadoturismobrasil.com/cidade/AM/242/fonte-boa e https://www.brasilturismo.com/am/fonte-boa. Os pontos de que mais gostei foram a floresta, o rio e as conversas com as pessoas simples do povo.

Fiquei hospedado num hotel bem simples, mais parecia uma casa em que se alugava quartos. Passeei pelos arredores e novamente a floresta agradou-me bastante. Aqui também houve pessoas (trabalhadores braçais) achando que eu era gay, algo de que também pareciam não gostar. Fizeram piadas com isso. Conversei longamente com um homem, que estava deitado em sua rede, sobre a região e assuntos variados. Se bem lembro ele era professor. Explicou-me a origem do nome Fonte Boa, mudado devido ao Marquês de Pombal e sua política de consolidação da posse da região. Falou que tinham vindo para São Paulo (acho que fazer treinamento pelo Projeto de Alfabetização Solidária), ficado perto do Autódromo de Interlagos, mas que seus parentes ou conhecidos não os deixavam sair à noite, devido à possibilidade de violência na região.

Num dos dias fui à prefeitura para pedir informações turísticas. Pediram-me para esperar e o prefeito recebeu-me. Levei um susto, pois não esperava. Ele perguntou se eu era da capital Manaus e disse que iria colocar um rapaz à minha disposição com uma canoa baleeira para conhecer a cidade. Eu agradeci, mas não aceitei, pois seria absurdo usar recursos públicos para minha viagem particular, agravado pelas carências locais.

O dono do hotel falou-me de uma região de rio afluente do Solimões onde havia muita vida selvagem. Contou sua experiência de ida lá, em que tiveram que desligar o motor do barco para não matar pássaros, tal era sua quantidade. Mas eu não fui lá, devido à dificuldade logística e ao preço do aluguel exclusivo de uma voadeira. Além disso, o preço do combustível era bem maior do que em São Paulo.

Na primeira noite fui a um pequeno bar e restaurante jantar. Quando expliquei para o dono que não queria nenhum tipo de carne, ele me perguntou “Como é o nome disso?”, pois provavelmente não conhecia outros vegetarianos 😀. Dadas as 2 horas de fuso com Brasília, eu jantava as 20h assistindo o fim da novela e o BBB-1. Foi a única vez em que vi o BBB. E assisti a final 😀. Numa das noites, 2 motoboys de uma mesa ao lado, aparentemente alcoolizados, acharam que eu estava rindo deles (eu rio muito sozinho). Um deles levantou e veio tirar satisfações comigo. Expliquei e disse que era de paz. Ele me disse que também era, o motoboy da paz. Logo depois o dono veio me perguntar se estavam me incomodando, ao que respondi que não. E tudo transcorreu bem.

Conheci um rapaz que tinha prestado serviço militar e morava com a família por ali. Disse-me que Tefé era quase uma capital, elogiando o batalhão do exército. Falou que temia um pouco por ver seu filho pequeno brincando perto das margens dos rios, onde naquela época estava cheio de jacarés 🐊.

Na 4.a feira 03/04 eu fui para o terminal flutuante no dia em que disseram que haveria um barco e fiquei esperando por toda a manhã e parte da tarde. O dono da “venda” local ofereceu-me almoço, disse que era peixe-boi (até onde eu sabia era um animal protegido, com risco de extinção), eu perguntei se havia salada e ele disse que não, que “tocaiava” os vendedores, mas ninguém lhe trazia. Não almocei. Já passado o meio da tarde, chegou um barco que não iria para Tefé, que eu tinha planejado como minha próxima parada. Desisti e voltei para a cidade, mas não havia mais vaga na casa onde eu havia ficado. Aí fui para outro hotel e passei lá uma noite.

Na 5.a feira 04/04 eu passeei um pouco pela manhã e depois fui para o pequeno porto que ficava na própria cidade, só para barcos menores. Lá o rapaz que cuidava da pequena “venda” local achou que eu era representante comercial e comentou que no meu ramo não se podia perder tanto tempo assim 😀. Consegui embarcar num barco para Tefé. O barco estava cheio e disseram que estava quebrado. Mas a viagem acabou sendo possível e chegamos a Tefé no outro dia pela manhã.

Após descer no porto, ainda foi necessário pegar uma moto até outro porto nas margens do Lago de Tefé. Fomos em 2 na garupa, pois havia outro passageiro. Caímos no meio da estrada, que estava toda enlameada pelas chuvas 😀. No barco, já meio arisco, perguntei se era possível nadar por ali, citando as piranhas, e uma mulher me disse que em geral não havia problemas, mas em lagos era bom ter cuidado com piranhas, portanto que eu tomasse cuidado no Lago de Tefé.

Para as atrações de Tefé veja https://tefe.am.gov.br/pontos-turisticos. Os pontos de que mais gostei foram a floresta, o lago e as construções locais.

Atravessamos o lago de canoa voadeira. Fiquei hospedado num hotel por R$ 20,00 a diária. Deixei minha pequena mala lá e fui explorar a cidade. Peguei uma estrada para andar pelo meio da floresta 🌳. Já um pouco distante, vi um radar de um tamanho que eu nunca tinha visto antes. Como era num local totalmente isolado, fiquei até preocupado, se não era zona de acesso restrito, talvez secreta. Havia um militar numa cabine ao lado. Ele me viu, eu fiz que não vi nada, olhei para o outro lado e fui adiante 😀.

No final do dia descobri que sairia um barco para Manaus e, como havia prospectado que a exploração da área além do que eu havia feito não seria fácil, como os barcos por ali eram difíceis e como já estava bem satisfeito com a exploração das paisagens da floresta que tinha feito, resolvi pegá-lo. Fui negociar com a dona do hotel e ela me devolveu a metade do pago. Disse que eu tive sorte, pois ela havia depositado a metade, ao invés de tudo.

O dono do barco me disse que o preço no andar de cima era R$ 30,00 e no andar de baixo era R$ 25,00 (ou R$ 5,00 a menos em baixo do que em cima). Perguntei se havia alguma diferença e ele disse que não, a não ser que no andar de baixo iria a carga junto. Achei que não havia problemas e decidi ir no andar de baixo. No dia seguinte acordei todo picado 🐛. Em princípio, achei que eram picadas pequenas, mas acabaram gerando grande incômodo ao longo da viagem.

Cheguei em Manaus no sábado 06/04 pela manhã. Perguntei sobre hotéis e me disseram que perto do porto era mais barato, mas poderia ser um pouco perigoso. Mesmo assim fiquei num hotel naquela área, mas não tão próximo ao porto. Paguei R$ 10,00 ou R$ 15,00 a diária.

Para as atrações de Manaus veja https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/manaus, https://www.feriasbrasil.com.br/am/manaus e https://guia.melhoresdestinos.com.br/passeios-manaus-99-949-p.html. Gostei muito de Manaus ::otemo::. Os pontos de que mais gostei foram o Teatro Amazonas, as construções, o zoológico do CIGS, os institutos e museus com flora e fauna típicas.

Fiquei até a 6.a feira seguinte (12/04), o que deu razoável tempo para conhecer vários pontos.

Fui numa excursão ao Encontro da Águas, em que também se visitava uma área de mata e trilhas pequenas. No caminho vieram nativos com animais para fotos, mas isso não costuma me agradar, pois creio que não é adequado aos animais.

Fui visitar o local de ensaios da Festa do Boi Bumbá, que me disseram que eram feitos quase inteiramente em Manaus, só a apresentação final indo para Parintins. Visitei também alguns institutos ou museus (acho que foi o INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – e um outro que tinha alguma origem japonesa) Achei muito interessantes, inclusive com espécies locais, como o pirarucu, que me pareceu num aquário muito pequeno. Havia também exibição da vegetação local.

Gostei muito do zoológico do CIGS (http://www.cigs.eb.mil.br/index.php/zoologico), principalmente das onças 🐯. As pintadas eram muito bonitas, mas a pantera me conquistou. Achei-a linda. Nunca havia visto onças tão grandes, tão ativas. Os outros animais também eram interessantes.

Visitei também o Teatro Amazonas 🏛️, procedimento que era guiado. Achei bem interessante e bonito. Haveria 6.a feira 12/04 uma apresentação gratuita da Cavalgada das Valquírias na praça em frente a ele, mas devido aos horários restritos de barcos, decidi não esperar para ver. Fui também conhecer os outros pontos históricos e arquitetônicos da cidade, principalmente da região central.

Como tinha ouvido falar das obras dos salesianos, fui conhecer seu centro principal de Manaus, que se bem me lembro chamava São Domingos. Fui conhecer seus projetos educacionais e de profissionalização de crianças, adolescentes e jovens.

Tentei conversar com alguns grupos de índios sobre hospedagem na selva, mas tudo me pareceu muito artificial, precário e caro. Depois das experiências que já tinha tido, preferi não ir e esperar por oportunidades melhores.

Adorei a Sorveteria Glacial (https://www.facebook.com/sorveteriaglacial/), com os seus sabores típicos da Amazônia, especialmente cupuaçu e taperebá. Como havia buffet, eu comia quase um prato cheio quando ia lá, com muitos sabores variados 😀.

Num dos dias fiz uma viagem de ônibus a Presidente Figueiredo, cidade próxima. Foi uma das poucas viagens por via terrestre. Lá fiquei cerca de 2 dias. Inicialmente fui explorar a própria cidade e suas atrações naturais, principalmente cachoeiras, que achei muito boas. Fui andando por um caminho que chamavam de 7 Quedas, pois passava por várias cachoeiras (fui a 8, eu acho). Não tive tempo para conhecer a Cachoeira do Maroaga, que é perto de uma caverna e tem morcegos 🦇 no entorno. Aprendi que a palavra terçado significava facão, quando ao perguntar a um habitante local se havia problema em andar pela mata, ele me respondeu que sempre era bom ter um terçado.

Para as atrações de Presidente Figueiredo veja https://www.tripadvisor.com.br/Attractions-g1759410-Activities-Presidente_Figueiredo_Amazon_River_State_of_Amazonas.html, http://www.turismo.gov.br/%C3%Baltimas-not%C3%Adcias/6379-presidente-figueiredo-o-para%C3%Adso-das-cachoeiras-do-amazonas.html, https://www.brasilturismo.com/am/presidente-figueiredo e https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/presidente-figueiredo/. Para as atrações de Balbina veja https://viagemeturismo.abril.com.br/atracao/vila-de-balbina/ e https://www.tripadvisor.com.br/Attractions-g2578159-Activities-Balbina_State_of_Amazonas.html.

No dia seguinte fui até Balbina. Um motorista estava montando lotação para lá, para conhecer os pontos turísticos, mas eu preferi ir com transporte regular por conta própria. Arrependi-me 😒. Chegando a Balbina fui primeiramente conhecer o lago e sua usina, para depois ir aos atrativos naturais. Depois de andar um pouco pela margem e apreciar o lago, fui até o prédio administrativo da usina e acabei encontrando o engenheiro responsável. Quando lhe disse que era engenheiro de computação, ele me levou pessoalmente para conhecer a usina e me guiou de modo personalizado. Isso tornou a visita muito boa e detalhada, porém acabou sendo muito longa, e acabei não tendo tempo para as outras atrações naturais nem para apreciar melhor o lago. Fiquei impressionado com a quantidade de aparelhos analógicos (já naquela época existiam digitais há tempo, mas provavelmente não quando ela foi construída, e há a dificuldade burocrática e financeira de compras pelo Estado). Outro fato que me surpreendeu foi que ele era o único engenheiro da usina, responsável por tudo. O resto era automatizado ou feito por técnicos. E a usina não era pequena. Quando esperava a perua para voltar no fim da tarde, encontrei o motorista que me havia oferecido a viagem, com o carro lotado, que ao me ver, disse sorrindo “Você perdeu a oportunidade de ter se divertido muito” 😀. No dia seguinte voltei a Manaus de ônibus.

Informei-me sobre como ir a cidades do Rio Negro e resolvi ir diretamente para São Gabriel da Cachoeira, pois o tempo de viagem e as poucas opções de barco (só uma vez por semana) me fizeram desistir de fazer várias paradas.

Creio que o atendente do hotel ficou um pouco chateado comigo porque eu não fui à agência de turismo que ele me indicou e, portanto, não ganhou comissão. Ele me atendeu muito bem. Acho que eu deveria ter dado uma gratificação por conta própria para ele 🙂.

Na 6.a feira 12/04 peguei o Barco Asa Branca para São Gabriel da Cachoeira. Como também havia outro barco, do Tanaka, resolvi tentar conseguir um pequeno desconto. Consegui, mas as consequências foram danosas. O dono do Asa Branca reduziu o preço de R$ 35 para R$ 32, se bem me lembro, quando argumentei que talvez pudesse voltar com ele.

Saímos à noite. Tentei prestar atenção para ver se escutava sons vindos da praça, mas não me lembro de nada, apenas de grande iluminação vinda da área.

Logo que saímos o barco da Polícia Federal veio atrás de nós, com os faróis e sirenes ligados. Levei um susto. Acho que queriam conferir documentação ou autorização. O dono do barco pulou para o barco da polícia e aparentemente resolveu tudo.

A viagem durou 2 dias e meio. Chegamos na 2.a feira 15/04 perto da hora do almoço. Durante a viagem um dos trabalhadores do barco disse que iria arrumar uma namorada para mim. Perguntou a uma passageira se achava que eu iria conseguir uma namorada em São Gabriel da Cachoeira. Ela tirou os óculos escuros para ver melhor, passou os olhos do meu pé à minha cabeça e disse “Vai ser difícil hein!” 😀😀😀. Desmoralização completa. O funcionário ficou sem saber o que falar e eu caí na gargalhada. No meio da viagem houve um momento um pouco tenso, em que o barco precisava passar por um trecho com pedras e o dono reduziu a velocidade e foi com muito cuidado para não bater. Passamos também por um conjunto de montanhas (isso mesmo, montanhas na Amazônia) que chamavam de Bela Adormecida, pois parecia uma mulher deitada.

Paramos em algumas cidades, mas muito menos do que na viagem no Rio Solimões, sendo as principais Novo Airão, Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro. Em algumas desci rapidamente para dar uma volta enquanto havia o embarque e desembarque. Conheci um homem no barco que estava voltando para Santa Isabel depois de muitos anos e não sabia como a família e os outros iriam recebê-lo. Passamos pela margem onde aparentemente morava isolada uma família e o dono do barco perguntou se tinham macaxeira (imagino que para vender), mas ele disse que ela ainda estava na roça e não fizeram negócio. Numa das paradas o dono do barco me pediu R$ 50,00 emprestados para fechar negócios. Eu achei muito estranho, que poderia ter relação com ele ter ficado insatisfeito com o desconto que me deu, mas emprestei. Nas paradas e dias seguintes sempre perguntei a ele sobre a devolução e ele me disse que ainda não tinha e por fim que eu fosse ao escritório dele em São Gabriel, que me devolveria lá.

Chegando em São Gabriel fui hospedar-me num dos 2 (acho que eram só 2) hotéis da cidade naquela época. Fui muito bem atendido. O preço foi algo como R$ 20/dia, se bem me lembro com direito a café da manhã.

Para as atrações de São Gabriel da Cachoeira veja https://www.feriasbrasil.com.br/am/saogabrieldacachoeira e https://www.brasilturismo.com/am/sao-gabriel-da-cachoeira. Gostei bastante desta cidade. Os pontos de que mais gostei foram a visita aos índios baniwas, a praia do Rio Negro, as paisagens naturais e as apresentações do Dia do Índio.

Como era uma cidade com muita presença indígena, fui tentar me informar sobre como fazer visita a comunidades indígenas. Fui ao Instituto Socioambiental, onde conversei longamente com alguns membros. Um deles explicou-me sobre a realidade da região e disse que não era regulamentado turismo em área indígena. Disse que não seria uma boa ideia ir às comunidades mais distantes, posto que não seria fácil e que os seus membros estavam vindo para a cidade para as comemorações do Dia do Índio. Falou-me de uma comunidade baniwa que achava ser bem aberta a visitantes de fora, inclusive mencionado uma turista estrangeira que tinha ficado lá (acho que tinha até dormido) e tinha gostado muito. Falei também com missionários, que me deram suas impressões.

Perguntei sobre ir até o Pico da Neblina, mas disseram-me que eram vários dias de viagem pela mata, passando em território ianomâmi, precisando de autorização. Aí eu desisti 😀.

Fui até a loja de material de construção do dono do barco para tentar reaver o dinheiro. Mas já fui preparado para não conseguir e meio preocupado, pois achei que ele poderia ter alguma reação violenta e poderia estar armado. Mas ele me recebeu no balcão, sem problemas. Pegou a nota de R$ 50,00 e ficou olhando para ela, esticando-a, pensando e depois de algum tempo resolveu dá-la para mim, com o ar meio melancólico. A mulher dele, que estava ao lado, olhou com a fisionomia séria, como que não entendendo aquela cobrança que eu estava fazendo. Ele disse que voltariam no sábado, que eu não precisaria pegar o ônibus para ir ao barco, pois como seu barco era menor do que o outro, poderia ir até o porto da cidade, disse que seriam os primeiros a chegar no domingo em Manaus, logo no início da tarde. Depois de toda esta situação constrangedora e que me pareceu totalmente desnecessária, nem de longe me passou a ideia de voltar com ele. Interessante que se ele não tivesse feito nada disso e não tivesse me dado desconto, eu provavelmente teria ido e voltado com ele, pois realmente ele era a melhor opção.

Fui dar uma volta pelos arredores da cidade. Achei muito belas as paisagens, com montanhas ao longe e, ainda assim, com bastante floresta. Indicaram-me um local em que havia uma cascata e eu fui até lá andando para apreciar a paisagem. Lá, aproveitei para usufruir do ambiente e da cascata. Havia uma mulher com seu filho. Ela estava deitada tomando sol e ele brincando. Conversei um pouco com ela, mas fiquei meio desconfiado da situação, ainda mais porque estava com documentos e todo o dinheiro que tinha. Ela percebeu e até me falou “Eu não vou te comer”, o que me fez achar que estava preocupado em demasia e ficar mais próximo para conversarmos.

Fui também andar pela margem do Rio Negro, para ver as corredeiras. Disseram-me que não era possível tomar banho ali. Realmente parecia perigoso, pelas pedras e pela força da água. Um rapaz me disse que até aquele dia só havia visto índios fazerem isso. Achei bem interessante um rio daquele tamanho, com aquele volume de água, ter corredeiras como aquelas, com muitas pedras no seu leito. Disseram-me que o nome da cidade devia-se a elas.

Fui também visitar os projetos sociais dos salesianos, onde não fui muito bem tratado. Perguntei se conheciam alguma comunidade indígena que poderia visitar, mas não foram nada receptivos. Depois o religioso indicou-me um assistido para me apresentar partes da obra.

No final do dia eu costumava ir para uma área de banho que havia em frente ao hotel, onde algumas pessoas se banhavam. Era delicioso 👍. O clima era quente e a água morna, com remansos. O único ponto que me preocupou foi que aquelas picadas que eu tinha sofrido há cerca de 10 dias, na viagem para Manaus, tinham piorado e ficado um pouco sanguinolentas. Isso me preocupou muito em relação às piranhas, mas me disseram que daquele jeito não havia problemas.

Durante a minha estadia, à noite, após jantar na barraca de churrasquinho sem comer carne, geralmente eu ia a um local de encontro do índios, acho que era a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, onde estava havendo comemorações e palestras referentes ao Dia do Índio. Vi várias palestras sobre organização dos índios e espetáculos com danças de várias tribos. Achei muito interessante ::otemo::. Pareceu-me haver bastante elementos comuns nas danças.

Na 6.a feira 19/04, Dia do Índio, meu último dia lá, fui visitar a comunidade baniwa, que haviam sugerido. Fui muito bem recebido. O índio Moisés, um jovem na faixa dos 20 anos, acompanhou-me para várias atividades na aldeia, fomos colher uma planta que eles usavam e me apresentou vários pontos em que faziam suas tarefas. Na volta do caminho para a colheita, vimos uma garça e eles comentaram que voltaria mais tarde para caçá-la. Tomei boa parte de um copo enorme de vinho de pupunha (acho que era isso). O cacique aposentado Luís riu e disse, "que bom, mas nós costumamos tomar tudo", pegou o copo e tomou o resto que eu deixei. Não era muito forte, mas parecia alcoólico. Ele me deu um livro feito por antropólogos que narrava as tradições religiosas dos baniwas. Fiquei algum tempo lendo, pois gosto de conhecer a visão espiritual dos povos. Pediram-me para tomar conhaque também.

Fomos almoçar, fizeram pratos especialmente para mim, comi tudo que eles ofereceram, inclusive frango. Haviam-me dito que quando se recusa algo que os índios oferecem, eles se magoam e diminuem muito a empatia que têm com a pessoa. Mesmo sendo vegetariano, para não ofendê-los, resolvi comer.

Depois do almoço, houve discursos em comemoração ao Dia do Índio. Após, eles começaram a tocar fizeram várias danças, das crianças, das mulheres, dos jovens e por fim, convidaram-me para a dança dos homens. Eu aceitei. Pediram-me para tomar um pouco de pinga 51 antes. Eu, que não costumo beber, depois de já ter bebido vinho e conhaque, tomei um pouco de pinga e fiquei com os reflexos bem mais lentos. Mas fui dançar com eles mesmo assim. Tome cuidado para não cair. Ouvi muitas risadas enquanto dançávamos com os braços entrelaçados. No fim aplaudiram. Um dos rapazes da equipe social (acho que da prefeitura) disse-me que eu tinha ido bem, pois como não sabia nada do contexto, tinha procurado adaptar-me. Luís começou a tocar uma música para mim, acho que por ter achado simpática minha posição ao longo da visita. O cacique atual (acho que era Antônio) veio falar comigo, falou sobre as dificuldades da vida deles, explicou que tinha se tornado cacique porque Luís tinha ficado velho para as obrigações da função.

Antes de eu ir embora, pediram-me para fazer um discurso. Em princípio eu disse que não era necessário, mas como repetiram o pedido, resolvi atendê-los. Falei bem pouco, basicamente que não perdessem a sua bondade e simpatia, independentemente do que acontecesse no mundo. A sala ficou superlotada para ouvir. Acho que não estavam acostumados a visitantes totalmente de fora.

Peguei o ônibus por volta de 16h e voltei para a cidade (acho que eram cerca de 10 km ou 15 km). Na sede da cidade tinham ocorrido competições em comemorações do Dia do Índio.

No sábado 20/04 peguei o transporte até o porto mais distante e peguei o barco do Tanaka para Manaus. A viagem foi tranquila, sem entreveros. Conheci algumas pessoas que tinham ido até São Gabriel trabalhar com construção ou semelhante. Um deles me contou sobre a Festa de Parintins, de como havia gostado, como era cheia de gente e deu dicas de como ficar hospedado em barcos. Falou que havia bairros perigosos em Manaus, como Compensa, onde morava um dos outros, que confirmou que era um pouco perigoso mesmo. Falaram das comemorações do Dia do Índio, com certo ar de deboche comentaram que haviam visto índios velhos praticarem atividades esportivas. Conheci também outro homem nativo da região que me falou sobre a Amazônia e que achava que para conhecer mesmo como viviam tinha que ir de local em local, de bar em bar, e conversar com as pessoas.

Perto da chegada, já no domingo 21/04, pegamos uma enorme tempestade 🌧️, como antes acho que eu tinha visto poucas vezes, ou nunca. Não houve raios, mas a quantidade de água e o vento, estando o barco no meio do rio, pareceu assustadora. Eu estranhei que todos desceram para o andar inferior do barco, mas quando ela se acentuou eu entendi. Eu abracei uma televisão de 29 polegadas. Estávamos fazendo uma associação simbiótica. Eu segurava a televisão para não voar e ela me segurava para eu não sair voando 😀

Chegamos em Manaus no meio da tarde. Fui direto ao ponto de saída do ônibus para Itacoatiara, meu próximo destino. Cheguei em Itacoatiara perto do pôr do sol. Foi outra das poucas viagens por via terrestre. Rapidamente consegui encontrar um hotel e me hospedei.

Para as atrações de Itacoatiara veja http://www.amazonastur.am.gov.br/itacoatiara/ https://www.tripadvisor.com.br/Attractions-g2343328-Activities-Itacoatiara_State_of_Amazonas.html. Os pontos de que mais gostei foram o Rio Amazonas, o lago e as paisagens naturais, principalmente de floresta.

Na 2.a feira 22/04 fui explorar a área. Primeiramente dei uma volta pela cidade. Depois fui em direção à floresta, que me agradou bastante. Fui andando por algumas estradas de terra e vi uma pequena entrada que parecia ir até o lago. Resolvi entrar. Imaginei que poderia ser alguma área privada, mas achei que poderia bater palmas e pedir para entrar. Mas, dada a história de conflitos fundiários na Amazônia, fui um pouco preocupado. Comecei a ouvir latidos de cachorros 🐶 e algum tempo depois chegou um homem com uma espingarda ::ahhhh::. Cumprimentei-o e perguntei se poderia conhecer o lago. Ele perguntou de onde eu era e disse que sim. Eu disse para ele “Sou de paz” e ele me respondeu “Ah, a espingarda é por causa do gavião que está atrás das galinhas”. Eu achei que esta explicação não era verdadeira e pensei comigo rindo “Prazer, aqui é o gavião” 😀.

Fui até a beira do lago, que era muito bonito. Andei um pouco pelos arredores. Depois chegou seu filho de cerca de uns 20 anos e conversamos bastante. Ele era bem orientado às causas ambientas e bastante instruído, com grande cultura geral. Falou-me sobre a área, a vida ali, o clima, os raros surtos de frio, os problemas ambientais, a falta de consciência da população da cidade etc. Pedi para dar uma volta de barco a remo 🚣‍♂️ no lago e eles permitiram. Como nunca tinha remado muito, comecei a andar em círculos, até aprender que tinha que mudar de lado 😀. O pai foi até lá perto perguntando se eu precisava de ajuda, ao perceber minha completa inabilidade, mas eu tinha aprendido e disse que não precisava. Antes de entrar no barco, preferi deixar minha carteira com eles, pois se o barco virasse, todo o dinheiro e documentos estavam nela. Antes de sair conversamos um pouco ainda. Eles falaram que eu poderia voltar outro dia se desejasse conhecer mais a área, mencionando que aqueles pássaros que as câmeras mostravam bem de longe no Globo Repórter, eles podiam ver ali bem perto. E realmente eu vi muitos pássaros ali, inclusive pica-paus de vários tipos, que só tinha visto na televisão. Lembrei-me do desenho. Já perto do fim da tarde despedi-me e voltei pela estrada. Como de costume fui verificar minha carteira, para ver se estava tudo certo. Vi que tinha sido mexida. Fiquei preocupado. Verifiquei item a item e estava tudo lá. Não faltava nenhum documento, nenhum cartão e nenhum centavo. E olha que eu tinha perto de R$ 600,00 (equivalente a cerca de R$ 1.750,00 de 2020). Acho que fizeram isso para confirmar que a minha história era verdadeira, posto que para eles eu era um estranho.

À noite fui ao porto para tentar pegar um barco que passaria para Parintins perto de meia-noite. Fiquei observando o embarque de mercadorias em um navio enquanto esperava. Chamaram-me atenção dois fatos: quem comandava todas as operações era um estrangeiro (pareceu-me alemão) e os enormes caminhões carregados de madeira, que quando estavam dentro do navio, ficavam minúsculos. Descobri que tinha que pegar uma voadeira para ir de encontro ao barco no meio do rio. O dono da voadeira chamou-me perto de meia-noite e disse que o barco já iria passar. Fomos, emparelhamos com o barco andando normalmente e ele me disse para subir. Na primeira tentativa não consegui, pois com a falta de experiência, não dei o impulso necessário e o peso da mala me puxou para trás. O dono da voadeira fez cara de quem pensou que eu era um completo deslocado naquela situação e me disse “Vou te deixar mais perto”. Quase abalroou o barco grande com sua pequena voadeira, aí eu estava mais preparado e dei maior impulso, e mesmo tendo sentido o tranco da mala, consegui pegar a escada e subi. Lembrou-me aquelas cenas de filmes de piratas 😀.

Cheguei na 3.a feira 23/04 no meio da manhã. Hospedei-me na pousada de um idoso, num quarto sem luz no cômodo principal e bem antigo, por R$ 5,00 a diária. O dono não enxergava bem. Ele achava que meninos entravam na sua pousada para roubar coisas, o que poderia ser verdade, pois vi alguns por lá, ou poderia ser algum tipo de implicância.

Para as atrações de Parintins veja https://www.tripadvisor.com.br/Attractions-g1074268-Activities-Parintins_State_of_Amazonas.html. Gostei bastante de Parintins. Os pontos de que mais gostei foram a Arena do Boi Bumbá, as sedes dois 2 bois, com seus ensaios abertos ao público, a paisagem do rio, a orla, a igreja e a região central da cidade. Parintins foi um dos poucos locais em que aceitaram os tickets refeição.

Fiquei bastante tempo conhecendo pontos ligados ao festival. A arena pareceu-me bem grande e bonita, Achei interessante os símbolos da Coca-Cola e do Bradesco em azul, do lado do Caprichoso. As sedes também me pareceram muito interessantes, com exibição de itens ligados aos bois. Fiquei bastante tempo no ensaio na sede do Caprichoso, aproveitando para dançar um pouco, mesmo sem saber 😀. Havia muitos artesãos e costureiros ligados ao festival que se podia visitar também.

Comprei um guaraná de marca típica da Amazônia, que achei uma delícia. Ofereci um pouco para o dono da pousada que não quis. Fui também conhecer a igreja central, que me pareceu muito bela e grande. Se não me engano, estava escrito que era o maior templo católico do norte do Brasil. Achei magnífica a vista do pôr do sol a partir da orla elevada do Rio Amazonas 🌅.

Na 5.a feira 25/04 à tarde peguei um barco para Santarém, saindo do Amazonas e entrando no Pará. Depois de Manaus, as linhas de barcos eram bem mais confiáveis e com muito mais horários. Creio que neste trecho de barco ou em um próximo, a polícia federal parou o barco e pediu para revistar as bagagens dos passageiros. Quando me perguntaram quem eu era e o que estava fazendo, fizeram uma cara de decepção e perguntaram “Até quando você vai ficar na área?”. Perguntaram se poderiam abrir o fundo do meu sapato. Eu disse que sim, mas pedi que depois colocassem no lugar. Aí o policial analisou e desistiu, dizendo que achava não ser necessário.

Cheguei a Santarém perto de meia-noite. Perto de desembarcar, perguntei a um passageiro do barco se seria seguro sair andando àquela hora e ele me disse que poderia ser perigoso. Então resolvi pegar um táxi dirigido por uma mulher até um hotel. Pedi a ela que me indicasse um barato e acho que razoavelmente ela cumpriu.

Para as atrações de Santarém veja https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/santarem/ e https://www.tripadvisor.com.br/Attractions-g673261-Activities-Santarem_State_of_Para.html. Gostei bastante de Santarém. Os pontos de que mais gostei foram Alter do Chão, um parque de floresta preservada, a orla, o encontro das águas e as demais paisagens naturais.

No hotel um dos hóspedes falou-me de alguns pontos a conhecer no local e da política paraense.

Fui explorar a cidade, passeei pelo centro, apreciei a orla, que achei maravilhosa. O encontro das águas podia ser visto da orla, o que o tornava mais acessível do que o de Manaus. Como o Rio Tapajós tinha as águas mais claras do que o Amazonas, quase prateadas quando havia bastante sol, o contraste pareceu-me muito bonito. Caminhar na orla pareceu-me bastante agradável também, fato acentuado pela paisagem do Rio Amazonas.

Fui visitar um parque um pouco mais afastado. A vegetação de floresta estava completamente preservada 🌳, exceto pelas trilhas abertas no meio. Achei muito interessante. Nesta visita caiu uma das muitas chuvas que me fizeram tomar banho durantes os programas.

Fui também a Alter do Chão, de que gostei bastante ::otemo::. Quando cheguei havia bastante água e os bancos de areia do rio estavam separados das margens. Um dos barqueiros, provavelmente interessado em ganhar a passagem de travessia, disse-me para não ir nadando, pois havia jacarés 🐊. Fui perguntar a donos de comércios e me disseram que não havia. Então atravessei nadando o pequeno percurso. A vista da paisagem a partir de um banco de areia afastado da margem pareceu-me tornar a paisagem mais bonita ainda, acentuando a impressão de que se estava no meio da natureza. Havia poucas pessoas lá, o que tornou esta sensação mais real. Achei os banhos de rio deliciosos. Atravessei de volta e não tive nenhum problema com jacarés. O mesmo barqueiro repetiu em tom de gozação “Cuidado com o jacaré” depois que eu saí da água.

No fim do dia do sábado 27/04 peguei um barco para descer o Rio Tapajós até Itaituba. A viagem durou toda a noite. As paisagens foram magníficas. O amanhecer visto do rio foi maravilhoso 🌅. Chegamos de manhã.

Para as atrações de Itaituba veja https://www.guiadoturismobrasil.com/cidade/PA/582/itaituba e https://turismonotapajos.com.br/pt-itaituba. Os pontos de que mais gostei foram a Natureza e o Rio Tapajós.

Dei um passeio geral na cidade, que realmente parecia atrelada ao garimpo, e depois fui explorar as áreas naturais no entorno. Como a margem do rio estava bem ocupada por casas, num terreno parcialmente aberto, em que havia pessoas trabalhando, perguntei ao dono se poderia tomar um banho de rio e ele disse que sim, sem problemas. Tomei alguns banhos, fiquei um pouco na margem, agradeci e prossegui. Em outros momentos fiquei apreciando a paisagem do Rio Tapajós, que me pareceu magnífico, sem a urbanização existente em Santarém, o que ressaltava seu aspecto natural.

Fui procurar informações sobre visita ao Parque Nacional da Amazônia. Aqui ou em Santarém encontrei o supervisor que me deu orientações e me disse que não era aconselhável andar a pé por certas áreas. Contou a história de um rapaz, que disse que iria andando até Jacareacanga. Ele encontrou com o rapaz e explicou que no parque havia onças e ele não poderia fazer aquilo, mas o rapaz não o obedeceu e disse que iria assim mesmo. Dias depois ele encontrou o rapaz na cidade e perguntou o que havia acontecido. Ele disse que quando havia caído a noite começou a ouvir os esturros das onças e fez uma fogueira, o que as manteve afastadas. No dia seguinte voltou imediatamente para a cidade.

Na segunda-feira 29/04 logo depois do almoço peguei um barco para São Luiz do Tapajós. O barco era bem lento e demorou cerca de 3 horas para chegar. Era um povoado bem pequeno, nem policiamento tinha.

Para as atrações de São Luiz do Tapajós veja https://turismonotapajos.com.br/pt-itaituba/sao-luiz-do-tapajos/. Os pontos de que mais gostei foram a natureza quase intacta, a floresta, o Campo dos Perdidos, o rio e a pequena comunidade local.

Assim que cheguei, já perto do fim da tarde, encontrei o líder comunitário local, que se chamava Chico Mendes (não sei se era seu nome mesmo ou era uma alusão ao líder seringueiro de Xapuri no Acre). Lá não havia hotéis nem similares. Perguntei a ele se poderia dormir na mesa de bilhar que havia e ele me respondeu “Nããão! Vai empenar a madeira” 😀. Ele me indicou um casal que poderia me hospedar em sua casa. A mulher se bem me lembro chamava-se Evilásia. Eles me disseram que poderiam me receber, porém eu dormiria numa rede na sala. Concordei. Perguntei se fariam jantar e disseram que sim. Perguntaram-me se comeria peixe e respondi que sim, pois era o alimento que costumavam consumir regularmente. “Peixe com arroz está bom”, eu disse. Fui rapidamente dar uma volta pelo povoado, para conhecê-lo melhor e quando voltei para a casa, vi Evilásia voltando do mercado com um pacote de arroz. Perguntei a ela “Mas você foi comprar arroz?” e ela me respondeu “Nós não costumamos comer arroz aqui”. Disse-me que a comida costumeira é peixe com macaxeira. Fiquei envergonhado de ter pedido o arroz 😳.

Na 3.a feira 30/04 fui ao Campo dos Perdidos. Ensinaram-me o caminho com muitas referências naturais, como passar por plantação de maniva (mandioca), virar quando encontrasse um cajueiro etc. Obviamente, eu, um urbanoide, errei o caminho e me perdi. Mas ainda assim cheguei na beira do riacho em que precisava pedir para um índio me cruzar. Pedi e ele me cruzou de canoa. Continuei, perdi-me bastante, mas cheguei a campos, que depois pelas fotos, vi que era o Campo dos Perdidos. Fiquei lá bastante tempo, pois a área era grande e com muitas nuances, ora com vegetação quase rasteira, ora com partes da floresta. Voltei à tarde, o índio atravessou-me novamente e não me perdi no caminho.

Num dos jantares, o dono da casa me disse que ele tinha sido operador de máquinas, mas que não o haviam aceito num dos trabalhos porque ele não tinha primeiro grau completo. Depois olhou para mim e disse “você certamente tem primeiro grau completo”. Falou também sobre tomar cuidado com a dengue e não beber água contaminada. Tentei explicar para ele que a dengue era transmitida pela picada do mosquito e não pela ingestão de água, embora água contaminada seja causa de muitos problemas de saúde.

Nesta mesma noite ou na outra, após já estar deitado na rede, olhando o ambiente, resolvi ligar a lanterna, para ver o que havia em volta. Ao iluminar a parede perto da minha cabeça, vi uma aranha 🕷️, grande, mas fina. Chamei a Evilásia e ela disse que a aranha não fazia nada. Mas para eu ficar mais tranquilo, matou a aranha. Não deu tempo para eu falar para ela não matar, visto que não era venenosa. Ela disse que se fosse uma aranha “mão de mico” aí eu deveria tomar cuidado.

Numa das noites eu estava sentado na porta da casa e alguns moradores locais vieram conversar e me conhecer. Um deles estava meio alcoolizado, perguntou meu nome completo, perguntou se tinha parentes ali e começou a levar a conversa para lados não muito amistosos. Eu resolvi me retirar. Um pouco mais tarde, já sem iluminação pública, ele voltou andando pela rua, bem mais alcoolizado, gritando que iria matar um. Eu já estava deitado, mas com a gritaria levantei e fui até o dono da casa para ver se ele estava bem. Ele disse para eu não me preocupar. A mulher dele estava preocupada com a possibilidade do raivoso estar com o facão. Mas a barulheira demorou pouco e nada de mais aconteceu.

Na 4.a feira 01/05 dei um último passeio pelo povoado, fui ver com Chico Mendes como cruzar o rio, despedi-me de todos e peguei uma carona com os meninos que estavam indo pescar ou fazer algo. Antes de sair ainda encontrei o homem que estava alcoolizado em um dos dias, agora perfeitamente sóbrio, convidando o dono da casa para pescar. Falei para ele sorrindo “Bebe menos <nome dele>”. Pouco antes de sair, fui me despedir de Evilásia e ela me deu pedaços de mandioca que estava cozinhando. A mandioca, provavelmente colhida há pouco, foi a melhor de que me lembro na vida. Deliciosa 🙂. Despedi-me deles, vários moradores vieram até o barranco para acenar para mim em despedida. Peguei o barco com os meninos e atravessamos o rio. Pareceu-me bem complicada a travessia, num tipo de canoa daqueles, com aquelas corredeiras fortes e pedras. Mas os meninos sabiam dirigir muito bem. Paguei R$ 1,00 pela travessia, perguntei se eles queriam mais cerca de R$ 0,20 que eu tinha e eles aceitaram.

Depois da travessia peguei uma pequena via de terra que me levaria até a Transamazônica. Quase não havia habitantes, mas pareciam ser propriedades privadas de fazendeiros. Cheguei à Transamazônica e rumei para o Parque Nacional da Amazônia. Depois de andar um pouco, cheguei a uma ponte que estava parcialmente caída, do lado aposto do rio à entrada do parque. Um particular havia posto um serviço de balsa para quem precisasse atravessar, majoritariamente garimpeiros, mas tinha desistido, devido a algum desentendimento na cobrança. Eu fui parcialmente pela ponte e joguei a minha mala para o outro lado, para o guarda parque pegar para mim. E atravessei o rio nadando 🏊‍♀️. Não era muito fundo na maior parte, mar era largo e com correnteza.

Tinham me falado para tomar cuidado, pois o parque tinha onças. Já havia perguntado para vários e todos me disseram que era só depois do KM 80 e eu iria somente até o KM 63 aproximadamente. O guarda parque confirmou o que haviam dito. Fiquei um tempo banhando-me no rio e explorando os arredores da casa de guarita do guarda parque. Depois, não querendo correr o risco de pegar o caminho à noite, fui em direção à sede para hóspedes.

Fui caminhando e agora havia muito pouco movimento, quase não havia mais propriedades privadas nem sinal de pessoas. Após ir-me afastando de uma obra, que acho que era de uma empreiteira, fui ouvindo cada vez mais baixo o motor do gerador a diesel e percebi a realidade. Estava só no meio da floresta, cercado por árvores enormes e mata de ambos os lados 😮. Neste momento fiquei preocupado. Já tinha pego um pedaço de pau e peguei mais um.

Fui caminhando naquele sol, numa velocidade um pouco baixa, devido à mala, o saco de pão, a garrafa de água e os paus. Andei cerca de 4 km. Passei um pequeno curso de água e ouvi um ruído bem baixo, que parecia de um trovão, mas o céu estava totalmente limpo, algo raro nas tardes chuvosas da Amazônia naquela época do ano. Achei estranho, mas continuei. Estava com receio de não haver a casa de hóspedes e como o sol aparentava ser por volta de 16h, decidi que se fosse mais um pouco e não aparecesse a casa, eu voltaria, pois não poderia ficar à noite naquela floresta com risco de possíveis onças. Havia uma subida, fui até a primeira curva e achei que era hora de voltar. Se eu tivesse ido mais uns 200 metros até a próxima curva, provavelmente teria visto a casa.

Comecei a voltar. Pouco depois avistei o pequeno curso de água. Lembrei do barulho de trovão e pensei comigo “Foi aqui o barulho daquele trovão”. Acho que menos de 1 segundo depois de eu ter pensado isso, ouvi um enorme esturro ao lado do mato ::ahhhh::. Aparentemente era uma onça 🐯. Saí correndo 🏃‍♂️. A vegetação lateral da estrada começou a se movimentar na minha direção. Continuei correndo e a vegetação continuou a vir em minha direção, tendo dado outros esturros. Creio que isso foi por uns 100 ou 200 metros. Aí, embora eu continuasse correndo, já cansado, o mato parou de se mover e os esturros começaram a ficar mais longe. Afastei-me ainda um pouco mais, para ficar numa distância mais segura e parei de correr, pois estava muito cansado. Passei a andar rápido. Eu estava tremendo do pé à cabeça. Nunca soube o que era suar frio 😰, que diziam nos desenhos e filmes da televisão. Descobri nesta situação. Voltei e cheguei à empreiteira.

Lá fui procurar por alguém, pois precisava de um lugar para passar a noite. Veio Risadinha, o responsável. Disse-me para esperar, pois sua mulher tinha subido numa árvore, pois havia ouvido o esturro de onças. Eu perguntei a ele se onças não eram só depois do KM 80 (nós estávamos antes do KM 60). Ele me disse que não, que eu estava enganado, ali havia muitas onças. Um cachorro havia sumido um dia e depois haviam encontrado sua ossada. Perguntei se poderia então passar a noite ali e ele me disse que não tinham estrutura para isso, mas que ele poderia levar-me até a sede do parque. Eu perguntei se existia de fato e contei que tinha ido e não tinha encontrado. Ele disse que existia, descreveu o caminho e me disse que provavelmente eu tinha voltado da porta da casa. Já no caminhão, contei para ele da onça e ele me disse que eu tinha tido muito sorte de não ter sido comido. Realmente eu voltei a menos de 1 KM do parque e, se tivesse ido até a outra curva na subida, provavelmente teria visto a casa da sede.

Chegando na sede, os dois funcionários vieram nos receber e perguntaram ao Risadinha se poderiam ter uma carona dois dias à frente. Ele nada garantiu. Pedi um copo de água e quando me deram, minha mão ainda tremia devido ao ocorrido. Contei a história e um deles me perguntou se não teria sido um macaco guariba. Quando fiz o barulho do esturro, deram risada e se convenceram de que era uma onça.

Para informações sobre o Parque Nacional da Amazônia veja https://www.icmbio.gov.br/portal/visitacao1/unidades-abertas-a-visitacao/200-parque-nacional-da-amazonia.

Fui conhecer um pouco dos arredores da sede, mas como já estava anoitecendo, vi pouco neste dia. Eles me mostraram o meu quarto e disseram que à noite haveria a semifinal da Copa do Brasil e eu poderia ver com eles se desejasse, pois eles ligariam o gerador a diesel. Não havia eletrificação na área. Disseram que poderiam cozinhar para mim, mediante pagamento, mas como eu tinha levado pão, preferi comê-lo.

Na 5.a feira 02/05, fui explorar as trilhas. Perguntei sobre onças e me disseram para levar um facão emprestado. Se uma onça aparecesse eu poderia me defender. Eu levei o facão e fui num estado de extrema atenção. No começo parecia um soldado medieval em batalha 😀. Depois me dei conta do ridículo e da inutilidade e fui relaxando. A trilha na mata preservada era espetacular. Vi uma aranha toda negra 🕷️, com pontos azuis brilhantes, que achei maravilhosa. Sua teia estava no meio da trilha e eu desviei dela. Fui até um curso de água e fiquei admirando a paisagem. Passei toda a manhã lá. Depois de explorar alguns pequenos ramos da trilha, que parecia bem pouco usada, posto que a floresta já a estava retomando, resolvi voltar. Na volta, resolvi tirar a teia daquela aranha do meio da trilha, pois ela poderia ser perigosa para algum passante, poderia ser venenosa, e até desconhecida da Ciência, num lugar selvagem como aquele. Mas não pretendia matá-la, apenas quebrar a teia. Mas quando levantei o facão para cortá-la, a aranha ficou muito nervosa e começou a correr, Fiquei até preocupado de uma aranha daquelas pular e me picar. E por outro lado, fiquei com dor no coração de tê-la assustado. Parei o movimento com o facão e depois o repeti, mas agora bem mais devagar, afastando-o da aranha e pegando só a ponta da teia, que caiu e saiu da trilha. Pedi desculpas para ela.

Já no início da tarde, como não havia mais trilhas abertas, a não ser na Transamazônica, em que eu tinha levado aquele susto, como um dos funcionários pretendia ir embora naquele dia, e como transporte ali era muito difícil de conseguir, resolvi voltar e seguir viagem. Ficamos esperando por uma carona, mas os raríssimos veículos que paravam, queriam cobrar preços altos. Enquanto esperávamos, ele me contou a história de um estrangeiro que saiu com uma câmera pela estrada e se defrontou com uma onça. O par da onça ou alguma outra, talvez filho, apareceu pelo outro lado. Por sorte dele, naquele exato momento, apareceu uma caminhonete lá longe na curva e teve um estouro de escapamento, que assustou as onças. Ele pegou carona com a caminhonete e foi embora. Contou sobre uma vez em que havia guiado uma família de argentinos e encontrado uma vara de porcos selvagens 🐷, dos quais conseguiram se distanciar, mas puderam apreciar. O argentino (pai da família) tinha problemas de locomoção e ele precisou carregá-lo em alguns pontos. Contou sobre uma vez que apareceu um veado 🦌 na estrada e ele o espantou para que não perdesse o medo de humanos e fosse presa fácil de caçadores. Ele me falou ainda de uma abordagem de pescadores ou caçadores ilegais que os cercaram certa vez e os ameaçaram de morte, por estarem fazendo seu trabalho.

Depois de razoável tempo esperando, passou uma caminhonete antiga, que aceitou nos levar pelo preço que o funcionário disse que era o padrão, antes da ponte ter caído, quando havia bem mais tráfego. Fomos com ele. Mas no meio do caminho a caminhonete quebrou. Precisamos pagar por outro meio de transporte, posto que não davam carona. Disseram que eu precisava pagar a diferença, não achei muito adequado, mas paguei mesmo assim. Chegamos até a guarita, reencontrei o guarda parque, conversamos sobre o que tinha acontecido, e fomos atravessar a ponte. Meu tênis, já bem desgastado, escorregava na ponte, ainda mais com o peso da pequena mala que eu carregava. Os carregadores atrás de mim ficaram bastante irritados, mas acabei conseguindo chegar ao ponto de cruzar para o outro lado e liberei o fluxo de passagem para eles. Do outro lado havia transporte que nos levou a Itaituba. Chegamos no fim da tarde, se bem me lembro.

Lá procurei um transporte para ir até Santarém de volta. Existia a possibilidade do barco e a da perua. Negociei com o dono da perua para incluir o preço do jantar na passagem (no barco era incluída) e decidi ir de perua, por achar que seria mais rápido e para variar um pouco. Fui para um dos últimos bancos. Paramos num restaurante e conversei com alguns dos passageiros durante o jantar. Um deles achou estranho meu estilo de vida, o fato de não ser casado nem ter filhos, de meus pais já terem uma certa idade (meu pai tinha 73 e minha mãe tinha 69 naquele momento). Outro disse que achava normal, era apenas um modo de viver. Eles quiseram pagar para mim e acabaram duplicando o pagamento do meu jantar, pois não havia dito a eles da minha negociação com o motorista para não gerar confusão. Seguimos viagem. Tirei meu sapato e minha meia molhada e cheia de terra provavelmente estava com um cheiro muito forte e desagradável, tanto que depois de algum tempo o motorista disse que estava uma catinga muito forte, que nem ele estava aguentando, e pediu para o responsável fazer algo. Eu disse que era devido a ter tirado o tênis e o recoloquei 😳. Provavelmente devido ao jantar, alguns dos passageiros tiveram problemas com gases e começou uma enorme brincadeira na perua. Eu não senti o odor, pois o foco era nos primeiros bancos. Num trecho da Transamazônica, em direção a Rurópolis, havia muitos caminhões parados (alguns eram carretas enormes) 🚚, atolados, há dias, alguns perdendo suas cargas perecíveis. Os motoristas e demais ocupantes estavam presos ali, dormindo e comendo no meio da estrada na floresta. Como os caminhoneiros sofrem ☹️! Nós tivemos grande dificuldade de passar, Várias vezes a perua patinou. Num trecho o motorista acelerou o máximo que podia e ela foi andando devagarinho até passar. Com isso, uma viagem que deveria levar menos de 2 horas, levou metade da noite (umas 6 horas aproximadamente). Chegando em Rurópolis, pegamos a Cuiabá-Santarém (BR-163), muito melhor que a Transamazônica, mas se bem me lembro, ainda não pavimentada naquele momento. Chegamos a Santarém no começo da manhã da 6.a feira 03/05, eu pedi desculpas pelo tênis. Como a viagem demorou muito, arrependi-me de ir ido de perua. O barco teria sido mais confortável e com paisagens mais belas. Deixaram-me em frente à sede do IBAMA ou ICMBIO para eu conseguir uma autorização para ir para a Floresta Nacional do Tapajós.

No escritório, os funcionários deram-me a autorização, disseram-me que era gratuita e que precisaria conversar com a comunidade local para saber onde ficar. Peguei uma perua ou micro-ônibus e fui até lá. Se minha memória não falha era na região de Belterra. Cheguei perto de 15h. Procurei o líder local, que era o Almiro (ou Almino). Ele recebeu-me e disse que poderia visitar, mas que era obrigatório ter um guia, senão a comunidade local não permitiria a visita. O guia custava R$ 25,00. Fiquei surpreso, pois tinha entendido que poderia ir por conta própria e não haveria esta obrigatoriedade. Mas como já estava lá, resolvi aceitar. Ele disse que poderia ficar hospedado na casa dele e depois pagaria pelo serviço completo. Aceitei. Comentou de estrangeiros (acho que eram europeus) que estavam fazendo uma viagem pelo mundo e haviam deixado suas bicicletas ali enquanto tinham ido a outro local. Disse que aqueles sabiam exatamente como tratar os seus anfitriões.

Fui dar uma volta pelas imediações, olhar o rio, conversei um pouco com sua mulher e depois fui tomar banho. Lá não havia chuveiro e o banho era num igarapé. No fim da tarde, horário em que fui, havia bastante gente. Perguntei aos outros se não se incomodavam ou prefeririam que eu voltasse para tomar banho depois e um deles me disse “Aqui não tem disso não. Pode tomar banho”. Todos tomavam banho vestidos como se estivessem na praia. À noite, durante o jantar, conversamos mais um pouco, conheci sua família e combinamos de fazer a visita no dia seguinte. Ele me falou de uma vez em que se perdeu na floresta por dias e ficou ouvindo os esturros das onças e de um companheiro seu de trabalho, negro, alto e forte, que foi morto por uma onça, que devorou seu coração e deixou o resto do corpo.

Para as atrações da FLONA do Tapajós veja https://www.icmbio.gov.br/flonatapajos/.

No sábado 04/05, após o café da manhã, saí com um dos filhos mais novos do Almiro para o passeio. Ele devia ter uns 16 a 18 anos aproximadamente. Fomos dar uma volta pela redondeza para explorar alguns pontos da FLONA. No começo do caminho ele parou para me mostrar uma aranha caranguejeira 🕷️ em seu meio natural. Abriu um fruto de castanha-do-pará recém caído da árvore. O gosto era delicioso 👍. Pensei que a castanha que tinha comido até ali era uma remota lembrança daquela, aberta logo após cair. Passamos por várias árvores. Ouvimos tiros. Eram de pessoas da comunidade caçando. Surpreendente para mim ver pessoas nos tempos atuais ainda vivendo da caça, sem serem índios ou totalmente isolados. Voltamos na hora do almoço. O rapaz foi bastante simpático e gentil e eu gostei do passeio.

Depois do almoço fui dar uma volta na beira do rio e contemplar a paisagem. Aproveitei para descansar um pouco dos dias anteriores, que tinham sido duros. Conversei bastante com a mulher do Almiro, que tinha sido professora e falou bastante da região. Comentou de um homem que os filhos tinham pensado que tinha ficado louco, quando após diferentes tentativas de uso de suas terras, tinha decidido plantar castanheiros. Naquele momento da conversa, ele é quem estava melhor financeiramente da região.

À noite, um outro filho de Almiro que morava em Macapá chegou para visitá-lo. Lá trabalhava como mototaxista. Falou como conseguia dinheiro facilmente trabalhando. Ele provavelmente disse "facilmente" porque estava comparando com a dura vida na roça, pois não me parece que mototaxista seja uma ocupação fácil. Comentou que ia trabalhando durante a noite e quando via estava com R$ 20,00 no bolso. Falou também que já tinha sido assaltado. Ao falarmos sobre ecoturismo, comentaram que havia um ninho de gavião ali perto e eles precisavam estabelecer a localização precisa, para poder mostrar a visitantes. À noite boa parte da comunidade foi até uma casa em que havia gerador de eletricidade a diesel e televisão para assistir a novela da Globo.

No dia seguinte, domingo 05/05, fui dar uma volta na beira do rio. O pessoal tinha ido à missa de domingo. Lembrei de quando a minha mãe, que era de uma cidade pequena do interior de São Paulo, dizia que mesmo as pessoas mais pobres colocavam suas melhores roupas para ir aos eventos socialmente importantes. E ali a missa certamente era um dos pontos de encontro e referência da comunidade. Fiquei sabendo que passaria um barco para Santarém. Em vez de esperar o ônibus da tarde, que não era certeza que operasse no domingo e nem em qual horário sairia, resolvi esperar pelo barco na margem. Procurei pelo meu guia, esperei bastante, mas nada dele aparecer. Um pouco a contragosto, resolvi pagar para o Almiro. Preferiria ter pago diretamente a ele, mas estava ficando arriscado perder o barco. Paguei R$ 40,00 incluindo a estadia, refeições e o guia. Cerca de meia hora ou 1 hora depois de eu ter pago, o guia voltou. O barco demorou até o começo da tarde. Peguei-o e fui até Santarém.

Cheguei em Santarém no meio da tarde e descobri que iria sair um barco para Macapá em algumas horas. Decidi ir para lá, antes de ir para Belém. Peguei o barco e a viagem durou um dia e meio. As paisagens foram espetaculares, tanto da floresta quanto do rio. Durante a viagem conheci um garimpeiro, que me contou de suas aventuras no garimpo. Tentei falar para ele dos problemas que o mercúrio poderia gerar, mas ele não pareceu muito receptivo. Conversando com os passageiros e tripulantes, disseram-me que se eu saísse do barco no horário em que iríamos chegar, provavelmente seria assaltado. Disseram-me “Vão tomar sua bolsa”. Conversamos também sobre o velejador Peter Blake, que havia sido assassinado poucos meses antes por piratas. Disseram-me que era em outro porto, a Fazendinha, onde não havia segurança. Pedi então ao dono do barco para passar a noite ali e ele permitiu, sem problemas. Chegamos no Porto de Santana em Macapá perto de meia-noite da 2.a feira para a 3.a feira.

Na 3.a feira 07/05 de manhã, saí para procurar acomodação e ir conhecer a cidade. Fiquei num hotel perto do centro. Tinha comprado uma espécie de queijo manteiga e o deixei dentro da mala no quarto. O ambiente no entorno do porto pareceu-me um pouco sombrio. Talvez eu estivesse pré-condicionado. Fui me informar num órgão municipal (acho que era algum setor da prefeitura, se me lembro). As moças foram muito gentis e me falaram das atrações da cidade, comentando que as públicas eram todas gratuitas.

Para as atrações de Macapá veja https://www.passagenspromo.com.br/blog/o-que-fazer-em-macapa/, https://www.portalsaofrancisco.com.br/turismo/macapa e https://www.tripadvisor.com.br/Attractions-g1015728-Activities-Macapa_State_of_Amapa.html. Os pontos de que mais gostei foram a fortaleza, o Marabaixo, os museus, a comunidade quilombola e o rio em Curiaú. Achei alguns pontos da periferia da cidade um pouco suspeitos em termos de segurança, mas acho que foi só a impressão por não estar acostumado com a cidade.

Fui dar uma volta pela cidade e conhecer os museus, monumentos e espaços públicos. Achei interessante haver um monumento onde cruzava a linha do equador. No barco, um morador local havia dito para mim que o Zico, quando deu o pontapé inicial para inaugurar o estádio, cuja linha de meio de campo coincidia com a Linha do Equador, disse que ele seria o primeiro jogador a chutar de um hemisfério para o outro. Os habitantes locais pareciam muito amáveis e queriam que eu conhecesse as riquezas de sua cidade. Às vezes até exageravam de tanta cordialidade e tinham enorme expectativa com as impressões que eu estava tendo. Espero não tê-los decepcionado, se não dei tanta atenção em alguns momentos quanto esperavam.

Numa das noites fui à casa onde ficava uma comunidade de origens africanas, em que faziam uma espécie de festejo típico, com música, dança e gengibirra (espécie de pinga de gengibre). Receberam-me muito bem. Havia pessoas brancas que faziam parte do grupo também. Uma delas estava aniversariando e falou, sorrindo, parecendo um pouco conformada, até alegre, que não tinha tido dinheiro para comprar um bolo, mas que tinha comprado uma garrafa de refrigerante de 2 litros para não deixar passar em branco. Na hora eu pensei em ir comprar um bolo para ela, mas sem conhecer bem o local e com os festejos já começando, acabei desistindo, pois não costumo agir por impulso, mas acho que nesta situação deveria ter aberto uma exceção. Já depois de ter anoitecido, soltaram fogos de artifício e o pessoal (incluindo os mais velhos) saiu como se fosse um bloco para dar uma volta no quarteirão. Eu fui um pouquinho e depois voltei e resolvi esperá-los. Se bem me lembro a música que a matriarca cantava era “Vamo vamo minha gente que uma noite não é nada, se não dormires agora, dormirás de madrugada! Lá lá ê”. Imaginei como os vizinhos que precisassem acordar cedo se sentiriam 😀.

Na 4.a feira 08/05 fui a Curiaú. Fui conhecer a comunidade quilombola, suas exposições e o modo como viviam. Receberam-me muito bem. Achei interessantes as tradições antigas que procuravam preservar em seu museu. Depois fui ao Rio Curiaú. Havia uma espécie de piscina meio natural meio artificial, e volta da qual havia uma espécie de praça, com vendedores de alimentos e diversão. O rio passava ao lado ou no meio dela. Como gosto de nadar, resolvi entrar nela e fui em direção ao rio. Saí daquela área e comecei a descê-lo. A área ficou bem mais natural e o rio parecia tranquilo. Após uns 5 minutos descendo, vi que começava um pouco de vegetação aquática vindo das margens (eu estava bem no centro). Virei e resolvi voltar. Aí eu percebi como eu sou um completo sem noção 😀. Comecei a nadar 🏊‍♀️ de volta e percebi que não saía do lugar. Senti então a força da correnteza. Comecei a ficar preocupado, pois estava cansando e o meu progresso era muito pequeno. Comecei a variar de estilo, para não ter cãibra e isso acabou funcionando. Demorei cerca de 50 minutos para subir o que tinha descido em 5. Perto do fim, uns 10 minutos antes de chegar, começou uma tempestade 🌧️, ainda bem que sem raios. O rio começou a ficar meio agitado, mas nada que colocasse em risco a minha subida. Cheguei e saí da água, um pouco cansado, mas com a situação ainda sob controle. Após esperar um pouco pelo fim da chuva, ouvi o rapaz da barraca de açaí chamar-me. Eu tinha ido até lá antes de entrar na água para perguntar se ele aceitava ticket refeição e ele tinha dito que não. Agora, quando lá cheguei ofereceu-me de graça uma tigela de açaí. Agradeci, mas como tinha dinheiro, paguei-o. Enquanto comia, ele me disse que as pessoas ali quando me viram começar a descer o rio, comentaram que achavam que provavelmente eu não conseguiria voltar e iria morrer afogado. Fiquei surpreso e pensei comigo porque não haviam gritado para me avisar, mas imagino que como eu tinha aparência de não ser local, devem ter ficado com algum tipo de receio. Alguns rapazes confirmaram que acharam que eu poderia não conseguir voltar e depois, provavelmente devido a isso, ofereceram-me carona de volta para Macapá.

À noite, assisti a primeira partida da final da Copa do Brasil entre Corinthians e Brasiliense, em que o Brasiliense foi prejudicado pela arbitragem. Um baiano, que assistiu parte comigo, fez gozação quando o Brasiliense empatou, pois achou que eu era corintiano. Mas ficou aborrecido com os erros da arbitragem.

Na 5.a feira 09/05 de manhã peguei um navio 🛳️ (a primeira embarcação de aço de toda a viagem) para Belém. Cheguei lá na 6.a feira 10/05. O navio era bem maior do que os outros barcos que eu havia pego antes. Em Belém hospedei-me perto do centro, subindo uma avenida a partir do porto. O hotel era grande e no estilo antigo.

Para as atrações de Belém veja https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/belem-2/ e https://belemdopara.com.br/2020/02/16/10-passeios-em-belem/. Os pontos de que mais gostei foram as áreas verdes, praças, os museus amazônicos, prédios históricos, igrejas, o coco e todo o ambiente natural.

Fui explorar um pouco os arredores, aproveitando ainda o resto do dia. Explorei a área do porto, que tinha acabado de ser revitalizada e tinha lojas e restaurantes. Inclusive jantei lá num dos dias. No anoitecer fui até o terminal de passageiros dos barcos que iam até a Ilha de Marajó para me informar sobre preços e horários. Fiquei um pouco receoso do caminho deserto, principalmente depois que perguntei a um sorveteiro, que lá passava, sobre a segurança naquele horário e ele me disse “mais ou menos” e para eu andar pelo meio da avenida. Depois perguntei a um militar e ele me disse que ninguém iria mexer comigo e para eu ter fé em Deus. Mas não tive nenhum problema de segurança nem na 6.a feira nem no sábado.

No sábado 11/05 fui conhecer a Ilha de Marajó. Peguei o barco cedo no porto de Belém e cheguei a um porto na ilha (acho que era o Porto de Camará). De lá creio que peguei um ônibus para Salvaterra.

Para as atrações da Ilha de Marajó veja https://viagemeturismo.abril.com.br/cidades/ilha-de-marajo/, https://manualdoturista.com.br/ilha-de-marajo/ e https://turismodenatureza.com.br/roteiro-na-ilha-de-marajo. Os pontos de que mais gostei foram os búfalos, a fábrica de couro, o rio, os guarás, a praia do Rio Amazonas e a vegetação.

Chegando em Salvaterra perguntei a um habitante local o que ele recomendava para uma viagem de 1 dia, se é que era possível algo em tão pouco tempo. Ele me sugeriu conhecer a fábrica de couro, que fazia produtos vindos dos búfalos, dar um passeio pela vila local e depois ir até a praia do Rio Amazonas, apreciando a paisagem. E emendou dizendo que parecia um bom programa para 1 dia, com o que eu concordei totalmente.

Dei então uma volta no povoado, depois fui até a fábrica de couro e vi a enormidade de produtos que eram feitos com o couro de búfalo, desde roupas até calçados. Embora eu já evitasse o uso de produtos que fossem feitos com a morte de animais, não deixou de ser interessante conhecer o processo produtivo e ver como era natural para os habitantes locais aquele tipo de atividade. Dali fui caminhando até a Praia do Rio Amazonas, que acho que já era no município de Soure. No caminho passei por área alagada, vi vários búfalos 🐃 e pássaros vermelhos 🐦, que acho que eram guarás, alguns nas costas dos búfalos 😀. A vegetação natural também pareceu-me muito bela. Havia fazendas mescladas com áreas de floresta.

Gostei da praia, parecia de oceano, dada a imensidão do rio. A água não era completamente doce, mas bem menos salgada do que a do mar a que eu estava acostumado. Fiquei lá algum tempo sentado ou deitado na areia contemplando e nadando às vezes. Depois voltei pelo mesmo caminho. Não me recordo se tive que pegar um barco para atravessar um rio. Lembro-me de ter passado por área alagada novamente e os búfalos e guarás continuavam lá.

Voltei no meio da tarde, pois já havia me informado sobre o horário de retorno do barco. Peguei novamente o ônibus, cheguei no porto e peguei o barco de volta. Já no fim da travessia conversei com um passageiro que havia entrado na cabine bem no começo da viagem, enquanto eu tinha ficado do lado de fora apreciando a paisagem. Ele disse que tinha ficado preocupado, pois passageiros habituados à travessia haviam dito que o barco estava “jogando” muito, devido à agitação do rio/mar 🌊.

Chegamos ainda com luz do sol, eu voltei caminhando para o hotel, aproveitando para apreciar um pouco mais a cidade de Belém.

No domingo 12/05, Dia das Mães, logo cedo liguei para minha mãe, para cumprimentá-la pelo dia. Ela tinha ficado bem tensa com a minha viagem e acho que gostou da ligação. Depois fui passear pela cidade para conhecê-la. À tarde passei pelo estádio do Paysandu, onde estava havendo jogo , e depois fui em direção ao Mangueirão, onde encerrei o dia. Jantei numa avenida com vários restaurantes.

Nos dias em que visitei Belém, apreciei muito as praças arborizadas 🌳 da região central, fui ao Museu Emílio Goeldi (https://museu-goeldi.br/), de que gostei bastante, tanto da área interna de exposição, como da área externa, que tinha inclusive alguns animais amazônicos soltos. Uma ave até implicou com o calçado de um visitante, mas, nas palavras do visitante “eles se entenderam”, quando ele levantou o pé em posição de defesa e ela resolveu não bicá-lo. Andei bastante pela orla, na época bem menos urbanizada e turística do que atualmente, mas já revelando sua beleza natural. Passei por um parque e uma área anexa que estava em implantação ali perto, fui ao Mercado Ver o Peso, vi o enorme comércio de Açaí e de produtos amazônicos típicos, achei interessante a Casa das Onze Janelas e todos os prédios históricos 🏛️ da região portuária e central. Fui também à Igreja de Nossa Senhora de Nazaré , onde um segurança pediu para eu tirar o boné, algo que estranhei e até pedi confirmação, o que creio que fez com ele desconfiasse das minhas intenções e depois me acompanhasse discretamente ao longo da visita.

Na 2.a feira 13/05, voltei a visitar a área central, mas desta vez numa parte que eu ainda não havia conhecido. Comprei 1 coco 🥥 por R$ 0,50 se bem me lembro, preço muito menor do que cobravam nas praças dos bairros residenciais de classe média e alta no domingo. Estava delicioso 👍. O vendedor escolheu um que tinha bastante massa e bastante água. No início da tarde voltei para o hotel para arrumar as coisas e ir ao aeroporto pegar o avião de volta. Lembro-me que durante o voo, quando a aeromoça perguntou e eu queria algo para beber eu perguntei se tinha suco de cupuaçu e ela riu, dizendo que não. O voo transcorreu tranquilamente e cheguei a São Paulo sem problemas.

  • Amei! 1

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