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PEDRA DO CARMO

 

Anos atrás, procurando por montanhas selvagens, me deparei com essa Pedra. Era um domo abaulado se destacando na paisagem, com um cume pedregoso, um monólito perdido na área rural entre Joanópolis e Piracaia, na verdade, muito mais perdido em lugar nenhum do que pertencente a alguma dessas cidades. Minhas pesquisas me levaram a um sit onde diziam que há muito tempo não se podia colocar os pés no cume porque os fazendeiros da região haviam fechado a passagem e colocado restrições para acessar a pedra, não queriam forasteiros andando por suas terras. Essa fazenda ficaria a não mais de 2 km da Pedra do Carmo e seria mesmo uma ótima opção, um caminho rápido, sem muitas bifurcações e sem o perigo de nos perdermos nas florestas de eucaliptos que por lá existem.

 

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Bom, se as restrições existiam, então era preciso encontrar um outro caminho, um trajeto viável partindo de outra fazenda que não tivesse tais restrições, ou fazer o mais radical, traçar um caminho varando mato e fugir dessas burocracias cretinas. Quem olha pelo mapa de satélite logo vê que se trata de uma cadeia de montanha, quase uma parede que sobe abruptamente pelo lado sul da pedra, seria uma subida quase escalando, mas me pareceu a única maneira de subir essa montanha sem levantar muitas suspeitas, teoricamente poderia ser viável, mas não havia garantia que também não seríamos barrados pelo sul, então apenas tracei a rota no mapa e lá deixei, perdido no limbo do meu computador até que um dia meu equipamento deu pau e esse arquivo também se perdeu para sempre e nunca mais nem me lembrei dessa tal pedra.

 

Estava de bobeira em casa, quando numa segunda feira, véspera do feriado da Revolução Paulista, o Alexandre me manda uma mensagem perguntando se eu conhecia a Pedra do Carmo, nas cercanias de Piracaia. Pensei, pensei e logo me veio à mente a figura daquela formação rochosa, mas imediatamente já respondi que até havia ouvido falar, mas por hora achava que ainda se mantinha a tal restrição. Foi quando o Alexandre me soprou que haveria um caminho vindo do Norte, 5 ou 6 km varando um reflorestamento de eucaliptos e alguma mata nativa e dizendo que se eu quisesse ir, passava na minha casa na manhã seguinte. Bom, não estava fazendo nada e como ele deu o aval para levar minha filha Julia e o Jairo, logo confirmei presença, ainda mais por ser inverno e sem nenhuma previsão de chuva.

 

Antes das 8 da manhã o Alexandre já buzinou no portão nos chamando para a aventura e logo pegamos a estrada para Joanópolis, já que o caminho mais perto do início da trilha seria pela cidadezinha e antes da 11 da manhã já lá estávamos lá, tomando café numa padaria e tirando fotos com lobisomens, já que o município se intitula a capital deles e para onde você vai os encontra para todos os lados.

 

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Do centro de Joanópolis sabíamos que deveríamos nos dirigir para sua mais famosa atração depois dos lobisomens, deveríamos ir direto para a CACHOEIRA DOS PRETOS, uma queda d’água gigante com 154 metros de altura, mas longe de ser a maior do Estado, como alardeiam as agências de turismo, querendo angariar alguns desavisados e desinformados. Muito porque é fácil ver que não são 154 metros em queda livre e sim em alguns degraus, mas quem olha de longe mal percebe isso, o que acaba dando um efeito belíssimo. Rodamos pouco mais de 15 km até a cachoeira e seguimos enfrente, buscando o caminho de quem vai para São Francisco Xavier ou mesmo Monte Verde, mas agora em estrada de terra. Andamos cerca de uns 8 km , mas não conseguimos encontrar a tal entrada da fazenda onde pretendíamos partir. Ao passar por um nativo, perguntamos como faríamos para acessar a Pedra e ele nos disse que deveríamos andar mais uns 2 km. Por mais 2 km andamos e quando vimos que não iríamos dar em lugar nenhum que pudesse nos levar até o local pretendido, ligamos o gps para constatar que já havíamos passado da entrada e mais uma vez provamos que nativos não conhecem nem a bunda deles. Retornamos e agora nos guiando pelo gps, localizamos a entradinha, que para quem vem da Cachoeira fica à direita, uns 7 km de estrada de terra. Adentramos por essa estradinha e rodamos uns 400 metros até interceptar uma sede de fazenda do nosso lado direito, mas é 50 metros antes da sede, do lado esquerdo, e é entrando por uma porteira de arame, para dentro da floresta de eucalipto que está a nossa "trilha".

 

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Vendo que havia um rádio ligado na fazenda, batemos para tentar a autorização e quem sabe guardar o carro, mas eu mesmo queria era entrar sem dar satisfação, vai que o dono já diz logo um NÃO. Mas pôr sorte não apareceu ninguém, então resolvemos estacionar o carro na beira da estrada, num recuo 50 metros depois da sede da fazenda, pegamos nossas mochilinhas com água, lanche e equipamentos essenciais e de sobrevivência, passamos pela cerca de arame que já estava aberta mesmo e caímos na capoeira, longe das vistas de qualquer pessoa.

 

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Estamos agora andando por estradinhas estreitas no meio de eucaliptos e vamos subindo suavemente até que uma curva para a esquerda fica um pouco mais íngreme e ao final de meia hora de caminhada, pouco mais de 1300 metros dá uma arrefecida e desce por uns dois minutinhos, mas logo volta para a ascendência, não muita coisa, mas suficiente para que minha filha Julia e o Jairo fiquem um pouco para trás. Eu e o Alexandre, macacos velho que somos, vamos dosando a passada, de tal forma que possamos papear e contar histórias e botar a conversa em dia. Passamos ao lado de uma área aberta pela nossa direita, onde um sítio domina a paisagem, mas sem o perigo de sermos vistos porque a casa está um pouco longe do caminho, mas logo acima somos flagrados por um nativo encostado numa moto e aí pensei que a casa tinha caído para a gente muito antes do esperado.

 

Cumprimentamos o nativo, que devolveu a gentiliza. Perguntamos sobre o caminho para a Pedra do Carmo: _” Oia moço, aqui ceis num chega em Pedra do Carmo não, o máximo ceis vai sair na Pedra do Medo “Fiquei com vontade de rir, mas me segurei. Há tá, pensei que era possível chegar por aqui, mas então como a gente faz para chegar nessa tal Pedra do Medo? –“Ceis vai reto e vira à esquerda, sai da fazenda e sobe na direção do Medo” Agradecemos como se tivéssemos compreendido o recado, seguimos enfrente e ao saímos da visão do “cai pa trás” da fazenda, viramos à direita rumo a Pedra do Carmo, caímos na quiçaça e fomos acompanhando o caminho no gps. Estava claro que o matuto não sabia nada de nada ou estava surpreso de alguém querer ir no Carmo por aquele caminho, sendo que nos disse que por ali não tinha trilha e poderíamos nos perder, mas ficamos felizes de termos dado um perdido no nativo, só assim poderíamos chegar no cume sem sermos incomodados.

 

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Seguimos enfrente, mas sempre tentando ignorar as bifurcações, tanto pela esquerda, quando pela direita. Verdade mesmo que aquilo é um grande labirinto e sem o gps até poderíamos chegar, mas não sem antes tomar uns perdidos. O caminho é sempre subindo, as vezes um pouco mais, outras vezes um pouco menos. Em alguns momentos o que era uma estradinha bem estreita acaba dando lugar para uma trilha e por vezes até é preciso ir varando algum mato e o caminho que até então segui na direção sul–sudoeste, vai se dirigindo para oeste e quase 4 km depois de iniciarmos na fazenda, tropeçamos numa cerca de arame, uma cerquinha mixuruca, mas que tivemos que pular por cima até que no fundo de um vale um grande tronco de araucária nos deteve por um instante.

 

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A tendência é pular o tronco e seguir em frente, buscando um rabo de trilha, mas esse não é o caminho. Exatamente no tronco é preciso virar a esquerda e varar uma língua de mata até interceptar o que parece uma estrada larga e desimpedida, mas que na verdade não passa de uma espécie de asseiro de uma antiga linha de transmissão, aliás, se subíssemos por ela, meio que voltando encontraríamos uma grande torre, mas aí estaríamos fora do nosso objetivo. Então ao encontrar esse asseiro, passe reto por ele e continue meio que descendo para sudoeste e logo a frente vai começar a descer sem dó, em um caminho até escorregadio por uns 400 metros até interceptar uma estradinha que cruza o caminho e que é preciso virar radicalmente para a esquerda e ir subindo, passando por uma grande rocha e uns 400 metros depois da bifurcação, curvamos para a direita no enfiando numa trilha mais fechada, começa aí a subida derradeira para a Pedra, estamos a 500 metros do cume.

 

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No início a trilhinha é meio confusa, mas é só prestar bem atenção, um olhar mais apurado e perceber que é só seguir em frente, quase reto até que ela se abre numa área que seria possível até acampar, mas mais à frente desembocamos numa área melhora ainda, onde uma parede rochosa nos alegra a alma, finalmente encostamos de vez na pedra e já começamos a nos arrepender de não termos trazido nossas barraquinhas para acampar.

 

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Estamos agora a 1.340 metros de altitude e já percorremos uns 5 km de caminhada e vamos começar a subida rochosa até o cume. A trilha entra novamente na matinha, mas ainda é meio apagada por isso é preciso ter em mente que devemos sempre estarmos colados a rocha do nosso lado esquerdo. Vamos na ascendência tentando saber qual o local exato de abandonar a trilha e subir a pedra, mas logo a frente uma rampa, localizada por uma pedra meio quadrada nos chama para o estirão final. Vamos escalaminhado, sentindo o maravilhoso gosto de estar com os pés grudados na rocha nua e crua e esse é o momento que tanto esperamos, foi para isso que viemos. Vamos nos curvando à direita até que o caminho é bem óbvio.

 

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Do nosso lado esquerdo, ao longe a grande cidade de São José dos Campos e todo o Vale do Paraíba e atrás de nós já despontam a cadeia de montanha de Monte Verde, com o Chapéu do Bispo e o selado dominando as grandes altitudes da região. Chegamos na parte em que a pedra é mais plana, mas o cume ainda está mais à frente, sendo necessário cruzar um pouco de mato rasteiro, subir um degrau a atingir de vez de vez seu topo, finalmente na PEDRA DO CARMO com seus 1.433 metros de altitude, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos, mas foi o que marcou o GPS.

 

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Estamos à beira de um abismo gigante, mesmo que não seja possível perceber isso por ser um topo abaulado, mas as fotos tiradas com o drone do Alexandre não nos deixam dúvidas e ainda é possível comprovar isso olhando para a estradinha lá embaixo, na parte sul da pedra, é uma cadeia de montanha realmente impressionante. A oeste também temos uma vista bonita de outro cume proeminente e seus paredões abruptos.

 

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Gastamos cerca de 3 horas de caminhada, uma pernada gostosa e descompromissada, em uma montanha que parece não receber gente há muito tempo, não existe nenhum lixo e nem vestígio de que esteja sendo frequentada. Finalmente podemos estar em paz em uma montanha, já que ultimamente as altitudes veem sendo atacadas por arruaceiros sem nenhum compromisso com o montanhismo, aproveitamos o tempinho fresco para tomar um sol, fazer um lanche e jogar conversa fora. O Alexandre botou o drone para voar e lá ficamos por umas duas horas, apenas nos dedicando ao ofício de não fazer nada até que descobrimos que não é possível ser feliz para sempre, botamos as mochilas nas costas e retornamos para o mundo dos homens, porque o feriado acabou e era preciso voltar a ser escravos do sistema.

 

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A volta foi rápida, sem mais percalços. Quando chegamos de volta na sede da fazenda encontramos os donos por lá, mas não nos disseram nada, então apanhamos nosso veículo e saímos vazados e para nossa infelicidade, pegamos um caminho errado e fomos nos perder numa estrada sem saída e tivemos que retornar, mas depois de reencontrarmos a Cachoeira dos Pretos, pegamos o asfalto e uma 3 horas depois já estávamos estacionados em casa, num canto qualquer perdidos na periferia de Sumaré-SP e o Alexandre foi se perder para o lado de Americana, onde se esconde há um bom tempo.

 

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O mundo do montanhismo vem passando por uma mudança, estamos vivendo um tempo sombrio, que jamais pensávamos que poderíamos passar. O modismo, causado pelo acesso a informação, tem levado cada vez mais gente para as montanhas e o que poderia ser uma ótima notícia, democratizando o acesso de todos ao mundo selvagem e mais humano, acabou por se tornar um grande problema, levando também os indivíduos toscos que resolveram levar para os cumes os seus costumes cretinos e devastador. Mas também acho que isso não tem mais volta e é preciso que se distribua essa gente, que estão entulhando sempre os mesmos lugares, por sorte ainda podemos contar com lugares mais reservados como a PEDRA DO CARMO e outras montanhas mais selvagens, lugares que essa gente ainda vai demorar muito tempo para descobrir e pelo menos por enquanto, ainda serão nossos refúgios de paz e sossego.

 

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DIVANEI – JULHO/2019

 

Editado por divanei
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