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Travessia 7 picos do Caparaó, em solitário.


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Travessia 7 Picos do Caparaó

 

Como tive férias na última semana de julho, fui visitar meus pais na cidade de Ibatiba, sul do Espírito Santo. Aproveitei que estava por lá para realizar uma travessia que estava de olho há muito tempo, fruto de uma análise detalhada da região e com caráter exploratório. A travessia inicia-se no vilarejo de São João do Príncipe (ES), ao norte do Caparaó, passa por todos os principais picos da região (Tesouro, Tesourinho, Cruz do Nego, Pedra Roxa, Bandeira, Calçado e Cristal), e em lugares pouco conhecidos como a casa de pedra do arrozal e o Curral, finalizando em Alto Caparaó. Desses 7 picos, seis (exceto o Calçado) são reconhecidos pelo IBGE e estão entre os 14 mais “altos” do Brasil, exceto pelo Tesourinho, que é 21.

 

Antes de sair de casa, meu irmão disse que havia um casal de onças pardas na região, que inclusive, tinham pego um cachorro na semana anterior. E pra finalizar, contou algumas histórias de pessoas picadas por cobras, com destaque para a que a vítima chegou no hospital com os olhos, dentes e nariz sangrando. Vlw mano!! Era tudo que eu precisava!

 

Como o inicio da trilha fica a uns 50km de Ibatiba, meu irmão me levou de moto até lá. Foi bem tenso andar de moto com a cargueira, principalmente em subidas íngremes. Já cheguei com uma perna e um braço doloridos pelo esforço de me manter sobre a moto. No vilarejo, enquanto íamos para o inicio da trilha, meu irmão perguntou a 3 moradores locais se era possível chegar ao pico da Bandeira a partir dali, todos disseram que não, o último completou enquanto ria: “só se for voando”, essa parte foi ótima, meu irmão me olhou com uma cara de “cê é doido?!!”. Nos despedimos, ele voltou para Ibatiba e eu segui minha empreitada "suicida".

 

Dia 1: A exaustiva subida.

 

Após uma cuidadosa análise à carta topográfica, as 11:35h iniciei a pernada, passei por um riacho que cruzava estrada e segui subindo ao fim das lavouras de café. Enquanto subia vi pegadas recentes, provavelmente de um grupo que subiu ao pico no fim de semana. Mais acima passei debaixo de uma pedra curiosa que parecia até uma laje, e logo a frente havia um belo pé de limão, no qual peguei 3 limões. A esquerda havia uma mata rala com árvores e samambaias, nesse ponto ouvi o barulho de algo se movendo no mato. Parei e tentei ver o que era, pelas frestas vi um animal de médio porte andando pelo mato, mas não consegui ver direito. Como não sabia o que era, peguei o facão e passei bem atento.

 

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Laje de pedra

 

Por vota de 12:10h cheguei a uma clareira, que era o fim da estrada. Fiz um lanche rápido e logo peguei uma trilha a direita, que descia para um riacho. Após o riacho, a trilha pela seguia pela mata quase me linha reta. Quando eu estava quase chegando ao topo comecei a curvar para a esquerda, depois cruzei o topo do morro e continuei ladeando por um bom tempo até começar a descer e chegar outro riacho, por volta de 13:10h. Fiquei um bom tempo lá, fiz uma limonada e desci o rio sem mochila para explorar e tirar algumas fotos.

 

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Explorando o rio

 

As 14h continuei subindo a mata, encontrei algumas aves e vi dois macacos da cara branca, que fugiram rapidamente, sem me dar a chance de uma boa foto. O terreno foi ficando cada vez mais inclinado e passei em trechos de trilha bem funda, resquícios da habitação dos jesuítas naquela região. Segundo moradores, existe um cemitério jesuíta ali nas proximidades, mas infelizmente não tinha tempo para procurar. Após algumas curvas e uma pequena subida, sai da mata e cheguei numa área de camping onde tinha bastante lixo (panela, grade, lona, vidro de conhaque, etc). As 15:10h fiz uma parada de uns 10mim, e logo segui subindo quase em linha reta por uma laje de pedra inclinada. Ao fim da laje começa uma trilha sutil pela vegetação, sempre subindo em direção ao cume do morro. Quando estava quase chegando ao cume, senti uma dor na perna, fiquei preocupado pois achei que fosse o joelho, mas era no músculo “interior”(vasto medial) da coxa. Parei uns 15mim, fiz uma massagem no músculo enquanto comia uma barra de cereal. Quando voltei a andar já estava normal e não doía mais. Acredito que tenha sido devido à falta de preparo e ao esforço de subir continuamente aquela serra.

 

Uma vez no topo, andei pela crista ate chegar a junção com o maciço do tesouro, pra isso devia subir e descer um pequeno morrote. Nessa hora tive a “genial” idéia de contornar o morrote. Foi um vara mato passando por pedras muito inclinadas. Ao fim, notei que estava sem meu óculos escuro, já tava tarde e como tinha passado por um caminho aleatório, sabia que era inútil tentar procurá-lo. Continuei, e as 17:30h dei por encerrada a caminhada do dia. Acampei aos pés do tesouro, enquanto o sol descia no horizonte. Tirei algumas fotos e montei minha barraca num local plano, com grama e abrigado do vento. Após tudo arrumado, resolvi apenas repousar o corpo no isolante apenas pra descansar um pouco. Dormi instantaneamente, e acorde 30mim depois com o barulho do meu próprio ronco. Nesse momento que percebi o quanto estava cansado. Esquentei minha comida, apreciei a bela lua cheia enquanto comia, e logo fui dormir.

 

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Pico do Tesouro e do Tesourinho.

 

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Base do Pico do Tesouro.

 

Dia 2: Tesouro, Tesourinho, Curral e casa de pedra.

 

Acordei por volta de 9h (dormi umas 12h seguidas, hahahah), como tinha pouca água deixei pra fazer o café mais tarde. O tempo estava completamente fechado, só dava pra ver uns 5m a frente, o que dificultaria a navegação pela carta. Esperei um pouco pra ver se melhorava, mas continuou do mesmo jeito. As 10:30h comecei a andar. Com alguns minutos alcancei o pico do Tesouro. Lá existe uma placa, que a tinta das inscrições já saiu há tempos. Fique lá por algum tempo e em seguida continuei passando pelo cume seguinte. Esse rochoso possui dois cumes, quase da mesma altura. Após o segundo cume desci até o vale entre tesouro e o tesourinho. Descendo o vale uns 100m chega-se à nascente do rio Balaios.

 

Por volta de 13:30h cheguei na nascente, e finalmente tomei meu café da manhã. As 14:10h iniciei a subida em direção ao tesourinho. Subi circulando o rochoso, alcançando o cume pelo o outro lado. As 14:55h cheguei ao cume e lá curiosamente havia um “cercado” de pedras, o que me levou a pensar que poderia ter sido usado como guarita, na época da guerrilha do caparaó. Fiquei uns 30mim por lá e segui descendo ao sul, em direção Curral, que fica no colo entre o Tesourinho e pico da Cruz do Nego, chegando as 16:10h. O curral tem formato quadricular e uma das aresta é uma grande rocha. De lá segui bordeando a cruz do nego pela direita, em direção a região do arrozal, onde existe uma segunda casa de pedra.

Por volta 16:45h cheguei a tal casa de pedra. Bem próximo dela tem um lugar plano e com muito capim, ideal pra montar a barraca. A casa é bem pequena e está quase toda destruída, apenas a metade ainda está coberta. No lado que está coberto existe alguns colchões velhos. No outro lado tem um velho fogão a lenha com algumas panelas de alumínio, xícaras e até um porta coador de café. A frente da casa há uma área plana recoberta de um capim amarelo. Mas ao contrário do que parece, essa área é um grande brejo, talvez seja por isso que é chamado de arrozal, já que é bem propício ao cultivo de arroz. Minha imaginação disparou com teorias relacionando o curral, o arrozal, a casa e a pequena guarita, tudo relacionado com a guerrilha. Ao fim do brejo a água se concentra, formando um pequeno riacho onde abasteci meus cantis. A noite foi tranqüila, e dormi como um bebê sobre aquele confortável colchão de capim.

 

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Pico do Tesourinho.

 

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Curral.

 

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Casa de Pedra do Arrozal.

 

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Tesouro e Tesourinho ao fundo.

 

Dia 3: Cruzando a Cruz do Nego, ataque à Pedra Roxa e noite no Pico da Bandeira.

 

Acordei por volta das 6:30h, sem me mexer olhei para o termômetro/relógio que marcava 0-oC, imediatamente fechei os olhos e dormi mais um pouco. Mais tarde, por volta de 8:30h a temperatura estava em 8 oC, resolvi sair. No lado de fora a barraca já estava terminando de descongelar. Fiz meu café e arrumei minhas coisas, o tempo tava até bem limpo, consegui bater algumas fotos dos picos tesouro e tesourinho.

 

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Cruz do Nego visto do Tesourinho.

 

As 10h iniciei a subida ao pico Cruz do Nego, e logo o tempo começou a fechar, e em poucos minutos só conseguia ver poucos metros a frente, uma pena. Cheguei ao topo 11h, e nada de visual, fiquei por lá mais de 40mim até que consegui ver alguma coisa a oeste, queria mesmo é que abrisse ao sul, para que eu pudesse ver os picos da Bandeira e Pedra Roxa. Como ainda tinha que passar em mais dois picos naquele dia, iniciei a descida a fim de interceptar a trilha Terreirão x Bandeira. As 12:05h cheguei a trilha e a segui por alguns minutos até que cheguei ao pé do rochoso da Bandeira, parei ali por alguns minutos pra planejar qual seria a melhor rota para chegar ao pico da Pedra Roxa.

 

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Pera Roxa vista do sopé do Bandeira.

 

Decidi deixar a mochila próxima a uma nascente no pequeno vale a esquerda da trilha. As 12:50h iniciei o ataque a Pedra Roxa, bordei o rochoso da Bandeira alto o suficiente pra evitar o mato, porém em paredões com inclinações próximas a 45o, passei em um ponto onde havia água escorrendo na pedra, mas era tão pouco que parecia que a pedra estava apenas molhada. As 13:35h estava entre as montanhas dos dois picos e em 20mim cheguei ao topo da pedra roxa.

 

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Pico da Pedra Roxa com Cruz do Nego ao fundo.

 

O interessante da pedra roxa é que ela fica desalinhada das demais, o que permite ver as outras montanhas por um ângulo diferente, principalmente o da bandeira. Caminhei contornando o topo e tirei algumas fotos, fiquei por lá 40mim. Iniciei a descida as 14:25h, estava morrendo de sede, pois não tinha levado água, dessa vez contornei o rochoso um pouco mais alto, e pra minha surpresa, no meio do paredão havia um pequeno resalto onde a água que escorria fez uma pequena poça e pude saciar a minha sede, nessa, que é a nascente do rio Pedra Roxa.

De volta à mochila, fiz um lanche e abasteci minhas reservas de água, iniciando então, as 15:50h, a subida o pico da Bandeira. Na subida encontrei um grupo de pessoas descendo, eram dois casais e foram as primeiras pessoas que vi desde o início da pernada. Cheguei ao topo as 16:35h e não havia ninguém lá, em contraste às grandes multidões que se encontra por lá em feriados, o pico era só meu. Como ainda era bem cedo, tive tempo de sobra pra escolher minuciosamente o melhor local para montar a barraca.

 

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Pico da Bandeira.

 

O vento estava vindo do leste e quebrava sobre o cristo, fazendo um barulho semelhante a uma turbina de avião. Infelizmente, uma vez mais o tempo estava fechado, e nada de visual. Após escurecer fiz a minha deliciosa feijoada e fui dormir. As 23h saí da barraca para “regar a moita”, o céu estava bem claro, a lua fazia a noite parecer dia e a beleza da estrelas me convidaram a ficar por lá por algum tempo, antes de voltar ao conforto de meus aposentos. Baseado nisso achei que amanheceria com tempo mais aberto, mera ilusão.

 

Dia 4: Picos Sem Nomes, Calçado, Cristal e caminho para o desconhecido.

 

Ás 5h acordei com as conversas de um grupo que apareceu por lá, eram quatro azarados, que como eu, não viriam o sol nascer, já que o tempo estava completamente fechado. Eu preferiria um belo nascer do sol, mas dormir por lá já era prazer o suficiente. Conversei com eles um pouco, estavam cansados e com muito frio. Por volta de 6:30h eles iniciaram a descida.

 

A fim de continuar, fiz o café da manhã, desmontei a barraca e arrumei minha mochila, seguindo em frente as 9:50h. Após “descer do pico”, peguei a trilha sentido casa queimada, passei pelo pico Sem Nome1, pico do Calçado e fui ao pico Calçado Mirim (Sem Nome2). A trilha desce entre os picos do calçado, porém, chegando no pé do Calçado peguei a bifurcação a direita, passando no sopé do calçado mirim, indo em direção ao pico do Cristal. Nesse ponto encontrei com um grupo de 3 crianças e dois adultos que estavam subindo para o pico da Bandeira. As crianças iam saltitantes na frente, enquanto os adultos se arrastavam mais atrás.

 

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Pico do Calçado.

 

A decisão:

 

Antes de chegar a base do cristal, desce-se um pouco , e depois sobe-se quase escalaminhando os seus 4 degrais. Cheguei ao topo as 12:00h. Fiquei por lá pesando por onde desceria. A trajetória inicial era descer pelo meio do mato, seguindo uma crista e depois um rio. Mas este caminho seria muito difícil e perigoso, ainda mais pela baixa visibilidade e o uso apenas de carta e bússola. As outras opções seriam descer pelas trilhas clássicas para Alto Caparaó ou Pedra Menina, mas nos dois casos teria que passar pela portaria e talvez tivesse algum problema. Descer por pedra menina era o mais tentador, já que seria um bom desfecho para a travessia, o problema era que a maior parte do trecho é estrada de terra, o que não me agradava. Dessa forma, decidi encarar o desafio e continuar com o planejado, seguir pelo mato, as 12:30h comecei a descida.

 

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Pico do Cristal com UM manto de nuvens.

 

Descendo pelo desconhecido e além.

 

O início foi bem tranqüilo, pois tinha muita pedra e vegetação rasteira. Andei pela crista do Cristal, e ela curvava para a esquerda, surgindo assim dois vales nas laterais, por onde correm pequenos riachos, veias do ribeirão vargem Alegre. No caminho encontrei pedras dispostas de forma sugestivas, pareciam uma grande seta. Pelo lodo nas pedras, parecia que estavam assim há muito tempo. Essa “seta” indicava continuar na crista, como esse era o caminho que pretendia seguir, continuei. A visibilidade nesse trecho era muito baixa, conseguia ver pouco mais do que 5m, ou seja, sem nenhum visual. Mais alguns minutos seguindo a crista encontrei outro grupo de pedras que pareciam outra seta, dessa vez ela indicava a esquerda. Tentei seguir em frente na crista, mas havia uma mata muito densa e não era possível. Foi aí que comecei a achar que aquelas pedras realmente eram indicações de um antigo caminho (talvez usado por guerrilheiros na década de 70). Resolvi contornar a mata pela esquerda a procura de alguma trilha e encontrei algo como uma clareira, que parecia muito um local de acampamento. Continuei um pouco mais, mas não havia sinal de trilha, era apenas uma descida íngreme em direção a um riacho. Segundo o meu trajeto, eu deveria seguir direto pela crista, na impossibilidade, o mais plausível era descer pela direita, afinal, não sabia ao certo se aquelas pedras realmente eram setas e se realmente existiu algum caminho por lá, e se existiu, foi há décadas.

 

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Suposta seta indicando a direita.

 

Procurando um bom lugar pra descer, encontrei um vala, por onde escoa a água da chuva, desci por lá até chegar ao colo do vale. A partir daí a vegetação ficou muito fechada, com muito bambu e cipó, os quais agarravam na mochila o tempo todo. A locomoção se tornou extremamente lenta e desgastante. Tentei seguir pelo rio, mas sem pisar na água, mas logo fui obrigado a voltar à margem. A partir das 16h já comecei a procurar um local para a barraca, estava difícil, e já estava conformado que teria que abrir uma pequena clareira, porém, por sorte encontrei uma área do tamanho da barraca apenas com vegetação rasteira e por volta de 17h minha barraca já estava montada. Esse local era muito inclinado, e eu escorregava "como quiabo" para o fundo da barraca. Para aumentar o atrito entre eu e o isolante, virei a parte aluminizada para baixo e abri o saco de dormir até a coxa, com isso conseguir atrito ente o tronco e o isolante e praticamente resolvi o problema.

 

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Vara mato fácil.

 

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Barraca inclinada, tava mais inclinado do que parece.

 

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Mato quase "invarável".

 

Dia 5: O infindável entres brumas no meio de lugar nenhum.

 

Nessa manhã acordei por volta de 7:30h e ainda estava -1 C dentro da barraca, mas dessa vez não podia esperar e logo comecei a preparar o café. Arrumei as tralhas e 9:10h comecei a andar. Segundo o meu cronograma esse seria o último dia, logo, devia assumir uma postura mais agressiva para finalizar a travessia. A primeira coisa que eu fiz foi desistir da bota seca e andar por dentro do riacho, ainda assim alguns lugares eram impossíveis de passar e me obrigava a procurar melhores alternativas nas margens. Esse trecho foi marcado pela constante sensação de estagnação, por não conseguir ver nada e pela baixa velocidade de deslocamento. As horas foram passando e eu me via no mesmo lugar, sem nem mesmo perder altitude. Por volta de 14h, finalmente cheguei ao “fim” do vale, o córrego já estava mais largo e houve mudanças na dinâmica da pernada.

 

A Era das Cachoeiras.

 

De repente , saí do mato para uma laje de pedra por onde a água despencava logo a frente, Isso foi algo que me deixou muito feliz, mas só até eu chegar a beira da queda, pois vi que tinha uns 40m desnível, dividido em duas quedas. E lá foi eu para o mato novamente, só que dessa vez eram paredões íngremes, e exigia muita atenção e cuidado. O fato era que estava a 2000m e meu destino era a 997m, ainda tinha que vencer 1000m de desnível, então ainda teria que passar em muitas cachoeiras. Nesse ponto pude ter alguma visão do próprio rio, mas por pouco tempo, pois em poucos segundo um grande tentáculo esbranquiçado se esgueirou pelo canyon e encobriu tudo.

 

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Grande obstáculo. Nem as cachoeiras eu conseguia ver direito.

 

A cada cachoeira, um parada para a análise, afim de escolher a melhor forma de descer. A medida que eu ia descendo o volume de água aumentava, devido aos vários afluentes do rio. Por volta de 15:30h o tempo limpou por alguns minutos, e pela primeira vez, pude avistar a cidade, que não estava longe. Continuei descendo, mas as quedas pareciam intermináveis, e quanto mais descia, mas inclinado ficava os paredões ao redor. Para me auxiliar, contei um cipó e usei como corda, para descer a mochila em certos pontos, já em outros passava em poços com a água até a cintura. A luz do dia já se extinguia, e a escuridão tomava rapidamente o canyon, o tempo era crítico, pois não podia continuar a descer aqueles paredões no escuro, e já não conseguia distinguir as pedras secas de molhadas ou com lodo. Sabia que estava muito perto, e cada obstáculo vencido poderia ser o último.

 

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Cachoeiras de todos os tipos para todos os gostos.

 

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Série de quedas.

 

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Primeira visão de Alto Caparaó.

 

O beco sem saída.

 

Por volta de 17:40h me arrisquei ao descer uma parece de uns 5m usando um cipó pouco confiável que "descia" do topo de uma árvore. Ao chegar embaixo eu me vi encurralado, em um beco sem saída. Já era praticamente noite, nas laterais haviam paredões verticais de uns 5m e a frente um enorme poço da largura do rio. Eu estava cansado e fraco, já que estava varando mato e descendo pedras desde 9h, e tinha feito apenas duas paradas de 10m cada. Sem opções, joguei a mochila no chão enquanto procurava um lugar para montar a barraca. O melhor que encontrei foi um amontoado de pedras quase esféricas, do tamanho de melões. Aquilo era a visão do inferno, já que me renderia uma das piores noites da minha vida. Alem disso, se caísse uma tempestade eu estaria perdido naquele lugar.

 

Apesar de ter levado um pouco mais de comida considerando a possibilidade de um sexto dia, senti um certo fracasso por não conseguir concluir no tempo pré-determinado, e o pior, havia falado aos meu familiares que terminaria aquele dia, logo, geraria preocupação. Porém, analisando bem o paredão a esquerda, notei que havia uma pequena rampa com inclinação de uns 60o, e curiosamente, haviam raízes convenientemente expostas, o que sugeria uma saída. Inconformado com a situação, resolvi dar uma ultima investida a procura de um lugar melhor para montar a barraca. Peguei a minha lanterna, que estava com pilha fraca, e subi sem mochila. Ao chegar à mata, notei que existia sim uma trilha, segui a trilha por uns 5 mim e já cheguei em uma clareira, minha noite estava salva, logo pensei, mas em seguida notei que aquilo não era uma clareira, era uma antiga estrada, tomada pelo mato. Nesse momento a emoção foi grande, saí do amargo fracasso para o sucesso iminente, o ânimo e as energias voltaram e eu tinha certeza que concluiria no dia corrente. Mais do que depressa peguei a mochila e voltei a estrada. Subindo, a estrada se trifurcou umas duas vezes, peguei alguns caminhos errados até perceber que a saída era a menos intuitiva, tinha que subir, e na direção contrária a da cidade. As 18:10 cheguei numa casinha abandonada no topo do morro, ao lado tinha uma torre de telefone e em frente a estrada principal. Desci pela estrada, e enfim, as 19h, estava na praça de Alto Caparaó comemorando o sucesso da empreitada com uma coca bem gelada e um delicioso x-tudo.

 

Grande abraço.

 

Antonio Junior.

 

 

 

.

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Usuários Mais Ativos no Tópico

  • Membros de Honra

Oi Antonio,

 

Fantástico o relato! fiquei aqui vislumbrando as paisagens, em especial o arrozal (brejo) com os capins amarelos... a lua cheia.

 

Ah! E no finalzinho angustiada e tensa, como num filme de suspense, ainda bem q chegou bem!

 

Parabéns !! abraços!

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  • 5 meses depois...
  • Membros de Honra

Olá Antônio!

 

Bela travessia. Ótimo relato.

Pelo que vi no seu relato usou apenas bússola e carta, mas e a elaboração da empreitada, imaginou o traçado percorrido só pela CT ou referenciou com algum outro relato, fotos e GPS?

Tenho grande vontade de andar pelo Caparaó. Conheço o parque só na parte baixa, pois as duas vezes que estive lá foi de passagem.

Como é a estrutura para logística nos municípios vizinhos, como Caparaó, Alto Caparaó, Manhumirim, Nazaré, Príncipe, São José da Pedra e arredores? Conhece? É possível se abastecer com comida apropriada e outros itens como cartuchos de gás para fogareiros nestas cidades?

 

Abraço,

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  • Membros

Obrigado, gvogetta!

 

Eu tracei a trilha baseado na carta e no Google Earth.

 

Já estive em algumas dessas cidades, mas foi apenas de passagem e tenho pouca informações sobre elas.

Mas acredito q se houver "itens específicos" pra trilhas, terá somente em Alto Caparaó, que é o principal acesso ao parque e tem maior estrutura.

Em Pedra Menina eu estive em 2001, quando fiz a travessia ES X MG. Ná época não tinha nada lá, mas agora acredito que já tenham investido no lugar.

São joão do Príncipe é apenas um minúsculo vilarejo, sem estrutura. E cidades como Manhumirim e Caparaó são mais afastadas da serra não sendo usadas como base.

Espero q eu tenha ajudado.

 

grande abraço.

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  • Membros de Honra
Obrigado, gvogetta!

 

Eu tracei a trilha baseado na carta e no Google Earth.

 

Já estive em algumas dessas cidades, mas foi apenas de passagem e tenho pouca informações sobre elas.

Mas acredito q se houver "itens específicos" pra trilhas, terá somente em Alto Caparaó, que é o principal acesso ao parque e tem maior estrutura.

Em Pedra Menina eu estive em 2001, quando fiz a travessia ES X MG. Ná época não tinha nada lá, mas agora acredito que já tenham investido no lugar.

São joão do Príncipe é apenas um minúsculo vilarejo, sem estrutura. E cidades como Manhumirim e Caparaó são mais afastadas da serra não sendo usadas como base.

Espero q eu tenha ajudado.

 

grande abraço.

 

Obrigado Antônio!

 

Vou anotar. Para frente pretendo visitar a região.

Abraço,

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  • 10 meses depois...
  • 2 semanas depois...
  • Membros

Cissa, como não utilizei gps, não tenho o tracklog. A carta que usei foi essa mesmo do IBGE de Manhumirim. Quanto ao caminho entre os picos, não existe trilha conectando esses picos que não são comumente visitados. O que eu posso sugerir é seguir e sequencia indicada no relato. Só não recomendo o descida do Cristal até Alto Caparaó do jeito que eu fiz. Vá pela trilha usual passando pela Casa Queimada e Macieira, saindo pela portaria do ES.

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