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Certamente, andar de moto é emocionante.... Mas até mesmo a emoção é uma condição tênue, pode facilmente deslizar para a ansiedade, assim como a paz pode degenerar para o tédio.

A emoção é encontrada ao longo da estrada, não no final, e da mesma forma, a paz não é um ponto fixo, exceto talvez no indesejado sentido de “descanse em paz”. A paz é a pausa para respirar entre os destinos, entre as emoções, uma parte ocasional da viagem se tiver sorte. A paz é um espaço pelo qual nos movemos muito raramente e com muita brevidade, não é permitido ficarmos lá.

É necessário continuar em movimento, e ir fazer o que você faz.

Porque você pode...

Neil Peart – Longe e Distante – Capítulo 20

 

O plano de fazer uma grande viagem de moto existia há um bom tempo. A vontade é ainda mais velha, e vem de uma época em que isso era apenas o sonho de um adolescente.

Desse modo, aproveitando um rompimento definitivo com a então namorada, já que roteiro semelhante seria feito para ela, de carro, coloquei em prática aquela loucura.

Christopher McCandless, em sua sabedoria suicida, dizia que a felicidade é um bem a ser compartilhado, sob pena de perder o sentido. Pois bem, nessa viagem eu vi que se não é possível dividir tal experiência, então deveria eu compartilhá-la comigo mesmo. Esperar pelos outros não é boa dependência e, levando-se em conta que prorroguei mais de uma vez tal objetivo para poder dividi-lo com alguém, é um ponto a ser considerado para reflexão.

R.I.P., Christopher.

Assim, dúvidas existenciais a parte, saímos eu e minha inglesinha (uma Triumph Speed Triple, de 1050cc) de Porto Alegre, no dia 4 de fevereiro de 2018, um domingo.

Como de praxe, ansiedade forte misturada ao medo, afinal, eu jamais havia ido tão longe em duas rodas. Bariloche, meu objetivo mínimo, fica a cerca de 3000km de Porto Alegre.

Tinha dúvidas se o meu antebraço direito iria aguentar (problema crônico de dormência), e se minha mente teria estrutura para tal jornada. Lembro das palavras do mecânico Muniz alguns dias antes: “não tenha medo de voltar”. Isso sem falar da moto, principalmente a velha desconfiança (puramente subjetiva) em relação a bateria.

Dormi muito mal. Passei a noite numa espécie de vigília.

Assim, decidi por pernoitar em Jaguarão (400km) antes mesmo de colocar as rodas no asfalto. Foi uma decisão mais do que acertada, eis que tal trecho é dos mais perigosos e serviu para “quebrar o gelo”, adquirir confiança e, assim, poder dormir melhor.

A parte ruim da saída foi verificar que havia uma certa instabilidade nas bolsas, o que me obrigou a deixar todo o equipamento de camping em casa. Segurança em primeiro lugar. Foi mais uma decisão acertada, repensada a cada parada para verificação e ajuste de apenas uma bagagem, uma mochila Deuter cargueira de 55+15lts.

Importante citar que não comprei alforjes ou outro tipo de acessório que fosse descaracterizar a inglesinha, uma naked pura. O máximo a que cheguei foi adquirir uma pequena bolsa de tanque com imãs, onde coloquei minha máquina fotográfica, o celular e alguns valores para os pedágios.

Aquele primeiro trecho foi gostoso, com vários grupos de motociclistas passando em sentido contrário. E dê-lhe “cumprimento biker”. Cheguei a Jaguarão em torno das 14h e fui direto para o velho e bom Hotel Sinuelo. Descarregada a bagagem, fui providenciar a Carta Verde.

No outro dia, acordei cedo, tomei meu café e decidi ir até Montevidéu pegar o Buquebus para Buenos Aires. Cruzei o Uruguai e cheguei àquela capital federal próximo das 15h. Chegando ao porto a atendente me informou que as passagens estavam esgotadas, mas havia a opção de partir de Colonia del Sacramento, distante 180km dali, às 20h01. Consultei o relógio e vi que havia tempo de sobra. O valor ficou em pouco mais de US$100,00. Fixei novamente a cargueira, abasteci a moto e me fui em direção a Colonia, onde cheguei próximo das 18h. O calor era forte.

No caminho, ao parar para beber água, encontrei um cicloturista de Buenos Aires, o Martin, que havia entrado no Uruguai naquele dia e estava indo em direção a Punta del Leste. Conversamos, e ele me revelou que também era motociclista. Disse-lhe que gostava muito de Buenos Aires, ao que ele respondeu, de imediato, que Bariloche era um lugar melhor para se viver. Claramente havia uma insatisfação em relação à capital argentina e, estrada retomada, pensei em como também não me sinto feliz em Porto Alegre, mas imagino que, para um turista, ela possa até parecer “simpática e acolhedora”.

Obs.: Não quis ficar no Uruguai porque já tive inúmeros problemas por lá em relação a dinheiro. Por exemplo: minha mãe recebeu troco em moeda antiga (inválida) e eu sofri com conversões cambiais nada oficiais. Fui logrado até mesmo em pedágios, quando em viagem de carro. Como isso se tornou uma constante, procuro usar aquele país apenas como rota de passagem.

O embarque no Buquebus foi tranquilo, já que as motos têm prioridade. Havia outro motociclista em uma BMW e o cumprimentei. Era um sujeito bastante arrogante, pois respondeu com desdém, além de não ter havido qualquer tipo de conversa em relação às motos e destinos, algo comum entre motociclistas.

O calor continuava forte e o embarque foi sofrido, pois estava vestindo a grossa jaqueta, carregando a pesada cargueira, a bolsa de tanque e o capacete. Isso foi complicado e, tão logo iniciou o serviço de bar, comprei duas águas para tentar estancar o sofrimento. Eu ainda não havia almoçado.

 

 

BUENOS AIRES

 

Meu primeiro contato sério com motos se deu por volta dos 16 anos de idade. Meu irmão tinha uma Turuninha vermelha e me ensinou a andar na garagem do prédio. Quando ele saiu de férias, achei melhor aprimorar a técnica indo para o colégio com ela. Ele descobriu e não gostou muito....

 

Cheguei a Buenos Aires em torno de 21h30 e não houve revista de bagagem. Fui direto para o Ibis Obelisco, hotel muito bem localizado na Av. Corrientes. O preço da diária foi de AR$950 (cerca de R$175). Como eu gosto muito daquela cidade (um paradoxo, pois meu sonho de vida tem um estilo mais, digamos, patagônico), resolvi ficar por duas noites. No dia seguinte, adquiri um chip pré-pago e pude ficar conectado 24 horas, principalmente quando da necessidade de usar o Waze para os deslocamentos mais complicados, justamente a saída daquela capital para pegar a Ruta Nacional 5 em direção a Santa Rosa, na província de La Pampa.

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Caminhei bastante por Buenos Aires, troquei alguns dólares na Florida e comi muito bem, o que serviu de preparação para o trecho seguinte. Também aproveitei para comprar Lysoform (altamente recomendável para esse tipo de trip) para aplicar nas roupas e no capacete.

Em relação às refeições, minha preocupação maior sempre foi com o café da manhã, momento pelo qual eu procurava comer ao máximo, pois sabia que não iria interromper a viagem para almoçar. Quando eu parava para descansar, tomava água, café e, de vez em quando, comprava uma ou duas medialunas para quebrar o galho. Isso foi constante durante toda a viagem. Eu somente fazia uma refeição decente quando chegava em algum lugar para pernoitar.

Uma boa surpresa foi verificar que a média de consumo ficava próxima aos 20km/l, o que eliminou algumas preocupações em relação ao trecho deserto entre Gen. Acha e Neuquén, e onde havia apenas um posto em Puelches, caso eu optasse pela Ruta Nacional 152. É claro que isso também tem a ver com a qualidade da gasolina argentina, muito superior a nossa.

Saí de Buenos Aires no dia 7.fev às 6h, pois era imprescindível evitar o rush da manhã. Programei o Waze e coloquei os fones de ouvido, pois assim nem precisei visualizar a tela. Acessei a RN5 um pouco antes das 7h30.

Obs.: As estradas argentinas em geral são muito boas, e cruzar aquele país em direção sudoeste, e depois para leste, me fez ver que está em curso uma grande reforma daquelas boas rodovias, a ponto de arriscar dizer que minha média horária só não foi melhor por causa das obras, em especial na Ruta Nacional 22, que liga Gen. Roca a Neuquén, trecho em que nos arrastamos a cerca de 10km/h por mais de uma hora.

A viagem pela RN5 foi bastante tranquila e consegui chegar a Gen. Acha por volta das 17h. Fui direto alugar uma cabana no Cabañas San Antonio de Padua, coincidentemente, fiquei na mesma que havia estado com meus filhos em 2016. Foi-me cobrado o valor de AR$880 (cerca de R$150). Um preço relativamente bom para aquela situação, mais ainda porque poderia checar alguns itens da moto e dar-lhe um banho antes de sair, o que também fiz com algumas roupas.

Pilotei naquele dia por volta de onze horas, em torno de 700km, e pensei o porquê da média ter sido tão baixa. Talvez tenham sido as paradas, combinadas com a saída demorada de Buenos Aires. Ainda assim era estranho, pois na maioria do tempo a velocidade de cruzeiro ficou entre 120 e 140km/h. Creio que parei demais ou não me dei conta do tempo gasto nessas paradas.

A cabana tinha à disposição cuia e erva-mate. Isso foi muito bem aproveitado naquele agradável final de tarde.

Ao anoitecer, fui à cidade jantar (almoçar, na verdade) e todos os restaurantes estavam fechados. Restou ir para o posto de gasolina e comer umas fritas e um sanduba de queijo no La Papa Frita Loca. Abasteci a inglesinha e voltei para a cabana. Naquela noite bateu uma certa tristeza, único momento em toda a viagem em que fiquei um pouco desmotivado. Cheguei até mesmo a visitar a capelinha da pousada para curtir o seu silêncio acolhedor.

Obs.: No posto onde parei para comer, verifiquei que o noticiário ainda dava como destaque o tiroteio ocorrido no centro de Buenos Aires (e perto do hotel onde fiquei) quase 48 horas antes. A imprensa de lá não se preocupa muito em inovar, já que tais destaques e discussões afins duram dias.

 

 

SOLIDÃO

 

Tomei conhecimento de Bariloche na 5ª série, com 10 anos de idade, no ano de 1977. O auditório do Colégio Americano estava lotado para assistir à apresentação com slides de uma aluna que havia viajado para aquela cidade. Lembro de, ao final, me dirigir a ela e perguntar o custo daquilo. Esperei meu pai chegar do trabalho e fui direto ao assunto. Ele não sabia dizer não diretamente, e ficava difícil para uma criança entender.

 

No dia 8.fev acordei por volta das 4h. Estava frio e o céu maravilhosamente estrelado. Tomei um banho, preparei o café, arrumei a bagagem e saí pouco depois das 6h. A temperatura fria incomodou no início, pois minhas mãos ficaram bastante geladas.

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Na bifurcação encontrada, segui a direção da RN152 e, ainda que não seja a “Estrada do Deserto” original (pela Ruta 20), ela também poderia fazer jus a esse nome, eis que a solidão ali presente é bastante assustadora. Torci para que não houvesse problemas de abastecimento em Puelches, já que era o único posto disponível em um trecho de cerca de 300km. Tenho a impressão de que a Argentina ainda não se recuperou totalmente da crise de abastecimento ocorrida alguns anos antes, pois ainda que eu não tenha tido problemas em encontrar nafta (como é chamada a gasolina por lá), as filas nos postos eram muito frequentes e demoradas.

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Desse modo, procurei não ultrapassar os 120km/h a fim de estender o consumo caso houvesse problemas em Puelches, e eu tivesse que pilotar até Casa de Piedra, no limite de autonomia da inglesinha.

Porém, tudo correu bem. Assim, aproveitei para tomar um café e comer o resto do sanduba que havia sobrado do dia anterior. Naquele posto, encontrei uma família de Itapecerica da Serra/SP, a qual também estava indo para Bariloche. Conversamos um pouco e segui viagem.  Em Casa de Piedra, abasteci novamente e fui me hidratar com uma Coca-Cola pois, incrivelmente, não havia água à venda naquele local.

Obs.: Ao atravessar a RN152 me dei conta de que não estava levando água para beber. Foi um grave erro, mas devidamente corrigido na primeira oportunidade, pois me imaginei com algum tipo de pane naquelas estradas desertas estando sem o elemento mais básico de sobrevivência.

Após Casa de Piedra, segui para Gen. Roca. Passei pelo extenso, chatíssimo e imundo trecho em reformas da RN22 e atravessei a cidade de Neuquén (parece-me que os pardais da rodovia que atravessa aquela cidade foram retirados). Cruzei os postos de fiscalização fitossanitários e me foi liberado o pagamento da taxa (era AR$10) de inspeção. O esguicho de líquido bactericida nos carros estava funcionando, e fui premiado com ele em minhas pernas.

 

 

LONGE DE CASA

 

Minha primeira moto veio aos vinte anos de idade, uma nervosa Agrale Elephant 27.5, verde e branca. Como era militar em Santa Maria/RS, fiz inúmeras viagens sem jamais ter tido qualquer tipo de problema. Uma dois tempos marca a vida de um motociclista e, com ela, lembro de pedir a Deus para jamais me tirar o prazer de andar em duas rodas.

 

O vento na estrada começou a incomodar, principalmente quando batia na lateral. Isso me fez decidir por pernoitar em Piedra del Águila, a cerca de 220km de Bariloche. Acabei ficando no hotel homônimo onde não me foi cobrado o pagamento antecipado da diária. O quarto era relativamente bom e limpo, mas as roupas de cama estavam bastante puídas e as toalhas furadas. Deixei para lavar a moto na manhã seguinte, já que o vento não dava folga e a poeira levantada era grande.

Instalado, saí para melhor observar as estranhas formações geológicas observadas ainda na estrada, mas que acabaram não me chamando a atenção como tinha pensado. Havia até mesmo uma grande águia colorida colocada sobre uma delas. Tal “escultura” estava fortemente fixada por cabos e suportes de aço, e deixavam ainda mais feio o aspecto artificial aplicado. Achei melhor me recolher ao hotel e descansar um pouco.

Obs.: Como de praxe naquela região, o wi-fi era sofrível. Todos os locais em que fiquei ofereciam tal comodidade, mas eram pouquíssimos os que funcionavam a contento. Assim, eu acabava optando pelo 3G/4G da operadora local, estupidamente melhor. Isso continuou ocorrendo até mesmo em Bariloche, cuja estrutura é infinitamente superior às cidades de acesso. E também ocorreu em Villa La Angostura, cujo roteador ficava em frente à porta do meu quarto, mas cujo sinal não chegava lá dentro.

Quando saí para jantar à noite, optei por um restaurante alemão localizado a cerca de 100m do hotel. Comi a melhor salsa fileto (molho de tomate) de minha vida. O tempero era soberbo. Infelizmente, ao repeti-lo, o sabor veio diferente. No outro dia, o café da manhã servido pelo hotel era ultra simples: apenas torradinhas caseiras com manteiga ou geleia à disposição. Os pacotinhos de açúcar continham ilustrações da Patagônia. Juntei-os e tirei uma fotografia. A atendente queria que eu os levasse de lembrança e eu, para não fazer desfeita, separei três.

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Como Bariloche estava relativamente perto, não tive a preocupação de sair cedo. O vento ainda incomodava um pouco, mas começou a diminuir próximo à famosa Ruta 40 e suas paisagens deslumbrantes: picos de montanha nevados, florestas e águas cor esmeralda. Aquilo era soberbo e não havia como não parar para fotos ou diminuir a marcha para apreciar aquela beleza. Sob a perspectiva de tempo, foi o ponto da viagem que menos rendeu, excetuando-se o já referido trecho em obras na RN22.

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Como o frio já estava afetando a dirigibilidade, fui obrigado a parar para me agasalhar. Coloquei o forro da jaqueta e segui viagem até o belíssimo Anfiteatro. Parei ali por uns bons minutos e tirei boas fotos, ainda que a luz não fosse a mais ideal. Ao chegar àquele local, havia um senhor pilchado (trajes de gaúcho) tocando gaita (o acordeão), ao que era registrado por um de seus acompanhantes. Não consegui registrar aquele momento por ter sido ele breve demais e, tanto aquele senhor, quanto os dois rapazes que o acompanhavam em uma picape, eram extremamente simpáticos. Assim, me senti à vontade para pedir umas fotografias junto à inglesinha.

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A ESTRADEIRA E O RÍPIO

 

A primeira vez que estive em Bariloche foi no inverno de 2006. A cidade e a região estavam cobertas de branco. A neve é algo surreal, e presenciar aquilo me fez imaginar alguém fazendo algum tipo de brincadeira ao espalhar aquela coisa branca por tudo. Foi uma excelente viagem, mas fiquei a imaginar aquela região sem aquele manto branco, e isso nunca mais saiu de minha cabeça.

 

Chegando a Bariloche, fui direto para a Hosteria Nuevo Pinar, localizada em Playa Bonita, escolhida por meio do booking.com. O valor da diária foi pouco mais de AR$1500 (R$250), um preço alto, principalmente se comparado àquele do Ibis de Buenos Aires. O quarto era relativamente confortável e silencioso, mas o banheiro necessitava de reformas. Havia uma pequena TV de tubo afixada no alto da parede, mas nem me preocupei em ligá-la, assim como nenhuma outra em toda a viagem. O café da manhã era melhor que o do hotel Piedra del Águila.

Fiquei três noites em Bariloche, e a temperatura permaneceu ainda baixa por dois dias, assim como o vento forte. Apesar dos passeios diários, consegui descansar bastante, ao ponto de achar que me estendi demais por ali e que poderia ter ido para outros locais. Ao menos pude planejar com toda calma, me decidindo por ir para Villa Pehuenia e depois para o Chile (descartei Ushuaia por causa do rípio). Perguntei para o proprietário da hosteria, o Eduardo, e ele me disse que todo o trajeto até Villa Pehuenia (pronuncia-se “vicha”) era asfaltado. Procurei em um site de estradas argentinas e o referido trecho não estava claro. Mesmo assim fiquei feliz, pois realizaria um velho sonho: cruzar a Cordilheira dos Andes em direção a Mendoza.

Em Bariloche, comprei um decalque de silicone da Ruta 40. Voltando ao hotel, lavei a moto e colei o adesivo na inglesinha, uma espécie de medalha por ela ter colocado as rodas naquela mítica rodovia.

Outro fator que merece registro foi experimentar um lançamento recente da Cervejaria Quilmes: a Quilmes Stout. Deliciosamente saborosa e cremosa.

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Obs.: No sábado, descobri que havia uma lavanderia a cerca de 150m do hotel e resolvi levar as minhas roupas para lavar. Isso era em torno de 11h. A responsável me disse que me entregaria na segunda, mas pediu para eu passar ali às 13h para me certificar disso. Quando ali cheguei, minhas roupas estavam lavadas, embaladas e cheirosas e ela me cobrou AR$150 pelo serviço (R$25). Isso em Porto Alegre seria praticamente impossível. Primeiro pelo preço, pois lavanderia aqui é artigo de luxo. Segundo, pelo prazo, que, ainda que fosse possível fazer em tão breve período, obviamente seria acompanhado de uma taxa de urgência. Poderia ainda citar um terceiro motivo: a boa vontade. Mas é melhor nem comentar.

Na segunda, dia 12.fev, segui para a "preciosa" (como dizem os hermanos) Villa La Angostura. Meus planos iniciais eram acampar no camping La Estacada, a 15km de distância, mas, como dito no início, foram abortados em nome da segurança. A cidade estava bastante movimentada e o calor era forte. Cheguei e fui direto almoçar. Dali, fui procurar uma pousada e encontrei uma na estrada, a cerca de 3km de distância. Paguei (na saída) AR$1500 e não tive desconto no imposto IVA (21% em que os turistas, devidamente identificados, são isentos), ou seja, descobri que era mais vantajoso ficar em hotéis, que expediam fatura, e consequente desconto, ao invés das pousadas que não faturavam.

Passeios de praxe, moto abastecida e levemente lavada, fui me certificar com o rapaz da pousada que o caminho para Villa Pehuenia realmente era asfaltado, o que foi confirmado de imediato. Não sei o porquê, mas estava um pouco desconfiado.

Saí de Villa La Angostura e peguei a belíssima Rota dos Sete Lagos. Ali, encontrei um grupo de motociclistas de Gramado/RS. Conversamos bastante, trocamos dicas e seguimos viagem. Passei por San Martin de Los Andes e segui em direção a Junin de Los Andes. Já em Junin, passei por um posto com uma longa fila formada na estrada mas, como havia visto uma placa da Petrobras, resolvi seguir mais um pouco. Mais adiante, questionei um policial e ele falou que aquela era a única estación de servicio por ali. Pelo visto a bandeira do posto havia mudado, mas a placa não. Apesar de eu estar com pouco mais de meio tanque, achei prudente retornar e garantir. Foi uma bela decisão, pois não imaginava o perrengue que iria enfrentar.

Entrei na fila e, enquanto ela se arrastava, eu corria para a sombra das árvores para diminuir meu sofrimento. Tirar a jaqueta não era boa opção já que suo em demasia e sofreria em dobro para recolocá-la. Vestir as luvas com as mãos suadas já estava sendo bastante difícil (lembrar de levar talco na próxima). Idem para o capacete. Abasteci a moto até o talo e desci para me hidratar e comer uma medialuna.

Ali, conversei com o Marcelo, um argentino que estava em uma Honda indo em direção a Villa La Angostura. Possuía amplo conhecimento das estradas, tanto argentinas quanto chilenas, e foi ele quem me deu a notícia de que o caminho para Villa Pehuenia (cerca de 150km) era quase que totalmente formado por estrada de rípio, excetuando-se um pequeno trecho em Aluminé. Aquela notícia foi um quase choque, mais ainda quando ele falou que os primeiros 40km estavam em mau estado de conservação, mas que, caso eu tivesse paciência e cuidado, eu e a inglesinha (uma estradeira pura) passaríamos sem problemas.

Retornando para a moto, que havia ficado sob o sol escaldante, tomei um grande susto: o combustível estava vazando diretamente no motor e formava uma poça no chão. Instintivamente, abri o bocal do tanque e nivelei a moto, o que estancou o vazamento de imediato. O Marcelo, que estava mais calmo, viu que era apenas o respiro do tanque que estava cumprindo sua função devido ao forte calor. O problema real era que a mangueira do respiro não estava conectada.

Nos despedimos, ele me desejou boa sorte e parti antes que o calor ficasse pior do que já estava. Logo, acessei o primeiro trecho de 90km de rípio e, confesso, fiquei preocupado. Surgiu uma pequena voz interior: “desista e retorne.....desista e retorne.....desista e retorne.....”. Ignorei-a, respirei fundo e resolvi abstrair o tempo que aquele trecho levaria. O odômetro, como de praxe, estava em modo não visual.

Dei uma batidinha lateral no tanque da inglesinha e disse “vamos lá, garota”. Não sei precisar o tempo que levei naquele trajeto. Talvez três ou quatro horas até chegar ao posto de informações turísticas em Aluminé. Não sei. Suava em bicas. Para quem viaja de moto, proteção é fundamental e a jaqueta, além de ser de tecido grosso, possui “armadura”, tornando ainda mais desconfortável a sensação causada pelo forte sol. Mas, como o risco de queda é alto ao atravessar uma estrada daquelas, não existe a opção “retirar a jaqueta”. Isso é impensável.

Chegando à uma elevação com uma bonita paisagem, resolvi parar para tirar umas fotos. Mas parece que a inglesinha não gostou e resolveu protestar atolando a roda dianteira. Quase caímos. Foi um momento tenso, pois estava na contramão, junto à beira da estrada e com um barranco logo a seguir. Como voltar era impossível, já que o banco de areia se acumulava no sentido lateral da estrada, resolvi fazer uso do potente motor, emparelhar a moto no sentido da via e andar alguns metros para frente até que o banco de areia ficasse menor e eu pudesse retornar. Apesar de aprofundar o atolamento levando a roda traseira ao mesmo problema, foi o que me fez sair daquele perrengue. Melhor deixar as fotos para outro momento.

Obs.: Naquele trecho pensei em minha mãe e em como ela me xingaria, acaso soubesse onde eu estava metido.

Consegui chegar ao posto de informações em Aluminé, e aproveitei para me hidratar e lubrificar a corrente da inglesinha, que estava “a milanesa”. Vi que um dos elásticos (num total de quatro) que fixavam a bagagem caiu por causa da vibração excessiva. Ainda havia cerca de 45km de rípio a enfrentar até chegar a Villa Pehuenia.

Excetuando-se a qualidade daquela via, o tempo gasto, a baixa velocidade, a temperatura ambiente, o atolamento e a quase queda, o trajeto foi percorrido com relativa tranquilidade. “HÃ??”. Quero dizer: não houve nenhum tipo de problema mais sério. Como o rio Aluminé corria junto, pensei que ao menos de sede eu não morreria, caso eu fosse obrigado a parar.

Cheguei a Villa Pehuenia no final da tarde e, felizmente, encontrei cedo o hotel, apesar das ruas de acesso um tanto confusas. Fiquei no excelente Peninsula de los Coihues. O quarto era enorme e bem iluminado, com grandes janelas. Tudo ali cheirava a novo. Havia até mesmo um varal retrátil no banheiro, bastante útil para o velho ritual de lava/pendura roupas ao final de uma viagem (pra citar um varal aqui é porque ele realmente foi útil). O visual era para o lago e para as montanhas, e o silêncio era acolhedor. Fiquei fortemente tentado a ficar ali mais um dia. Jantei um excelente “sorrentino” (um tipo de ravióli) de espinafre e mozzarela (me recuso a escrever “muçarela”) em um restaurante próximo ao hotel. Na manhã seguinte, antes de partir, fiz uma checagem geral, reapertei alguns parafusos e lavei a moto. O café da manhã foi muito bom.

Obs.: Apesar de não ter ficado tempo suficiente para conhecer melhor, a impressão que tive de Villa Pehuenia foi de semelhança com uma daquelas pequenas praias catarinenses, ou seja, pequenos paraísos escondidos em nosso planeta.

Eu tinha informações de que ainda enfrentaria mais 20km de rípio no Chile. Porém, no hotel, soube que haveria uma opção melhor, de 35km. Um trecho maior, mas em melhor estado. Quem me passou tal informe disse que havia feito há pouco o trecho de 20km em um 4x4.....a 10km/h, tamanho o mau estado daquela estrada. Disse-me que, com a inglesinha, eu não passaria. Então, “bora” encarar mais 35km de rípio.

 

 

CHILE

 

Em uma de minhas visitas a Buenos Aires, por volta de 2008, ao pegar um táxi no aeroporto, o motorista falou de suas férias de verão em Bariloche, de carro, a 1600km de distância dali. Exaltava os bons preços, a beleza e a paz daquela região. Não abria mão daquilo nas suas férias. Alertou, porém, o trecho deserto de mais de 500km (sendo 300km sem postos de combustíveis) e o clima desértico. Isso não mais saiu de minha cabeça....

 

Atravessei a fronteira e cheguei a Icalma. “Icalminha”, segundo os fiscais daquela aduana ao verem que eu era brasileiro. Trâmite normal e rápido onde, mais uma vez, não precisei retirar a mochila para revista (e foi assim até o final da viagem). Em um mercadinho adiante, troquei US$100 por CH$54.000, uma conversão cambial não muito justa pelo que eu pude ver depois (US$1 = CH$600).

Aliás, não está na hora do Chile cortar alguns zeros do seu dinheiro?

Cheguei à bifurcação que separava os trechos de rípio e peguei a estrada à direita, que levava até a cidade de Loicura. Ao contrário do rípio anterior, na Argentina, que mais parecia uma estrada de terra, o rípio chileno era autêntico (cascalho acizentado), mas o estado de conservação também não era lá essas coisas, o que me obrigou a fazer uma média próxima a 30km/h. Havia trânsito ali, e a poeira levantada pelos caminhões e ônibus em sentido contrário era absurda. Depois daquela experiência pensei que não seria necessário viajar ao Oriente Médio para conhecer uma tempestade de areia. O estado de minhas roupas era lastimável, e o banho dado na inglesinha foi praticamente desperdiçado.

Cheguei a Loicura e, consequentemente, ao asfalto. Que maravilha poder andar livre novamente, pois as estradas chilenas são tão boas, ou melhores, que as argentinas. Mas, quilômetros à frente, comecei a desconfiar ao não avistar postos de combustíveis, e achei melhor parar para pedir informações e ficar mais tranquilo em relação à autonomia.

Segui em direção a Victoria, a fim de pegar a Ruta 5 para Santiago.

Antes daquela rodovia, as paisagens eram belíssimas: vulcões, montanhas, picos nevados e as belas áreas rurais chilenas (ainda que os cheiros não fossem tão belos assim). Em Lonquimay, ao acessar um dos inúmeros pedágios chilenos (e cujas motos não são isentas em nenhum deles), notei que havia uma demora excessiva para liberação. O motivo era o acesso ao estreito túnel Las Raices, de pista única, com quase 5km de extensão. Cruzar o interior de uma montanha em um túnel estreito e frio foi uma experiência interessante. A oferta de cabanas naquela região é bastante grande e fiquei a imaginar se os preços seriam bons por causa da concorrência, mas sabia que teria que rodar mais quilômetros para fazer render aquele dia.

A Ruta 5, apesar de ser uma via dupla e com bom asfalto, foi a estrada em que menos pude curtir a pilotagem em virtude do movimento acentuado de veículos, do número alto de praças de pedágios e da incrível falta de locais com sombra para parar. Mesmo nos espaços de descanso, o sol reinava soberano. Isso sem falar das pouquíssimas opções de restaurantes.

Fui até Chillán, dei umas voltas pela cidade, retornei e parei em um hotel na via de acesso que, segundo soube, era o único da cidade. Tudo no hotel era antigo (mas havia uma jacuzzi no banheiro) e no quarto havia avisos de não responsabilização por parte da administração em casos de furto. Achei estranho aquilo e decidi não deixar nada de muito valor por ali. Havia até mesmo, na porta, uma daquelas correntinhas “pega-ladrão”.....hahahahaha. Ao menos a moto ficava junto, pois a garagem era ao lado. O banho “meia-sola” da inglesinha estava garantido.

O café da manhã no Chile me lembrou de um péssimo hábito naquele país: o café solúvel, assim como o sol na Ruta 5, reina soberano.

Café tomado, hora de partir novamente. Agora em direção a Los Andes, cruzando Santiago. Por uma questão lógica, quanto mais perto da capital, pior o tráfego. Assim, só após cruzar aquela grande cidade eu pude relaxar um pouco. Bastava seguir em direção a Los Andes, direto para o Complejo Turistico Barros, também escolhido no booking.com.

Aliás, aqui cabe um parêntese para comentar acerca do tal complexo. São três irmãos que o administram: Patricio, Santiago e Claudia. O local conta com cabanas novas e aconchegantes, uma área gramada com sombra e uma bela piscina. Enfim, tudo ali é voltado para o bem-estar do hóspede. Se solicitado, é servido janta e, no meu caso que sou vegetariano, fui muitíssimo bem atendido também nesse quesito. Os irmãos são extremamente simpáticos e sempre perguntam se é necessário algo mais para complementar a já boa experiência de ficar ali. É nítido o interesse de aprimorar aquilo que já é muito bom. Para se ter uma ideia melhor do que foi tal atenção, vou dar um exemplo: fiz a reserva de uma cabana familiar ao preço de US$98. Quando lá cheguei e eles verificaram que eu estava sozinho, baixaram o preço para US$75. Um belo desconto e algo honesto, diga-se, mas raríssimo de se presenciar nos dias de hoje. Em troca, pediram-me apenas que colocasse um comentário no booking. Justo!

O café da manhã também foi muito bom (café solúvel, não esqueça) e completo. Certamente é um local anotado para retornar e ficar por ali alguns dias.

Por volta das 9h30 saí para realizar a travessia da Cordilheira.

Experiência magnífica!! Mas achei que pararia mais vezes para tirar fotos, o que acabou não acontecendo.

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Obs.: As montanhas que formam a Cordilheira dos Andes naquele trecho da travessia, sua imponência e suas cores (principalmente do lado argentino) são estupendas, e tenho muita gratidão por ter conhecido um lugar tão bonito. A questão das fotos, penso eu, não foi melhor aproveitada por um motivo: em 2016 fiz um trekking de alta montanha (nove dias + dois de aclimatação) na Cordilheira Huayhuash, no Peru. Aquela experiência fantástica foi o ápice de exuberância natural a que pude presenciar em minha vida: montanhas de 6000m, cores e contrastes absurdos, ambiente inóspito, céu magnífico, flora e fauna adaptados, solidão e conexão arrebatadoras. Com isso, creio que fiquei um pouco mais exigente na hora das fotos e nas inevitáveis comparações.

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O trâmite na aduana foi demorado. Muitos veículos e muitas pessoas passando de um lado para o outro. A coisa estava tão amarrada, e a fila de veículos para inspeção estava tão grande, que eu achei que dessa vez iriam complicar. Mas não. A liberação oficial (um pedacinho de papel-jornal com um carimbo ilegível) me foi entregue. Eles devem estar carecas de saber que um motociclista que encara tal tipo de viagem certamente não precisa de emoções artificiais para poder curtir a vida. Carregamos o necessário. Isso basta.

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Já em território argentino, passo pelo último posto de fiscalização e entrego o tal papelzinho de “última geração”. O destino agora é Mendoza. Paro para abastecer em Uspallata, entro na fila e eis que o relógio vibra em meu pulso: “Aviso de Tempestade”........... huuuuuuuummmmmm. Retomada a estrada, observo as nuvens negras se formando junto à cadeia de montanhas - Parar para vestir o impermeável, ou não? Ó, dúvida cruel!! - Como as nuvens se concentravam apenas ali, achei melhor arriscar. Além do que, a grossa jaqueta não deixava passar nem pensamento.

Bingo! A chuva durou pouco, apesar de seus grandes “pingos”.

 

 

MENDOZA

 

Em fevereiro de 2015 fiz minha primeira viagem solo a Bariloche, de carro. Ali, redescobri a vontade de viver ao acampar numa Reserva Florestal em Santa Rosa/AR, na ida para Bariloche. Com exceção da barraca, esqueci de levar todo o resto que deveria acompanhá-la e, mesmo assim, aquela noite mal dormida foi reveladora.

 

Chegando a Mendoza no início da tarde, fui direto procurar um local para dormir. Os argentinos haviam me dito para ficar alerta porque, segundo eles, o maior índice de criminalidade daquele país estava ali. É claro que para um brasileiro isso pode soar um tanto exagerado (Porto Alegre faz parte da lista das 50 cidades mais violentas do planeta), mas é justamente essa nossa experiência que não nos permite “abrir a guarda”, não importa o local. Ao circular por aquelas avenidas e ruas, o número de flanelinhas me chamou a atenção.

Fiquei no Jaque Mate Hostel, próximo à agitada Av. Arístides Villanueva, lotada de bares e restaurantes. Fiquei em um quarto sem banheiro, ao preço de AR$600. Os banheiros compartilhados estavam bastante sujos e com os cestos de lixo transbordando de papéis. Um deles estava com a lâmpada queimada e permaneceu assim até a minha saída. Ao deitar, desconfiei (um pouco de otimismo cai bem) que as roupas de cama não haviam sido trocadas. Como ficaria ali apenas uma noite, achei melhor não reclamar - até porque o estado dos banheiros já indicava o tipo de cuidado ali dispensado -, e enrolei o travesseiro em uma toalha e dormi sobre a colcha. Apesar de bem localizado, não indico para ninguém.

Mendoza é uma bela cidade e, como em todas que fiquei naquele país, me senti bastante à vontade ao caminhar por aquelas ruas. Escolhi aleatoriamente um restaurante, onde pude saborear uma Quilmes Stout e um prato de massa.

Na manhã seguinte, tomei meu banho e saí para buscar a inglesinha que havia ficado em uma garagem a algumas quadras dali. Retornei ao hostel, arrumei a bagagem e parti em direção a Santa Fé. Na estrada, ao parar para abastecer, veio um hermano conversar comigo, o Franco, de Achiras. Muito simpático, quis saber detalhes de minha viagem, da moto, etc. Alertou-me em relação aos motoristas argentinos daquela região, bem como me disse para abrir o olho em Santa fé. Nisso, veio um senhor que estava nos escutando e me aconselhou a ficar em San Francisco, uma cidade vizinha a Santa Fé, muito mais tranquila, segundo ele. Dica anotada, me despedi e agradeci a ambos.

Entrei em San Francisco e escolhi o primeiro hotel que encontrei. Preço bom (AR$790) e a melhor conexão de internet de toda a viagem. Ao falar que havia ficado ali por sugestão de outros viajantes, o atendente me disse que San Francisco, apesar de ser uma cidade, mantém a mentalidade de povoado, ao invés de Santa Fé, uma cidade maior. Pude confirmar isso à noite quando fui jantar. Pela primeira vez me foi oferecido salada. Aceitei e pedi uma massa, uma água e uma Quilmes (1lt) para acompanhar. As porções eram generosas e comi muito bem na minha última noite naquele país. O preço total foi de AR$240 (R$40). Ali, testemunhei algo bastante raro nos dias de hoje: o garçom, que não deveria ter mais do que vinte e poucos anos de idade, ao ver que um grupo de senhoras estava com dificuldades para atravessar a rua, foi em direção a elas e estendeu seus braços para que elas pudessem cruzar a avenida em segurança. Um ato bastante gentil e atencioso.

Há um bom número de motos em San Francisco e são raros aqueles que usam capacete. O problema maior é que vi muitas famílias com crianças pequenas sendo levadas na frente, em velocidades nada baixas. Todos, obviamente, sem qualquer tipo de proteção.

Saí daquela cidade na manhã do dia 18.fev, com o objetivo de cruzar a fronteira com o Brasil naquele mesmo dia. Entraria na província de Entre Rios, cuja polícia, com fama de corrupta, não goza de boa reputação com os viajantes brasileiros que entram naquele país por Uruguaiana, RS. Relatos de extorsão são bastante comuns, sendo esse um dos motivos pelos quais eu sempre entro na Argentina por território uruguaio.

Importante citar que, até aquele momento da viagem, eu não havia sido parado em nenhuma ocasião pela polícia argentina (e nem pelas polícias uruguaia e chilena). Pois bem, no primeiro posto policial de Entre Rios, o policial manda encostar e pede meus documentos. Carta Verde, CNH e documento do veículo em ordem. O policial ficou bastante interessado na inglesinha e fez várias perguntas (na verdade, em todo território argentino foi assim) acerca do modelo, da marca, cilindrada, etc. Fui liberado e o policial entrou no posto. Logo a seguir saiu, atravessou a pista novamente em minha direção e fez mais perguntas sobre a moto. Eu saí dali imaginando o cara ligando para o posto seguinte dizendo que cruzaria um brasileiro em uma moto azul. E não é que no posto seguinte fui novamente parado? Mas não fui achacado em momento algum. Os mesmos documentos foram solicitados e logo fui liberado. O interessante é que dessa vez a policial era uma loira muito bonita, e achei uma pena ela não tomar mais do meu tempo. Ao passar pelo terceiro posto, o policial tinha uma cara bastante suspeita. Diminuí a marcha, ao que ele, de maneira impaciente, fez sinal para eu seguir em frente.

Sei que é um pouco de paranoia de minha parte, mas em nenhum momento tive problemas com a polícia de Entre Rios. Mas eu atribuo um pouco a isso o fato de eu estar saindo, e não entrando na Argentina. Enfim.....

 

 

FIM

 

Em Gen. Acha, no ano de 2015, retornando de Bariloche, encontrei um motociclista solitário em uma Triumph Tiger, o Paulo, também de Porto Alegre/RS. Tomamos um café (ainda tô devendo, Paulo) e conversamos um pouco. Nos despedimos e seguimos viagem. Quando retornei para o carro, me questionei o porquê de estar sem moto, já que elas sempre fizeram parte de minha vida.

Ainda naquele ano veio a inglesinha :)

 

Cheguei em Paso de Los Libres em torno de 18h. Estava muito quente. Passo pela aduana argentina (até porque o Brasil não tem controle algum de brasileiro saindo e muito menos voltando), entro em território brasileiro e sou ignorado pelo fiscal da Receita. Aí, depois de duas semanas fora, levo aquele choque de realidade: lombadas eletrônicas, pardais mal sinalizados, estradas em mau estado de conservação e limite de 80km/h em grande parte da BR290. Realmente, há algo de errado por aqui. Não é possível tanta intervenção estatal em nossas vidas. Há algo de podre, e pra mim isso tem nome: má-fé.

Para se ter uma ideia, na Argentina, a fiscalização por radar funciona da seguinte maneira: primeiro, há uma placa informando da fiscalização (teor educativo). A seguir, avista-se uma fileira de cones na estrada. Por fim, ao longe, fica fácil de ver a viatura atravessada com o fiscal dentro, ou próximo a ela. Vi apenas duas vezes esse tipo de fiscalização: uma nesta viagem, próximo a Santa Fé, e outra em 2015, na saída de Buenos Aires. Sei que é óbvio que acidentes aconteçam, muitas vezes ocasionados pela velocidade inadequada, mas nas três vezes que entrei em território argentino (2015, 2016 e 2018), jamais presenciei qualquer tipo de sinistro naquelas boas estradas.

Outro fato que me chamou a atenção ao entrar no Brasil foi a inexistência de pousadas e hotéis após Uruguaiana. Assim, cansado, tive que pilotar até Alegrete, onde me hospedei no Hotel Alegrete, dentro da cidade. Bom quarto (apesar de pequeno), boa limpeza e bom preço. Só estava desacostumado com o chuveiro elétrico. O hotel ainda conta com um bom restaurante e o café da manhã oferecido também é de boa qualidade.

Saí de Alegrete sob chuva fina para o trecho final da viagem. Apesar de incomodar um pouco, ela não demorou a parar. A cerca de 120km de Porto Alegre, parei para abastecer e encontrei um motociclista de Canela/RS, que estava retornando de Ushuaia. Falei que havia pensado em ir para lá, mas acabei mudando de planos. Também disse ter ouvido comentários de que não havia nada de mais em Ushuaia (exceto o vento e o frio), e que muitas pessoas vão apenas para tirar uma simples foto junto à tal placa do fim do mundo. Foi o que bastou para ele emendar aquele discurso de que todo motociclista deve ao menos uma vez na vida ir a Ushuaia.

Acho isso um saco!

Há um filme no youtube de dois motociclistas que vão para o Atacama e um deles aumenta o trajeto em 900km apenas para tirar uma foto junto à "mão do deserto", simplesmente porque "todo motociclista que se preze tem uma foto ali". Ora, eu pretendo ir ao Atacama um dia, de moto ou não. Não vou para lá apenas porque "todo motociclista que se preze faz essa viagem". Eu não escolho meus destinos porque eles estão na moda, ou porque todos tiram uma foto em tal lugar. Vou para determinado local porque acho que vale a pena e porque combina comigo. Simples assim.

Seguimos juntos até Porto Alegre e nos separamos logo após a Ponte do Guaíba. Curiosamente, foi o único momento, em 6500km, em que tive a parceria de alguém. Infelizmente, ao achar que pararíamos para nos despedir, não trocamos informações de contato, o que é uma pena. E me dei conta de que o mesmo aconteceu em toda a viagem, e que isso sirva de lição para a próxima.

Como voltar para casa é o mesmo que voltar à rotina, o retorno acaba sendo um misto de alegria e tristeza e, de certa maneira, isso sempre me lembra algo que me foi dito certa vez: "tu não cria raízes", ou seja, aqui elas não estão.

Porém, estacionar na garagem é outra coisa. É quase um orgasmo, pois simboliza o sucesso e sepulta o fim de todo medo e incerteza havida no início.

Assim, me resta continuar em movimento, em busca de emoções, e da paz que eventualmente vier. Afinal de contas, é necessário continuar no caminho e ir fazer o que eu faço. Porque eu posso....e tenho uma puta gratidão por isso.

 

Números: A viagem teve uma duração total de quinze dias, com 6.500km percorridos, excetuando-se o trecho no Buquebus, em oitenta e quatro horas e meia de pilotagem. Foram consumidos muitos litros de água, alguns litros de cerveja e uma garrafa de vinho. Três capitais visitadas: Montevidéu, Buenos Aires e Santiago. Doze cidades pernoitadas: Jaguarão, Buenos Aires, Gen. Acha, Piedra del Águila, Bariloche, Villa La Angostura, Villa Pehuenia, Chillán, Los Andes, Mendoza, San Francisco e Alegrete.

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Em 14/08/2018 em 21:16, Johanes Duarte disse:

Meu caro amigo, você lembra quanto foi para atravessar de Buquebus de Colonia até Buenos Aires, a moto e você.

Pensando em descer até Esquel em Chubut e depois Puerto Madryn.

Abraços e obrigado

Desculpe a demora na resposta, pois só vi agora teu comentário.

Custou pouco mais de US$100. Eu citei esse valor no 13o parágrafo, dá uma olhada lá 😉

Tem mais algumas fotos no Face. Me adiciona.

Abraço e boa viagem!

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