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A Jornada do Autoconhecimento

 

Tudo começou como uma ideia, embrionária, que dentro de pouco tempo foi se tornando algo maior. Sempre tive uma gana pelo que chamo de indiadas, dos mais diversos tipos.

 

Como intróito, devo dizer que desde cedo tive o prazer de ter moto, quando com aproximadamente com 12 anos meu pai comprou uma motinho 50cc para nós, com a regra de compartilhamento entre eu, ele e meu irmão. Os custos de uso eram divididos e os básicos eram suportados pelo pai. Tão logo atingi a maioridade fui em busca da minha primeira moto, mas, como o dinheiro era curto, tive que esperar um tempo até poder adquiri-la, há mais de 12 anos. O tempo foi passando e as necessidades da vida me fizeram trocar a moto pelo carro, mas o amor pelo motociclismo nunca aquietou-se dentro do meu coração.

 

Em 2017, imbuído de todo esse amor pelo motociclismo, adquiri uma Teneré 250, depois de ler inúmeros relatos sobre a durabilidade e segurança que a moto proporcionava. Pronto, essa era a moto que eu procurava.

 

Mas Lucas, uma moto de baixa cilindrada? Sim, amigo, uma moto de baixa cilindrada! Esqueceste da minha gana por indiadas? Aqui faço um adendo muito esclarecedor. Tive uma moto 600cc e apesar de ter sido um grande prazer, pouco andei com ela, pois sempre fui um apaixonado pelas baixas cilindradas, além de serem motos mais versáteis, com uso tanto para asfalto quanto terra. O que me cativa não é o tamanho ou o preço de uma moto, mas o prazer de consumir distâncias sobre uma.

 

Mas voltado ao cerne da questão, já com a moto em mãos, tive inúmeras ideias de destinos, das quais elaborei roteiros minuciosos, com número de dias que eu precisaria para conhecer o lugar, qual a quilometragem diária que eu faria, quais os hotéis, pousadas, campings que eu encontraria no caminho, com a ordem das rodovias que eu passaria, previsão de postos de gasolina, alguns restaurantes e custos da viagem.

 

Então, dentre esses roteiros eu escolhi a Chapada dos Veadeiros, lugar distante aproximadamente 2.200 quilômetros de minha cidade. Bom, depois de muito estudo sobre o local e planejamento, estava tudo certo. Agora posso ir para a Chapada. Mas algo ainda me faltava: a coragem.

 

Embarcar sozinho em uma viagem por uma rota totalmente desconhecida, por lugares que jamais tinha andado e sem qualquer pessoa que me pudesse ajudar me incomodava. Fiz alguns convites para amigos motociclistas, mas todos declinaram. Pensei melhor, vi que mesmo algo dando errado, tudo ficaria bem, e decidi ir mesmo assim.

 

Tomei algumas precauções como levar um carregador portátil para o celular, garantindo até 8 cargas se necessário. Levar um mapa físico caso o do celular nao fosse possível usar, vacina de pneu, óleo de motor, funil e copo medidor, capa de chuva, jogo de ferramentas, sacos de lixo, etc. Tudo pronto. Iria sair amanhã de manhã (dia 08/05/2017).

 

A moto estava carregada com três báus, dois laterais e um traseiro, mais saco de dormir, barraca e isolante térmico, e eu levaria mais uma mochila. À noite eu quase não dormi, pensando quanta coisa eu estava levando, até que pelas 3h da madrugada eu levanto e decido desistir de levar o material de acampamento, o que me conferiu uma perda de peso considerável e mais espaço para sentar confortavelmente na moto com a mochila nas costas.

 

Ajeitei as coisas, eliminei todos os itens de camping, montei na moto e fui, 3:30. Já na estrada do mar, RS 389, enfrentei um pouco de neblina, mas nada que tenha me atrapalhado.

 

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Logo cheguei em Torres/RS e peguei a BR 101, ainda era noite. Já havia rodado 110 km quando a neblina que era parcial começou a ficar densa, molhando minha viseira, mãos e roupa de cordura. Segui na esperança de que logo dissipasse, mas sem sucesso. Quando já tinha atingido 160 km rodados, logo após o acesso a Araranguá/SC, encontrei um posto de gasolina onde parei e percebi que estava todo molhado.

 

Desci da moto, entrei na conveniência e pedi um café preto, sem açúcar. Sentei, tomei aquele café com uma certa calma, mas ao mesmo tempo um pouco triste pela neblina. Eu esperava muito que a minha saída cedo de casa me desse um bom rendimento no primeiro dia, já que nos primeiros dias conseguimos andar mais que nos dias subsequentes.

 

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Como eu já sabia que essa seria só uma das várias adversidades do trajeto, paguei meu café, pus a capa de chuva, bota de borracha, luvas, montei na moto e encarei o primeiro imprevisto. Segui firme pela BR 101, duplicada, asfalto muito bom e pequenos trechos de obras.

 

Durante a neblina conduzi em uma velocidade que me conferia segurança, pois a visibilidade estava limitada a alguns metros à frente. Já quando estava chegando por Laguna/SC o sol começou a dissipar a neblina, com os raios de luz que furavam o espesso branco entre o chão e o céu.

 

A partir daí meu caminho estava livre para curtir a estrada, a vista e o bom tempo, já que a previsão era de sol por todo meu itinerário. Entretanto, o fato de eu mal ter dormido, somado ao horário que havia saído de casa me acometeram com um sono estupidamente forte logo que a neblina cessou.

 

Pilotei por aproximadamente 50 quilômetros em luta constante contra o sono. Foi quando decidi parar, abastecer, tomar uma água e ver com mais clareza a situação. Fui ao banheiro, belisquei alguns amendoins que tinha levado de casa e tomei água. Sentei em um banco e a preguiça veio com tudo, cochilei sentado no banco do Posto de Gasolina. Aos poucos fui me inclinando até me deitar completamente, e por ali fiquei por uma hora mais ou menos.

 

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Acordei renovado. O dia estava lindo e eu tinha que chegar no Paraná. Montei na moto mais uma vez e encarei a estrada, agora com toda a energia e atenção necessárias. Próximo a Bombinhas/SC o tempo fechou. Parei novamente em um Posto de Gasolina, me equipei com a capa de chuva, onde encontrei um rapaz em uma BMW 1200 que também tinha parado para colocar a capa de chuva, conversei com ele e ele me contou que era do Uruguai, de Colônia del Sacramento, e que ia nessa viagem até o Rio de Janeiro, mas estava treinando para ir ao Alasca. Tirei o chapéu para ele! Na mesma parada conversei com um casal que vinha de alguma cidade da região metropolitana de São Paulo, tinham ido até Florianópolis para o velório de uma parente e estavam voltando. Não me lembro qual moto tinham, as era uma bem maior que a minha. Após as conversas, pus minha roupa e segui por 15 minutos apenas de chuva, mas dessa vez com bastante volume, sem vento.

 

Já havia passado por Garuva/SC e parei para tirar uma foto daquela serra linda na entrada do Paraná, que julgo ser a Serra do Mar, em Guaratuba/PR. Rodei por mais 70 km e cheguei em São José dos Pinhais/PR. Nesse ponto já havia acumulado mais de 600 quilômetros.

 

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Percebi em um dos pedágios que minha relação fazia algum barulho estridente que não era normal. Na localidade de São Marcos, ainda em São José dos Pinhais/PR fui perguntando até encontrar uma mecânica de moto. O rapaz olhou e disse que era só lubrificação. Provavelmente a chuva que peguei ressecou a corrente. Segui meu caminho, entrando na BR 376 em sentido Campo Largo/PR. Nessa parte marginal de Curitiba o trânsito é denso e corrido, então segui tranquilamente no limite de velocidade até o trevo que me levaria à Ponta Grossa/PR, ainda pela BR 376.

 

A tarde foi caindo e o cansaço ficando maior. O corpo apresentava dores em lugares inesperados, e, conforme eu me ajeitava para aliviar algumas dores, novas surgiam.

 

De Campo Largo até Ponta Grossa foram 100 quilômetros eu acho. Era meu primeiro destino.

 

Na cidade fui direto na autorizada yamaha para trocar o óleo e o filtro, ver com o mecânico como estava a moto e tudo mais. Me cobraram R$109,00 pelo serviço. Salgado! Ainda questionei o mecânico sobre minha relação e ele assegurou que estava boa. Revisão feita, fui para o hotel.

 

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Fiz check-in e saí para comer alguma coisa. Estava tendo alguma feira de food truck ou algo assim. Feito! Comida boa e barata. Comi e fui para o hotel. Me comuniquei com a minha namorada e com a família e logo caí no sono.

 

No dia seguinte acordei cedo, reequipei a moto com os baús, já sentia as dores do dia anterior, principalmente nos trapézios. Tomei um ótimo café da manhã e segui em direção a Castro/PR. Em Castro/PR segui e direção a Tibagi/PR por uma estrada linda, com curvas e plantações, onde se tem acesso ao famoso Cânion Guartelá. Abasteci em Tibagi/PR e conversei com o frentista, que me contou que haviam roubado o banco da cidade há pouco tempo.

 

Agora eu seguia em direção à Ventania/PR pela BR 153. Essa rodovia de fato foi a mais difícil. Quase nada duplicada, com trânsito intenso de caminhões que por vezes se impunham com toda sua robustez em detrimento da moto, frágil e pequena. Fui lidando bem com a opressão e até mesmo tendo um bom relacionamento com outros caminhoneiros. Inexistem esteriótipos, há gente boa e ruim em todos os lugares, caminhoneiros ruins, que dificiltavam a relação entre os condutores, e outros bons, que auxiliavam a engrenagem do trânsito.

 

O dia estava lindo, poderia produzir bastante, apesar de ter saído às quinze para as oito, contudo, a BR 153 era minada de radares, que ficavam estrategicamente posicionados no lado oposto ao que eu trafegava, e, até identificar essa padronização, fui rodando sempre com muita cautela. Por ela eu segui, passando por Ibati/PR, Santo Antônio da Platina/PR, Jacarezinho/PR, entrando no estado de São Paulo, por Ourinhos/SP e chegando em Marília/SP.

 

Já tinha passado boa parte da tarde e eu nem tinha chegado aos 500 quilômetros rodados. Em Marília, algo que achei muito curioso. Dentro da cidade comecei a sentir um cheiro muito bom de bolacha, tipo amanteigada, e isso permaneceu por um tempo, foi quando me deparei com uma fábrica da Marilan. Sim, o bairro em que fica a fábrica tem o cheiro das bolachas. Achei demais!

 

Cruzei Marília/SP por dentro e quebrei em direção a Lins/SP, onde entrei em uma estrada muito ruim. A primeira estrada ruim até então. Nesse sacode todo, senti uma batida em meu braço e quando olhei para o painel da moto meu celular e o suporte tinham sumido (suporte que comprei em uma banca de camelô no centro de Ponta Grossa)!!! Sim, meu celular caiu na rodovia e poderia ter quebrado, ou ainda ser quebrado por algum carro ou caminhão. Rapidamente enconstei a moto no acostamento, desci desesperadamente procurando, e lá estava ele, deitadinho no meio da rodovia com muitos carros e caminhões passando. Eu corri como nunca, fazendo gestos que nem lembro direito, só sei que consegui me expressar para um caminhoneiro que estava com o pneu na mira do meu celular. Ele desviou e eu agradeci. Mais um carro passou e desviou e então eu tive a oportunidade de correr para a pista e fazer o resgate em segurança. Meu celular estava intacto. Que susto!

 

Tirei o celular do suporte e coloquei-o no bolso da jaqueta. Logo a estrada melhorou e eu segui viagem. Cruzei por uma ponte onde avistei uma barragem muito bonita. Nessa hora o sol já estava se pondo e eu pretendia chegar em Uberlância ainda.

 

Quando chegei em São José do Rio Preto, cidade relativamente grande, ainda mais comparada com a cidade onde moro, fiquei em dúvida e olhei os mapas do celular, que me indicaram um trajeito. As placas, por sua vez, indicaram outro. Pensei: vou no caminho indicado pelo celular. Maldição! O celular me fez cruzar São José do Rio Preto ao meio, enquanto eu poderia ter ido por vias perimetrais onde o fluxo era muito mais rápido.

 

Fiquei naquele anda e para do centro da cidade até que, já de noite consegui sair em direção à Granada/SP.

 

À noite os caminhões são piores que durante o dia. Como à noite a visibilidade fica reduzida, fui conduzindo a moto dentro dos limites de velocidade. Por vezes em subidas, eu ultrapassava algum caminhão que perdiam velocidade. Eu, nos 80/90 km por hora me mantinha tanto na subida quanto na descida. Quando na descida, um caminhão que eu acabara de ultrapassar, muito provavelmente por querer aproveitar o embalo do declive, me alcança rapidamente e cola na minha moto, acendendo todo o acervo de 20 faróis eu presumo, a ponto de me jogar para o acostamento. Claramente eu seria atropelado naquele momento e estamparia a notícia de algum jornal. Eu seria mais um numerozinho na estatística. Eu cheguei a ver a manchete: motociclista do RS morre em rodovia SP.

 

Ainda, pensando muito em um caso recente de minha cidade em que um rapaz, realizando um sonho, saiu em viagem de moto ao Chile e colidiu antes mesmo de sair do Rio Grande do Sul, falecendo. O fato trágico que chocou minha cidade havia acontecido há pouco tempo e ainda que eu não conhecesse o rapaz também fiquei abalado, pois muitas pessoas do meu convívio o conheciam.

 

A situação ocorreu mais uma ou duas vezes, não necessariamente com o mesmo caminhão, e em todas eu fui para o acostamento, que era muito bom, por sinal. Quando outro ou o mesmo caminhão se preparava para me jogar novamente ao acostamento decidi ficar na pista. Talvez eu tenha errado, talvez não. Ele chegou bem perto, ligou todos os faróis, deu sinal de luz, eu continuei na minha velocidade, abri meu braço esquerdo e fiz um sinal do tipo palma da mão para cima que, para mim significava: calma aí parceiro. Não sei se ele entendeu, mas decidiu me ultrapassar do modo convencional e a partir daí não saí mais da pista.

 

Já era noite, eu estava bem cansado e cheguei em Fronteira/MG. Entrei na cidade, que era muito pequena e vi alguns moradores na rua, todos me olhavam como se eu fosse um alien. Parei, sentei na beira da calçada, comi uma barra de proteína, peguei meu celular e procurei estadias no booking, decolar, airbnb, mas não encontrei nada na região. Havia algumas estadias em Frutal, mas eu teria que sair da minha rota e ficar muito antes do que pretendia chegar naquele dia, ou melhor, noite. Noite fria, o que muito me surpreendeu.

 

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Decidi seguir, tinha disposição, cautela e atenção, todos sentidos bem ativos. Andei até Prata/MG, ainda rodaria mais 70 km até Uberlândia. Parei para tomar um café em uma lanchonete junto de um posto de gasolina e qual não foi minha surpresa: em MG não se cobra pelo café tomado. Curioso, pois no RS se cobra até 5 reais uma xícara de café. Tomei dois cafés e comi um pastel, bem temperado, no estilo mineiro, presumo eu.

 

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Perguntei à atendente da lanchonete sobre algum hotel, ela me deu três opções e enquanto ela falava, um senhor acompanhado de um rapaz mais novo que estavam no balcão ouvindo minha conversa com a moça se meteram na conversa. Perguntaram de onde eu vinha, pra onde ia, me deram sugestões de rotas, conversamos e rimos todos um pouco. Depois sentei para terminar meu lanche.

 

Fui para o hotel e já fiquei hospedado na primeira opção, em Prata/MG. Contatei minha namorada e a família, tomei meu banho, fiz meu chimarrão, li um pouco do livro que havia levado e logo caí no sono, com o livro sobre o peito.

 

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Acordei por volta das 5h da manhã e assim que levantei senti as dores musculares decorrentes do trajeto, cuja quilometragem acumulada atingia aproximados 1.600 km.

 

Arrumei toda bagagem, equipei a moto e fui para o café da manhã. No hotel ainda falei com dois senhores, um advogado em Uberlândia e outro era de Santa Catarina, agora não me lembro exatamente de onde. Segui viagem agora em direção a Uberlândia, e logo no começo enfrentei um frio digno do Rio Grande do Sul.

 

Até Uberlândia seriam 90 km pelo que me foi informado no hotel. Parei, coloquei as luvas, pois minhas mãos estavam congelando.

 

Continuando para Uberlândia pude perceber tucanos voando livremente, cruzando a estrada de um lado para outro. Uma cena linda.

 

Já chegando em Uberlândia, cidade grande, encaixei o celular no suporte do camelô, sim, aquele que caiu em Marília, SP. Dessa vez fui com calma e de vez em quando me certificava que o suporte estava bem firme. Fui até uma rua que eu havia marcado no meu mapa onde havia diversas oficinas de moto. Achei uma aberta e logo parei.

 

Eram 8h ainda e o mecânico não tinha chegado. Fiquei conversando com o rapaz que lavava uma moto sobre coisas aleatórias, até que chega um rapaz com um certo sobrepeso, em uma moto superesportiva, não muito simpático, mas com aquele sotaque mineiro que compensa a falta de simpatia.

 

Pedi para trocar o óleo somente. Entre algumas conversas perdidas o mecânico, que era dono do estabelecimento, me contou que já tinha ido à Ushuaia de moto com um grupo de amigos. Perguntei sobre a minha relação (já era a terceira vez que eu perguntava sobre ela) e ele me garantiu que estava boa.

 

Terminado o serviço, saí de lá em direção a Araguari pela BR 050. Até este momento eu estava apavorado com a quantidade de pedágios, e teriam mais pela frente. Havia deixado o celular no suporte, eu esqueci dele na verdade, e mais uma vez, já na BR 050 ele se foi ao chão. Assim que percebi parei e voltei na contramão mesmo, e por sorte (mais uma vez) ele ficou no acostamento, sem risco de atropelamento. Juntei-o, improvisei uma cinta de segurança com lacre enforca gato, e resolvi o problema.

 

Eu trafegava em uma pista duplicada, muito boa, mas como se não bastasse, pedagiada também. Segui firmemente em direção a Cataão/GO e enfrentava subidas e descidas, mas o trânsito não era mais tão intenso quanto na BR 153.

 

Já passando por Campo Alegre de Goiás eu decidi parar e tirar a mochila das costas. Decisão que foi providencial para minha melhora de rendimento de estrada. Eu não percebia que a mochila me fazia forçar o trapézio e os ombros mais que o necessário, causando dores e desconfortos desnecessários até aquele momento. Com a mochila amarrada no banco traseiro, montei na moto e fui.

 

Entre Campo Alegre de Goiás e Domiciniano Ribeiro houve duas paradas por obras, onde ambos sentidos de veículos tinham que se revezar na mesma pista. O trânsito era organizado por uma equipe de obras, vestidos com macacões laranjas. No percurso, pude perceber que muitas plantações eram circulares, fiquei intrigado com isso, mas não descobri o motivo.

 

Em Domiciniano Ribeiro parei para abastecer e na saída do posto de gasolina havia muito cascalho fofo. A roda da frente afundou no cascalho e por um detalhe eu não caio ali. Nem olhei para trás, mas tenho certeza que o pessoal do posto se divertiu com a cena.

 

Superado o susto, fui em direção à Cristalina, onde lá chegando parei embaixo de uma árvore para comer algo e tomar água. Falei com a família, montei na moto, paguei mais pedágio, e entrei no acesso para a rodovia GO 436.

 

Nesse momento eu tinha três opções: a primeira, de 175km, era seguir em direção a Luziânia, passar por dentro de Brasília e ir até Planaltina, para então sair do Distrito Federal e entrar em Goiás de novo; a segunda, de 360 km e fora de cogitação, era de Cristalina ir à Paracatu, Unaí e depois Planaltina; e a terceira e mais atrativa, de 136 km, a qual optei, foi seguir pela GO 436.

 

Nessa estrada o asfalto não era lá essas coisas, mas também não era tão ruim assim. Ocorre que em determinado ponto, não sabia se já no DF ou ainda em GO, o asfalto acabou e o trecho passou a ser de terra, vermelha, que impregnou em minha roupa, moto e baús. Como se não bastasse, após rodar um bom tempo em baixa velocidade, por conta da areia vermelha fofa que fazia a moto sambar sobre a estrada, o trecho passou a seguir por dentro de uma fazenda, em meio a uma plantação de algodão, e logo após em uma de milho.

 

Eu sabia que iria chegar em algum lugar, mas a preocupação bateu nessa hora. E se meu combustível acabar? Eu estava com pouco mais de meio tanque, então não seria esse meu problema. E se a moto apresentar algum problema? Bom, aí sim estarei ferrado, pois não havia nada em nenhuma das direções além de milho. Mas como sei da fama da Teneré, tive convicção que nada ocorreria nesse sentido.

 

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Entre curvas e bifurcações em meio ao milharal de repente a estrada se tornou em asfalto, mas alto lá, não era qualquer asfalto, era uma asfalto que mais parecia o solo do sertão rachado pela seca, ou talvez o solo da lua. Estaria eu já no Vale da Lua? Não, com certeza não.

 

Andei mais um bom trecho nessas codições até que avistei uma camionete vindo pelo espelho. Não precisei diminuir pois eu já estava andando devagar. Logo percebi que ela vinha rápido, então me posicionei para a direita e ela passou, creio que a uns 120 km por hora. Como se não bastasse minha situação, tive que enfrentar o rastro da caminonete por alguns minutos, que levantou praticamente toda poeira da estrada impedindo minha visão, respiração e me irritando um pouco.

 

Dentro de pouco tempo cheguei em uma estrada normal, com asfalto e uma reta que se perdia no horizonte e assim que rodei mais alguns quilômetros pude ver a placa, em uma rótula, informando a divisa entre Goiás e Distrito Federal.

 

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Algo que achei muito interessante foi haver sinal de 4G em praticamente todo o território do DF. Eu pensei: pô! Na minha cidade mal pega o 3G!!! Uma reflexão que pairou por algum tempo, logo desvirtuada, pois optei por seguir na direçao errada enquanto pensava na injustiça da internet.

 

Retornei e segui em direção a Planaltina e já eram por 16:30 quando encontrei uma lavagem de automóveis. Parei e pedi que lavassem minha moto. Sentei, conversei com dois homens que ali estavam, ambos muito simpáticos e solícitos (diferente do proprietário da lavagem). Me ofereceram café, como de praxe desde que entrei no Estado São Paulo.

 

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Ali esperei por mais de meia hora. Conversei com os dois homens simpáticos sobre diversas coisas, pescarias, sobre os costumes das nossas regiões, clima, etc, até que a moto ficou pronta. Parti em direção ao centro de Planaltina, pois desde a partida ainda não havia sacado dinheiro e tinha medo que em Alto Paraíso de Goiás não tivesse opção de saque.

 

Rodei, rodei e rodei, mas nenhum banco achei! Procurei no Google Maps usufruindo da cobertura 4G e fui nos endereços apontados. Em nenhum deles existia a agência bancária. Pensei comigo: vai ser do modo antigo, vou perguntar em algum lugar. Perguntei para um, não sabia. Perguntei para outra, também não. Pronto! Vou abastecer. Nos postos de gasolina que se tem as melhores informações (pergunta lá no posto ipiranga).

 

Fui no posto e abasteci, aproveitando para perguntar à frentista onde eu encontraria um banco na cidade. Para minha surpresa ela não sabia informar. Moto abastecida, combustível pago, fui ao rapaz da troca de óleo no mesmo posto, que me informou que havia um caixa eletrônico em um supermercado próximo dali. Achei o local facilmente.

 

Pus a moto no estacionamento, desamarrei a mochila (fiquei com medo de deixá-la ali), e fui para o interior do supermercado (Supermercado Comper). Prontamente perguntei à uma atendente, que me apontou o local dos caixas eletrônicos. Havia dois, ocupados, mas pela leitura da situação interpretei fossem um casal mexendo cada um em um dos caixas. Aguardei a minha vez que não levou mais do que cinco minutos.

 

Deixei meu capacete sobre o caixa eletrônico e fiz o procedimento. De primeira não deu certo, e eu já estava um tanto nervoso porque queria chegar logo ao meu destino e já estava caindo a tarde.

 

Notei que havia alguém esperando para usar o caixa, olhei de relance para trás e era o mesmo rapaz que estava no caixa anteriormente, pelo que redobrei a atenção. Na segunda tentativa tudo certo. Saquei o dinheiro, guardei-o, e fui em direção à moto.

 

Quase saindo pela porta do mercado me dei conta de ter deixado o capacete sobre o caixa eletrônico. De imediato tomei o rumo de volta com os olhos atentos. Eu não poderia perder meu capacete naquela altura do campeonato. Seria, além de frustrante, trágico, pois teria que comprar qualquer capacete de baixa qualidade para concluir minha viagem. Tudo isso passou em minha cabeça em poucos segundos, e logo vi que o rapaz que estava aguardando para usar o caixa estava com a atenção voltada para mim, mas com o corpo em direção ao caixa eletrônico, como se estivesse aguardando para pegar meu capacete. Talvez seja coisa da minha imaginação, mas olhei-o nos olhos enquanto peguei meu capacete de volta, tal como dissesse: hoje não, malandro. Hoje não!

 

De volta à tenerezinha, fiz o procedimento preparatório e burocrático de tirar a mochila das costas, que com a jaqueta de motociclista torna-se quase que um exercício de acrobacia, coloquei-a no banco do carona e amarrei-a com os elásticos. Espiadinha no celular para saber para qual lado deveria ir e fui, com o pensamento agora só em Alto Paraíso. Distância estimada: 190 km. Uau!!! O sol já estava baixo, o frio chegava como de costume aos finais de tarde, perdurando normalmente até o amanhecer.

 

Ir em direção a Alto Paraíso me deu uma sensação de conquista. Entrei no primeiro acesso de um trevo, que levava à uma rótula, onde havia uma placa que indicava setas mal direcionadas apontando três destinos: Cristalina, São Gabriel e Alto Paraíso. Peguei a quarta saída da rótula e segui com uma pulga atrás da orelha, até que alguns bons quilômetros depois pude confirmar a escolha certa do caminho em uma placa na estrada.

 

Eu estava cansado fisicamente, com dores espalhadas pelo corpo, mas muito empolgado por estar chegando ao ponto mais alto da viagem. Olhei para a esquerda e o sol estava enorme, vermelho, avermelhando o céu que o contornava e alterando as cores do cerrado, do asfalto e do céu. Era linda a minha recepção. O sol estava se pondo atrás de algumas montanhas e eu fui obrigado a parar para registrar o momento.

 

Voltei ao foco buscando chegar em Alto Paraíso o quanto antes, mas parecia que quanto mais eu andava menos quilômetros eu produzia. A noite caiu e seu manto cobriu o cerrado. O farol da minha moto estava (des)regulado e atingia certeiramente o olhar dos motoristas que vinham na direção oposta. Não era culpa minha, eu sequer sabia como regulá-lo, e isso me trouxe uma vantagem e uma desvantagem na viagem. Devo ter esquecido de mencionar, mas descobri sobre essa desregulagem do farol quando trafeguei pela BR 153 até Prata, MG. Sem medo de estar exagerando, 95% dos motoristas que vinham do lado oposto me castigavam com o farol alto. Eu sinalizava e mostrava estar com a luz baixa, mas não adiantava. Me acostumei a conduzir nesses casos guiado apenas pelas linhas da estrada, pois se olhasse para frente os faróis me ofuscavam a ponto de deixar marcadas manchas em minha visão que perduravam por minutos.

 

De volta a Goiás, a estrada era boa, com bastante subidas e descidas. Pude perceber que em algumas subidas a moto não atingia uma velocidade adequada, mas eu não tinha condição de avaliar isso porque não sabia se a subida era muito grande, pois a visão não era das melhores à noite.

 

Enfrentei as adversidades mais uma vez, em uma estrada cuja sinalização havia sido engolida pelo capim que atingia mais de dois metros à beira da pista, apenas esperando por alguma placa visível. Não havia acostamento também.

 

Civilização à frente. Será Alto Paraíso de Goiás? Para minha tristeza, não. Era São João D'aliança, onde parei para abastecer pela última vez antes de Alto Paraíso. Fiz a pergunta não meramente retórica que sempre fazia a quase todos os frentitas: quantos quilômetros faltam para a próxima cidade? Na ocasião, perguntei especificamente por Alto Paraíso.

 

Eu estava exausto, com um somatório de dores que se irradiavam da cervical até os pés, fustigando principalmente costas, ombros e nádegas. Eu queria muito chegar e cada quilômetro a mais seria um desafio, pois o acumulado dos dias potencializava o meu desgaste.

 

A resposta do frentista? Fosse qual fosse seria mal recepcionada pelos meus ouvidos, mas ele me disse que restavam 70 quilômetros. Agradeci, paguei e voltei à rotina da estrada. Setenta quilômetros duraria mais uma hora. Tentei ser otimista e de fato fui, otimista e para Alto Paraíso. Contei cada quilômetro no odômetro até chegar.

 

A minha recepção foi dada pelo pórtico da cidade, que lembra um disco voador. Fiz o retorno, parei ao lado da obra de arte e registrei minha chegada, que se deu às 21:30. Desde a reserva que realizei pelo app do celular não tinha mais acessado minha conta ou e-mail, e eu estava com receio de que algum desencontro de informação ou falta de comunicação pudesse me ocasionar algum problema no check-in, ainda mais pelo horário. Só devaneios da minha mente desocupada.

 

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Cheguei na pousada e fui recebido calorosamente pelo funcionário, que desde já me ajudou a descarregar a moto e me encaminhou ao quarto. Fui diretamente para o banho para me esquentar. Depois do banho, falei com a família e namorada e decidi sair para comer algo.

 

Estava frio, não havia muita gente na cidade. Cheguei na avenida central, onde o rapaz da pousada havia me indicado como o local dos restaurantes, e vi algumas opções. Sem pensar muito fui no que mais me agradou os olhos. Era o lugar com mais pessoas naquela noite, e logo encontrei uma mesa, sentei e peguei o cardápio. Pedi minha refeição e começou uma música ao vivo. Um trio de forró, de primeira qualidade, cantando músicas que jamais eu tinha ouvido, com uma sincronia e intimidade musical de profissionais, sem falar na qualidade vocal do cantor, que cantava de um jeito tímido, sem extravagâncias, mas que lhe conferia uma mistura perfeita com o forró.

 

Curti bons momentos ali, depois de tanta estrada e foco, instantes de descontração e música boa só poderia me renovar. Após algumas horas retornei ao meu recando para dormir o sono dos justos, como dizem alguns.

 

No outro dia acordei cedo, banho, arrumei o que pretendia levar para as trilhas e cachoeiras, tomei um café da manhã preparado especialmente para mim, e parti para minha primeira exploração: loquinhas.

 

Eu tinha a noção que era perto de onde eu estava, e fui descobrindo perguntando aos moradores e transeuntes. Cheguei a uma estrada de terra e pedras bem ruim. Mas tudo bem, a Teneré foi projetada para isso. Fui sem pressa e logo cheguei na Fazenda Loquinhas, acho que era esse o nome. Estacionei, troquei a roupa de cordura por uma roupa mais apropriada para trilhas.

 

Não vi ninguém na recepção, e fiquei olhando para os lados, até que um rapaz chegou, com características orientais, olhos pequenos e puxados, usava óculos. Foi bem receptivo e me orientou sobre as trilhas e me cobrou 30 reais, mas não lembro ao certo. Segui a primeira trilha, que era muito fácil, feita toda em madeira sobre a vegetação, tal como um trapiche, com acesso à vários poços que possibilitavam o banho, todos com água azul-esverdeada.

 

Dois poços me chamaram mais atenção: o Poço do Xamã e o último, chamado Poço do Sol. Fiquei na dúvida se o Poço do Sol era a Loquinhas ou se a trilha era Loquinhas. Tanto faz, o lugar era incrível. Entrei na água do Poço do Sol, onde o fundo da cachoeira era de pedras redondas que tornavam difícil a locomoção na parte rasa. Tirei algumas fotos e fiquei com água no peito, sem mergulhar, quase que paralisado pelo frio. Passados alguns minutos decidi sair da água.

 

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Ali fora a temperatura estava aumentando. Me sequei na toalha, comecei a guardar meus equipamentos, quando vejo duas mulheres se aproximando, de baixa estatura, pele e cabelos morenos. Cumprimentamo-nos com um bom dia e começamos a conversar. Me disseram que era o último dia delas na Chapada e que tinham ainda mais um passeio antes de irem para Brasília pegar o voo de volta. Uma coisa engraçada foi que durante a conversa, a que aparentava mais velha disse para outra "ele é gaúcho", tal como me tivesse decifrado pelo sotaque. Eu ri e confirmei a constatação. Então me disseram que eram do Rio de Janeiro. Já eu não tive o mesmo tino de decifrá-las pelo sotaque, talvez por não saber distinguir muito bem o modo de falar de outros Estados. Durante o papo, a Andreia (ou Andrea) me recomendou um guia, me passando o número de telefone. Nos despedimos e segui para uma nova aventura.

 

Havia ficado na Loquinhas das 8h até as 11h. Na estrada de volta observei que a moto não se comportava bem em subidas e também fazia muitos barulhos.

 

Fui direto a um mercado que havia próximo à minha pousada, onde comprei algumas coisas para comer. Pensei: hoje é dia de aproveitar, não pretendo matar tempo com restaurantes e formalidades.

 

No mercado ainda, perguntei a um funcionário quem era o dono de uma moto que estava no estacionamento. Ele, com um ar de desconfiança, me perguntou o motivo da minha dúvida. Expliquei para ele que eu buscava saber onde os moradores faziam as manutenções periódicas, pois queria verificar se a minha moto estava ok. Logo se aproximou um senhor, que de longe ouvia nossa conversa, e me deu orientações de dois mecânicos. Ambos próximos dali, mas um era melhor recomendo que o outro.

 

Fui no melhor recomendado e lá estando fui atendido por uma senhora muito simpática cujo nome não me lembro, infelizmente. O mecanico não estava no momento, segundo a senhora ele teria ido levar algum material para a filha no colégio. Sentei para aguardar e, enquanto aguardava, conversávamos eu e a senhora. Ela era mãe do mecânico e o empreendimento era em sociedade entre eles.

 

Chegou um rapaz e eu festejei: chegou o mecânico! Vez que ela disse: não, esse é nosso cliente. O rapaz entrou, falou com ela, que explicou que o mecânico havia saído, mas logo estaria de volta. Nesse momento ela disse para o rapaz: busque para mim um saco de copos pequenos descatáveis para meu café, solicitação que foi acatada sem ressalvas. O ambiente era intrigante, de cidade pequena onde todos se conheciam, o que traz um certo romantismo a Alto Paraíso. Eu estava tranquilo, queria explorar mais lugares, mas por outro lado estava explorando as relações interpessoais de Alto Paraíso, observando o quão boa era a convivência entre eles. Por óbvio que existiam conflitos, mas o que eu via ali era um ambiente harmônico e de pessoas cooperativas entre si.

 

O rapaz dos copos retornou e em poucos minutos eu estava tomando o café tão prometido. Logo o mecânico chegou, cujo nome era Cinomar. Me perguntou o que houve e eu disse que a moto estava sem potência e com barulho feio na relação. Ele se abaixou e de pronto disse: seu pinhão gastou! Por um milésimo de segundo me veio na lembrança todos os três mecânicos que tinha perguntado se minha relação estava boa, inclusive um deles da autorizada da Yamaha em Ponta Grossa, e confesso que me deu um sentimento que manifestava-se entre a indignação e a raiva, mas logo passou. Pedi para Cinomar trocar a peça desgastada, entretanto ele não dispunha da peça em estoque.

 

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Fiquei olhando para ele aguardando uma solução, afinal, ele é o mecânico. Ele disse que poderia trocar o jogo da relação, mas que isso sairia bem mais caro que somente o pinhão. Ressaltou ainda que minha coroa e corrente estavam muito boas. Eu disse para fazer o serviço. Ele me sugeriu que trocasse o pneu, porque estava rachado. Sim, o famigerado problema do pneu original da teneré Metzeler, que racha entre os gomos. No meu caso, eu sabia das rachaduras, mas cri que não fossem me causar problemas, contudo, Cinomar mostrou-me que algumas rachaduras haviam se encontrado, e que logo meu pneu abriria. De fato percebi a evolução das rachaduras e optei pela troca do pneu, colocando o pneu ali disponível, o Levorin.

 

Problemas tinham sido resolvidos e bolso tinha sido lesionado. Bora aproveitar o resto do dia. Recém passava das 13:30 e decidi ir em direção à Fazenda São Bento, para conhecer as notáveis Almécegas. Logo que cheguei fui orientado por um recepcionista sobre a trilha e como proceder. Paguei a entrada, R$30,00 pelo que lembro, e fui de moto por uma estrada ruim até uma área aberta, onde havia dois carros estacionados e uma placa de início da trilha. Fiz os procedimentos básicos de desatar a mochila, trocar de roupa e iniciei, muito empolgado, a triha da Almécegas I.

 

A trilha é fácil, e logo após alguns minutos de caminhada cheguei a uma plataforma de madeira onde se via de cima a cachoeira. Tirei fotos e segui a trilha. Um pouco antes eu tinha passado por uma bifurcação cuja placa dizia "piscinas". Optei por seguir pela direita e na volta entrar ali. Cheguei a uma descida brusca, que era auxiliada pelas cordas instaladas em ambos os lados. Encontrei uma escadaria de madeira e cheguei na parte de baixo da Almécegas I. Era linda, ainda sombreada pela inclinação do sol naquele horário. A água era escura e dava um certo receio de entrar, mas mesmo assim entrei. A frieza era congelante e em um ato impensado, já com as canelas na água, impulsionei-me para a parte mais profunda e dei algumas braçadas tentando me convencer que eu já estava acostumado com a temperatura. Não, não estava! Bati queixo por alguns minutos e decidi sair. Estava sozinho ali e na parte seca havia sombra também, me deixando com frio fora d'água.

 

Sequei-me com rapidez e fui subindo aos poucos o declive, que desta óptica tinha se tornado um aclive, íngreme. A subida me ajudou a esquentar e logo comecei a suar. Passei por um casal que ia em direção da onde eu vinha e cumprimentei-os. Cruzei o mirante e cheguei na placa das piscinas. A trilha me levou para a parte superior da Almécegas, cheia de piscinas naturais, com o bendito sol batendo forte. Ah, agora sim. Ali estavam três homens, também tirando fotos e se banhando. Acomodei-me em um local e entrei na água, que era repleta de peixinhos. Curti ali, com o auxílio do sol, e logo que saí da água comi algumas coisas que havia levado: banana, granola e castanhas. O pessoal foi embora e eu fiquei de dono do topo. Deitei sobre a minha toalha e o sol me esquentou.

 

Em seguida resolvi ir à Almécegas II, linda também, menor, mas encantadora. Nela havia uma laje que se via pelo espelho d'água, onde se podia tomar banho em pé. Conversei com um rapaz que era da Itália e que já morava há oito anos no Brasil, não me recordo o nome.

 

Ainda dava tempo de conhecer mais algum lugar, qual escolher? Na volta até a portaria eu fui pensando entre a cachoeira São Bento ou o Vale da Lua. Optei pelo segundo e logo na saída parei para tirar uma foto da escultura de um extraterrestre verde, muito divertida.

 

Um pouco antes disso, lembro que enfrentei uma sensação de desafio e medo, quando me deparei, ao fim da estrada de quem voltava das Almécegas - no caso eu, com um touro enorme e mal encarado exatamente posicionado na passagem onde eu deveria passar para sair da fazenda. Ele era todo preto e muito robusto, com dois chifres pontiagudos. Me lembrei de todos aqueles vídeos da farra do boi que são comumente disseminados em redes sociais. Normalmente neles o boi/touro se vinga satisfatoriamente. Faço aqui mais uma observação: nunca fui um amante de equinos ou bovinos, por ter uma (má) impressão de serem instáveis, gosto de cães. De qualquer forma, estava eu lá, olhando para aquele touro preto, ele olhava para a direção que eu queria seguir e eu decidi parar a moto e pensar melhor no que fazer. Para seguir meu caminho eu passaria a centímetros dele. Nao demorou muito para ele perceber minha presença, a uns 15 metros, creio eu. Aquele olhar dele me obrigou a decidir rápido. Pensei: não vai acontecer comigo, logo comigo. Milhares de pessoas visitam esse lugar o ano inteiro e justo eu vou ser o sorteado. Não, eu não! Vou devagar e se precisar acelero. Parece que eu nem estava ali, passei devagar o suficiente para sentir sua respiração, mas vi que ele não estava nem aí para mim, eu que estava me preocupando demais.

 

Depois do extraterrestre peguei a estrada que ligava Alto Paraíso a São Jorge e tão logo percebi já tinha chegado ao acesso do Vale da Lua. Como normalmente era lá, a estrada de acesso era péssima, repleta de pedras soltas e também encravadas no solo, que faziam a moto trepidar tanto que por vezes parecia que estava perdendo pedaços no caminho. Não era muito longo o caminho do asfalto até o Vale da Lua e quando cheguei fiz a troca de roupa o mais rápido que pude, pois já eram 16:30 e certamente perderia a graça conhecê-lo no entardecer. Paguei a taxa de entrada de R$20,00 e fui advertido do horário, fecharia a visitação às 17h. Ufa, sorte minha! Fiz a trilha até o vale, que também é curta, com um mirante, ponte de madeira, e alguns visuais incríveis.

 

Assim que cheguei no vale e fiquei estarrecido com o lugar. Ele intriga a mente. Não tem como descrevê-lo. Como se fosse uma rocha imensa, esculpida pelas águas, que fizeram desenhos circulares e cavernas, dutos subterrâneos, com profundidade de até 5 metros em algumas partes. Explorei bastante o lugar, dentro do tempo que tinha. Conheci algumas piscinas, excedi a área de acesso, sem perceber, e fui advertido pelo salva-vidas.

 

Fiquei até o horário limite e curti bastante o local, exceto por um grupo de baderneiros que estava na parte principal de banho, pulando e gritando. Fui embora e antes de chegar ao asfalto presenciei um pôr-do-sol majestoso em uma sanga com coqueiros, onde o sol tonalizava o céu e as nuvens do azul ao vermelho, cena que era refletida na água da sanga. Parei para capturar a cena imperdível e peguei a estrada de asfalto logo depois, com toda calma do mundo, apreciando a cena e o entardecer, que avermelhava o cerrado.

 

O Morro da Baleia estava lindo naquele crepúsculo. Cheguei na pousada exausto e providenciei um chimarrão. Fiquei no quarto e comi algumas coisas que havia comprado. Não estava disposto a sair dali, li um pouco do meu livro, comuniquei-me com a namorada e família e logo caí em um sono como se tivesse sido nocauteado.

 

Acordei cerca das 5h, o alarme já havia disparado e eu levantei muito disposto. Era dia de conhecer a Cachoeira Santa Bárbara. Nem tomei café da manhã e levei algumas coisas para comer quando chegasse lá. Já na estrada para Cavalcante, estava muito frio ainda e o sol mostrava seus primeiros raios. A moto estava fria e apagava com frequência. Me pareceu sem potência por um tempo, até que esquentou bem.

 

Eu esperava que Cavalcante fosse próxima de Alto Paraíso, alto tipo 60 quilômetros. Ledo engano. Eram mais de 80 quilômetros e eu já estava inquieto por não chegar nunca. Passei por uma cidade pequena, acho que se chamava Teresina de Goiás. Cortei-a por dentro, dobrei à esquerda e logo já havia acabado. Dali foram mais 25 quilômetros até Cavalcante.

 

A cidade de Cavalcante, assim como Alto Paraíso, é de pouquíssima infraestrutura, porém Cavalcante é pior. Aspecto sujo, com péssimas ruas e calçadas, evidente tratar-se de um município muito pobre, o que não é demérito, só uma constatação, mas provavelmente abandonada por seus governantes.

 

Encontrei o acesso para a estrada que levava à Cachoeira Santa Bárbara e a partir do acesso uma placa me informou que seriam 25 quilômetros até a comunidade Kalunga, formada há quatro gerações atrás por escravos que, fartos da submissão imposta pelo homem branco, fugiram para áreas de péssima acessibilidade, entre as montanhas de Goiás, fundando o quilombo dos Kalunga, comunidade autosuficiente e que permanece lá até os dias de hoje.

 

No caminho parei em um mirante que conferia uma bela vista do vale. Assim que cheguei na comunidade fui direto a um posto de atendimento, onde falei com uma moça que fazia a recepção e orientava os recém chegados. Fiz os trâmites de troca de roupa, e a papelada. Pelo que entendi havia uma fila de guias, cujo custo era de 70 reais. Por esse valor o guia lhe leva nas três cachoeiras que há dentro de suas terras, Santa Bárbara, Capivara e outra que não lembro o nome.

 

Deixei a moto no local e fomos com o carro do guia em uma estrada bem ruim. Paramos logo em seguida onde contratamos um "pau-de-arara", que consistia em uma pick-up com bancos na parte traseira. Nela fomos eu, o guia, o condutor, mais duas mulheres que eram de São Paulo com seu guia. Andamos um bom pedaço em uma estrada muito ruim, creio que até mesmo a moto sofreria para chegar lá, e quando chegamos seguimos uma trilha em meio à vegetação característica do cerrado, pedregosa com plantas rasteiras. Uma trilha fácil.

 

Não demorou muito e chegamos no primeiro poço da Santa Bárbara, mas não era ali ainda a parte principal. Paramos para registrar aquela água que impressionava, na melhor tonalidade de azul turquesa que eu já havia visto.

 

Meu guia era muito sério, com um ar de emburrado. Notando o humor, ou mau-humor, também não dialoguei muito. Assim que enfrentamos uma subida e algumas pedras, estava lá a tão esperada Cachoeira Santa Bárbara.

 

Era o ápice da minha viagem, a cereja do bolo, e eu simplesmente fiquei pasmo com tamanha beleza. A água, como anteriormente eu disse, era azul, azul, azul, de um jeito mais que azul. Parecia que havia uma luminosidade por baixo d'água. Havia três mulheres já no local tomando banho e eu larguei minha mochila sobre uma pedra, peguei minha câmera e dome, e fui para a água, que não estava tão fria quanto a Loquinhas ou as Almécegas. Ali me deleitei por um longo tempo, até que minhas mãos e pés ficassem enrugados.

 

Apreciei a Santa Bárbara de fora por um bom tempo, quieto, ouvindo a água impactar na água. Devo ter ficado três horas ou mais lá, quando decidi sair. Meu guia me acompanhou e na volta pude extrair mais informações dele. Pelo que pude perceber ele não estava confortável com a presença do outro guia, pois quem contrata um Kalunga ajuda a comunidade Kalunga, contratando um guia da cidade, esse dinheiro fica em favor do guia "forasteiro". Bom, do meu ponto de vista, ambos estão trabalhando e não há motivo para rixa, mas, me limitei ouvir meu guia e demonstrar que o entendia, sem manifestar minha opinião.

 

Ele me contou também sobre o fato de alguém ter tentado, pela via judicial, retirar os Kalungas da região, alegando ter adquirido há muitos anos atrás as terras em que eles se encontravam, e que depois de muita luta, inclusive embates de violência, foi reconhecido o direito dos Kalungas sobre as terras. Como atuo no ramo do direito, sempre que podia eu colhia informações das pessoas com quem eu conversava relativas à justiça, e era unânime: a justiça não resolve nada! Muitos resolviam seus problemas da pior forma possível, outros deixavam de lado, mas o homem (não gênero) que buscasse na via judicial a afirmação de algum direito ficava maculado aos olhos da sociedade. De fato essa é uma cultura da região, e não falo somente dos Kalungas.

 

Eu poderia conhecer mais duas cachoeiras ainda, mas não estava muito animado, depois de conhecer a Santa Bárbara dificilmente algo me impressionaria. Decidi voltar para Alto Paraíso e foi o que fiz. Peguei minha moto e voltei contemplando os montes, paisagens, aves, burros, gado, vegetação, e tudo era mágico.

 

No caminho, um rebanho de 10/15 cabeças de gado andava solto na pista no mesmo sentido em que eu ia e assim que fui me aproximando eles foram indo para a direita até que entraram na vegetação liberando a estrada para eu seguir meu caminho. Distraído com tanta beleza quase não percebi a volta e quando vi já estava em Cavalcante.

 

Peguei a estrada rumo a Alto Paraíso e já passavam das 14h quando eu estava chegando. Abasteci em um posto de gasolina que fica na estrada, quase em frente ao pórtico da cidade, e toquei em direção à São Jorge.

 

Fui direto e reto, sem fraquejar ou aliviar a velocidade, com um único objetivo: o mirante da janela. O tempo era meu inimigo, pois pelo que havia lido da trilha do mirante da janela tinha um certo grau de dificuldade.

 

Chegando em São Jorge fui direto para a entrada do Parque da Chapada dos Veadeiros e, enquanto fazia a troca de roupas e amarrava o capacete, um rapaz que estava em um trailer de lanches veio me informar que o parque estava fechado. Fechado? Mas como?! Contei a ele que eu pretendia realizar a trilha do mirante da janela e ele me disse que não era no parque que a trilha iniciava, me dando as coordenadas para o local correto. Um banho de água fria seguido de uma esperança.

 

Montei na moto e saí rapidamente. Já passava das 15h e eu não queria perder muito tempo até começar a trilha, pois poderia anoitecer no caminho e eu não conhecia o trajeto. Quase chegando encontrei um casal em um carro e pedi informações sobre a trilha, o rapaz que dirigia me disse que tinham sido aconselhados a não realizar a trilha porque estava muito tarde. Sugeri que fossem comigo, pois eu estava com o wikiloc e caso nos perdêssemos na ida, a volta seria segura até o ponto inicial. O casal não quis. Se eu estivesse no lugar deles, conversando com um cara de capacete, com roupa de motociclista toda preta, em meio a uma estrada perdida no mato, que eu sequer sabia quem era, também recusaria o convite.

 

Rumei até me deparar com um estacionamento e a indicação de uma trilha. Larguei minhas coisas como sempre, peguei água, e segui a trilha. Cheguei em uma cabana onde um senhor recepcionava as pessoas. No local estava um rapaz recém chegado da trilha, muito suado, cansado e esbaforido. O senhorzinho me advertiu muito, dizendo que não era qualquer um que fazia a trilha, que era arriscado para quem não conhecia, que eu deveria ir com guia, que era tarde, blá, blá, blá. Insisti para ir e o senhorzinho lavou suas mãos, dizendo: então coloque aí um número para emergência. Pus o número de minha mãe, mas fiquei tranquilo, pois não seria necessário utilizá-lo.

 

Saí com pressa e ciente de que seriam em torno de 3 quilômetros, o que não era nada para quem já havia enfrentado trilhas mais longas, como a ferrovia do trigo, travessia São Francisco de Paula a Rolante, além do mais, eu pratico atividades físicas regularmente, então eu estava muito confiante.

 

A paisagem era linda, e eu peguei meu celular e pus um podcast do Pretinho Básico para ouvir. Não havia feito muito esforço ainda e logo me deparei com o mirante do abismo. A cachoeira estava seca e disso eu já sabia, mas a vista era magnífica. Parei, tirei algumas fotos, e segui em uma descida brusca que estimo tenha sido de 60-80 metros, estilo escalaminhada, bem dificiltosa.

 

Após atingir o ponto mais baixo, caminhei um trecho e logo uma subida íngrime novamente. Algumas escadas, ferros e cordas auxiliavam nesse trecho, e meu coração já batia bem acelerado. O Pretinho Básico me fazia rir às vezes, parecendo um louco rindo sozinho em meio ao cerrado.

 

Quando cheguei no topo novamente me deparei com uma vista esplêndida, entre algumas pedras eu via as cachoeiras do parque. Subi na parte mais alta para achar a janela e nada. Tirei umas fotos, andei na volta, e nada. Olhei o wikiloc e a marcação indicava 3,2km. Era ali, mas eu não achava a bendita janela. Retornei um pouco na trilha e passei a seguir as pegadas. Trilhei por um lado, trilhei por outro, as pegadas desapareciam em determinados pontos. Segui um trecho por mim mesmo, andei cerca de 1km em mato fechado, buscando achar a janela ou a trilha, mas não consegui. Para voltar ao ponto em que a trilha sumiu usei o wikiloc, e retornei tranquilo, mas muito triste. Eu estava sozinho e sabia que o senhorzinho não deixaria mais ninguém entrar, e não encontrei a janela. Fiquei um tanto indignado comigo mesmo por não ter baixado o tracklog antes de iniciar, mas, àquela altura do campeonato era tarde para lamentar. Fiquei quase 40 minutos procurando a janela sem sucesso, até que decidi voltar.

 

Eu estava ciente que havia trilhado quase todo caminho e que por algum detalhe não havia encontrado a janela, triste. Mas na volta passei a avaliar a situação e fique feliz de ter ido, ainda que não tenha encontrado a janela, eu vi muita coisa bonita, inclusive as cachoeiras do parque.

 

Quando voltei falei com o senhoriznho e fui pra casa. Estava bem casado, a trilha era curta mas pesada. Chegando de volta à pousada, evidentemente abatido com o roteiro do dia, tomei um banho duradouro, providenciei meu chimarrão, e deitei na cama para ler. Após um pouco de descanso eu falei com a família e namorada e, logo que desliguei, fui abatido por uma forte saudade de tudo e de todos, saudade da minha casa, da minha mãe, da família da minha namorada, dos meus cuscos e do meu escritório.

 

Difícil explicar como me senti, mas era como se houvesse um grande vazio. Era saudade, pura. Meu pai, que faleceu em outubro de 2016, estava desde a minha partida muito em minha mente muito presente, principalmente na estrada, e nesse momento em que a saudade apertou a saudade dele veio avassaladora, como que queria que ele estivesse vivo.

 

Em meio a esse turbilhão de sentimentos eu cogitei voltar no outro dia. Eu tinha mais uma diária já paga e iria deixá-la para trás. Eu também já tinha cumprido com o meu roteiro, o que fizesse no outro dia seria um extra. Estava pensando em fazer a Cachoeira Macaquinhos que tinha sido uma recomendação da menina do RJ que encontrei na Loquinhas, mas nada me convencia que eu deveria ficar mais um dia. E foi aí que decidi: vou voltar amanhã.

 

Informei o Senhor da pousada e ele me reembolsou 40% do valor da diária. No outro dia de manhã tomei um café da manhã reforçado, montei na minha motinho, e segui em direção ao Sul. Na volta, como havia enfrentado uma péssima estrada entre Goiás e Distrito Federal, decidi rodar um pouco mais e evitar aquele trecho. Fui de Alto Paraíso de Goiás a Planaltina, depois a Brasília e desci para Luziânia. A saudade apertava muito e eu não via a hora de chegar em casa e abraçar todos.

 

Peguei estradas bem melhores do que na ida nesse trecho, passei por dentro de Brasília sem qualquer orgulho de estar ali, na terra onde "trabalham" os piores cidadãos do país, não os trabalhadores comuns como eu ou você, mas os políticos. De Luziânia fui à Cristalina e dali seguiria reto até Uberlândia. Tinha que trocar o óleo da moto, mas decidi esticar e trocar no mesmo mecânico que eu tinha trocado em Uberlândia.

 

Passei por Domiciniano Ribeiro, Campo Alegre de Goiás e Catalão, onde parei para abastecer. Verifiquei o óleo, que estava ok, e segui. Chegando em Uberlândia, me deparei com a cidade inteiramente fechada. Sim, fechada. Era sábado de tarde e todo o comércio estava cerrado. Fui até a frente da mecânica que também estava na mesma situação. Foi quando me assustei! Como vou trocar o óleo?! Encontrei um rapaz em uma z1000 da Kawasaki e perguntei para ele onde eu poderia trocar o óleo da moto, ele disse que seria difícil, pois a cidade toda, ou melhor, o estado de Minas fecha no sábado de tarde, mas pediu para segui-lo. Paramos em um posto de combustível e falei com os funcionários. Não trocavam. Fui em outro, também não. Me sugeriram o tal do Posto do Décio. Fui até esse posto e, além de mal atendido, não trocavam o óleo.

 

Pensei, vou ter que dar um jeito. Comprei um litro de óleo e perguntei se poderia usar a área do posto para troca, o rapaz fez uma cara feia e disse algo do tipo: tem que ver lá com o fulano. Fui até o fundo do posto e peguei um pote para coletar o óleo, ajeitei-o na aranha e saí. Estava indignado com Minas Gerais. Pô, cara! Sábado de tarde sem uma viva alma para trocar o óleo. Eu nunca tinha trocado e estava evitando por motivos óbvios: a chance de fazer algo errado e acarretar um problema maior em meio à viagem seria grande. Mas, não havendo outra alternativa, lá fui eu trocar o maldito óleo.

 

Estacionei em um outro posto de gasolina e ajeiteitei as coisas, inclusive o pote que furtei (envergonhado disso, mas foi melhor que jogar o óleo diretamente no chão). Para completar a situação, o mecânico de Uberlândia, o último a trocar o óleo, arrochou o parafuso do bujão, espanando suas quinas, sendo que a chave certa rodava e não travava e a menor sequer entrava. Pronto, agora sim a tragédia estava completa!

 

Fui no borracheiro do posto de gasolina que se chamava Bruno e pedi uma ajuda. Ele estava ouvindo uma rádio que tocava músicas sertanejas, olhou para mim e para minha moto e disse que ia me ajudar. Enquanto estava tentando tirar o parafuso com um alicate de pressão, me contava sobre uma Falcon que tivera e que fora com ela até o Estado do Tocantins, viagem onde passou por um problema parecido com o meu. Ele disse que não tinha óleo para a moto e precisava trocar e, não tendo alternativa, colocou óleo de carro e rodou mais de 10 mil quilômetros com a moto. Bom, não sei se era verdade, mas na situação em que eu estava pouco importava.

 

Bruno tentou e tentou, sem sucesso, e logo chegou um caminhoneiro precisando dos servicos de borracheiro. Bruno pediu para o Senhor esperar e pegou a marreta. Deu 5 marretadas precisas que atingiram diretamente o parafuso. Bingo! Deu certo e o parafuso afrouxou, escorrendo assim todo o óleo que mais parecia uma água preta. O resto foi comigo. Deixei alguns minutos o óleo escorrendo até que parasse de pingar e enquanto isso eu comia alguns amendoins que tinha no baú e conversava com o caminhoneiro.

 

Óleo escorrido, pus o parafuso no devido lugar, apertando só o necessário com o alicate de pressão e coloquei a quantidade adequada de óleo, 1 litro e 350 mililitros. Já era noite e eu tinha que encontrar um pouso. Abri o celular no aplicativo de mapas offline e achei algumas opções em Uberaba. Do posto calcário (-19.344206, -48.094882), onde eu estava, até Uberaba eu teria mais 50/60 quilômetros, não era muito e eu tinha disposição física ainda.

 

Após tudo concluído, óleo trocado e moto abastecida, insisti para Bruno pegar um valor em recompensa e ele se recusou veementemente. Agradeci muito e fui para Uberaba. No primeiro hotel que encontrei me hospedei, Dann Inn, onde paguei a diária mais cara da viagem, R$110,00 com café da manhã. O hotel tinha uma ótima apresentação e um quarto muito bonito, mas o wi-fi não pegava direito no quarto. Comi o que tinha na mochila, que incluía uma lata de atum e uma lata de seleta de legumes, tomei banho e dormi como uma pedra. No outro dia de manhã tomei outro banho e parti para o café da manhã. Havia só eu e mais um rapaz comendo. Comi ovos mexidos, café com leite e um sanduíche. Eu seguiria pela BR050 até Ribeirão Preto, quando passaria a rodar pela SP255.

 

Uma hora de estrada e o tempo fechou, logo que eu tinha saído do hotel o sol estava forte, mas ao longo do trajeto as nuvens foram tomando conta do céu, que dava fortes sinais de chuva. Parei para por minha capa de chuva e bum! Muita chuva caiu. Eu estava bem protegido e não estava preocupado. A estrada era boa, o fluxo era pequeno, eu estava tranquilo.

 

Já passando por Ribeirão Preto a chuva parou e o trânsito pesou. Eu tinha que entrar no acesso da SP255, mas ele estava inserido em um anel viário confuso, onde eu entrei errado em uma das alternativas. Mas logo percebi o erro e parei a moto, peguei o celular que estava no bolso da jaqueta, debaixo da capa de chuva, e identifiquei o caminho correto, manobrando e seguindo para Araraquara.

 

Parava para abastecer a cada 200/250 quilômetros rodados, o corpo estava começando a apresentar os sinais de cansaço, quando decidi parar e tirar a capa de chuva, nas proximidades de Taquarituba. Verifiquei o óleo da moto e me pareceu um tanto acima do ideal. Me preocupei um pouco, mas tentei não pensar muito nisso. Para verificar, eu puxei a moto pelo guidom, que estava apoiada no pezinho, para o lado da tampa do óleo, deixando ela na vertical, segurando no acelerador, quando quebrou o meu auxiliar de acelerador. Olhei, senti aquela tristeza na alma (risos), mas não me abati. Liguei para a família e mantei mensagens. Pulei para cima da moto e toquei direto até Ponta Grossa.

 

Cheguei e me hospedei no mesmo hotel da ida, e fui para uma lanchonete chamada Bibas Lanches comer algo. No outro dia cedo acordei para o café da manhã e não tive muita pressa, pois era o dia em que chegaria em casa. Resolvi ir à autorizada da Yamaha de Ponta Grossa ver o óleo se estava acima do nível e já mandei trocar mesmo. Feito o procedimento, era só chegar em casa são e salvo para que a viagem terminasse com chave de ouro. E assim foi. Peguei bastante frio e cerração e quando batia já 10h que o tempo limpou. A partir daí foi só alegria. Passando na serra do mar, divisa com SC, admirando as lindas paisagens. Quase sem perceber eu cheguei em casa, por volta das 20h. E assim foi minha viagem, uma jornada de autoconhecimento, reflexão, experiências e aprendizagem. Posso concluir que de todo o planejamento que fiz, listas de hotéis, campings, pousadas, roteiro de dias e o que fazer, etc, etc, etc, tudo deu errado, fiz praticamente tudo diferente do que planejei, e ainda assim tudo deu certo. Senão vejamos: saí antes do programado por perder o sono. Saí antes e pensei, vou chegar antes, mas a neblina me parou e o sono me obrigou a dormir em um posto de gasolina. Me programei de dormir no segundo dia em Uberlândia e dormi em Prata. Organizei um roteiro de três dias para a Chapada, realizei tudo em dois. Voltei por uma rota diferente da que fui. Muitas coisas deram errado, e ainda assim tudo deu certo. A verdade é que é importante sim se programar, organizar, estudar e se precaver, mas saiba que por mais que você faça isso, você não tem o poder de fazer com que tudo dê certo, nós achamos que comandamos nossas vidas, mas na verdade não. Enfim, essa foi a minha experiência. Um grande abraço a todos os leitores.

 

Abaixo, o vídeo resumo da minha viagem.

 

 

Algumas fotos da viagem:

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  • Amei! 3
  • 2 semanas depois...
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Parabéns pela aventura, ainda quero conhecer a chapada seu relato foi muito legal, Quanto a saudade viajar é muito bom mas voltar para nosso lar não tem sensação melhor !!!

 

PS: Se Algum dia quiser conhecer a canastra tamo ai

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Parabéns pela aventura, ainda quero conhecer a chapada seu relato foi muito legal, Quanto a saudade viajar é muito bom mas voltar para nosso lar não tem sensação melhor !!!

 

PS: Se Algum dia quiser conhecer a canastra tamo ai

 

Obrigado pelo carinho irmão. Serra da canastra está na minha lista.

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Lucas,

Viagem Top !! Comprei agora minha Trail e quero em breve ter experiências como a sua, e sinta a vontade de quando vier para as minas gerais que a casa sempre estará de portas abertas !!

Abraços

Po, muito obrigado amigo. Da mesma forma, conte comigo aqui no Litoral do RS. Abraço.

  • 2 meses depois...
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