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O Cânion do Rio Colca é o segundo mais profundo do mundo, atrás apenas do Cânion do Cotahuasi, localizado também no Peru. O Grand Canyon perde feio para o Colca já que este tem mais que o dobro da profundidade do cânion americano. Segundo o guia Lonely Planet o Rio Colca corre 3191m abaixo dos picos adjacentes mais altos. Pelo que eu pude apurar o pico adjacente mais alto é o Nevado Sepregina, com 5432m, enquanto o Rio Colca nas proximidades dele está a 2380m.

 

Quando se fala em trekking no Cânion do Colca todos pensam no Oásis de Sangalle e na interminável descida pelas trilhas de Cabanaconde até ele. E pior, na infindável subida de volta com um sol de rachar. Mas o Cânion do Colca é muito mais do que isso. Há roteiros muito mais interessantes e pouco explorados que levam a um maior contato com a natureza bruta do lugar e seus simpáticos e receptivos moradores.

 

No roteiro que descrevo a seguir deixei de lado Sangalle e suas hordas de trilheiros guiados e parti para esse lado mais aventureiro e menos divulgado do Cânion do Colca. Se a idéia lhe agradou e seduziu, venha comigo!

 

Porém antes algumas informações sobre o trekking:

 

A cidade base para os roteiros no Vale do Colca é Cabanaconde, de apenas 2842 habitantes (2007). De Arequipa a Cabanaconde foram 6h30 de viagem na ida (com 40min de parada em Chivay) e 7h20 na volta. A estrada tem longos trechos de terra e atravessa áreas de desmoronamento e algumas beiradas de abismo. Eu evitaria essa viagem à noite.

 

Cabanaconde está a 3290m de altitude e o trekking que descrevo quase não passa dessa cota, portanto não é preciso se preocupar com os efeitos do mal de altitude nessa região.

 

O que mata mesmo nessa época do ano (agosto) é o calor e o ar seco. Esses dois fatores juntos tornam a caminhada bastante penosa. À tarde registrava temperaturas por volta de 37ºC com apenas 20% de umidade do ar. Quase um deserto do Saara! Por isso é importante começar a caminhar bem cedo, coisa que eu só fiz no último dia (e mesmo assim podia ter saído mais cedo) e sofri as consequências.

 

A água durante o percurso que descrevo é irregular, quer dizer, em alguns dias há várias fontes pelo caminho e em outros não há nada. E ao encontrar água é fundamental tratá-la para poder bebê-la. Muito importante então levar um filtro ou purificador de água pois a sede vai ser constante e carregar tanta água mineral nas costas não é a melhor saída. Eu esqueci de comprar o purificador, não faça a mesma bobagem.

 

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1º DIA - 21/08/16 - DE CABANACONDE A LLAHUAR

 

As fotos estão em https://goo.gl/photos/4mjpszqk1D3dtnWx7.

 

Deixei Cabanaconde às 8h56 tomando o sentido noroeste, no qual eu me manteria até o início da descida do cânion. Para isso, na Plaza de Armas tomei a Rua Presbítero (à direita da loja Luvil, no lado oposto à igreja) e virei na primeira à esquerda, Rua Simon Bolivar, onde há um placa azul apontando o Mirador Achachihua a 500m. Em apenas 300m terminam as casas. Às 9h11 alcanço uma placa maior apontando o mirador à direita e a Muralha La Trinchera à esquerda. Na verdade essa placa causa uma certa confusão. Para o Mirador Achachihua pode-se ir para a direita sim, mas imediatamente deve-se quebrar para a esquerda, contornando a arena de touros bem atrás da placa. Quem procura o mirador para a direita (sempre à direita) se depara com a trilha fechada por um muro de pedra. Mas na placa também pode-se ir para a esquerda, sem problema, e depois quebrar para a direita, contornando a arena também. Ou seja, tanto faz, o que se deve fazer é contornar a arena e seguir pelo caminho mais largo, sem tentar se aproximar da borda do cânion nessa hora. Continuando portanto pelo caminho mais largo, encontro a primeira sinalização para Llahuar (pronuncia-se iahuar), meu primeiro destino nesse dia: o nome escrito numa pedra com tinta branca e uma seta. Essa forma de orientação seria constante em todos os dias do trekking.

 

Após a arena a cidade acaba de vez e passo a caminhar pela zona rural, já com alguma plantação. À minha direita, ao fundo, as montanhas que acompanham o curso do profundo Rio Colca. Passei por um campo de futebol à esquerda e às 9h33 cheguei ao Mirador Achachihua, onde vi pela primeira vez o Rio Colca e Sangalle, além dos povoados de Turuna, Paclla, Belen, Malata, Cosñirhua e Tapay (da esquerda para a direita). Iria passar por alguns desses lugares nos próximos dias e foi bom ter uma visão geral de sua localização e distância.

 

A recepção ao famoso cânion dos condores não poderia ter sido melhor: um enorme condor que estava voando próximo deu um rasante sobre o teto do mirante e pude vê-lo de perto pela primeira vez. Antes só os tinha visto nas alturas, bem pequenos lá em cima.

 

Ao sair do mirante às 9h45 não peguei o melhor caminho. Não percebi que havia uma trilha seguindo pela borda, na qual continuaria tendo ampla visão do cânion. Em lugar dela, continuei pela trilha mais larga por onde cheguei ao mirante, mas que não me dava essa vista. Às 10h05 passei pela primeira placa (de madeira) que indicava Llahuar e Fure, e às 10h46 chego enfim ao início da longa descida em direção ao Rio Colca. Altitude de 3070. Mas em poucos minutos já começo a sentir os efeitos do calor e do ar seco... precisava parar numa sombra, mas não havia sombra! Uma milagrosa grutinha apareceu ao lado da trilha e mais que depressa me abriguei ali do sol forte às 11h. Às 11h22 continuei a descida, inicialmente por um ziguezague e depois pela encosta oposta cruzando uma pontezinha de madeira sobre um leito seco de rio, onde às 11h51 mudo o sentido geral da caminhada de noroeste para norte. Outra rara sombra apareceu e parei por mais 17 minutos. A descida se acentuou, com pedras soltas, novamente em ziguezagues, e a visão do cânion foi mudando de ângulo. Mas às 13h22 tive de fazer uma parada maior, não me sentia bem. Além do forte calor acho que não estava totalmente recuperado da infecção que tive uma semana antes. Questionei se conseguiria cumprir um roteiro de quatro dias naquelas condições, as subidas que avistava dali me pareciam exaustivas demais. Aproveitei para admirar a larga e bonita paisagem enquanto pensava no que fazer. Sombra não havia, então só me restava descansar embaixo daquele sol de fritar. Depois de 1h30 resolvi continuar, a teimosia foi maior.

 

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Desci muito ainda e às 15h30 cheguei à estrada de terra já avistada de cima, onde uma placa indicava o nome de todos os povoados que citei acima e mais alguns, todos para a direita. Essa estrada vem de Cabanaconde e vai para Tapay. Ela é toda em ziguezagues também e se dirige para as pontes sobre o Rio Colca. Fiz a primeira curva caminhando pela estrada mas em seguida tomei as trilhas que servem de atalho. Alcancei a ponte de concreto às 15h57. Altitude de 2137m, com desnível de 1153m desde Cabanaconde. Uns 80m rio acima está a ponte suspensa de piso de madeira. E onde estão os gêiseres que constam dos mapas? Olhando na direção da ponte suspensa vi um vaporzinho saindo do meio das pedras em dois pontos na beira do rio - só podia ser lá. Mas não visualizei desse lado do rio um caminho seguro para chegar até eles. Cruzei a ponte e na parede de uma casinha vi escrito "gueyser" e uma seta apontando uma trilha à direita. Peguei essa trilha, que passou pela ponte suspensa e continuou, mas hesitei um pouco na hora de descer ao rio pois era bem fácil escorregar e cair. Desci com cuidado. Uma vez nas pedras da margem do rio cheguei facilmente a um dos gêiseres, que ficam apenas borbulhando, não há nenhum jato forte. O cheiro de enxofre é bem forte. O outro gêiser fica na outra margem do rio. A volta à estrada foi mais fácil que a ida. Subi, passei pela ponte suspensa e retornei à estrada de terra junto à ponte de concreto às 16h27.

 

Agora que ganhei a margem direita do Rio Colca era hora de enfrentar um bom trecho de estrada, não tinha opção. Mas a subida foi suave e felizmente não passou nenhum carro ou caminhão para me deixar dentro de uma nuvem de poeira. Às 16h55 surge uma bifurcação na estrada e uma placa apontando Llahuar e Llatica para a esquerda, para onde fui. Não havia informação do que havia para a direita, mas seriam os povoados de Paclla e Belen, bem acima. Para a esquerda desci um pouco e logo cruzei a minúscula vila de Turuna, onde um morador me ensinou o caminho para Llahuar, porém me ensinou o pior caminho. Ao final da vila a estrada desaparece, ou melhor, transforma-se num grande ziguezague de pedras grandes reviradas, um lugar bem ruim de caminhar. E foi esse caminho que ele me indicou, acho que por ser o mais antigo. Para piorar, ao final de tudo isso a ponte sobre o Rio Huaruro estava semidestruída, com uma das pilastras no chão e todo o lado direito do piso tombado. Olha, foi uma aventura passar naquela ponte se equilibrando e se segurando no cabo de aço do lado esquerdo! Cruzei-a às 17h44 e tomei a trilha para a esquerda, chegando em 4 minutos a Llahuar. Altitude de 2132m.

 

Para passar a noite quis evitar o Lodge Llahuar pois esse nome me sugeria um lugar caro. Mas fui convidado com toda simpatia a entrar no bar/restaurante deles e vi que o lugar não tinha nada de luxo. A garota da recepção me recebeu com toda a atenção e me deu todas as informações que eu precisava para continuar a caminhada. Com tudo isso e o preço muito camarada do camping (10 soles) nem fui à casa da Dona Virgínia conhecer sua área de camping e seus sedutores pés de fruta.

 

A garota também me disse que eu deveria ter seguido as setas brancas após a vila de Turuna para chegar ali por uma trilha mais fácil, tendo apenas de atravessar o rio por algumas tábuas improvisadas nas pedras (melhor do que uma ponte semidesabada). A curiosidade é que essa travessia (a das tábuas) se dá a poucos metros do encontro dos rios Colca e Huaruro (tenho certo fascínio por encontros de rios, não sei por quê). Outra coisa interessante é que Llahuar não é um povoado, como eu supunha. O lugar se resume praticamente ao lodge, que foi construído por causa das fontes termais junto ao Rio Colca. Segundo ela, antes só havia o lodge nesse local, depois é que a Dona Virgínia foi morar ali e criou a sua própria pousada. O lodge conta portanto com piscinas de água termal, porém não cheguei a tirar proveito dessa mordomia, ficou para uma outra oportunidade.

 

O restaurante estava funcionando mas eu tinha bastante comida na mochila e precisava aliviar o peso para a longuíssima subida do dia seguinte. Havia poucas pessoas hospedadas, algumas nas cabanas e outras em duas barracas.

 

Nesse dia caminhei 12,4km. Não encontrei nenhuma fonte de água limpa.

 

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2º DIA - 22/08/16 - DE LLAHUAR À CASCATA HUARURO

 

As fotos estão em https://goo.gl/photos/Abq96yrKvu94GrLo9.

 

Saí pouco depois das 7h da barraca pensando que estava acordando cedo porém todos já haviam partido. Eles fizeram a coisa certa, escaparam do terrível calor que eu peguei mais tarde. Além de acordar tarde, ainda fiquei tirando fotos e curtindo um pouco o lugar, já que cheguei no dia anterior quando já caía a noite. Com tudo isso, deixei o Lodge Llahuar às 9h38, com o sol já cozinhando. O dia seria de subida constante até a vila de Fure e a Cascata Huaruro, acompanhando sempre o vertiginoso vale do Rio Huaruro e seus altos paredões, no sentido geral norte. Por sorte, o início da subida se dá com um pouco de sombra, mas só o início... No começo também se cruza várias vezes um canal de água cristalina, porém sem um filtro ou purificador tive receio de bebê-la. Foi um grande erro não ter levado.

 

Caminhar pelo vale do Rio Huaruro foi realmente impressionante. Os paredões são imensos, o rio corre lá no fundo, numa conformação diferente do Colca já que aqui a característica de cânion é mais marcante por ser muito mais estreito. Para minha sorte aquele mal-estar e indisposição do dia anterior haviam passado, me sentia bem melhor e pronto para enfrentar toda aquela subida.

 

Às 11h alcancei um grupo de casas que pensei ser Llatica (pronuncia-se iatíca), mas depois descobri que não era. Aliás não fiquei sabendo o nome desse lugar, mas parei 17 minutos para descansar numa sombrinha por ali. Na continuação desci bastante e ao retornar às margens do verde Rio Huaruro, às 11h52, é que encontro o povoado de Llatica, que fica à esquerda do caminho para Fure, ou seja, não cheguei a entrar nele. A continuação do caminho está na outra margem do rio, com a travessia feita por uma ponte suspensa. Altitude de 2492m. Apenas 60m depois da ponte uma bifurcação: à esquerda o meu caminho para Fure e Huaruro, e à direita uma trilha que sobe a encosta para encontrar uma outra que corre lá no alto e vai de Fure a Malata (ou seja, essa do alto seria a minha trilha do dia seguinte).

 

Fui para a esquerda, atravessei algumas plantações, uma fonte de água e logo parei numa rara sombra para comer alguma coisa às 12h12. Em 18 minutos retomei a caminhada pela margem esquerda do Rio Huaruro. Aos poucos começo a subir e me afastar do rio. A trilha ali é visivelmente menos usada do que as anteriores, sendo mais estreita e com mais pedras. À medida que subo vou tendo uma visão melhor da vila de Llatica, do outro lado do rio. Logo avisto bem no alto alguns eucaliptos e adivinho ser ali a vila de Fure. Às 12h48 cruzo outro canal de água. Depois de muita subida sob o sol escaldante cheguei às 14h05 a uma bifurcação com uma placa. Para a esquerda a continuação do caminho para Fure e Huaruro, para a direita a tal trilha do alto que mencionei, a que vai para Malata. Fui para a esquerda, cruzei uma ponte suspensa e cheguei às 14h15 à vila semifantasma de Fure (altitude de 2770m). Explico: pelo alto risco de desmoronamentos na época das chuvas a vila de Fure teve de ser evacuada, com a população se transferindo para o novo povoado de Belen. As casas ficaram trancadas e o lugar ficou deserto. Porém ainda há cultivo de frutas nos terraços abaixo das casas, o que faz com que alguns moradores venham cuidar das plantas e outros inclusive (bem poucos) tenham voltado a morar ali, na vila semifantasma. Um lugar singular!

 

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Sentei um pouco no quintal de uma das casas trancadas para descansar numa sombrinha rala e pensar no que iria fazer. Dali até a Cascata Huaruro seriam ainda 1h20, ou seja, 2h40 para ir e voltar, e já eram 14h50, não daria tempo de voltar antes do anoitecer. Se eu acampasse ali em Fure e fosse conhecer a cachoeira no dia seguinte iria atrasar todo o meu cronograma. Resolvi ir até a cachoeira nesse dia mesmo e torcer para encontrar um lugarzinho para montar a barraca, nem que fosse no caminho ou no meio da trilha.

 

Deixei Fure às 14h58 (na saída mais dois pontos de água) continuando o caminho que acompanha o Rio Huaruro pela encosta da sua margem esquerda. E logo notei que a trilha dali em diante passa a ser ainda mais "selvagem", com algumas passagens estreitas à beira do abismo. A paisagem ao redor é de tirar o fôlego mas é preciso olhar sempre para o chão pois um passo fora da trilha pode significar uma queda muito perigosa. Esse trecho é realmente o mais impressionante de toda a caminhada, com a trilha correndo pelo alto e adentrando paredões cada vez mais estreitos. Cachoeiras imensas começam a aparecer despencando nas encostas do outro lado do rio, até que numa curva às 15h53 avisto bem no fundo do cânion a "Catarata de Huaruro". Para chegar até ela ainda passei por trechos de desmoronamento, com o chão forrado de pedras soltas. A chegada à cachoeira se dá ao término de uma subida em ziguezague. Finalmente cheguei a ela às 16h22. Maravilhosa, uma grande recompensa pelas horas que passei caminhando num calor implacável (e ainda iria caminhar).

 

Lugar para acampar porém não havia. Toda a encosta é muito íngreme, na verdade um pasto (até com vacas a uma certa distância) todo em degraus, sem condições de armar a barraca. Tive de voltar pela trilha até encontrar um pequeno espaço plano, em plena trilha mesmo, para montar a barraca. Mais tarde, à noite, fiquei imaginando que tipos de animais silvestres poderia haver por ali, mas era melhor não pensar nisso e dormir. Altitude de 2998m, desnível de 866m desde Llahuar.

 

Como mencionei, encontrei diversos pontos de água nesse dia. Se tivesse levado um purificador não teria tido nenhum problema com relação a água. Como não levei tive de consumir a minha água mineral "com moderação"... rsrs

 

Nesse dia caminhei 9,3km.

 

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3º DIA - 23/08/16 - DA CASCATA HUARURO AO POVOADO DE MALATA

 

As fotos estão em https://goo.gl/photos/664h5jaBLZ8yEZf7A.

 

Nesse terceiro dia de caminhada levantei cedo, antes das 6h da manhã, na intenção de me poupar do calor excessivo da tarde, mas acabou não adiantando. Quando comecei a fotografar a cachoeira e percebi que o sol não demoraria a iluminá-la, não resisti à tentação de tirar fotos melhores e esperei pelo sol. Com isso acabei saindo dali somente às 10h25.

 

Voltei pelo mesmo caminho da ida e às 11h19 tive a última visão da cachoeira para trás. Dou alguns passos e já avisto Fure novamente. Só então me dei conta do risco real de viver nesse vilarejo, com a montanha muito alta bem atrás. Poucas pedras que rolassem daquela altura destruiriam tudo mesmo.

 

O sentido geral desse dia seria sul até a estrada para Malata e depois leste. Como a minha água mineral já estava no fim, tive de encher os cantis com a água que considerei a mais limpa no caminho. Bebi o mínimo possível até o fim do dia e não tive problemas.

 

Passei por Fure novamente às 12h07 e parei à sombra de um pé de lúcuma para descansar pois o sol já fritava. Um raro morador apareceu e conversamos um pouco. Deixei a vila às 12h30, cruzei a ponte suspensa e peguei a trilha em frente na bifurcação (à direita é por onde cheguei no dia anterior vindo de baixo, de Llatica). Essa trilha também merece cuidado pois tem partes bem estreitas com o abismo ao lado. Meu maior medo era uma pedra rolar lá de cima quando eu estivesse passando, como chegou a acontecer no primeiro dia, quando uma pedra caiu bem na minha frente de repente. Era uma pedra pequena mas se me atingisse causaria algo sério.

 

Às 12h57 passei por um canal de água que abastecia um tanque bem à esquerda da trilha. Ao ver aquela água abundante e fresca não resisti e bebi um pouco. Em seguida comecei a avistar a vila de Llatica bem abaixo, à direita, e a trilha que sobe a partir da ponte sobre o Rio Huaruro. Olhando dali Llatica parece estar dentro da cratera de um vulcão. Às 13h24 chego à bifurcação da trilha que sobe da vila. Na sequência encarei um subida que foi curta mas ao final sentei para descansar, sem sombra mesmo. O calor parece que suga todas as forças. Liguei meu termômetro para saber que temperatura estava: "apenas" 37,2ºC com 20% de umidade, um verdadeiro deserto. O morador com quem falei em Fure me alcançou com seu burro carregado e parou para conversarmos um pouco mais.

 

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Às 14h13 voltei a caminhar e às 14h47 a trilha se transforma em um final de estrada de terra. Apenas 80m depois uma discreta trilha sai para a direita, é um atalho para a vila de Belen, um pouco abaixo. Ali mesmo aproveitei a sombra de alguns cactos e parei 34 minutos para um descanso. Em pouco tempo ali várias tropas de animais passaram carregadas. Retomei a caminhada às 15h27 e em 10 minutos passei por uma fonte de água à esquerda da estradinha, mas nessa não confiei. Dali já avisto a vila de Belen abaixo.

 

Às 15h52 a estradinha desemboca na estrada principal de terra, a mesma que eu percorri no primeiro dia num ponto bem mais abaixo entre a ponte do Rio Colca e a bifurcação para Llahuar. Ou seja, nesse momento estava deixando de vez o vale do Rio Huaruro e retornando ao vale do Rio Colca. Tomei a estrada principal para a esquerda e subi um bocado. Por sorte poucos carros passaram para não ter de comer muita poeira. Na encosta do outro lado do Rio Colca avisto a trilha por onde desci no primeiro dia. A subida termina logo após uma curva bem fechada para a esquerda que possui um mirante coberto no morrinho à esquerda. Esse deve ser o Mirante Apacheta. Não subi até ele mas da estrada mesmo já visualizo quase todo o caminho que faria para voltar a Cabanaconde, bem como o Oasis (Sangalle) abaixo e a longa e sinuosa trilha de subida dele para Cabanaconde. Nesse ponto minha direção geral muda de sul para leste, como já disse, e tenho uma visão do vale do Colca que é oposta à do primeiro dia.

 

Em seguida veio uma longa e suave descida até o povoado de Malata (pronuncia-se maláta), aonde cheguei às 17h30 para passar a noite. Caminhando pelas ruas do local, vi a placa de uma tal Pension Margarita e fui lá conferir. Expliquei ao senhor que gostaria de jantar mas que não precisava de um quarto pois tinha a minha barraca. Ele falou que eu poderia montá-la na frente da outra casa deles, em plena praça da igreja... Achei um pouco estranho mas não resisti a uma situação pitoresca como essa, acampar em plena praça central do vilarejo! Havia um grupo de trabalhadores de uma obra em andamento na vila e foi na companhia deles que eu jantei. O jantar, como é costume aqui, constava de uma sopa reforçada de entrada, prato principal com uma carne e por último uma xícara de chá. Comprei uma garrafa de água mineral ali pelo dobro do preço de Cabanaconde, dei boa-noite ao simpático casal e fui dormir na praça. Altitude de 2655m.

 

Nesse dia caminhei 13,7km. Novamente encontrei várias fontes de água corrente.

 

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4º DIA - 24/08/16 - DO POVOADO DE MALATA DE VOLTA A CABANACONDE

 

As fotos estão em https://goo.gl/photos/NCt4jRjpz3FsccSF7.

 

Levantei antes das 6h da manhã para desmontar logo cedo a barraca. Estava 13,4ºC fora da barraca e a mínima da noite foi 12,7ºC. Tomei o desjejum com o que restava da comida que levei e deixei Malata às 6h48. Segui pela rua da praça da igreja no sentido leste e logo o vilarejo acabou. Mas em 7 minutos já chegava ao povoado de Cosñirhua (eta nominho chato de pronunciar!). Assim como em Malata, em Cosñirhua notei diversas casas fechadas e outras abandonadas e semidestruídas. Em ambos os povoados também se cultivam diversas frutas nos terraços que ficam abaixo das casas. Cruzei a praça central do lugar e continuei pela estrada, mas às 7h15 encontrei uma placa indicando San Juan de Chuccho e Cabanaconde à direita, numa trilha (em frente pela estrada eu subiria para Tapay). Abandonei então a estrada de terra e desci pela trilha, que cruzou algumas casas e em 60m trifurcou. Para a direita eu voltaria para a praça central de Cosñirhua, para a esquerda estava a descida para San Juan de Chuccho e em frente não havia informação. Na verdade podia ter pego essa trilha em algum ponto mais atrás na estrada mas não percebi onde. Vale comentar que ao passar por esse povoado vi muitos homens com uniforme de banda de música, alguns já preparando os instrumentos. Ao longo desse dia inteiro iria ouvir a distância o som do ensaio deles, a música ecoou por todo o vale do Colca durante todo o dia.

 

Mas voltando à trifurcação, tomei a trilha da esquerda e imediatamente comecei a descida em ziguezagues curtos que me levou a um riacho, o qual cruzei pelas pedras para tomar a trilha pouco acima para a direita. Algumas pessoas trabalhavam numa obra ali no rio e a curiosidade foi ver as mulheres com roupas típicas carregando pedras e enxadas. Na trilha segui inicialmente um canal de água mas logo me afastei dele para caminhar um pouco acima. Comecei a descer e parei para fotografar e admirar alguns pés de figo gigantes na beira da trilha. Aliás os figos que comi em Arequipa foram os mais doces que já provei, quem sabe vieram desta região...

 

Nessa descida comecei a cruzar com alguns trilheiros, primeiro um solitário, depois um grupinho, depois um grupão, e logo não parava mais de cruzar com gente, quase todos com um guia a tiracolo. Foi até estranho cruzar com tanto turista depois de três dias andando sozinho. Depois soube que o roteiro padrão das agências de Arequipa é Cabanaconde-San Juan de Chuccho no primeiro dia, San Juan-Sangalle no segundo e Sangalle-Cabanaconde no terceiro. Por isso tanta gente nesse trecho da caminhada. E ainda iria cruzar com muitos e muitos grupos na subida para Cabanaconde.

 

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Seguindo sempre em frente e desprezando descidas à direita, cheguei às 8h10 à vila de San Juan de Chuccho, cujo centro é um campinho de futebol (sem grama) em frente a uma escola. Ao contrário de todas as outras vilas por onde passei, San Juan tem muitas opções de hospedagem, é um lugar turístico. Mas aqui me confundi um pouco com os caminhos e acabei pegando o pior deles. Atenção para não fazer a bobagem que eu fiz. O melhor é continuar pelo mesmo caminho da chegada (não descer ao campinho de futebol), passar pelo "comedor popular", pela pousada Glória e seguir pelo caminho largo, que estranhamente vai subir um pouco mas depois vai descer com segurança à ponte do Rio Colca. Eu cheguei a tomar esse caminho mas estranhei quando começou a subir, então voltei à vila, desci ao campinho, passei à direita da escola, desci um pouquinho e tomei a trilha da esquerda, confirmando o caminho com um morador. Fui à direita numa pedra gigante, contornei um reservatório pela esquerda e comecei a seguir o curso do canal de água que provém dele. O caminho foi extremamente agradável, à sombra de muitas árvores e pés de fruta, muito verde ao redor. Me deparei até com uma linda plantação de trigo, de um verde estonteante. Mas em seguida a coisa apertou. A trilha estreitou e se aproximou muito do abismo à direita, o que me obrigava a caminhar devagar e com cuidado. Mas o pior foi a descida para o rio, com a trilha inclinada demais, com pedras soltas e uma queda grande bem ao lado. Tive de descer boa parte dela sentado para ter mais segurança. E ainda havia o medo de uma pedra rolar para cima de mim. Foi tenso! Ao chegar ao final me deparei com um caminho largo vindo da esquerda e seguindo para a ponte, então deduzi que seria a continuação daquele caminho inicial que tomei e abandonei. Uma inscrição na pedra ali dizia "zona de derrunbe" acima, quer dizer, me arrisquei bastante mesmo nessa descida. Se você for passar por ali, não se esqueça disso! Para quem faz no sentido contrário é tranquilo pois há sinalização pintada nas pedras.

 

Cruzei a ponte suspensa sobre o Rio Colca às 9h50 e respirei fundo pois dali em diante seria uma subida sem fim com o calor aumentando a cada minuto. Altitude de 2380m. E assim foi, tentei não parar ou só fazer paradas bem curtinhas para não perder o ritmo. O que consolava era a paisagem ficando cada vez mais ampla e mais impressionante. Como disse, foram inúmeros os grupos com que cruzei, todos com mochilinha de ataque pois não precisavam de barraca ou comida, iam dormir nos povoados mais turísticos do cânion.

 

Essa subida atravessa mais de um trecho de desmoronamento em que se caminha sobre pedras soltas e rezando para uma outra pedra não despencar bem naquela hora na sua cabeça. Tentei fazer a subida toda sem uma parada mais longa, mas às 12h55 já não aguentava mais o calor e aproveitei uma raríssima sombra que apareceu, a do mirante San Juan de Chuccho, com um pequeno quiosque. Saquei o meu termômetro e de novo estava 37ºC com 20% de umidade! Um calor que me deixava exausto.

 

Retomei a caminhada às 13h54 e às 14h21 avisto Sangalle no fundo do vale. Às 14h50 chego finalmente ao alto. Aleluia! Altitude de 3400m, desnível de 1020m desde a ponte do Rio Colca e ponto mais alto de toda a caminhada. Mas ainda não estou em Cabanaconde, aliás a cidade ainda estava um pouco longe... Caminhei 500m até o asfalto e fui para a direita, descendo. Passei pela placa indicando o Mirador San Miguel e logo avisto Cabanaconde mais abaixo, aonde chego às 15h24. Deixei a mochila no hostal, descansei um minuto e ainda tive disposição para voltar ao Mirador Achachihua para ver o pôr-do-sol. Para minha surpresa encontrei um casal de São Paulo lá e foi até estranho falar português depois de 19 dias de viagem. O sol se pôs às 17h20 e voltamos juntos para a cidade.

 

Nesse dia caminhei 13,2km. Não encontrei nenhuma fonte de água limpa.

 

Total do circuito no Cânion do Colca: 48,6km.

 

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Informações adicionais:

 

. Horários de ônibus Arequipa-Cabanaconde:

empresa Andalucía - 9h30, 15h30, 0h

empresa Reyna - 1h, 11h

empresa Señor de los Milagros - 3h30, 14h (seg a sáb) e 15h (domingo)

Preço da passagem: 17 soles

 

. Horários de ônibus Cabanaconde-Arequipa (segundo o folheto do hostal Villa Pastor):

empresa Andalucía - 8h30, 9h45

empresa Reyna - 7h, 14h

empresa Señor de los Milagros - 11h30, 22h

 

. Em Cabanaconde me hospedei no Hostal Villa Pastor por 20 soles o quarto com banheiro privativo e sem café da manhã. A ducha quente foi a melhor de toda a viagem ao Peru. Eles cobram 3 soles por dia para guardar a bagagem durante o trekking. Fica na Plaza de Armas. Site: http://www.villapastorcolca.com.

 

. O próprio hostal tem um restaurante com preços razoáveis e comida muito boa. Fora isso, há vários restaurantes baratos na Plaza de Armas com comida boa também, mais frequentados pelos nativos do que por turistas.

 

. O rapaz do hostal conseguiu para mim um cajado que usei durante toda a caminhada e foi muito útil, principalmente nas descidas intermináveis e para caminhar nas pedras soltas. Também é possível alugar bastões de caminhada numa pequena mercearia da Plaza de Armas por 5 soles por dia cada um.

 

. O camping no Lodge Llahuar custa 10 soles com direito a uso livre das piscinas termais. Não perguntei o preço das cabanas.

 

. O quarto na Pension Margarita, em Malata, custa 15 soles (não sei se o banheiro é compartilhado) e o café da manhã por volta de 5 soles, dependendo do que for pedido. O jantar custa 10 soles.

 

. A cotação do nuevo sol frente ao dólar (3,31 soles por US$) estava muito próxima da cotação do real frente ao dólar (3,33 reais por US$), portanto os valores em soles que coloquei aqui podem ser convertidos para real na base 1 para 1.

 

. Para caminhar eu usava uma camiseta de dryfit de manga curta e calça de tactel. E muito protetor solar fator 50!

 

. Para não carregar muito peso em comida é possível comer em Llahuar, Malata e San Juan de Chuccho, lugares bem estratégicos para o trekking. Para a compra de mantimentos Cabanaconde tem algumas mercearias com uma boa variedade, mas eu preferi levar o queijo e o pão integral comprados no Mercado San Camilo, em Arequipa.

 

. A temperatura mínima que registrei durante a madrugada foi de 11ºC. Ao sair da barraca de manhã costumava estar por volta de 13ºC.

 

. Toda a região de Arequipa é sujeita a frequentes tremores e alguns terremotos mais fortes. No dia 14/08, quatro dias antes de eu chegar à cidade, houve um terremoto de intensidade 5,2 que matou quatro pessoas na região, com epicentro próximo a Chivay, no Vale do Colca. Eu senti dois tremores rápidos mas que assustaram um pouco. Por isso, ao sair para uma caminhada pelas trilhas do Colca deve-se ter esse risco em mente, evitando sempre fazer paradas para descanso (ou acampar) em lugares próximos a encostas sujeitas a desmoronamento. Isso foi dica de um morador.

 

Rafael Santiago

agosto/2016

http://trekkingnamontanha.blogspot.com.br

 

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