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Fui de carro a partir de Maceió, me lembro que tive que atravessar um rio de mini balsa e depois pegamos uma estrada de terra.

 

A praia é linda, água morna e piscinas naturais...sensacional!

 

Que massa, diferente do nosso trajeto. Sim, Carro Quebrado é demais. Abraços

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  • 2 semanas depois...
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Parte 20: Pelourinho

“É como se corresse sobre o mar para as estrelas, na mais maravilhosa viagem do mundo. Uma viagem como o Professor nunca leu nem inventou. Seu coração bate tanto, tanto, que ele o aperta com a mão.” Capitães de Areia, Jorge Amado

O Pelourinho para mim é como mexer em um rádio, onde o botão de sintonizar estação representa os meus passos. Cada poucos passos dados é como visitar uma nova rádio. Começo a caminhar e paro para ver e ouvir o ensaio do Olodum, as batidas de tambores dominam o ambiente, ninguém fica parado. Passa um tempo, volto a caminhar, viro uma esquina e tem um senhor de terno com as pernas cruzadas cantando e tocando lindamente: "Isto aqui ô ô | É um pouquinho de Brasil iá iá | Deste Brasil que canta e é feliz | Feliz, feliz". Depois caminho novamente e já me encontro numa roda de samba, sento no chão, abro uma cerveja, tomo um gole, deixo a cerveja no chão e acompanho com palmas a versão a capela de "O show tem que continuar". As horas passam, talvez os dias e nada muda. Agora ouço músicas de capoeira e gringos, em volta, admirados pelos movimentos que às vezes parecem de luta e outras vezes de dança. O caminhar continua e a democracia musical está espalhado pelo Pelô. Axé, Rock, Bossa Nova, Samba, Mpb e Forró. Música para todos os gostos e estilos. Me perco nas inúmeras vielas. Um som em particular me guia para um bar bem escondido, pelas ruas estreitas. A cada passo o som aumenta. Vejo uma moça no meio de uma roda cantando com o sorriso aberto. Ouço e reconheço: "Não se assuste pessoa | Se eu lhe disse que a vida é boa". Apresso o passo. O refrão é tocado: "Eu sou, eu sou, eu sou o amor", mas a guria dá um toque especial, logo em seguida, e canta assim: "O Pelô é o amor, o Pelô é o amor". Agora tinha sintonizado na minha rádio. Sentei e fiquei.

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A única vez que sai do Pelourinho, nos meus dias em Salvador, foi para conhecer a Igreja do Bonfim. Do Pelô eu desci o elevador Lacerda e logo na avenida movimentada a frente peguei um ônibus em direção a igreja. A Baía de Todos-os-Santos me fez companhia pela janela do ônibus que estava vazio naquela manhã. Ao descer do ônibus e avistar do alto as grades coloridas da igreja, alguns comerciantes já vieram em minha direção com as famosas fitinhas do Bonfim. Antes de chegar na porta da igreja eu já estava com umas cinco fitinhas presas a meu contragosto no braço. Estava tendo missa. Eu, silenciosamente, me sentei no fundo. Não me lembro das palavras ditas. Só queria me fazer presente. Antes de acabar a missa me retirei. Aproveitei para amarrar algumas fitinhas em frente a igreja. E que beleza de lugar. Estava ali, junto ao mar de cores e todas as cores levam o nome do Senhor do Bonfim, padroeiro da Bahia.

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Ao caminhar em volta a igreja reconheci uma alemã que estava hospedada no mesmo hostel que eu. Ajudei ela a amarrar a sua fitinha. Ela passou muito tempo escolhendo seus desejos. Fiquei curioso com a demora. Ela parecia não querer errar na escolha. Tentei, sem sucesso, saber quais eram. Tirei as fitas do meu braço e escolhi uma, na qual eu faria os meus desejos. Para mim foi fácil escolher. Os desejos sempre são os mesmos, só mudam de lugares. No último nó desejei algo diferente. Depois pegamos o ônibus de volta juntos. Antes de voltar para o Pelô, passamos no mercado Modelo. Depois caminhamos pelas vielas do Pelourinho. Ela voltaria no mesmo dia para a Alemanha.

De noite, fiquei numa roda de samba na praça. Era sábado. Muitas pessoas chegavam. Os bares pareciam esvaziar-se, todos queriam estar ali, no meio da rua, no meio da praça. Quanto mais as horas passavam, mais os bares esvaziavam-se e mais a rua era de todos.

No outro dia, tive a sorte de presenciar um show do Olodum, gratuito. Não me recordo o nome do lugar, mas não parecia uma casa de show. Ao passar pelo portão, igual a todos outros, tinha um espaço grande com um palco armado e bares em volta. A quantidade de pessoas era limitada, tanto que fui sair uma vez e disseram que se eu saísse, talvez, não conseguiria voltar depois. Foi bom demais. Foi o final perfeito para os meus dias no Pelourinho.

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Peguei minhas coisas e corri para a rodoviária. Comprei minha passagem para seguir para Lençois. O ônibus, apenas, partiria no final do dia. Deixei minha mochila no guarda volumes e fui caminhar no shopping que fica ao lado da rodoviária. Passei horas caminhando no shopping. Aproveitei para comer e comprar um livro. Enfim, a literatura começava a fazer falta. Quase no horário da partida, segui de volta para a rodoviária. Atravessando a passarela, fui abordado por dois sujeitos, logo um me enforcou e o outro tentou tirar minha carteira do bolso. Consegui me livrar dos dois. Nada me aconteceu e nada levaram. O que mais me chamou a atenção foi que tinha muita gente circulando ali e todos passavam por nós como se nada tivesse acontecendo.

A vida é feita de escolhas e viajar não é diferente. Estar em Salvador resumiu-se para mim estar no Pelourinho. Abri mão de conhecer o Farol da Barra e seu famoso pôr-do-sol. Também deixei de conhecer Itapuã, a praia da Armação e todo o resto de Salvador. Na verdade não me fez falta nenhuma, pois eu estava bem, estava me perdendo nas vielas do Pelourinho junto a seu caos cotidiano. Ficar junto ao Pelô era aproximar-me das histórias de Jorge Amado que tanto li. Sei que muitos acham o lugar perigoso e sujo e realmente é, mas fora isso existe um pulsar por todo aquele lugar colorido. Pulsar igual ao tambor do Olodum. Pulsar que carrega todos os sons. Pulsar de alegria. Pulsar de vida. Afinal, seria o Pelô o coração da Bahia?

“A cidade está alegre, cheia de sol. “Os dias da Bahia parecem dias de festa”, pensa Pedro Bala, que se sente invadido também pela alegria. Assovia com força, bate risonhamente no ombro de Professor. E os dois riem, e logo a risada se transforma em gargalhada. No entanto, não têm mais que uns poucos níqueis no bolso, vão vestidos de farrapos, não sabem o que comerão. Mas estão cheios da beleza do dia e da liberdade de andar pelas ruas da cidade.” Capitães de Areia, Jorge Amado

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  • 3 semanas depois...
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Parte 21: Chapada Diamantina

"E nas noites de lua imaginária

sonha com a mulher imaginária

que lhe ofereceu seu amor imaginário

volta a sentir essa mesma dor

esse mesmo prazer imaginário

e volta a palpitar

o coração do homem imaginário." O homem imaginário, Nicanor Parra

Lembro de um tempo longínquo em que Bahia era sinônimo de praia. Se deixasse apenas para a imaginação nunca iria imaginar que existiria uma preciosidade como a Chapada Diamantina em suas terras. Por fotografias conheci a Chapada. Depois naturalmente fui conhecendo mais sobre aquele lugar perdido no meio da Bahia. A fotografia é o gatilho inicial que logo depois torna-se vontade de estar e quando você menos imagina está arrumando as malas para defrontar-se com a fotografia. Às vezes nos decepcionamos, o que é natural, pois fotografias são abstrações da realidade. Posso parecer leviano, mas uma coisa eu vos digo, essa decepção nunca acontecerá na Chapada Diamantina. A beleza está em suas cachoeiras, cavernas, poços, grutas, paisagens, cidades, clima, pessoas, enfim, em tudo. Há beleza para todos os gostos. E além do mais, aquelas plaquinhas, perdidas nas estradas, nunca mentem ao dizer: Sorria você está na Bahia.

Cheguei em Lençois e o sol não havia se levantado ainda. Dormi na rodoviária até o sol incomodar. Peguei minhas coisas e comecei a caminhar pela cidade. Muitas pessoas vieram ao meu encontro oferecendo pacotes de turismo ou eram guias oferecendo os serviços para o trekking do Vale do Pati. Ouvi alguns guias, mas os preços eram foram da minha realidade. Tomei um café para acordar de vez, me ofereceram um quarto por um preço justo e fui. Guardei minhas coisas e fui me informar sobre as trilhas que poderia fazer sem custo. Resolvi fazer a trilha que dá acesso ao morro do Pai Inácio desde Lençois. Comecei a caminhar. Estava sozinho. Tinha conhecido algumas pessoas no ônibus, mas ninguém quis começar a caminhar no mesmo dia. A trilha é relativamente tranquila, apesar de longa. Num determinado ponto, já tinha caminhado por umas duas horas eu acho, alguma coisa me disse para voltar e acabei voltando. Com toda certeza a tentativa de assalto no dia anterior me abalou. Não sentia mais segurança de caminhar sozinho, como tantas vezes tinha feito. O medo me fez companhia naquele dia. Voltei para Lençois e tentei dormir. Não consegui. Caminhei pela cidade e por vezes me peguei pensando se o medo iria me dominar a partir daquele momento.

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No outro dia resolvi ficar por perto, passei o dia no Ribeirão do Meio. O acesso é tranquilo através de uma trilha de uma hora que tem início na própria cidade de Lençois, assim chega-se ao curioso tobogã natural de Ribeirão do Meio. Nadei, escorreguei e fiquei ali por muito tempo, tranquilo. No resto do dia resolvi conhecer um pouco mais da cidade. A noite a cidade tem um charme especial. Os bares espalham cadeiras e mesas por todas as passarelas, deixando tudo mais vivo e alegre. Muita música e boa comida. No fim da noite caminhei por algum lugar longe das luzes e fui conhecer o céu da Chapada. As estrelas estavam todas ali no céu, eram tantas. Fiquei ali até o sono dominar, depois aos trancos e barrancos voltei.

Acordei cedo. No dia anterior tinha fechado um pacote turístico. Não gosto muito de pacotes, mas a tormenta do medo me acompanhava. Não me sentia seguro de ir para a pista pegar carona. Enfim, segui com um grupo de 4 pessoas. Além do guia, tinha um casal de franceses e um alemão. Dei sorte, era um grupo pequeno. O curioso que os três gringos conheciam muito o Brasil e em quase todas as férias, pelo menos por uma semana visitavam o nosso país. Os franceses, quando jovens conheceram-se no próprio Brasil, através de uma viagem da universidade pelo Rio de Janeiro.

Nossa primeira parada foi no Mucugezinho. Fazia muito calor. Ficamos por um bom tempo ali. Nadamos bastante. Depois seguimos para a gruta da Torrinha. A gruta é enorme e somente havias nós nela. Eu particularmente não sou muito fã de grutas e cavernas, mas a experiência que tive na Torrinha, guardarei para todo o sempre. Depois de caminharmos bastante pela gruta, o alemão perguntou ao guia se havia algum ponto que não havia incidência de luz, para ser mais preciso, se havia escuridão total. Caminhamos até o tal lugar. Difícil era o acesso. Só conseguiamos ficar sentados. Não sei exatamente o porquê, só sei que o alemão marcou cinco minutos no cronômetro e pediu que nesses cinco minutos fizéssemos silêncio absoluto. Apagamos todas as lanternas e luzes. Eu não via nada. Eu não escutava nada. Os sentidos tinham sido reduzidos. Os segundos passavam lentamente. Um turbilhão de sentimentos me assolava nos primeiros segundos. Depois eu nada mais pensava ou sentia. Posso dizer que eu fugi dessa vida por uns quatro minutos. Não sei explicar o que passou naquele momento, pois nem eu mesmo sei. Ao tocar o despertador. A vida voltou a sua normalidade, mas parecia que a alma havia sido lavada. Caminhamos sem trocar mais nenhuma palavra. Ao sair da gruta, fomos comer no restaurante que é ali próximo. A comida foi boa e as conversas também.

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“Experimentar a escuridão total e o silêncio absoluto foi das coisas mais incríveis que já me aconteceu. Estranho ter os sentidos reduzidos, mas foi muito bom também. Queria ter entendido o porquê do alemão propor aquela experiência. Esses cinco minutos pareceu uma eternidade e talvez pela primeira vez consegui não pensar em, absolutamente, nada.” Notas de Diário

Depois de algum tempo seguimos viagem. O destino era a Pradinha. Fui direto ao rio. Ficamos no rio nadando. Se ficasse parado os peixes mordiam. Os franceses chegaram de tirolesa no rio. Pradinha é beleza pura. O rio. A gruta. E todo o entorno. A gruta azul é toda lindona também. Os mais legal dessa tarde que ficamos em sintonia. As conversas eram boas. Teve muita cerveja. E no fim ficamos falando sobre o Brasil. Cada um tinha uma visão sobre o assunto, mas no fim o respeito a diversidade sempre vale mais. Para fechar o dia seguimos para o morro do Pai Inácio. Aqui subimos tranquilamente o morro. E depois deitamos em algum lugar do topo e esperamos o chegar do por-do-sol. Foi lindo. Que lindeza. Fomos os últimos a descer o morro, já era noite. Voltamos para Lençóis. Comemoramos o bom dia com mais cervejas. No final nos despedimos com um até logo, mas o até logo era um adeus.

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No outro dia peguei carona com um pessoal que conheci no dia do Ribeirão do Meio. Fomos conhecer o Poço Azul, a Cachoeira do Mosquito e uma caverna. Foi um dia tranquilo. O Poço Azul não estava tão azul como o habitual, mas nadar naquela água é mais que demais. A cachoeira do Mosquito foi uma boa surpresa. Cachoeira de beleza surpreendente. Ficamos quase todo o dia ali, deboas, sem pressa ou correria. Esse foi um bom dia. Depois voltamos para Lençois. Cozinhei um macarrão que levava na minha mala por vários dias. Deitei numa rede e passei a noite dormindo em companhia do céu estrelado.

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“Aliás, essa Chapada tem uma proporção muito maior. Tudo é maior. As cachoeiras são gigantescas. Os morros são infinitos e os visitantes também. Aqui o turismo é enraizado, mas a beleza é muito bela.” Notas de Diário

Nessa altura da viagem, já sabia qual o dia que teria que retornar para casa. Então, meus dias de viagem estavam acabando. No dia da minha partida da Chapada fiquei o dia conversando com a Jesy (argentina que eu havia conhecido) e um cozinheiro francês. Eles me acompanharam até a rodoviária e falei para Jesy que talvez encontraria ela no Rio de Janeiro. Depois de boas risadas dei um abraço em cada um e subi para o ônibus rumo a Seabra. Não fazia ideia de como iria chegar em Belo Horizonte, mas fui para Seabra. Fiquei um dia e meio na cidade, a espera de algum ônibus que rumasse para o caminho do sul da Bahia e norte de Minas. Conheci um pouco da cidade e uma cachoeira que não sei o nome. No fim consegui uma carona para iniciar minha empreitada rumo ao sudeste. O fim se anunciava.

Quando cheguei na Chapada não tinha plano algum. Tinha ouvido muito sobre o Vale do Pati e criei grande vontade de fazê-lo. Pensei em fazer sozinho ou talvez o destino colocasse alguém disposto a seguir junto comigo nessa empreitada. Não tive coragem de ir sozinho e ninguém que conheci animou de ir comigo. Os valores guiados não estavam nos planos. Eu estava num momento da viagem que eu só tinha a agradecer as oportunidades vividas, pouco pensava nas coisas que deixei de fazer. Por isso, fui embora da Chapada com o sorriso no rosto e fiquei muito feliz com tudo que os meus olhos puderam ver por si mesmo. Talvez teria sido mais incrível ainda ter conhecido o Vale do Capão, o Buracão e o Vale do Pati, com certeza sim, mas prefiro pensar nas coisas que pude ver e conhecer e estava muito satisfeito.

Dos dias na Chapada Diamantina o que eu mais me lembro é aquele pôr-do-sol, dos mais lindos, que eu presenciei no morro do Pai Inácio. Deitado no topo, minha mochila fazia o papel de travesseiro. Ajeitei minhas costas e com as pernas dobradas ao alto eu acompanhei o sol descer. No início o sol queimava minha pele já muito queimada pelo Cerrado, Amazônia, Sertão e o litoral nordestino. O céu estava limpo e limpa estava minha alma. Dormi por alguns instantes. O horizonte mudava de cor, conforme o sol aproximava-se do horizonte. Olhei os franceses que também estavam deitados vendo o fim do dia. O alemão era único de costas para o pôr-do-sol, olhava o outro horizonte. O sol se baixava cada vez mais e com isso trazia o silêncio. Cada vez mais as pessoas que estavam no topo se ajeitavam para acompanhar aquela beleza. Por um momento o silêncio era quase absoluto, o vento trazia alguns poucos acordes. Agora o céu estava vermelho e a escuridão já se anunciava na parte alta. Os últimos raios de sol se foram junto com quase todas as pessoas. Quando levantei não havia mais sol, acompanhado do som do vento olhei para os meus companheiros e com um sinal de olhar começamos a caminhar. Os momentos de silêncio e escuridão na caverna pareciam uma anunciação para o agora. Sem palavras, nem luzes, caminhamos. Cada passo o escuro ficava mais escuro e a cada passo ia surgindo uma nova estrela no céu. O silêncio foi quebrado. A francesa não parava de rir. Nós todos começamos a rir juntos. Ligamos as lanternas. E vimos que estávamos em quatro apenas, faltava o alemão. Subimos ao topo e lá estava ele dormindo como uma criança. A risada ficou mais alta e a descida foi leve como flutuar.

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Se eu tivesse que falar algo da Chapada Diamantina, seria isso. Sobre a leveza que é estar ali. Sobre a beleza que é estar leve. Sobre ir embora e querer voltar. Chapada Diamantina espero te ver em breve. Enquanto isso te levo em memórias.

"Assovia o vento dentro de mim. Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara." O livro dos Abraços, Eduardo Galeano

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Parte 22: Ouro Preto e São Thomé das Letras

"Assim a moeda foi lançada e girou no ar; às vezes apareciam caras, às vezes, coroas. O homem, que é a medida de todas as coisas, fala através de mim e reconta por minhas palavras o que meus olhos viram. De dez caras possíveis, eu talvez só tenha visto uma única coroa, ou vice-versa.: não há desculpa; minha boca fala o que meus olhos lhe disseram para falar. Teria nossa visão sido estreita demais, preconceituosa demais ou apressada demais? Teriam nossas conclusões sido muito rígidas?" De moto pela América do Sul, Ernesto Guevara

Ir embora da Chapada Diamantina e chegar em Belo Horizonte foi das maiores aventuras da viagem. Inúmeras caronas. Cortar a Chapada por quase toda sua extensão, mesmo de caminhão, foi das coisas mais marcantes. Sem fotos, guardo as paisagens na memória. Quanta beleza. De carona e ônibus eu ia descendo o mapa. Passei por dezenas de cidades. Ora a paisagem parecia de sertão, ora a vegetação era rica. No ritmo lento dos caminhões a viagem era mais proveitosa. Ao todo deve ter passado de três a quatro dias até eu conseguir colocar os pés em Belo Horizonte. Não sabia o quão complicado era a conexão da Chapada com BH. O medo foi dissipando novamente e a viagem de um solitário passava por muitas ajudas, novamente.

Logo que cheguei em Belo Horizonte não perdi tempo e já segui para Ouro Preto. No ônibus vazio eu e mais umas cinco pessoas dividimos o trajeto. Cheguei em Ouro Preto e segui caminhando com a mochila nas costas, não tinha pesquisado nada sobre acomodação e também havia esquecido de tentar couchsurfing. Passei pelo centro e recebi muitas propostas de estadia, caminhei mais e achei um hostel por trinta reais a diária. Deixei minhas coisas e logo sai explorar a cidade. Andei e como andei. O sobe e desce de Ouro Preto é intenso, não há nada plano. Visitei todos os cantos da peculiar cidade. Entrei em alguns museus e igrejas, só não entrei em todos porque são pagos. Terminei o dia no cinema gratuito que tem no centrinho.

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No outro dia caminhei mais calmamente. Visitei quase tudo novamente, mas sem a pressa que me engoliu no dia anterior. Experimentei um pouco da culinária. Fui ao cinema de novo e avancei mais pelo interior da cidade. Nesse dia eu estava sozinho no hostel. Um casarão somente para mim, aproveitei para ouvir música alta no anoitecer.

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Quando amanheceu no dia seguinte, segui para Mariana. Caminhei pela cidade. Queria ver com meus olhos os estragos da Samarco. Peguei um ônibus circular até próximo ao distrito de Bento Rodrigues, não consegui chegar próximo ao desastre, pois a ponte de acesso havia cedido. Voltei para Mariana e caminhei mais um pouco. Na hora de voltar decidi pegar o trem da Vale. Acho que paguei quarenta reais no percurso, muito caro, mas vale a pena o trajeto é bem bonito, mas consegue-se ver boa parte do trajeto indo de van.

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Já pela noite ao retornar no hostel percebi que tinha companhia. Marcelo estava na cidade para iniciar sua pedalada pela Estrada Real. Dias antes, pedalou por vinte dias na Carretera Austral na Patagônia Chilena, dizia que teve que abortar a missão por não aguentar mais o frio extremo. Como ainda tinhas uns dias de férias decidiu continuar pedalando, mas agora pela Estrada Real. Sua bike estava desmontada ainda. Iria montar a bike no outro dia antes de iniciar sua segunda jornada. Passamos a noite em claro conversando. Contei sobre minha viagem e ele as dele. Ele já deu a volta ao mundo duas vezes de um modo rápido, quarenta dias em ambas. Ele começou a viajar tarde, se não me engano com mais de trinta anos, e agora todas as suas férias encara uma aventura pelo mundo. A menina dos olhos do Marcelo é a Patagônia e pela quarta vez havia voltado. Marcelo é um cara bacana e consegue unir as férias com suas viagens solas. Mineiro e bancário, hoje vive em Fortaleza.

Na manhã seguinte Marcelo iria visitar sua família em Belo Horizonte, aproveitei a carona e segui também. Ele me deixou na rodoviária. Passei a tarde e a noite na rodo. Pela noite me juntei a um bando de atleticanos e fomos assistir o jogo do Galo no bar. O Robinho marcou três gol nesse dia. No fim da noite segui viagem para Três Corações.

Cheguei na cidade natal do Pelé de madrugada. Dormi na rodoviária até o dia clarear e depois rumei para São Thomé das Letras, meu último destino desconhecido da viagem.

Já em “Santumé” fui para um pensionato perto da gruta do centrinho. Logo deixei minha mochila e fui conhecer a cidade. Entrei no caminho do peregrino e segui por ele até chegar na cachoeira Véu de Noiva. Fui bem devagar pelo caminho. Não sabia o tamanho da trilha, apenas fui indo. Devo ter demorado algumas horas para fazer 7 km. Cheguei mergulhei um pouco e logo senti fome. Não tinha levado nenhum mantimento comigo. Nadei mais um pouco e a fome me fez partir. Voltei já era fim de tarde. Comi. Depois peguei umas cervejas e fui ver o fim da tarde em cima da grutinha.

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No outro dia acordei cedo e fui ver o nascer-do-sol na pirâmide. Cheguei sozinho. Havia mais umas três pessoas. Muito bonito o famoso iniciar do dia de “Santumé”. Caminhei mais pela cidade. Fiz alguns caminhos pelo interior da cidade, conheci a igrejinha de pedra. Gostei muito do açaí daqui. E fiquei o resto do dia zanzando por toda a cidade de pedra.

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Pela primeira vez, sentado em cima da gruta, durante toda a viagem eu começava a pensar na volta para casa. A viagem estava no fim e com isso uma nova realidade aproximava-se. Entre cervejas eu fazia várias vezes a mesma pergunta: E agora? Sabia que não teria as respostas imediatamente, mas eu tinha que começar a fazer as perguntas. Apesar de a viagem ainda não ter terminado, eu já carregava o peso do fim. Tive muitas ideias de futuro, mas a mais simples seria ganhar na sena e viver como boêmio o resto da vida. Como as chances eram mínimas, comecei a pensar em fazer mestrado ou talvez conseguir um financiamento e iniciar um projeto social voltado à educação. A única coisa que eu tinha certeza que eu queria tentar algo novo.

Cheguei em São Paulo. Fiquei hospedado na casa do Pedrão, o mesmo que me hospedou em Porto Velho. Fiz coisas rotineiras. Coisas que fazia nos dias em que eu morei na cidade. Fui no cinema. Fui comer fruta no mercadão. Fiquei umas duas tardes dentro da livraria Cultura, lendo. Fui assistir um jogo do Tricolor. Revi alguns amigos de longa data. Revi amigos que fizeram parte da viagem. A vida começava a voltar ao normal.

Num domingo eu estava indo encontrar a Fernanda. Estava tendo manifestações. Eu fazia o percurso contrário de todas as pessoas. Somente por caminhar no contra fluxo eu fui insultado algumas vezes. Palavras de ódio pairavam no ar. Depois de meses recebendo o melhor do ser humano, agora estava de frente com o ódio cotidiano. Chegamos no bar pela tarde, não havia ninguém. A conversa era muito boa. As horas passaram e com isso a manifestação acabou. Pouco a pouco o bar foi enchendo e minha paciência também. Uma pessoa nos abordou e perguntou se havíamos ido na manifestação. Ao receber a negativa, começou a insinuar muitas coisas. Não entendi nada. Só sei que depois de muitos anos eu sentia vontade de perder a razão, mas consegui manter a calma. Realmente, não entendo essa onda de pessoas querendo confirmar suas expectativas sobre o mundo, procurar estar sempre certa. Na computação e na psicologia chamamos isso de viés da confirmação. Enfim, a dúvida sempre é o melhor caminho. Para mim a viagem tinha acabado de acabar, a magia dos dias anteriores tinha ido pro espaço. Passei ainda por Campinas rever o Juninho, amigo de longa data. Agora só queria voltar pra casa e não deixar o final ruim estragar todos os dias incríveis que tive nessa viagem.

Cheguei na casa da minha mãe sem avisar. Era madrugada. Minha mãe abriu a porta dormindo. Deitei na minha cama e tudo parecia diferente. Estava muito cansado. Tinha muita informação para digerir. Fechei os olhos e lembrei daquela noite quando tudo começou. Eu estava muito confuso, tinha muito medo de começar a viagem. Posterguei por vários dias o início. Estava agora na frente do ônibus que me levaria para Curitiba. - Ir ou não ir? - Ainda dá tempo de desistir. - Será que vai dar certo? Esses eram os pensamentos que me acompanharam antes de dar o passo dentro do ônibus. A dúvida foi dissipando. Embarquei. Agora, de volta em casa, prestes a dormir, a única certeza que eu tinha era que eu tinha feito a escolha certa em iniciar essa jornada. A jornada que colocou um homem comum, cheio de sonhos, diante de inúmeras vontades e sonhos. De estar em contato com o diferente. De encher os olhos de coisas novas. De sentir climas não costumeiros. De ouvir idiomas e sotaques diferentes. De provar novas comidas. De se sentir pequeno diante da imensidão do mundo. De ser simples.

No outro dia fui de encontro ao lugar que sempre me traz paz, o lago do horto daqui de Rio Claro. Depois revi todos os meus familiares. Era muito bom estar de volta.

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"Mesmo que não possamos adivinhar o tempo que virá, temos ao menos o direito de imaginar o que queremos que seja.

As Nações Unidas tem proclamado extensas listas de Direitos Humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem mais que os direitos de: ver, ouvir, calar.

Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar?

Que tal se delirarmos por um momentinho?

Ao fim do milênio vamos fixar os olhos mais para lá da infâmia para adivinhar outro mundo possível.

O ar vai estar limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das paixões humanas.

As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem serão assistidas pela televisão.

A televisão deixará de ser o membro mais importante da família.

As pessoas trabalharão para viver em lugar de viver para trabalhar.

Se incorporará aos Códigos Penais o delito de estupidez que cometem os que vivem por ter ou ganhar ao invés de viver por viver somente, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca.

Em nenhum país serão presos os rapazes que se neguem a cumprir serviço militar, mas sim os que queiram cumprir.

Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.

Os cozinheiros não pensarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas.

Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos.

O mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza.

E a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se quebrada.

A comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos.

Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.

As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua.

As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá crianças ricas.

A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la e a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la.

A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, voltarão a juntar-se, voltarão a juntar-se bem de perto, costas com costas.

Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória.

A perfeição seguirá sendo o privilégio tedioso dos deuses, mas neste mundo, neste mundo avacalhado e maldito, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro." O direito ao delírio, Eduardo Galeano

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Parte 23: O retorno e os aprendizados

Quando resolvi escrever esse relato, queria falar mais do que valores ou roteiros, queria falar sobre aprendizados, sobre caminhar, sobre a arte de viajar. No início não sabia a trabalheira que isso iria me dar, mas tinha que deixar minha contribuição aqui na comunidade, pois em minhas outras viagens tanto me ajudou a prepará-las e principalmente, alimentar a vontade de viajar. Nessa viagem eu confesso que não procurei muito o site, pois a ideia era deixar acontecer e ir indo como um barco a deriva, apontando para onde o vento soprasse. Queria escrever como forma de agradecimento. Queria que a escrita refletisse o meu sentimento no momento do acontecimento. Às vezes, passo parágrafos escrevendo sobre algo que durou minutos e às vezes não escrevo sobre passagens que duraram dias. A relevância não é proporcional ao tempo. E o tempo é constante, irrefutável. Não tem como fugir do tempo, mas há como fazer a passagem dele algo diferente. E esse algo diferente chama-se saudade. Como diria o saudoso Mário Quintana no seu poema O Luar “O tempo não pára! A saudade é que faz as coisas pararem no tempo.”. E foi isso, escrevi sobre algumas coisas que pararam no tempo pra mim.

Peço licença para parafrasear Fernando Pessoa:

Navegar é preciso, viajar não.

Preciso não de precisar. Preciso de precisão. Viajar é imperfeição. Viajar é fugir dos planos. Viajar é se deixar estar. Independente de como ou onde, viajar é experimentar. Às vezes, viajar é não sair do lugar. Viajar é estado de espírito. Viajar é olhar o novo como um convite. Viajar é não torcer o nariz para o diferente. Viajar é ser.

Nunca serei leviano a ponto de dizer para você largar a sua vida atual, arrumar a mochila e ir caminhar pelo mundo. Também não serei hipócrita e dizer para não ir. Cada pessoa tem seus anseios, medos, expectativas e partir nunca será fácil, mesmo para os mais destemidos. Eu posso contar sobre como foi o meu processo da ideia à partida, mas caso queira seguir um caminho parecido terá que vencer os seus medos e encontrar a sua forma de vivenciar esse mundo belo que existe além do trabalho, computadores e televisão. Não acredite em fórmulas prontas, não existe. Caso falássemos sobre música eu iria te dizer que não existe nada melhor que Belchior, provavelmente você iria rir da minha cara, mas para mim é a música que acalma o meu ser e ao mesmo tempo acelera minha pulsação. Sobre viagem seria a mesma coisa, pois viajar também é abstrair. Cada pessoa tem sua abstração sobre cada lugar. A única verdade é que para saber se você irá gostar daquele ou desse lugar você terá que ir e ver com seus próprios olhos, talvez o lugar se torne especial por alguém que conheceu ou pela melhor comida que comeu ou por simplesmente se encaixar naquele lugar.

Conheci diversos tipos de viajantes nessa jornada e não existe um perfil único de viajante. Algumas pessoas viajam para ter momentos de tranquilidade. Outras por lazer. Alguns mochileiros viajam em busca do autoconhecimento espiritual. Outros mochileiros tem objetivos mais concretos como: conhecer todos os países ou todos os continentes ou todos estados e/ou capitais brasileiras. Alguns procuram somente diversão. Outros querem aprender uma nova língua. Outros querem ver o novo. Uns viajam pelo recomeço por causa de decepção amorosa ou profissional, outros para encontrar um caminho na vida. Alguns querem fazer imersão na cultura local e outros não querem nem saber das pessoas locais. O que eu sei é que sua viagem será o espelho do seu estado de espírito.

O que eu poderia falar mais? Nesses dias fui filho de várias mães. Tive muitos irmãos e irmãs. Provei do frio e do calor. Me apaixonei. Chorei. Sorri. Caminhei. E como caminhei. Vi céus estrelados. Dormi na rua. Peguei muitas caronas. Vi muitas paisagens pelas janelas dos ônibus. Conheci pessoas. Conheci lugares. Vi animais que nem sabia que existiam. Visitei lugares que não havia aprendido nas aulas de geografia. Conheci florestas. Caminhei mais um pouco. Provei sabores. Fiquei doente. Tive muitas dúvidas. Subi montanhas. Acampei. Mergulhei em rios. Mergulhei em mares. Recebi abraços de estranhos. Tive medo. Enfrentei medos. Viajei por dias dentro de um barco. Reconheci irmãos. Fui recebido de braços abertos por estranhos. Vivi e ouvi histórias. Conheci três novos países. Conheci muitos países dentro de um país. Recebi muitos sorrisos. Provei da extrema solidariedade. Enfim, vivi uma vida dentro de uma vida.

Hoje, faz quase 10 meses do meu retorno. Muita coisa mudou. Acabei iniciando o mestrado. Difícil para mim voltar a rotina dos estudos, provas e tudo mais que envolve esse tipo de desafio, mas preciso percorrer esse caminho. Num futuro, acho que próximo, quero me voltar a educação e tentar ajudar nessa tarefa que eu acho a mais importante, mas planos são apenas planos. A vida pode tomar outros rumos. Nesses meses em casa eu pouco viajei, na verdade viajei por duas vezes. Numa fui acampar com a Carola em Águas da Prata e no final do ano viajei sozinho para Ibitipoca - MG. Foram boas viagens também. Posso dizer que tento evitar pensar nessa viagem do relato, quando começo escrever sinto vontade de arrumar a mochila e começar tudo de novo. Não sei quando e nem onde será a minha próxima viagem, mas com toda certeza continuarei viajando constantemente, talvez não mais por um tempo grande, talvez.

Bom, muito obrigado há você que teve a paciência de ler esse longo relato. Espero ter contribuido de alguma forma. Talvez num futuro eu escreva sobre alguns lugares que preferi não escrever, por enquanto. Contar histórias que ainda continuam guardadas dentro de mim. Se surgir a vontade de externar novamente sobre essa viagem, eu farei.

Agora refaço o trajeto. Estou chegando em Curitiba revejo um grande amigo, parceiro de viagens e de ideias. Continuo a viagem, agora estou em Timbó, meu primeiro lar, ficaria dois dias, acabei ficando uma semana e foi pouco. Passo por Pomerode, Blumenau, Criciúma, Praia Grande, Cambará do Sul. Paro e meus olhos não se cansam de ver as belezas dos cânions. Passo por Torres, Porto Alegre, Gramado, Canela, Três Coroas. Chego em Chuí, o extremo sul do Brasil, um frio no corpo me domina. Atravesso o Uruguai e a leveza toma conta de mim. Eduardo Galeano, obrigado. Estou em Santo Ângelo, sou recebido de braços abertos por uma família encantadora. Que lindeza que é São Miguel das Missões. Vou para Chapecó e revejo a minha segunda família, que saudades. Passo por Curitiba, Rio Claro, São Carlos, Ribeirão Preto. A capital me reserva dias de paz na companhia de uma bela voz. Vou para Chapada dos Veadeiros e faço parte da fundação de uma nova família, os dias mais incríveis. Atravesso Goiás e o Mato Grosso. Cuiabá fujo logo, muito calor. Chapada dos Guimarães e inúmeros bons momentos. Sigo para Rondônia, vou atravessando cidade por cidade, avisto Ji-Paraná, logo me vou e chego em Porto Velho. Muitos dias fiquei aqui, do lado de outra família minha e de alguns bons amigos. O Acre e a floresta amazônica se anunciam, quanta solidariedade este lugar, que vontade estar aqui agora. Pego um barco, agora navego pelo rio madeira, reconheço meu irmão, os dias são lentos e muitas histórias vou descobrindo. Manaus que delícia de lugar. Boa Vista e outra família que passa a ser minha família. De longe vejo o Monte Roraima, estou junto de novos amigos e que dias mais que especiais. Desço o grande amazonas. Parintins. Santarém. Como pode ser tão bonito esse lugar chamado Alter do Chão? Breves. Belém, açaí e uma família cheia de risos e sorrisos. Estou em Marajó. Salvaterra. Em Soure reconheci um novo avô, dias de explorar de bicicleta. Corto o Maranhão. De novo estou em São Luís, o passado não doeu tanto. Sigo viagem. Barreirinhas e Atins, como é belo os lençóis maranhenses. O Piauí se anuncia, ganho outra família e mais dias especiais em Parnaíba. Sigo pro sertão piauiense. Serra da Capivara que delícia de lugar. Vou para o sertão cearense e paraibano, meus sonhos sempre me levam para esses dias. Estive em muitos filmes caminhando por Cabaceiras. Agora eu vejo mar. João Pessoa. Recife. Olinda. São Miguel dos Milagres. Maceió. Entro num carro escuro acompanhado de pessoas especiais, o som é alto e seguimos por Piranhas, Praia do Gunga, Carro Quebrado, Piaçabuçu, Penedo. Em Aracaju revimos a alegria. Sorria você está na Bahia. Pelourinho e seus sons. Chapada Diamantina e sua beleza. O tempo está acabando e atravesso Minas Gerais. Belo Horizonte. Ouro Preto. Mariana. São Thomé das Letras. Estou voltando. São Paulo. Campinas. Ufa, cheguei em Rio Claro, mas não chego sozinho. Trago comigo um pedaço de cada pessoa e lugar no meu coração e memória. Muito Obrigado a todos que fizeram parte da minha viagem, do fundo do meu coração, obrigado. Espero ser um dia tão bom quanto vocês foram comigo. Também espero que o caminho de nossas vidas possam se encontrar novamente. Fiquem em paz e que tenham muito amor por essa vida.

Até logo!

Com carinho,

Diego Minatel

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  • Colaboradores

Parabéns Diego, sensacional o seu relato!

 

Li inteirinho e me emocionei com o seu modo de agir e pensar, creio que temos a mesma ideologia em diversos pensamentos.

 

Que a nossa liberdade seja eterna e que possamos quem sabe um dia nos encontrar-mos pelos caminhos da vida.

 

Grande abraço meu irmão!

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Parabéns Diego, sensacional o seu relato!

 

Li inteirinho e me emocionei com o seu modo de agir e pensar, creio que temos a mesma ideologia em diversos pensamentos.

 

Que a nossa liberdade seja eterna e que possamos quem sabe um dia nos encontrar-mos pelos caminhos da vida.

 

Grande abraço meu irmão!

 

Aoo Juninho, muito obrigado irmão. Com certeza, fiquei muito feliz em saber que conseguiu ler tudo, de alguma forma você me inspirou a terminar esse relato. Vi algumas fotos de sua viagem pela sudamerica, aguardo ansioso para quando for começar a escrever. Qualquer dia desses combinamos umas trilhas por ai.

 

Grande abraço e um feliz 2017

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  • Membros de Honra

Diego, aplausos pra vc. E de pé, meu caro.

Isso poderia -- isso pode! -- tornar-se facilmente um e-book. Um saboroso e-book. Pela viagem, pelo roteiro, pela sua narrativa, pelo seu astral (lembro-me de ler sobre a desventura em Salvador e fiquei pensando em como aquilo poderia afetar uma viagem tão bacana, e agora vejo que houve impactos sim, mas que se dissiparam com o tempo), pelas fotos,pelo conjunto.

Que haja outras!

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  • Colaboradores
Diego, aplausos pra vc. E de pé, meu caro.

Isso poderia -- isso pode! -- tornar-se facilmente um e-book. Um saboroso e-book. Pela viagem, pelo roteiro, pela sua narrativa, pelo seu astral (lembro-me de ler sobre a desventura em Salvador e fiquei pensando em como aquilo poderia afetar uma viagem tão bacana, e agora vejo que houve impactos sim, mas que se dissiparam com o tempo), pelas fotos,pelo conjunto.

Que haja outras!

 

Eita, @mcm muito obrigado! Você, com certeza, me inspirou a terminar esse relato. Não tenho muitas pretensões quanto a escrita, pois não acho que fiz nada especial. No entanto, num futuro espero escrever sobre a viagem de uma maneira desapegada a lugares e mais focada nas pessoas que conheci no caminho.

 

Bom, nesse mundo pequeno espero que um dia nossas viagens se cruzem e possamos conversar um pouco, livremente. Espero que tenho um ótimo ano e que fique sempre com a paz. Um beijo na alma.

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  • Colaboradores

Obrigada pelo relato, Diego! Estou até lacrimejando aqui. Você conseguiu transmitir emoção e provocar reflexões. ::otemo::

 

Fiquei triste ao chegar na parte do assalto em Salvador - até então eu estava aliviada porque você não tinha mencionado histórias de violência, infelizmente algo tão banalizado -, mas felizmente você conseguiu escapar.

 

Triste também pelas respostas de intolerância fechando uma viagem que teve um espírito tão zen... um balde de água fria. Mas, pelo visto, você conseguiu aprender com isso também.

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