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Quando soube pela primeira vez de mochileiros que exploravam de moto o emblemático Bolaven Plateau, no sul do Laos, imaginei um grupo de experientes motociclistas percorrendo estradas íngrimes, esburacadas e isoladas do mundo. Jamais pensei que tamanha aventura estivesse ao alcance de uma viajante como eu, que considera um rolé de scooter por algumas horas o cúmulo da radicalidade das minhas adanças pela Ásia.

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Porém, minha visita a Luang Prabang, a charmosa cidade ao norte do país que é patrimônio da UNESCO e destino da maioria dos turistas estrangeiros, e à capital Vientiane havia me instigado a conhecer outras regiões do Laos. Voltei pra casa com alguns nomes na cabeça que surgiram em conversas com amigos mochileiros que fizemos pelo caminho: Vang Vieng, Si Phan Don e ele, o tal do Bolaven Plateau. Passei os dois anos seguintes explorando outros cantos da Ásia, mas sem esquecer das histórias do legendário rio Mekong e suas ilhas, das cachoeiras, da pitorescas vilas e das longas viagens sob o sol.

 

O feriadão de fim de ano surgiu como a oportunidade perfeita para tirar a aventura do papel e a ideia de percorrer de moto uma região absolutamente desconhecida pra mim soava assustadora e irresistível. Eu, o membro prudente e caxias do casal, tratei de devorar guias e mergulhar em blogs e fóruns onde viajantes compartilhavam suas experiências pelo "loop", como é chamado o roteiro percorrido pelos motoqueiros que exploram o Bolaven Plateau. Enquanto isso, o namorado, a face destemida da dupla, analisou mapas, calculou distâncias e deu o veredito final: um sonoro SIM à expedição.

 

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Entramos no Laos por terra vindo de Phnom Penh, capital do Camboja, em uma viagem de dez horas de ônibus até Si Phan Don, região conhecida como "as 4 mil ilhas" do Mekong. Passamos a noite de Natal na sonífera e charmosa ilha de Don Det, uma das quatro mil, e, após alguns dias acumulando energia, seguimos de ônibus até Pakse, porta de entrada para o Bolaven Plateau e cidade hospedeira de centenas de viajantes que chegam para encarar "the loop". Mas, afinal, o que a região tem de tão especial para fomentar a sede de aventura de mochileiros pelo mundo?

 

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Coberto por uma flora exuberante, o planalto chega a 1300m acima do nível do mar e seus rios formam dezenas de cachoeiras espetaculares. Em época de seca, os dias trazem céu azul escuro e temperaturas amenas e a falta de chuva mantém as rodovias em boas condições. Plantações de café e pequenas comunidades locais acompanham o percurso e deixam as estradas incrivelmente cênicas. Para completar o sonho de consumo dos viajantes, o aluguel de motos em Pakse é barato (em média 7 dólares a diária) e descomplicado. Tudo o que você precisa para encarar a aventura são alguns trocados, energia para passar de 2 a 4 dias na estrada e bom humor para encarar alguns perrengues inevitáveis pelo caminho.

 

A rua principal do centro de Pakse agrega uma infinidade de pousadas e agências que oferecem motos automáticas e semiautomáticas, mapas da região e se disponibilizam a guardar sua bagagem pelo tempo que for necessário. Enquanto buscávamos a nossa companheira de viagem, não pude deixar de notar que muitos viajantes ali se preparavam para pilotar uma moto pela primeira vez e eu ainda não tinha certeza se os considerava autoconfiantes, corajosos ou tolos. Já eu decidi fazer o percurso na garupa do namorado e assim poder me revezar entre gravar as imagens para a nossa websérie, acompanhar o GPS e simplesmente curtir a paisagem (minha função favorita). Fomos aconselhados a escolher a moto semi automática por conta das estradas íngremes e o dono da agência não se mostrou nem um pouco preocupado quando avisamos que só tínhamos experiência com a automática. "Não há o que temer, é quase a mesma coisa!", ele nos garantiu enquanto ensinava uma turista alemã a dar partida a uma scooter.

 

Com um mapa mal impresso na mão, celular com GPS na outra e uma pequena mochila com roupas limpas e câmeras nas costas, deixamos Pakse logo após o café da manhã para tentar fugir do sol forte que, ainda assim, nos pegou em cheio no meio do percurso. Nossa missão era percorrer os 320km do "big loop" em 3 dias parando pelo caminho para mergulhar nas cachoeiras, conhecer as plantações de café e explorar as vilas ao longo da estrada. O objetivo do primeiro dia era pernoitar em Tad Lo, uma pequena vila famosa por suas hospedagens baratas e lindas cachoeiras. Conforme prometido, a estrada estava em condições decentes e o movimento dos bodes, bois e galinhas era maior do que o de carros e caminhões. Conseguimos a façanha de furar o pneu logo nas primeiras horas de viagem e o que poderia ter sido um perrengue sem fim acabou sendo resolvido em poucos minutos com a carona providencial de uma caminhonete e o trabalho rápido de um simpático borracheiro. Chegamos ao fim do percurso com folga, a tempo de dar um mergulho e encontrar uma pousada bastante acolhedora pra passar a noite, que, em Tad Lo, se transforma em um agradável encontro de dezenas de mochileiros empoeirados compartilhando suas experiências na estrada entre goles de cerveja local.

 

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O segundo dia traz estradas ainda mais cênicas e a sensação de isolamento é mais forte. Nosso plano era pernoitar em Sekong, que aparecia no nosso mapa como o melhor ponto para encontrar pousadas naquele dia. A cidade, porém, era desinteressante e praticamente nos obrigou a seguir viagem e a esticar consideravelmente nosso dia na estrada. Cruzamos com um sueco pelo caminho que nos guiou a um camping aos pés de mais uma cachoeira com banheiros limpos e comida boa, mas como ainda havia algumas horas de sol pela frente, por que não seguir um pouco mais? O sueco, mais uma vez, sacou seu mapa e nos mostrou o próximo destino: Tad Tayicsua, uma cachoeira sobre qual tínhamos pouquíssimas informações. Dali pra frente, a estrada ficou cada vez mais estreita, esburacada e empoeirada. A luz do dia enfraquecia, assim como a promessa de encontrar um canto pra dormir e a ideia de encarar aquela estradinha isolada do mundo na escuridão da noite era assustadora. Nossos companheiros de estrada não passavam de cabritos, porcos e, vez ou outra, uma viva alma que não falava uma palavra de inglês. Faltando pouco para a noite cair, uma moto trazendo um casal de gringos se aproximou como uma miragem e garantiu que a poucos metros dali havia acampamento, comida e banheiros.

 

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Nittaya, a dona do camping com ares de mãezona riporonga, nos recebeu com a maior simpatia e também outro casal de motoqueiros que chegou ainda mais tarde trazendo, assim como nós, olhar aliviado, roupas imundas, dores nas costas e sorriso no rosto. Ela nos garantiu ser dona de todo o terreno, que inclui nada menos que onze cachoeiras além de árvores raríssimas e valiosas, e nos contou entristecida como chineses haviam invadido suas terras para cortá-las. Uma bela contadora de histórias que também se esforça para fazer de Tad Tayicsua um oásis para os viajantes. Enquanto degustávamos uma Lao Beer gelada e confraternizávamos com nossos companheiros de estrada, Nittaya distribuía cobertores pelas barracas, pois a noite seria fria.

 

Foi difícil resistir à vontade de ficar mais um dia naquele lugar e deixar a estrada para outra hora. Pela manhã tínhamos uma lista de onze cachoeiras na região para explorar, todas acessíveis por trilhas marcadas na mata fechada, umas mais fáceis, outras nem tanto. Tad Tayicsua, a primeira a ser avistada ao longe, despenca do alto de um penhasco coberto por uma floresta exuberante. Outros vinte minutos de descida pela trilha enlamaçada e alcançamos a segunda cachoeira, a mais bela que vimos em todo o big loop pelo Bolaven Plateau. Cercada por flores cor de rosa e borboletas amarelas, Tad Incy poderia facilmente ser habitada por fadas e gnomos cantantes. O vapor das águas que caem com força na lagoa esverdeada completa o cenário de filme de fantasia com um arco-íris bem definido que nos hipnotizou por longos minutos. A terceira cachoeira foi também a última que visitamos e a primeira onde encontramos outras pessoas além de nós. Com muitas pedras e quedas d'águas, ela é um convite para o descanso da trilha e refresco pro sol, que aquela altura já estava forte e nos avisava que era hora de voltar pra estrada. As outras oito cachoeiras tiveram que ficar para uma próxima viagem...

 

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As últimas horas em cima da moto foram as mais monótonas. O cenário ia lentamente se transformando, as árvores dando lugar aos prédios, bois e bodes a outras motos, crianças acenando aos trabalhadores cansados. Em Pakse, o comércio fechava as portas antes da hora e as calçadas eram invadidas por cadeiras plásticas e cheiro de churrasco. Famílias se preparavam para comemorar a virada do ano dali a poucas horas e eu sonhava apenas com um bom banho. O dia 31 ainda começava no Brasil quando meia dúzia de fogos coloridos estouraram no céu de Pakse e nós nos despedimos de 2015, do Laos e de uma das mais memoráveis aventuras da nossa vida de mochileiros.

 

E você? Ficou com vontade de cair na estrada? LEIA o nosso guia completo para encarar o big loop pelo Bolaven Plateau, no Laos: http://www.aculpaedofuso.com/#!mglaos/crns

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