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Encontro refaz rota de origem de povos indígenas


MariaEmilia

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http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/detalhe?id=2965

 

[align=justify]Encontro refaz rota de origem de povos indígenas na Bacia do Tiquié (AM)

 

Representantes de povos do Rio Piraparaná (Colômbia) visitaram o Rio Tiquié (Brasil) em agosto último, refazendo parte de sua rota de origem. Ao mesmo tempo, seguem aprofundando o intercâmbio de conhecimentos iniciado há quatro anos. O encontro entre mais de dez povos indígenas do noroeste amazônico foi fecundo em narrativas, visitas a lugares sagrados e discussões sobre manejo ambiental e territorial da Bacia do Tiquié.

 

 

Os povos Tatuyo e Taiwano (conhecidos como Eduria), que consideram o Tiquié como parte de sua rota de origem visitaram com os Barasana e Makuna do Rio Piraparaná (Colômbia)o Rio Tiquié do lado brasileiro, entre 15 e 30 de agosto passado, refazendo sua rota de origem entre a comunidade de Serra de Mucura, em seu médio curso, e a fronteira Brasil/Colômbia. Nesse percurso situam-se lugares importantes, que nas narrativas são chamadas ‘casas de transformação’. Esses povos contam da passagem por esse rio quando ainda estavam se transformando no bojo da anaconda ancestral. Sendo assim, foi uma viagem de conhecimento de um percurso que, através da memória oral, vem sendo revisitado nas narrativas de origem, de geração em geração.

 

Essa ocupação mais antiga do Tiquié já era conhecida dos povos que atualmente vivem nesse rio. Seus atuais moradores, especialmente Tukano, Tuyuka e Desana, remetem sua migração para esse rio a uma fase posterior. Eles relatam migrações, a partir do Papuri e de afluentes da margem sul, para cerca de seis gerações. Nesse tempo – relataram – encontraram o Tiquié praticamente desabitado, excetuando-se as populações maku.

 

A iniciativa da viagem é parte de uma aproximação que vem ocorrendo desde 2005, e envolve associações indígenas do Tiquié (Aeitu, Aeity, Acimet, Atriart, AEITYPP, AATIZOT) e do Piraparaná (Acaipi), bem como suas parceiras, a Fundação Gaia Amazonas (da Colômbia) e Instituto Socioambiental (do Brasil). Acontece no âmbito da Canoa (Cooperação e Aliança no Noroeste Amazônico), uma rede transfronteiriça que visa reunir esforços e criar um ambiente para intercâmbio de experiências e conhecimentos entre os povos indígenas e pautar políticas públicas e intergovernamentais a partir de demandas comuns.

 

Durante a viagem conjunta, o pessoal do Piraparaná viu não só lugares mas também todos os trabalhos e atividades das comunidades, escolas e associações indígenas do Rio Tiquié. Antes dessa viagem, três equipes de representantes do Tiquié (duas masculinas e uma feminina, cada qual com mais de 20 pessoas ) já haviam visitado o Rio Piraparaná. Também grupos de lá visitaram o Tiquié em 2006, e um grupo de mulheres veio a Cachoeira Comprida, em 2008.

 

O Rio Tiquié e a viagem

 

Principal afluente do Uaupés, o Rio Tiquié é o mais importante formador do Rio Negro. Sua extensão total está em torno de 400 quilômetros, estando suas nascentes na porção colombiana, de onde parte a maioria dos varadores para o Piraparaná e seus afluentes. Sua população atual aproxima-se dos 4.500 habitantes, predominando os Tukano, Desana, Tuyuka, Bará, Miriti-tapuya e Makuna. A chegada dos ascendentes dessa população aconteceu há cerca de 150 a 200 anos, provenientes do norte, da Bacia do Papuri, e foi rapidamente ocupando toda a extensão de seu curso, principalmente o trecho alto e médio, onde as terras são mais altas e propícias para a agricultura.

 

O Tiquié não é diferente das outras regiões do Alto Rio Negro permeado de marcas das histórias de origens narradas pelos mais velhos. Não só da trajetória ancestral e das casas de transformação, mas de outras histórias que se passam nesse rio.

 

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No dia 15/08, chegou em Serra de Mucura o grupo vindo do Piraparaná, depois de uma longa viagem. Vieram pelo caminho de dois dias até as cabeceiras do Tiquié; desceram pelo pequeno e nascente rio até Trinidad; daí até Cachoeira Comprida, num curso já mais largo adentrando território brasileiro; e pernoitaram em São Pedro – centro dos Tuyuka. No dia seguinte seguiram até Pari-Cachoeira, onde estava aguardando o barquinho, chamado Titanic, que os transportou até Serra de Mucura, início da viagem conjunta.

 

Em Serra de Mucura, foram recebidos pelos moradores da comunidade, pela coordenação da Acime (a associação dessa seção do Tiquié), por dois assessores do ISA (Melissa Oliveira e Aloisio Cabalzar) e Higino Tenório e José Ramos, representantes tuyuka. Serra de Mucura está situada em uma área de afloramentos rochosos, as próprias casas da comunidade estão assentadas em meio a blocos de pedras de diferentes volumes. Próximo à comunidade há pelo menos três locais importantes nas narrativas de origem desses povos, que são três cavernas.

 

Foi feita uma apresentação de todos que aí se encontravam, na casa comunitária. Vieram do Piraparaná 14 pessoas, seis tatuyo, três eduria, três makuna e dois barasana; do Tiquié colombiano vieram dois bará e um tuyuka, além de Nelson Ortiz da Fundação Gaia, e Juan Soler e Manuel Rivera, para registro audiovisual. Nelson falou da expectativa dos que chegavam : “Trabalhamos principalmente o processo de ordenamento ambiental do território a partir do conhecimento tradicional. Nesse momento o tema principal são os sítios sagrados, há muito interesse em recuperar as tradições indígenas para proteger o território, assim como a importância e o significado desses lugares para o manejo ambiental, para a saúde, educação e governabilidade.” Depois das falas de todos, houve uma festa com caxiri.

 

As casas do inambu-rei, do mucura e do Sol

 

Quanto às cavernas, a primeira delas é a Casa do Inambu-Rei (Hã-Dey¡), uma caverna em vários níveis. Pacho explica que “aqui mencionamos no benzimento das aves, especialmente do inambu. Ele se formou com uma bola de amido. Se não benze esse pássaro, ficamos com coqueluche”.

 

A segunda caverna é a Casa do Mucura, um amplo espaço coberto por uma extensa laje de pedra, que já serviu de refúgio durante o período de perseguição dos patrões às populações indígenas. “Por parte do tradicional, diz que esse lugar é para benzer animais trepadores que servem de alimento: macacos, micos... toda essa classe de animais. Menciona nesse lugar os curares, veneno para caçá-los”. Segundo Roberval Pedrosa, morador dessa comunidade, essa também é a casa da gente-sapo (wooga-masa), e tem uma época que eles cantam. Higino Tenório completa: “No nosso conhecimento tuyuka, quando se escutava que começavam a cantar, o chefe da maloca, o baya, o kumu, conhecedores e cantores se reuniam e diziam – ‘já vai começar época de cantar esse sapo’. É como se eles estivessem na maloca cantando, seu caapi, caxiri... mas não são bons como o nosso, eles tomam yagé de cipó da mata, eles estão preparando ritual deles, dos sapos, mas não são comidas e bebidas boas como a nossa, são produtos da floresta. Então quando eles começam a cantar, no mundo espalha essa doença, vômito, fumaça, fumo, espalha um tipo de doença que vai provocar diarréia forte, morte súbita às vezes, as mulheres vão para a roça e caem, ou se ferem, ou acontece alguma coisa... É atribuído ao fato de os sapos estarem ritualizando, celebrando suas festas”.

 

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A terceira caverna é a Casa do Sol, uma gruta estreita, com passagem para uma pessoa, de menos de dez metros de extensão, mas decorada em ambos os lados (formados por uma rampa de um lado e uma parede na vertical do outro) por inscrições na rocha. Segundo a interpretação do barasana Reynel Ortega, jovem mas importante pajé e bayá do Piraparaná, na rampa estava desenhado o Sol, mais abaixo a Cuia do Sol e, por último, os ancestrais dos sete primeiros povos. Na parede oposta, são as primeiras mulheres. Segundo ele, é um lugar muito importante para toda a Gente da Transformação, que são os povos indígenas dessa região.

 

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Depois de visitar esses lugares, seguimos pelo rio até Pirarara, onde chegamos no meio da tarde. À noite foram feitas as apresentações na palhoça dessa comunidade, que é a sede da Acimet. O dia seguinte (17/08) foi todo dedicado a uma reunião que aconteceu na casa de pesquisa. Já no começo, os três mais velhos da comunidade se sentaram na frente.

 

Segundo o Sr Aprígio, seu pai contava que a Casa de Mucura era a Casa da Anaconda Celeste,onde realizaram cerimônia de iniciação, parte de sua formação. O dono da Anaconda Celeste é deus – daí ser a Casa do Sol. Na Casa do Sol eles fizeram o jurupari, há muito tempo. Aí também está o suporte de cuia, a cuia de cera, a cuia de pó de tabaco, o porta-cigarro com o cigarro grande (baruri), objetos rituais importantes. Por isso, não se podia olhar para aquele lugar.

 

Manejo dos peixes no Médio Tiquié

 

O Sr Aprígio Azevedo falou sobre a ocupação desse lugar e de todo o Médio Tiquié, com detalhes sobre os grupos de descendência, especialmente do sib Ñahuri (o mais numeroso no Médio Tiquié e do qual faz parte), os conflitos internos, as divisões sociais e a dispersão geográfica. Confirmou que eles não são desse rio, mas vieram do Igarapé Turi (afluente do Baixo Papuri). Depois outros falaram sobre o manejo dos peixes, os lagos de reserva, a pesquisa sobre a produção da pesca e a pesquisa sobre o calendário de atividades da Acimet e da Escola Tukano Yupuri.

 

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Partindo da história que seu tio Aprígio acabara de contar, Manuel Azevedo (presidente da Acimet) falou sobre o manejo dos peixes no Médio Tiquié. “‘Por que seu sib saiu de sua área?’ – pergunta. Porque faltou peixe lá. Aqui o território era bem dividido e organizado, cada um manejando sua parte. Só que quando chegam os missionários, quebram essa política. Dizem: – ‘Não, nosso território paroquial vai até tal lugar, a terra é de todo mundo, não tem um dono, não há divisões’. Assim que começa esse processo de escassez de peixes... os lagos e poços que tinham mais peixes entraram numa crise, cada vez maior. Ele pensou, uma vez que tínhamos um território com manejo próprio, vamos retomar essa idéia. Assim nasceu essa associação. É outro momento agora, outra etapa. Mas os resultados ainda são poucos.”

 

Na apresentação do plano de manejo dos peixes, houve discussão sobre a história da redução da produção das pescarias e as medidas que estão sendo adotadas visando reverter essa situação. Higino Tenório perguntou como estão as pescarias e as piracemas de ano a ano. Os agentes indígenas de manejo ambiental da Acimet, que monitoram as pescarias em todas as comunidades que fazem parte dessa associação, explicaram que fazem essa pesquisa da produção de pesca e da observação e registros relacionados ao calendário anual.

 

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Celestino Azevedo, liderança de Pirarara, disse que “não há forma de controlar a pesca na região, mas estão conversando na Acimet sobre formas de pescar e de vigiar. Há tempos havia muito pescado, e viviam tranquilamente. Até a chegada dos missionários e da educação escolar, aí se enfraqueceu a ordem tradicional. Hoje eles têm alguns instrumentos para vigiar, com motores e comunicação, e estão demonstrando aos outros moradores do rio que estão de olho. Estão fazendo propostas e buscando maneiras de manejar. Algumas vezes podem surgir problemas, por isso é preciso ver como fazer, sem acirrar esses conflitos”.

 

Manuel Azevedo contou que na segunda oficina de manejo dos peixes da Acimet, em 2005, decidiram colocar os agentes indígenas de manejo ambiental. “Os benzedores também concordaram. A gente pediu para os velhos darem apoio na parte tradicional: contar o histórico ou cuidar das épocas de produção. Mas até hoje não fizemos muito esse processo de acompanhamento de manejo tradicional, dito e feito. Porque é muito difícil, se a gente começar a mexer com a tradição, tem uma parte lá em cima (moradores de trechos do Tiquié a montante da Acimet), que não vai respeitar essa tradição. Enquanto a gente estiver agilizando aqui uma forma de benzimento legal para a sustentabilidade, tem um outro pedaço lá em cima que está estragando. Isso nos dificulta fazer um plano de manejo tradicional.

 

Então, pelo menos nesse momento, a gente tenta acompanhar dessa forma: através dos lagos de reserva, através dos cadernos de pesca, dos diários de anotação do calendário, enfim... tentamos buscar a conversa mais ampla com outras associações. Talvez mais tarde possamos aplicar o conhecimento tradicional para manter o nosso rio, para melhorar ou segurar a nossa vida, o plano de vida, para nós aqui hoje e o restante que vem depois”.

 

Mortalidade de peixes

 

José Ramos perguntou sobre a mortalidade de peixes que aconteceu do lago Doeserako (situado abaixo da foz do Igarapé Anta), o qual teria sido o motivo. Em julho desse ano, aconteceu um fenômeno incomum em alguns pontos do Médio Tiquié, em especial nesse lago, quando morreu grande quantidade de peixe, sem nenhuma causa óbvia. Nesse período o rio estava cheio; aliás, nesse ano não aconteceu um verão bom e nem puderam queimar roça de mata virgem. Houve uma estiagem no final de julho e o rio secou muito, de repente – o que pode ter causado falta de oxigênio na água. Em resposta, Mariano Azevedo disse que os velhos relatam que no tempo de aru (friagem amazônica com garoa, vento permanente e certo frio úmido) fez muitos dias de chuvas, e a água cresceu demasiadamente. Esse seria um motivo possível. Outros disseram que alguém poderia ter envenenado – talvez o próprio Aru, entendem alguns. Essa doença nos peixes não acontecia desde 1970. Esse ano pode ter vindo das cabeceiras, por causa de benzimentos de banho de recém-nascidos mal feitos. Alfredo Barreto, bará residente no Alto Tiquié, na parte colombiana do rio, diz que, se é assim é preciso ver como resolver.

 

Aprígio completa, dizendo que nesse lago havia muitos pescados – e quando sua água esquenta, eles sobem à superfície para consumir a água do céu, porque conseguem sorver a água do lago do céu, que é fresca, como se houvesse linhas que ligam as águas de baixo àquelas do alto. Nessa situação, os peixes não comiam a isca. Por isso, costumavam pescá-los com flecha. Antes havia muitos benzimentos para uma boa produção de pescado, para que a gente-peixe pudesse viver tranquilamente. Hoje faz muito calor, e para evitá-lo, os peixes descem mais para o fundo, ao que parece.

 

A discussão sobre manejo tradicional permeou esse dia de reunião em Pirarara. Pacho Sanchez, o tradutor do Piraparaná (fala barasana, eduria, tatuyo, tuyuka, bará, tukano, makuna e espanhol), perguntou ao Sr. Aprígio Azevedo como eles fazem a proteção, sem malocas e sem rituais. Aprígio respondeu, contando como é o benzimento de proteção. Segundo Higino Tenório, há uma diferença entre proteção da própria pessoa e de sua família – que pode ser de toda a comunidade – e proteção do mundo (que em espanhol chamam de “curación del mundo”), e nesse caso, inclui todas as outras gentes e seres, seus processos e ciclos.

 

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Ainda em Pirarara, depois do longo e proveitoso dia de conversa, houve uma festa em homenagem aos visitantes, que se estendeu noite adentro. Algumas lideranças de Pirarara demonstraram interesse em convidar um conhecedor do Piraparaná para passar uma temporada nessa comunidade, para aprofundar o intercâmbio de conhecimentos cerimoniais.

 

Iraity, fonte de breu

 

No dia seguinte, o grupo de viajantes seguiu rio acima, chegando a Cunuri por volta das duas da tarde. Novamente a comunidade nos esperava, e com caxiri. Depois de uma conversa com a comunidade, seguimos no final da tarde para Iraity, acompanhados pelo senhor Jovino Pedrosa, tukano de Cunuri,conhecedor dessa parte do rio. Ele foi no barco, mostrando os lugares mais importantes. Os principais pontos indicados foram Merewasa (foz do igarapé Taracuá); etapata (local onde as mulheres da Gente-Pedra deixaram suas marcas, incluindo petroglifos, mas que nesse dia estavam cobertos pelas águas do Tiquié); Wam¡para (casa de Weari masã, espíritos de falsos parentes, que podem enganar e raptar pessoas na floresta) e Ñumupa (Pedra de Bacaba, onde Anaconda Celeste fez dabucuri).

 

Em Iraity fomos recebidos pelo Sr. Fimiano Lobo e seu filho Paulo, que é agente indígena de manejo ambiental e vice-presidente da Acimet. Essa é uma comunidade antiga dos Miriti-tapuya. No dia seguinte, Firmiano contou a origem dos Miriti-tapuya, de sua chegada àquele local e os nomes e significados daqueles lugares próximos. Os Miriti-tapuya surgiram da Pinta da Anaconda-Japú. Na origem, eles vieram pelo Rio Uaupés, passaram por Ipanoré e, acima, entraram no Igarapé Japú. Ocuparam inicialmente a Serra de Arara (Mahag¡), que fica nas cabeceiras do igarapé de mesmo nome, cuja foz está abaixo de Iraity.

 

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Esse Rio Tiquié não é onde os miriti-tapuya emergiram, mas como surgiram perto, num afluente, desde o início o consideraram como seu próprio território. Firmiano explicou que esse local onde eles vivem é chamado Fonte de Breu. “Na origem havia uma árvore de breu (que produz uma resina usada para iluminação das casas e malocas, como suporte para benzimentos cerimoniais e na calafetação de canoas). Seu tronco ficava onde hoje é a Serra de Breu; quando a derrubaram, tombou para cá e aqui caiu a ponta de breu – por isso tem esse nome. Derrubaram para tirar o breu para fazer cerimônia, na medida em que é usado como suporte para o benzimento e também para iluminar a maloca. Então aqui é uma casa de cerimônia de jurupari velho, esse sítio é um lugar sagrado, onde parou o grupo de juruparis - são flautas sagradas, usadas em certas cerimônias e ao mesmo tempo identificadas com os ancestrais, e com as anacondas que deram origem a esses povos - antes de entrar na maloca. Há aí um lugar onde havia o poste de breu de iluminação da maloca. Esse estirão extenso do rio era uma fileira de juruparis (miria põra kusa)”.

 

Depois desses esclarecimentos, Firmiano seguiu com o barco, para mostrar os locais acima da comunidade de Iraity. Primeiro paramos próximo a Pikõra (Lago-Cárie), lugar importante no benzimento de pescado para as crianças; depois em Mipira (Lago-Açaí), onde Wai-Deyu (Anaconda Peixe) se alimentou, onde há seu tabaco e fica seu espírito, por isso é um lugar que está reservado, sem se poder pescar; e ¤tabohopa, onde existem pedras brancas (quartzo, há dois locais onde extraíam, uma no Rio e outro na floresta) e na origem emergiu a Anaconda Celeste com colares feitos com essas pedras, que são adornos de dança.

 

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Daí o grupo aportou em Boca de Estrada, onde foram recebidos com refeição comunitária. Em seguida, e durante toda a tarde, foi feita uma reunião, onde também havia representantes da comunidade de Barreira. O Sr José Peixoto, tukano do sib Doepõra, falou dos locais importantes situados na área dessa comunidade. Na reunião foi organizada a informação do trecho do Tiquié desde Serra de Mucura até aqui, correspondente à área da Acimet. O pessoal do Tiquié também pediu para que aqueles do Piraparaná contassem o que sabem e narram sobre o Tiquié, como seus moradores originários.

 

Entre os Tukano de São José

 

No dia seguinte a expedição subiu o rio até o Porto de São José, onde há a maloca dos Tukano Hausirõ, para uma estadia de três dias. Os ascendentes desse sib tukano foram os primeiros a chegar no Tiquié, no âmbito do movimento de migração do Papuri. Eles foram os pioneiros, seguidos por seus cunhados desana e outros sibs tukano.

 

À tarde ainda foi feita uma visita a Floresta, onde reside o Sr Maximiliano Aguiar, Desana Yuwirã. Ele disse que não eram daqui, viviam no Papuri, mas seus avós vieram viver com seus cunhados tukano quando migraram para essa região. Aqui havia muita uirapixuna (árvore frutífera silvestre), por isso chamaram esse lugar de Monte de Uirapixuna. Aqui morreu seu avô e seu pai, por isso está vivendo aqui, em cima dos “documentos” dos ascendentes. Ele disse que se preocupou em aprender com seu pai a história de sua chegada nesse lugar, porque sabia que algum dia poderiam lhe perguntar: - por que estão aqui, como chegaram, quando? – como está acontecendo agora.

 

Eles usavam jurupari, faziam danças, reuniam-se. Tinham suas histórias, danças... assim era. “Aqui nesse pátio havia uma maloca grande, onde chegavam seus convidados. Assim faziam tempos atrás – até morrer meu avô”. Perguntado sobre seus juruparis, diz que não sabe mais deles, desde que chegaram os missionáios, mandaram não mais praticar por ser coisa do diabo, e “mandaram que os meninos fossem aprender a ler e escrever na missão. Os velhos ficaram sós e a maloca acabou se incendiando, quando perderam a caixa de adornos. Não há mais como recuperá-los, porque não temos mais os conhecimentos necessários”. O tatuyo Libardo Castañeda confirmou que ali foi a origem das frutas silvestres de uirapixuna, e por isso precisam mencionar esse lugar nos benzimentos.

 

De volta a São José, José Azevedo contou que ali haviam vivido, faz muito tempo, os Eduria, que depois saíram para viver no Piraparaná. Perguntado, Libardo Castañeda disse que por aqui passaram os Tatuyo, os Eduria e os Karapana... emergiram nesse rio, mas não tinham se formado com o corpo de seres humanos, mas como anacondas, há muito tempo. “O território que emergimos como seres humanos foi na cachoeira Abacaxi, Hena, no Piraparaná. Eu tampouco posso dizer que sou desse rio, porque meu rio é o Piraparaná. Vocês emergiram no Rio Uaupés, e dái passaram para o Papuri e, por último, para cá. E nós subimos por esse Rio Tiquié e passamos para o Rio Piraparaná. Cada grupo foi passando por vários lugares até chegar em sua ocupação atual”.

 

Aconteceram dois dias de reunião na maloca da comunidade de São José. Vicente Azevedo, liderança tukano e articulador da Escola Tukano Yupuri, disse que o saber tradicional é importante. “É a nossa saúde e vida. Para não acabar a tradição, estamos fazendo pesquisa sobre os benzimentos e cerimônias, e assim retomar na prática – isso é o que estamos levando como processo de educação”. Guillermo Barreto (Eduria) diz que em sua pesquisa não conhece tantos lugares nesse rio, por isso veio conhecer, para completar seu trabalho. “O que estamos fazendo nesse momento, nessa viagem, é uma coisa ampla. Viemos conhecer esses lugares e pensar como podemos manejar de forma conjunta, o manejo do território através de nossos conhecimentos dos lugares sagrados, como está explicitado nos benzimentos e cerimônias”.

 

Nelson Ortiz propôs a questão da importância do manejo adequado dos lugares sagrados, quais os efeitos positivos em termos de saúde e meio ambiente. Higino disse que antigamente sempre se fazia benzimento antes de plantar, e depois antes de colher, para arrefecer a quentura da terra e não provocar doenças. “Não adianta registrar tantas coisas, se não se colocar isso em prática, vira um museu morto. Nessas atividades deve ter participação de todos, para que façam parte de uma estratégia de implementar, colocar em prática”.

 

Mudanças climáticas

 

Ramiro Pimentel comentou, durante a exposição dos pesquisadores indígenas do Tiquié sobre o calendário, que Miguel Azevedo, velho conhecedor tukano dessa comunidade, disse que nos dias de hoje o sol queima muito, e atribui esse fato à falta de benzimentos adequados de proteção do mundo. Ele afirma que o manejo ambiental deve valorizar o que é tradicional (através da proteção xamânica), já que o mundo está muito impactado. Nessa direção, Higino perguntou se no Piraparaná, existindo a prática dessas cerimônias de regulação, não se sente esses efeitos das mudanças climáticas.

 

Reynel Ortega disse que queria ser curador do mundo, tentou benzer com a cuia de cera de abelha antiga que há em San Miguel. Ele levou em sua maloca, mas havia muitas críticas, havia conflitos por causa dessa cuia, perguntavam com ele iria se proteger, e diziam que ele não saberia manejar. Essa cera de abelha é da origem, surgiu junto com jurupari. Com isso manejavam, protegendo-se, protegendo do sol com essa capa que tem aí, com a fumaça, se acalmava o sol. Hoje em dia não há mais essa capa, faz muito sol, até nos queimar, até nos matar às vezes, por falta dessa capa.

 

Na maloca de São José, o dia 22 foi de festa, mas na parte da manhã ainda ocorreram algumas horas de discussão sobre o planejamento dos próximos intercâmbios – destacando-se a preocupação das lideranças do Médio Tiquié em ter um aprofundamento do intercâmbio ritual. Depois das duas da tarde, em meio aos movimentos dos cariços, um grupo de São José dançou Ikip¥ri (dança de inajá).

 

No dia seguinte seguimos direto para São Pedro. O calor intenso e a hora em que chegamos em Pari-Cachoeira, próximo ao meio dia, inibiu a disposição para observar as duas cachoeiras que existem aí. Chegamos a São Pedro no meio da tarde. Depois de um dia de descanso, o grupo de viajantes foi visitar as comunidade de Santa Rosa e Caruru.

 

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Na primeira, foram recebidos pelos alunos, professores e representantes das comunidades que fazem parte da Escola Indígena Tukano Yepapirõpõra, que abrange São Domingos, São Paulo, São Tomé, Santa Rosa, Jabuti, Boca do Sal e Caruru, comunidades tukano muito próximas geograficamente. Na maloca de Santa Rosa, depois do canto de recepção dos alunos [foto 7593], o Sr Jovino Pena contou a história de seu grupo, os tukano Pamopõra, que têm suas casas de transformação situadas nos rios Uaupés e Papuri. De lá, migraram para o Rio Tiquié junto com seus aliados tuyuka do sib Opaya. É preciso benzimento para que os peixes voltem a fazer suas festas.

 

Ainda na maloca de Santa Rosa, Luciano Pena, liderança da comunidade, perguntou ao pessoal do Piraparaná como estavam vendo a situação ambiental no Tiquié. Reynel disse que está vendo positivamente, e recomendou que as comunidades respeitassem os lugares sagrados, só assim os moradores desse rio poderão viver bem, sem acabar com seus “recursos”. Mais uma vez ele tocou no assunto de estrago do rio, consequência dos benzimentos inadequados, que fazem com que a água fique como que fermentada, e os peixes sentem. As flautas sagradas eram instrumentos de reprodução dos peixes, mas ao longo das últimas décadas elas não foram mais benzidas. Nas malocas dos peixes, durante os dabucuris, haviam muitos balaios cheios de frutas, que caíam no rio, era a fartura para os peixes – por isso todo ano acontecia a subida e a reprodução saudável dos peixes. Atualmente esses balaios estão vazios, os peixes estão sem frutas e diminuíram muito.

 

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Em Caruru, depois da refeição oferecida pela comunidade na maloca, fomos à ilha que fica no meio da cachoeira, junto com o velho Henrique Marques, conhecedor tukano do sib Bosoapõra, residente em Boca do Sal, pouco a jusante de Caruru. Existe ali um lugar onde guardavam os jurupari, outro onde alguns povos emergiram e os desenhos na pedra feitos pela Gente da Transformação [ver foto]. Essa cachoeira é a mais imponente e bela do Tiquié, e de grande significado para os povos que por ali passaram em sua origem.

 

Utãd¡ka (Pedra Curta) e Yoariwa (Cachoeira Comprida)

 

A última etapa de visita a lugares importantes do Tiquié foi às cachoeiras de Pedra Curta e Comprida, afastadas entre si cerca de cinco quilômetros por via fluvial. A primeira fica a pouca distância a montante de São Pedro, e ao largo da segunda, na margem esquerda, está outra comunidade tuyuka. Passada essa cachoeira, chega-se à fronteira entre Brasil e Colômbia sem muita demora.

 

Em Pedra Curta, a primeira coisa vista foi uma pedra solta,de cerca de um metro, chamada hiña tiba,caixa de plumas da gente-lagarta (Hiña-masa, conjunto de lagartas que comem folhas de árvores e são comestíveis). Essa gente tem um significado muito especial na cosmologia e xamanismo desses povos, que as consideram seres influentes e com poder xamânico, que passam pelo o universo ciclicamente e com os quais é preciso realizar mediações através de procedimentos rituais.

 

Ainda na mesma margem dessa cachoeira, pouco acima, há um petroglifo, claramente delineado, que chamam de Muipu (Sol). O pessoal do Piraparaná explicou que, ao sair do Lago de Leite, o Deus da Transformação tomou a forma de anaconda. Ao chegar em Pedra Curta, transformou-se em pessoa (Muip¥) e daqui em diante já segue assim, como gente. É lugar de emergência dos Tatuyo e Eduria.

 

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Falando desse lugar, Higino Tenório contou que seu pai dizia que esse era o primeiro homem eduria, tatuyo. “São figuras que mostram sua origem, é coisa sagrada deles, como jurupari e outras coisas com mais significado. Agora estamos sabendo por eles que é o Sol. Na cultura deles o Sol é jurupari mesmo, os ancestrais tinham o poder do jurupari. Interpretamos assim. Antigamente, tempos atrás, meu pai nunca permitiu ver, proibia ver. Até porque tem essa associação, feita a partir dos missionários, da palavra jurupari com diabo. Mas principalmente porque o conhecimento das flautas jurupari vem com certa idade, as crianças têm medo.

 

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Quando a criança passa para a puberdade, é que começa a conhecer sua história. Hoje mudou bastante, a religião dominou muito a nossa mente, Deus criou tudo para ser dominado, explorado, disseram que não tem coisa sagrada nesse mundo, que Deus criou para todo mundo, a religião confundiu a cabeça. Hoje em dia aqui todo mundo vê, brinca, até as crianças... Por isso é importante pensar - quem vai mostrar que é importante voltar a respeitar? Vai ser a escola ou as próprias lideranças? Depois de 80 anos de dominação da religião, acabou esse respeito. Do outro lado (do rio) há um lugar onde os antigos colocaram os juruparis, há tempos era proibido olhar para lá, hoje já tinguijam ali, comem aí mesmo... Quem vai valorizar esses lugares? Daqui a pouco vem alguém fazer uma hidrelétrica aqui, quebrar tudo, a força política e econômica está vindo aí, o mercado, a modernidade, por isso é importante pensar em como vamos preservar isso. O registro é uma ferramenta para fazer entender, para que as pessoas vejam, comentem, valorizem, entendam... Temos que ter a participação de todos, dos velhos, jovens, da escola, professores e das lideranças. Sem conhecer, não tem como respeitar. E também temos que viver dessa realidade, desse conhecimento, ritualizando, fazendo as cerimônias, os benzimentos, são práticas que vão levar as novas gerações, os novos conhecedores, a respeitarem esses lugares, nesse território cultural que é nosso.”

 

Na mesma Cachoeira Pedra Curta, na margem esquerda, está outro lugar significativo, ao lado do caminho para arrastar canoa: “Esse é um lugar importante para os Eduria e Tatuyo, esse lugar é o pau onde eles apóiam o jurupari durante as cerimônias. Por isso era muito proibido de olhar, daí seu nome Kapinimat¡di (lit. veneno para os olhos)”, disse Tenório.

 

Há outro ponto importante nessa cachoeira. “Debaixo daquele pau tem língua (palheta) de jurupari, que é uma peça importante. Fica ali. Contam os antigos que aí surgiram os primeiros juruparis dos Eduria e S†ra, por isso é um lugar sagrado. É onde fazem caiá (armadilha fixa de pesca de grandes dimensões) para pegar peixe. Os aracus que fazem piracema tomam caapi, e para tomar eles seguem esse caminho. No caiá, os peixes entram e caem em cima do jirau, já tendo tomado o caapi, estão tendo visões, e estão meio bêbados. Por isso, na primeira enchente, quando fazem dabucuri, caem muitos peixes. Quem vai fazer esse caiá, primeiro tem que benzer, tem que limpar aí” – explicam o velho tuyuka Pedro Lima e Higino Tenório.

 

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Em Cachoeira Comprida o pessoal da comunidade nos levou para ver algumas partes da cachoeira. Ela é formada por vários desníveis e quedas, e canais de diferentes tamanhos, além de algumas ilhas. O rio, nesse dia, estava com meia água, o que permitia ver uma parte das marcas deixadas pela Gente da Transformação. Começaram por Wetapoea (Cachoeira Tapioca), situada no porto da antiga comunidade de Puniya – que se mudou para a Cachoeira Comprida há mais de uma década. Subindo, entrando pelo primeiro canal, seguem-se vários lugares, densos de significados: onde guardavam os jurupari, por onde os levaram (um canal de cerca de cem metros, escavado em pedra pela água, que flui quando o rio está mais cheio); no meio do rio há um amplo pátio rochoso, nesse dia parcialmente submerso, com alguns buracos (de dois ou três metros de profundidade) cavados na rocha pelo movimento da água. São os Buracos da Transformação dos Eduria e Tatuyo

 

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O grande pátio é uma maloca, Casa de Transformação; no limite oeste dessa área, um conjunto de pedras, como uma unidade quebrada em várias partes de tamanhos similares, são os primeiros iniciandos sentados na parte frontal da maloca. Na ilha adjacente, há o lugar onde vomitaram água (preparativo matinal para os rituais e danças com caapi).

 

Reunião final em São Pedro

 

Os três últimos dias de convívio entre os visitantes do Piraparaná e o pessoal do Tiquié foi em São Pedro. Dois dias dedicados a uma reunião final e um à cerimônia de encerramento. Estiveram presentes, além daqueles que estavam na viagem do intercâmbio, representantes de várias associações do Tiquié: Aeity, Acimet, AEITYPP, Atriart, Acirc e Aeitu.

 

A reunião começou com a participação de alunos da Escola Tuyuka e o professor Mateus Resende, apresentando algumas das pesquisas realizadas pelos ciclos mais avançados, especialmente , do quinto e sexto, correspondentes ao ensino médio. Falaram sobre o estudo das paisagens florestais, do calendário ecológico e socioeconômico, das atividades produtivas – como a piscicultura, e do aprendizado de técnicas de artesanato. Essa última foi pensada como atividade escolar para os meninos. Iniciaram por tecer as faixas de chocalho de tornozelo (jararaca). Para fazer esse trabalho precisavam respeitar uma dieta, para evitar contrair doenças, acidentes ofídicos durante esse trabalho. Através desse trabalho estão investigando. Para poder assumir esse trabalho, tomaram caapi (bebida ritual, que pode provocar efeito alucinógeno, importante na formação dos jovens). Foram convidados para ir em Bellavista do Abiu, onde ofereceram o caapi aos jovens aprendizes. Uma única cuia foi suficiente para o efeito desejado, porque nunca tinham tomado, e por meio dessas visões apareceu-lhe os desenhos. Agora eles disseram que têm segurança para tecer as cintas do chocalho. Assim estão fazendo, com a investigação dentro da escola.

 

Durante esse dia os pesquisadores indígenas do Piraparaná também relataram sobre os trabalhos desenvolvidos naquele rio. A sessão final foi dedicada ao planejamento das próximas inciativas. Além daquelas mais pontuais, ficou marcado uma cerimônia com a participação de conhecedores do Piraparaná e do Tiquié em São Pedro, para março de 2011.

 

Na festa de encerramento em São Pedro, prepararam ipadu, caapi, caxiri... Os barasana Reynel e Pacho foram os kumua (benzedores) e um grupo de seis tatuyo e makuna dançaram a partir das cinco da tarde, noite adentro.

 

Território e narrativas

 

É interessante entender como esses lugares e narrativas se cruzam e se fixam na tradição oral desses povos, mesmo com diferentes povos se sucedendo nos mesmos espaços, no mesmo rio. Os habitantes recentes de uma região sempre têm a preocupação de entender aquele espaço, como foi formado, quem já viveu e o que se passou ali, como o território está marcado e por quem. No território se espalham lugares de adensamento de acontecidos, que continuam gerando conseqüências. Lugares que são mais do que parecem à primeira vista. Um bloco de pedra na beira, que passa parte do tempo coberto pelas águas do rio, pode ser a cabeça de uma cobra grande que foi morta e decepada pela Gente da Transformação. Tem aqueles que conhecem e narram essas histórias, e tem aqueles que sabem por que são pajés. Esse conhecimento está distribuído, e de algum modo chega àqueles que são preparados para recebê-lo.

 

Nessa viagem, a narrativa principal, aquela que indicou o rumo das conversas, fonte de inspiração das falas dos conhecedores e curiosidade dos aprendizes, foi a viagem de origem da Gente da Transformação, onde a figura da Anaconda Ancestral é central. Mas duas outras, importantes no Médio Tiquié, frequentemente surgiram, a de Wai-Dey¡, que é fundamental para entender toda a topologia e toponímia desse trecho do rio; e da Gente Pedra, que também marca outros espaços. Em algumas versões da narrativa de origem, certas histórias se entrelaçam ou se conectam, como é o caso das mulheres gente-pedra (¡ta-masa-numia), que depois de escaparem de seu perseguidor na corredeira Jabuti, acima de Cunuri, acabam sendo enganadas por Mucura na serra que tem o seu nome. São diferentes fases da formação do universo e transformação da humanidade, ou tradições diversas que informam os vários conhecedores.

 

No Rio Tiquié, além de águas e peixes, também correm muitas ideias, pensamentos e histórias dos povos que aí habitaram seguidamente. Histórias que são transmitidas, interpretadas e vão recebendo sentidos diversos com o passar das gerações – mas que de alguma forma se mantêm no fundamental.

 

ISA, Aloisio Cabalzar.[/align]

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Postado

Uma viagem dessas é "meu sonho de consumo"

 

É por essas e outras "viagens" que aqui no meu serviço sou considerada "estranha" ::lol4::::lol4::::lol4:: para não dizer outras coisistas + + + ::hein:::hein:

 

Maria Emilia

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