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Da sucata ao luxo


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http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2009/09/25/cidades,i=144325/DA+SUCATA+AO+LUXO.shtml

 

[align=justify]Para mulheres como Dinorah, recomeçar é a ordem do dia há muitos anos. Foi assim, reinventando a vida a cada momento, que ela começou a reconstruir sua casa e hoje ganha espaço em evento de grande destaque no segmento da decoração em Brasília

Marcelo Abreu

Publicação: 25/09/2009 07:08 Atualização: 25/09/2009 01:59

 

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Numa área de 21 metros quadrados, a artista plástica Usha Velasco reproduziu um ambiente em que todas as peças são recicladas: talentos de duas realidades bastante diferentes

 

De longe, ela acena. O sorriso é bonito, mesmo com tanta tragédia. Os olhos esverdeados gritam por vida. Está de luvas, máscara e uniforme no meio de toneladas do que ninguém mais quer. É lá, na Central de Reciclagem do Varjão (CRA), que aquela mulher tira o sustento de todo dia. E não é fácil ser ela. Aos 40 anos, é viúva, teve 10 filhos, contam-se até agora 12 netos e seis bisnetos. Hipertensa desde jovem, há quatro anos, mal completara 36, teve um brutal acidente vascular cerebral (AVC). O médico lhe disse que nunca mais andaria ou falaria. Pouco tempo depois, ela andou e falou. Voltou a trabalhar. Sentiu a vida se expandindo por todos os poros.

 

Ex-doméstica, ex-empacotadora de supermercado, a vida nunca lhe fora fácil. Para completar, a casa em que vivia havia mais de 20 anos no Varjão estava em terreno inadequado. Com a padronização e postura do código de edificação em vigor na cidade, o barraco teve de ser demolido. Ela chorou, mas precisou enxugar as lágrimas. Era tudo que conseguira na vida, desde que ali chegou, no começo de tudo, antes mesmo de o lugar virar cidade.

 

A administração, porém, não a desamparou. Prometeu ajudá-la no aluguel até que ela construísse, ali mesmo, mas de forma regular, sua nova moradia. E ela voltou a trabalhar. Reciclou mais do que nunca. Dinorah José Borges é uma fortaleza. Na terça-feira, enterrou uma sobrinha que morava no Paranoá. Chorou mais uma vez como chorou a morte do filho mais velho, assassinado há três anos no mesmo lugar onde nasceu. No dia seguinte, depois do enterro, voltou a trabalhar. E mais uma vez enxugou as lágrimas.

 

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Dinorah é vaidosa. “É a única coisa que ainda me restou. Até a minha casa eu perdi”, ela diz. A vaidade a levou a ter tatuagens. Atrás das orelhas, desenhou estrelinhas. Nas costas, um golfinho. No tornozelo, rosas. Usa piercing na sobrancelha e as unhas são pintadas com desenhos de flores. Nos dedos da mão direita, três anéis feitos de casca de coco. Na esquerda, a mesma quantidade.

 

Dinorah recicla o que não serve mais para ninguém. Dali, com mais 25 mulheres, tira o seu sustento. Quando o mês é generoso e aquela gente abastada do Lago Norte joga fora o que não cabe mais em suas casas igualmente abastadas, consegue juntar até R$ 300. O Varjão, com 9 mil habitantes, colado ao Lago Norte, está a anos-luz dali. Ela nunca teve dúvida da distância que separa os muito ricos dos muito pobres.

 

Inédito

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Com a casa no chão, o único bem que conseguira juntar em 20 anos de Varjão, a administração prometeu ajudá-la. A professora Ana Beatriz Goldstein, 42, coordenadora de projetos especiais da regional, teve uma grande ideia. Por que não montar um ambiente da cidade no Casa Cor Brasília(1)? Levou a ideia às organizadoras. Aceitação total. A administradora Luiza Werneck, 53, também comprou a novidade.

 

De volta ao Varjão, Ana Beatriz reuniu as trabalhadoras da CRV e da Associação Girassol, mulheres costureiras que aos poucos, com suas confecções, estão se tornando independentes e levando suas peças às lojas da capital. Contou-lhes a proposta de levar o que de melhor a cidade tem para aquele mundo tão longe da vida delas. E, num trabalho de extrema parceria, empresas e entidades se juntaram em prol do Varjão. Dos resíduos que chegam ao galpão, das sucatas, nasceu a arte. Durante 60 dias, a singular e talentosa artista plástica Usha Velasco, 41, trabalhou voluntariamente e criou verdadeiras obras com o que aquelas mulheres reciclavam.

 

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As costureiras criaram bonecas de pano. No seu ateliê do lixo, Usha juntou tudo isso e, na Casa Cor Brasília, montou um cantinho chamado de Varjão Consciente. O espaço tem a mesma metragem do tamanho que terão as salas de jantar e de estar da nova casa de Dinorah — 21 metros quadrados. “É o espaço dalit para o Varjão”, brinca Ana Beatriz. Dois dias antes do término do evento, algumas peças estarão à venda. E o dinheiro arrecadado será todo dividido entre as recicladoras e as costureiras.

 

Na CRV, a torcida pela reconquista da dignidade do endereço de Dinorah é grande. “Separei muitas latinhas pro trabalho. Ela merece por tudo que já enfrentou na vida”, diz Dalva Alves Silveira, 34. Viviane Oliveira, 25, se emociona: “A Dinorah é batalhadora, uma guerreira”. Vanessa Gonçalves, 22, ainda agradece: “Além de gente boa, ela me dá conselhos. Valeu a pena trabalhar tanto”. Até a presidente da CRV, Edinei Santarém, 34, entrou na luta pela casa da colega: “A gente não se cansa quando precisa ajudar”. E comemora: “A central completa um ano semana que vem. No começo, a gente trabalhava o mês inteiro e no fim não dava mais do que R$ 30. Hoje, se consegue levar pra casa até R$ 300”.

 

Verdade sem retoques

 

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No espaço do Varjão montado no Casa Cor Brasília, Usha criou um ambiente com móveis e retratos, clicados pela lente sensível do fotógrafo Arthur Monteiro, parceiro da artista nesse trabalho sensacional. Ele revelou os moradores no seu dia a dia, em suas casas, suas expressões de sonhos e esperança, rostos sem maquiagem, sem botox, sem chapinhas, roupas de grife ou castelos ornamentando a paisagem. O resultado? A verdade sempre emociona. Ana Beatriz, a professora da regional, se encanta: “É a revolução silenciosa que está sendo feita no Varjão”. Revolução com o que há de melhor no ser humano: a vontade de se transformar. De se reinventar. É o que aquela gente tem feito todos os dias.

 

No fim da manhã de ontem, o Correio convidou Dinorah para conhecer o espaço Varjão Consciente naquele lugar tão distante de sua realidade. A recicladora trocou o uniforme que usa no galpão e entrou naquele lugar. Ficou maravilhada. Numa das fotos expostas, está a filha dela, que acabou de parir e lhe deu mais uma neta. Na bela fotografia em preto e branco, o mosquiteiro da recém-nascida enfeita a cena. É foto para prêmio. “É como se eu entrasse no meu lar, voltasse à minha casa”, ela compara, com os olhos espantados.

 

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Todas as mulheres que trabalharam no projeto visitarão o Casa Cor Brasília. Percorrerão seus ambientes de revista. É um mundo além do que podem imaginar. Irão com suas roupas simples e uma enorme vontade de conhecer, apreciar, deliciar-se. O belo, de fato, enche os olhos. E entrarão no espaço que ajudaram a construir, a cidade delas. Vão se sentir importantes. Como realmente são.

 

Sairão dali com a certeza de que, mesmo com a distância incalculável que as separa do mundo sofisticado daquela gente abastada, elas existem, trabalham, produzem, sustentam suas famílias e, no meio do que ninguém mais quer, encontram arte. Essas mulheres do Varjão são sensacionais. Conhecê-las é como voltar a acreditar em gente. No melhor que gente pode ser. Salve, Dinorah, uma recicladora!

 

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Puro requinte

É o maior evento de decoração do Centro-Oeste, que abrirá amanhã suas portas para o público. O local escolhido para ser sede da mostra foi o Clube do Servidor, no Setor de Clubes Norte. O espaço é o maior da história do Casa Cor Brasília. São 18 mil metros quadrados, dos quais mais de 5 mil metros serão usados na construção de 61 ambientes. O tema deste ano será a sustentabilidade. Nesta edição, haverá também uma homenagem ao paisagista Roberto Burle Marx, que deixou sua marca em vários jardins da capital federal e este ano completaria 100 anos. O investimento no evento é de cerca de R$ 5 milhões e a expectativa é que o número de visitantes aumente para 40 mil pessoas durante os 40 dias da mostra, que se encerará em 4 de novembro.[/align]

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