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Trekking na Quebrada Santa Cruz - Huaraz/Peru


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Valeu Edy. Aqui vai o relato!

 

De 29/08 a 05/09 estive em Huaraz, Peru para fazer a trilha da Quebrada Santa Cruz, no P.N. Huascaran. Escolhi-a por ser uma das mais bonitas e populares do Peru. Fui sozinho e aqui relato a experiência.

 

Cheguei a Huaraz 29/08 pela manhã, vindo no ônibus que partiu de Lima 23 hrs do dia anterior. Fiquei no Hotel Benkawasi, sugestão do Paulo Motta aqui no Mochileiros. 30 Soles a diária (US$ 10). Saí para comprar cartucho de gás (um apenas de 230 gramas bastava para cinco noites) e a comida que não podia trazer do Brasil. Também paguei a entrada do PN Huascaran (65 Soles) e comprei um mapa da cordilheira Branca Norte (Alpenveinskarte 0/3a).

 

Ôoo cidadezinha feia. Contrasta com a grande beleza das montanhas que a rodeiam, especialmente quando vc olha para o NE e o N.

 

No dia seguinte, para aclimatar, fui para a Laguna Churup. Peguei um táxi compartilhado até Llupa e segui 1 hora subindo ao lado de bonitos campos cultivados até alcançar uma estrada. Atravessando esta, a trilha continua subindo. Ali tive de pagar 5 Soles de entrada, pois não sabia que a Laguna já estava dentro do parque. Se tivesse trazido o ingresso que comprei no dia anterior não precisaria pagar (vale por 30 dias). Foram mais 2 horas de subida até alcançar a linda laguna. Lá havia um grupo, dentre eles quatro brasileiros. Voltei de carona com eles, gente boa.

 

Não tirei fotos porque não levei a máquina. Não queria arriscar ter a máquina roubada. Precaução válida, pois o guia que estava com o grupo disse que em julho um grupo de 8 alemães, com guia, foi assaltado nesta Laguna.

 

Segunda 31/08, 6 hrs da manhã, estava na ponte de Huaraz onde se pegam as kombis para Caraz (na oficina de informações turísticas da Plaza de Armas de Huaraz eles informam tudo, inclusive o preço dos taxis, kombis,...). Chamam de Kombi todos os modelos e marcas de van. Custou 6 Soles até Caraz, levando 1,5 hrs o trajeto.

 

Caraz é uma cidade bem mais bonita que Huaraz. Tem o inconveniente de ficar a mais baixa altitude (cerca de 2.100 m), o que dificulta um pouco mais a aclimatação. Também tem um comércio menor e se vc quiser contratar uma firma para trekking terá muita pouca opção, ao contrário de Huaraz.

 

Fui imediatamente para o mercado donde peguei o colectivo (táxi compartilhado) para Cachapampa, inicio da trilha. Realmente incrível que o pessoal leve alguém tão longe e por uma estrada tão ruim, sempre ladeira acima, por apenas 12 soles (oito reais). Aqui no Brasil um trajeto deste não saia por menos de 30 a 50 reais. Uma hora de estrada de terra. Huaripampa e Cachapampa são vilarejos. O que impressiona pela sua beleza são os cultivos em terraços. Chegando, se vê um rasgo num imenso paredão. Lá começa o cânion da Quebrada Santa Cruz.

 

Parti as 8:30, após pagar uma taxa de 10 Soles para a comunidade. No inicio da trilha diversos arrieros ficam esperando clientes. O par de andinistas que dividiram comigo o colectivo entre Caraz e Cachapampa fechou com um arriero para levar a carga até o Campo Base do Alpamayo. Eram o Roy de Israel e Máximo, peruano (ótimo nome para um guia de alta montanha). Segui carregando meu peso e minha sina.

 

A subida inicia mais íngreme no começo do estreito cânion, com o rio Santa Cruz à esquerda. Sinais de avalanches de pedra. São duas horas de subida forte. Quando chegamos ao fim dela o rio passa a seguir ao lado da trilha. Alcançando este ponto, após uns minutos, me bateu um cansaço, quase tonteira, que logo imaginei a causa. Não tomei café da manhã e não havia comido nada até àquela hora (11 hrs). Parei para comer uns pães e uma barra de chocolate. Sempre que sinto uma intensa vontade de comer doce é porque o bicho tá pegando. Subir aquela ladeira com cerca de 20 kg nas costas não é moleza. O 1º dia é o que vc está menos aclimatizado e com mais peso na mochila.

 

Prossegui. Agora a subida ficou mais suave e tranqüila. Após cerca de 5 hrs desde Cashapampa cheguei a Llama Corral, 1º ponto de acampamento. Pelo horário do dia poderia até ir adiante, mas estava muito satisfeito em ficar por lá. Além do cercado de pedras que deu nome ao local, vivem 3 a 5 famílias que vivem de vender alimentos e bebidas para os que passam ou acampam. Fiquei espantado ao ver iogurte sendo vendido, porque não havia eletricidade no local.

 

Perguntei aos nativos de que direção soprava o vento pela noite e durante as tempestades, para escolher de que lado iria deixar a porta (importante numa barraca tipo túnel). Selecionei um bom gramado afastado da trilha e armei minha carpa. Preparei a janta ao abrigo do vento, atrás de uma pedra.

 

Ao entardecer o vento oscila bastante. Ora vem de NE ora de SW, ou seja, de uma ou de outra extremidade do vale (o vale corre no sentido SW-NE). O vento da noite viria de NE, o que não e de estranhar, pois o passo Punta Union está neste extremo e também as maiores montanhas e geleiras.

 

Noite tranqüila. Neste lugar, acho que apenas eu e um casal estávamos viajando independentes de guias, arrieros e firmas de trekking.

 

01/09/2009

 

Manhã bonita. Segui em frente. Após 40 minutos a laguna Ichiccocha. Passei as suas margens, deixando-a a esquerda. A laguna é pequena. Se não prestamos atenção vamos achar que é um brejo, pois está recoberta de plantas aquáticas.

 

Ao ultrapassar o lago peguei uma subida e após 30 min. cheguei à laguna Jatuncocha, sua irmã maior, com uma cor verde turquesa. Bela laguna. Continuei margeando deixando-a a esquerda. Algumas quenuas isoladas fornecem boas molduras para fotos. São árvores especiais. Um tronco avermelhado com uma casca muito característica, parecendo finas folhas de papel de seda que vc facilmente arranca do tronco. Estratégia de sobrevivência: as folhas retêm uma umidade preciosa nesta altitude.

 

Pouco depois deixei o lago e subi, baixando logo em seguida para um largo pampa, Logo ao chegar nesta planura, cruza-se o rio Santa Cruz pela 1ª vez, ficando ele à direita. Bom vestir logo um corta-vento ou agasalho, pois o vento frio capricha neste trecho.

 

Ao final, antes da última subida que antecede o 2º acampamento, um lugar bonito também para acampar no meio de um bosque. O Alpenveinskarte chama o local de Quishuar.

 

Neste ponto se vê um rio descendo do vale que se abre à esquerda (side valley) onde estão o Alpamayo, o Quitaraju e o Pucarashta. Alguns trekkers sem mochila chegam desta quebrada e sentam-se num tronco caído. Pergunto ao guia quanto falta para o Taullipampa e sigo a trilha sempre obvia. A subida não e muito cansativa, pois não é íngreme. Durante a subida vistas parciais do Alpamayo. Chegando no topo, um pampa. Faço uma pergunta burra a um arriero que monta a tenda-cozinha de sua expedição – onde fica Taullipama? Acá mismo, responde ele. Convida para acampar ao lado das barracas da expedição, pues son todos amigos.

 

Monto a barraca. Cheguei cedo, tenho tempo para relaxar. O sol da tarde bate forte. Tomo um banho de gato – vou para a beira do rio e pego uma toalhinha de enxugue rápido, molho-a seguidas vezes e esfrego-a no corpo. O dia está bonito, mas a água está gelada.

 

Aqui no PN Huascaran não há banheiros. Alias, os que existiam, de alvenaria, estão depredados. As expedições melhores trazem uma tenda-toilet, põem um banquinho com um círculo vazado no assento, em cima de um buraco cavado no chão. O problema é que várias destas firmas “esquecem-se” de tapar o buraco no dia seguinte, antes de levantar acampamento. Ao passear por lá não vá enfiar o pé numa destas arapucas.

Como não tinha esta mordomia da tenda-toilet fui para trás de umas rochas maiores. Estes locais são bem concorridos a julgar pela qtd de papel higiênico.

Taullipampa é maravilhoso, considerado por muitos o melhor acampamento desta trilha. De um lado o Artesonraju, de outro, o grande Taulliraju (parece uma grande caranguejeira vista de frente). A depender de sua posição, vc também vê o Quitaraju e parte do Alpamayo. Raju é a palavra quechua que designa montanha. Algumas, como o Alpamayo e o Huascaran não têm este designativo.

 

Procurei dormir cedo, mas meus vizinhos eram barulhentos israelenses e a altitude (4.250 m) não ajudava. Resolvi colocar meu excelente tampão de ouvidos. Dormi. Durante a noite acordei e tirei-os, pois não havia mais barulho. Ao tentar voltar a dormir ouvi um barulho ao lado da tenda com um resmungo incompreensível. Levantei-me o mais rápido possível e olhei pela porta. Não havia mais ninguém. Considere que tive de me virar dentro do meu saco de dormir, abrir o zíper do saco, abrir o zíper da barraca, abrir o zíper do vestíbulo (literalmente zipado) e, finalmente, botar a cabeça para fora. Noite bonita de lua. Levei um susto - cadê meus bastões de trekking? Havia deixado-os espetados no chão em frente da tenda. Olhei para o lado e vi-os deitados ao lado da barraca. Compreendi. O resmungo era do arriero, meu simpático vizinho. Ele arrancou os bastões para colocá-los ao lado da tenda, provavelmente temendo que os jumentos de carga os derrubassem e pisoteassem. Voltei a dormir.

 

02/09/2009

 

Ao acordar pela manhã, 3 surpresas. (1) Gelo no lado exterior da porta da tenda e num pedaço da mochila que havia ficado para fora do vestíbulo. (2) O saco de lixo havia sido mexido pelas mulas, apesar da pedra que havia colocado em cima, espalhando meu lixo pelo gramado, (3) A mais desagradável : olhei para o lado da barraca e só havia um bastão de trekking. Levaram o outro durante a noite. ::grr::

 

Atordoado sai para juntar o lixo e ver se, por acaso, as mulas haviam empurrado o bastão para outro canto (que idéia de jerico!). Falei com o arriero. Ele disse que durante a noite havia encostado os bastões ao lado da carpa. Pensou em me chamar para que colocasse os bastões dentro da barraca, mas achava que dormia e não quis me acordar. Como havia suposto.

 

Durante a noite passam muitos arrieros voltando para suas casas após levarem turistas para o outro lado. Alguns aproveitam para roubar o que encontram do lado de fora das carpas.

 

Triste, desarmei e arrumei as coisas. Segui de volta para pegar uma trilha seguindo-a pela encosta para o Acampamento Base do Alpamayo, onde planejei acampar na 3ª noite. Não precisava descer até Quishuar e subir novamente. Após 1,5 horas cheguei ao campo base. Já havia uma tenda cozinha levantada de uma expedição que estava rumo ao C1 do Alpamayo. Apenas o simpático cozinheiro ficara tomando conta do acampamento, o Faustino. Foi porteador ou guia de altura na sua juventude, anos 70 e 80. Bom de conversa e simpático. Mostrou-me onde estavam os membros da sua expedição: quase alcançando o colo que permite acessar o C1, que fica do outro lado da montanha. Eram pequenos pontos numa canaleta de gelo.

 

Notei que os peruanos de modo geral gostam de saber que vc é brasileiro, latino como eles. Gostam do Brasil e do futebol.

 

Explicou-me que quem roubou meu bastão foi provavelmente um arriero ratoneiro, como são chamados aqui estes descuidistas. Lição: jamais deixe algo fora da barraca. Ele aconselhou sempre a armar a barraca perto de outras e afastada da trilha (estava ao lado do caminho). Esta precaução é tanto mais importante quanto mais próximo vc estiver de um vilarejo.

 

No campo base do Alpamayo me disse que poderia ficar tranqüilo porque não é ponto de passagem de arrieros. Armei a barraca num lindo local. Na frente, uma vista para o Alpamayo. Outra expedição de andinistas chegou e armou acampamento ao lado de uma construção abandonada. Iriam partir no dia seguinte.

 

Fiz o almoço. Após me dei o luxo de esquentar água para lavar o cabelo. No resto do corpo iria utilizar os lenços úmidos. Estendi meu isolante na encosta de uma pedra e fiquei fazendo meu sudoku, ouvindo música e tirando fotos do Alpamayo. Nesta pedra havia uma placa em homenagem a um bergkamarade austríaco ou alemão que morreu na tragédia do Alpamayo, salvo engano em 1977, quando uma cornija de gelo se desprendeu do topo provocando uma avalanche. Apenas um guia e um americano que já estavam no topo sobreviveram.

 

À medida que o sol caia diversas tonalidades iluminavam a montanha. Um penacho às vezes saia do cume do Alpamayo, parecendo uma fumacinha. Eram pequenas nuvens formadas pelo vento forte arrancado partículas de gelo do topo.

 

Noite agradável.

 

 

03/09/2009

 

No dia seguinte bebi um chá de coca com o Faustino (muito bom). Tirei fotos do Artesonjaru, que é uma bela pirâmide deste ângulo.

 

Parti tarde para o Taullipampa (novamente), pois até lá seriam apenas 1,5 a 2 hrs. Mas ficou tarde para tentar hj mesmo a Punta Union. Quando planejei este trekking imaginei o Alpamayo B.C. como um dia para descanso e aclimatação antes da Punta Union.

 

No Taullipampa pedi permissão para acampar não muito longe de umas tendas de uma expedição já montada. O Cozinheiro autorizou só pedindo para ficar atrás de um arbusto para não tirar a privacidade de seus clientes (apenas um casal de holandeses). Acampei desta vez do outro lado do rio, que jamais seria passagem para arrieros.

 

Tarde bonita e tranqüila. Durante a noite ameaçou chover, mas não passaram de gotas grossas tamborilando no tecido da tenda por alguns minutos. Um vento forte fez a tenda flapear (verbo novo: fazer flap-flap). Demorei muito para dormir. Senti uma opressão no peito. Acho que a qtd de roupa e a ansiedade por não conseguir dormir, além da ligeira dor-de-cabeça. Preocupado peguei minhas anotações e conferi o Lake Louise Score para ver se estaria com MAM. Mas justo na 3ª noite acima de 4.000 metros? Só tinha insônia, falta de apetite e a pequena dor-de-cabeça. Tomei um Paracetamol e consegui dormir.

 

No meu estojo de 1º socorros tinha Diamox, Dexametasona e Adalat como precaução. Não precisei usar nada. O Diamox é utilizado na prevenção, mas não tomei-o para testar minha real aclimatação para altitude sem o uso do medicamento.

 

04/09/2009

 

Parti cedo para ter tempo sobrando para subir e descer a Punta Union. Levei um litro e meio de água, pois tinha a informação que não havia nada na subida. Não procede porque nos 4.400 m a trilha encontra um riacho. Só depois que a água fica escassa. Neste ponto é bom encher os cantis.

 

A subida começa suave, depois entra num zig-zag. Usei o rest step nos trechos mais íngremes ou quando ameaçava ficar sem fôlego. Ô técnica boa para manter o ritmo. Vc sobe mais vagaroso, mas sem parar. Os índios sabiam o que faziam ao criar esta técnica.

 

Várias pessoas, a maioria israelense, sem mochilas ou apenas pochetes/mochilinhas de ataque me ultrapassaram. Todas vinham em expedições com arrieros. Um me passou a cavalo (algumas firmas trazem um cavalo reserva para quem não agüentar, é claro que vc paga por ele). Uma israelense simpática e retada têm uma mochila mais pesada, ao contrário dos seus companheiros marmanjos. Perguntou-me quanto faltava. Eu consulto o altímetro e dou-lhe uma resposta desencorajadora: faltam 100 metros.

 

Perto do passo a trilha fica íngreme e o ar resfria bem. Vc está na altura onde neve e gelo se formam e permanecem. O Taulliraju imponente está com o cume encoberto pelas nuvens. Tem suas grandes encostas nevadas por cima do pequeno lago glaciar Taullicocha.

 

Logo antes do passo um lajeado de pedra e finalmente os 4.760 metros e uma placa indicando o óbvio, vc está no Paso! Todos param para comemorar e tirar fotos. Gente chega de um lado ou do outro. Tirei fotos. Um guia, chamado Juan, tirou minha foto. Lá bem embaixo, rumo SW, a Laguna Jatuncocha. O visual do outro lado é bonito, mas não tão espetacular. As 3 lagunas Morococha e o Nevado Pucaraju ao fundo, com o começo da Quebrada Huaripampa.

 

Tiro e visto um corta vento e começo a descida para a Huaripampa. Agora deixo para traz os israelenses. Tenho pressa porque ainda tenho mais 4 a 5 horas até Catinapampa. Eles ao chegarem no local vão encontrar a tenda e o jantar pronto. Eu não...

 

Descida forte no começo. Após atingir o platô onde estão as Lagunas Morococha fica mais suave. Vc entra numa curva a direita e continua descendo bastante até chegar ao fundo do vale. Percebe-se uma trilha que desce do Alto do Pucaraju, na encosta do outro lado do vale, à esquerda, que vem da trilha da Quebrada Alpamayo pelo Norte (outra trilha espetacular e mais selvagem – também mais exigente).

 

É bem mais cansativo subir pelo lado oposto (de quem vem de Vaqueria. Muito mais subida num dia). Percebe-se isto na cara de quem vem subindo e pergunta a vc quanto falta.

 

No fundo do vale vc passa numa pontezinha sobre o riacho sem nome no mapa. Ele fica na sua direita por quase todo o vale. Com cerca de 3 horas cheguei a Paria, acampamento que normalmente se usa no final do 3º dia (segundo o guia da Lonely Planet). Seguindo o conselho de Faustino, prossegui para Catinapampa, mais perto de Vaqueria, o que me permitiria mais facilmente chegar cedo amanhã para pegar um transporte de volta para Huaraz.

 

Depois de Paria lindos bosques com quenua (quenuales), as margens do rio, gramados excelentes para acampar.

 

Mais 1:30 chego a Catinapampa. Posiciono minha tenda não longe da expedição que encontrei em Taullipampa. Crianças abordam os recém chegados para pedir comida e dinheiro. Bonitas crianças com rosto bem típico andino. São todas bilíngües: falam espanhol e quéchua. Os holandeses espertamente dão lápis de cores e cadernos, algo educativo. Não tinha nada disto e ofereci uma barra de chocolate (péssimo, provoca cáries) e cream crackers. Eles examinaram curiosos minhas coisas, especialmente o Orikasu, meu caneco plástico desmontável. Ensino-os a montá-lo. Observam eu montar a barraca e cozinhar. Como sozinho explicando que estava com muita fomo e provavelmente a mãe deles já estava esperando com o jantar pronto, muito melhor que o meu.

 

Antes de irem, pedem dinheiro, mas digo-lhes que tenho suficiente apenas para o transporte. Meia-verdade, mas não quero cultivar o hábito da mendicância.

 

Vou conversar com os arrieros da barraca vizinha. Eles avisam-me para não descuidar das minhas coisas porque as crianças carregam objetos à mínima distração. De fato notei que as crianças, freqüentemente, olhavam determinado objeto com olhos cumpridos e comentavam algo em quéchua entre eles.

 

Mas não cheguei a notar a falta de nada. Fiquei triste em saber que infelizmente isto acontece. Muitas vezes são os pais que ensinam.

 

O holandês vizinho, o Mark, me oferece uma cerveja (meninas índias vendem bebidas em Catinapampa, enroladas em seus tecidos típicos). Digo-lhe que fico muito agradecido com a oferta, mas preferia beber algo apenas no final do trekking. A associação de cerveja com o cansaço iriam me fazer dormir como uma pedra e gostaria de estar atento para barulhos suspeitos do lado de fora da tenda. Ele já sabia que eu era brasileiro. Só tomei uma Coca-cola.

 

Um guarda-parque passou recolhendo todo o lixo, inclusive o meu lixo acumulado dos dias anteriores, que coisa boa!

 

Dormi super-bem em Catina (cerca de 3.800 m.) depois de dormir 3 noites acima de 4.200 metros.

 

05/09/2009

 

Acordei 5 da manhã, ainda escuro, para começar a arrumar as coisas. Parti pouco depois das 6 horas, me despedindo do Mark e dos arrieros.

 

Com meia hora surgem as primeiras casas do vilarejo de Huaripampa. Encontro os garotos da tarde anterior, me despeço apressado deles. Em algumas casas vejo a criação de cuy (tipo um porquinho da índia). Bonitinhos, mas deliciosos! Pena que tenham tão pouca carne (comi um frito em Huaraz) ::tchann:: .

 

O pessoal da comunidade espertamente faz visitas guiadas aos artesãos locais e criadores. Há restaurantes e pousadas. Eles chamam isto de “turismo vivencial”. É uma boa fonte de renda. O governo patrocina estas iniciativas.

 

Huaripampa tem até telefone público. Pensei em parar para ligar para o Brasil, mas resolvi seguir. Placa sinaliza a descida para o rio onde vc o cruza numa ponte. Em seguida o controle do PN Huascaran onde um guarda-parque (logo cedo!) cobra sua entrada. Mostrei-lhe a que havia adquirido em Huaraz.

 

Peguei a penúltima subida do trajeto, contornando um morro a direita e passando por mais casas. Daí pega a Quebrada Morococha onde está Vaqueria lá no alto. Um garoto me informa que peguei a trilha errada numa bifurcação (a certa é a da direita). Mais em cima uma ponte e finalmente a última e cansativa subida até Vaqueria.

 

Lá chegando uma senhora no ponto de ônibus informou que um transporte acabara de passar, mas estava lotado. Agora só esperando. Por volta de 10:30 deveriam chegar mais carros para Yungay. Eram cerca de 8:30 da manhã. Tomei uma Inca Cola, surpreendentemente agradável apesar do sabor tutti-frutti (acho que passei muito tempo nas montanhas!). Não esteve no Peru quem não bebeu pisco-sour (êta coisa boa!) e Inca Cola!

 

Passou um caminhão, Perguntei se ia para Yungay. O pessoal me disse que ia, mas era melhor não pegar, pois eles demoram muito (depois entendi o porque).

 

Pouco depois chegaram a tropa de burros e os arrieros meus vizinhos. Alegres pelo fim do trabalho. Depois os holandeses. O Mark ofereceu carona na van deles. Disse que não queria incomodar, mas se não houvesse problema iria com prazer. O guia avisou que não haveria problema se os clientes concordassem. Ofereci umas cusqueñas, a cerveja mais apreciada por lá, retribuindo a oferta deles. Como desceu bem esta cerveja.

 

Pouco depois chegou o grande grupo de israelenses. Também comemoraram com umas cusquenãs o fim da jornada.

 

Assim voltei para Huaraz na maior das mordomias. O guia do grupo era simpático, ele conheceu muito brasileiro em Tóquio (!), onde viveu vários anos.

 

Subimos o passo Portachuelo de Llanganuco. Na subida avistamos um Condor. A vista do passo para as lagunas Llanganuco é impressionante. É tão alto quanto Punta Union, mas a descida é mais brusca. É coisa de filme. A estrada tem incontáveis zig-zags e não dá para passar dois carros de vez em sentidos contrários. Um tem que aguardar beeeemm encostado no acostamento. É um dos pontos altos da viagem. O guia explicou quais as montanhas que cercavam o vale. À esquerda a maior montanha do Peru, o Huascaran. O Huandoy, o Pisco e o Chacraraju à direita.

 

A trilha original de Santa Cruz também passava por aqui, antes da construção desta estrada. Aumentava em mais 2 dias o trajeto. Vi resquícios desta trilha.

 

Na descida um grupo de montain bikers descansando. Que descida cheia de adrenalina não deve ser!

 

Os caminhões são muito demorados porque sobem o Portachuelo muito devagar! Assim, se puder, escolha os ônibus.

 

Passamos pelas margens das lagunas Llanguanuco (são duas). É um roteiro de final de semana para os habitantes da região. Há barquinhos a remo para aluguel. A sede do P.N. Huascaran parece que fica lá. Cobraram outra vez os bilhetes de entrada.

 

Já no asfalto passamos pelo Campo Santo de Yungay, um campo liso. Debaixo está soterrada a velha Yungay e seus 18.000 habitantes que morreram no terremoto de 1970. Uma grande avalanche desceu do Huascaran (um grande bloco de gelo) e caiu sobre as Lagunas Llanganuco provocando uma onda gigante de gelo, água, lama e pedras. Eu fiquei impressionado com a distância que esta onda percorreu vale abaixo e que monstro deve ter sido para ultrapassar o morro que separava Yungay da canaleta do vale.

 

Muito demorada a volta. Como tem estrada de terra! Imagine se fosse num pinga-pinga, de ônibus. Chegaria em Huaraz pela noite e não às 3 da tarde, como cheguei.

 

Em resumo: trilha linda e tranqüila. Só não deixe as coisas do lado de fora da tenda ao dormir! O Peru é lindo e barato. É um País mais pobre que o Brasil, mas com um povo muito amistoso e gentil. Espero voltar no futuro para fazer Huayuash, Ausangate, Cañon de Colca, Mistí y algunas cositas más...

 

Abs, peter

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  • Membros de Honra

Peter

 

Não poderia ter sido melhor! Relatou muito bem a experiência, nos seus mínimos detalhes, com direito a papel higiênico alheio!

 

Sacanagem terem levado um bastão seu (por outro lado, poderiam ter levado os dois). Naquela hora que você levantou, deveria ter colocado os poles na barraca. Mas é triste saber que o pessoal de lá age dessa forma. Inclusive os mais jovens incentivados pelos próprios pais.

 

A estrada que vai para Huaraz é a Carretera Yanama? Ouvi dizer que ela é super perigosa a noite. O pessoal bloqueia e assalta quem passa, mas não sei se a informação procede.

 

Preciso ver de perto o Taulliraju, talvez se pareça com um dos meus bichinhos!

 

Parabéns Peter!

 

Abraço

Edy

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  • Membros de Honra

É Edy. Pensei tb nisto. Ao menos deixou um bastão. Mas o povo de modo geral é muito simpático e gentil. Sempre há exceção, em qualquer lugar.

 

A carretera Yanama deve ser a que vai para a cidade de mesmo nome, que passa por Vaqueria , ligando Yungay a Yanama (não tenho certeza mas acho que a lógica é esta). É uma estrada de terra e não duvido que isto aconteça pela noite. O problema é que pedra na pista é comum devido a deslizamento ou avalanche. Então o motorista fica sem saber do que se trata. Voltando de Huaraz para Lima, de noite, vi pedras na estrada obrigando o motorista a se desviar, mas não era provocado pelo homem.

 

Abs, Peter

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  • Membros de Honra

Gostei do relato,Peter!

Passei veneno olhando as fotos cara! Lugar lindo!

Pelo que andei lendo, é comum trekking assistido por arrieros, aí, não? E pelo que vi, arriero não é, a rigor, um guia. Se vc se perdeu, ele não está obrigado pela sua segurança, apenas da sua carga. Imagino que seja um roteiro bacana de fazer neste esquema expedição, mas da maneira como fizeste, na raça, "alpino", é muito mais valioso!

Agora, com uma turma de meia dúzia de 3 ou 4, um arriero deve valer a curtição de andar mais leve!

Quero fazer mais trilhas por aqui, ganhar experiência e nas próximas férias (quando serão mesmo? Ah, 2011!) fazer algo na Argentina ou Chile. Trip de Peru ou Colômbia ainda falta prática (e estrutura). Mas.. show!

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  • Membros de Honra

Cassius:

 

O arriero tb conhece o trajeto e na prática, eles tb fazem o papel de guia se vc diretamente os contrata. Pelo que observei lá, nas expedições (vc contrata o serviço com uma agência especializada) eles tb botam um guia pelo seguinte: ao acordar vc toma seu café ,arruma sua mochila e já parte do acampamento com o guia. Os arrieros e o cozinheiro (que tb é arriero) desmontam o acampamento, arrumam as coisas nas mulas inclusive sua mochila) e seguem 1 hora depois. A vantagem do guia é dar um atendimento mais personalizado e vc não ter de esperar o desmonte do acampamento.

 

Se vc for só com arriero ou arrieros (dependo do nº de pessoas) sem guia, vc terá de acompanhá-los, ou seja esperar o desmonte do acampamento/carregamento das mulas. No trajeto eles terão de prestar atenção nas mulas e não darão toda a atenção aos clientes. Basicamente a diferença é esta. Eu particularmente não me importaria de ir só com arrieros. O guia encarece bem.

 

Acho o contrário, pelo que já li nos seus relatos. Vc já poderia ir para o Peru e Bolivia, contratando agência, daí vc não precisa de estrutura (transporte, tenda, cozinha e alimentos estão incluídos). Na Patagônia boa parte dos trekkings vc pode fazer sozinho, mais aí já tem que ter, de preferência, seu próprio equipo.

 

Abs, Peter

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  • Membros de Honra

Peter, li este lance dos arrieros numa Head Wall (infelizmente extinta :| ). E tem gente que usa só arriero mesmo. Acorda, cai na estrada e o arriero recolhe a muamba, toca as mulas e invariavelmente passa vc. Depois vc o cata em um ponto ajustado para o fim do dia. Chega lá baixado, cama esticada, água fresca, bóia quente 8)

Me falta grana pra algumas trip destas, e abrir mão de uns dias nas férias. Além de um equipo melhor (especialmente barraca mais leve, saco mais quente e fogareiro). Se tivesse grana tava tudo vindo do Chile com a patroa (um MSR internationale R$ 250, um saco Sierra Desings pra -4 de conforto por R$ 200, barraca Kelty por R$ 400), mas priorizei equipo individual. Estes aí, querendo ou não, vc aluga.. agora, alugar bota, mochila, roupa, já é mais chato, ainda mais quando se tem 1,86 de altura e peso de 3 dígitos ::putz::

Mas acho que ainda tem muuuita trilha no BR que tenho equipo sobrando (equipo não me limita aqui) e posso fazer enquanto angario fundos pra comprar brinquedos...

Agora, valeu o elogio de me achar preparado, viu? :oops:

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  • 2 semanas depois...
  • Membros

Esse relato tinha que ficar sempre no topo !

Muito bom, são poucos relatos dessa região.

 

Peter

Provavelmente estarei na região em fevereiro, vc recomendaria algum arriero ou agência que sentiu confiança ?

Andei pesquisando que as expedições ou tours saem mais baratas se a cidade base for Caraz ao invés de Huaraz, vc confirma isso ?

 

Abraço e te parabenizo pela aventura

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  • Membros de Honra

Valeu Marcio!

 

Vou procurar nos papéis da viagem anotação com nomes de arrieros. Mas garantir 100% é difícil. Só poderia se eu tivesse utilizado o serviço deles! Só posso assegurar a impressão que me passaram.

 

Mas observe se vale a pena. Parece que os preços são tabelados: U$ 10/dia para o arriero + U$ 5/dia para cada mula. Com o traslado e o retorno do arriero (sim, vc tem que pagar os dias que ele gastará para retornar a casa dele, se não for um circuito) sai o mesmo preço. Assim os U$ 30/dia em média das agências não é tão caro assim.

 

A agência Galaxy de Huaraz parece ter boa reputação.

 

Acho que Caraz deve ser mais barato sim. Mas é somente minha intuição porque ao chegar lá fui direto para o ponto que pega o taxi lotação para Cachapampa, não visitei agências. Só parei para tirar fotos da Plaza de Armas. Acho que é mais barato porque tem menos turista lá. Talvez nos sites www.municaraz.gob.pe ou municipalidad@municaraz.gob.pe vc encontre algo. Mas Caraz é bem mais bonita que Huaraz!

 

Lembre-se que fevereiro não é boa época para o trekking. Chove demais!

 

Poste também sua aventuras. Vou olhar o seu de rafting!

 

Abs, Peter

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