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Postado (editado)

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Pico do Curral

 

Essa travessia foi mais um desafio solo a que me propus de desbravar (no sentido pessoal, já que outros já andaram por ali) os caminhos mais altos do ParNa Serra do Cipó, ao longo dos seus limites orientais, região onde nunca havia pisado antes. O caminho imaginado teria início no ponto mais alto da MG-010, no chamado Alto do Palácio (município de Santana do Riacho), e percorreria no sentido sul as cristas mais altas do parque até atingir o vilarejo de Serra dos Alves, distrito de Itabira. Esse caminho pelas alturas teria apenas uma interrupção natural que seria a passagem pelo vale profundo em que se encontra o Travessão.

 

Na tentativa de colocar essa idéia em prática, a primeira incursão, feita em maio de 2014, não obteve êxito devido à neblina que se estabeleceu por mais de dois dias nas cristas ao sul do Travessão, impedindo a navegação visual. Desta vez, em março de 2015, o tempo também não foi muito generoso comigo. Foram cinco dias de chuva e neblina, com poucas horas de sol, mas finalmente consegui completar o trajeto e chegar ao destino sem muitos percalços. Os períodos de sol e céu aberto me mostraram como é magnífica essa travessia.

 

Descrever com detalhes as trilhas e caminhos do Cipó para que outros sigam os mesmos passos é algo bastante difícil pois é preciso se ater a poucos pontos de referência confiáveis. No caso dessa travessia não há uma trilha bem definida o tempo todo, principalmente nos dois ou três primeiros dias. Assim, esse relato serve como orientação geral de direção, tempo de caminhada e pontos de água, devendo ser complementado pelo uso experiente de carta topográfica, bússola e navegação visual, habilidades que todo trilheiro/montanhista deve desenvolver. Para os fãs de tecnologia, recursos como Google Earth, Bird's Eye e mapas topográficos inseridos no GPS ajudam muito também.

 

1º DIA: DO JUQUINHA AO TRAVESSÃO

 

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar151Dia

 

Tomando o ônibus da viação Serro às 8h em Belo Horizonte saltei próximo à estátua do Juquinha, km 117,5 da MG-010, às 10h55. Podia muito bem ter descido mais próximo do início da trilha mas preferi não dar muito na vista... Terminei de subir os 1000m que faltavam para o portão de ferro da Fazenda Capivara (à esquerda) e continuei mais 220m até a primeira porteira de arame à direita, onde entrei às 11h22. Altitude de 1339m. Segui pelo caminho largo de terra e logo ao final da primeira curva à esquerda abandonei-o para tomar um caminho de pedras brancas à direita. Na bifurcação que se segue tanto faz pegar a direita ou a esquerda (à esquerda ficamos mais visíveis a partir da rodovia, o que pode não ser muito bom). A trilha sobe suave até uma antena e uma estação meteorológica instaladas no topo de um morrote, onde passei às 11h48, e em seguida desce um pouco após cruzar uma cerca de arame liso à esquerda. Daí em diante a trilha aparece e desaparece diversas vezes, mas a orientação é acompanhar essa cerca, ora mais perto ora mais afastada, mantendo o sentido geral sul. A carta topográfica me diz que estou no alto da Serra do Palácio.

 

Às 12h30 cruzo o primeiro riacho, que abastece meus cantis. Mais 6 minutos me deparo com outra cerca (ou será a mesma?), não a cruzo e sim a acompanho para a esquerda (sudeste), o que me leva mais à frente a descer fundo a um vale sem água (onde cruzo a cerca para a direita) e subir novamente a encosta do outro lado sem trilha. Estou nas proximidades da Pedra do Elefante, paredão rochoso que se avista da rodovia. Às 13h novamente desço um fundo vale e subo de novo. O morrote de pedras seguinte me sugere passar para o lado esquerdo da cerca novamente pois o caminho é mais fácil. A chuva que me pegara poucos minutos antes fez uma pequena pausa mas voltou trazendo consigo a neblina, o que atrapalhou um pouco a visão dos grandes vales que se abriam à minha frente. Até aqui vinha caminhando exatamente sobre o limite do parque nacional, mas a partir desse ponto adentro a sua área e devo permanecer até a tarde do quarto dia de caminhada, no vale do Córrego Mutuca.

 

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Vale do Rio do Peixe (foto de maio/2014)

 

Às 13h25 cheguei a um mirante com larga visão do vale e das nascentes mais altas do Córrego Capão da Mata, e bem mais distante ao sul e sudeste os campos e serras que ainda iria percorrer. Mas ainda não é hora de descer ao Travessão, pelo contrário, é hora de subir até uma crista ainda mais alta que me levará o mais próximo possível e acima dele. Para isso tomo a direção nordeste a partir do mirante e subo apenas 6 minutos. Às 13h37 estava nessa crista, onde encontrei (mesmo sem trilha) um caminho fácil e desimpedido para sudeste (ao contrário da encosta oeste dessa crista, onde já me arrependi de ter me metido numa outra ocasião). A visão a partir dessa crista é espetacular, 360º, com os paredões dos cânions do Rio do Peixe e Capão da Mata cada vez mais próximos até que podemos avistar o primeiro correndo para leste (esquerda) e o segundo para oeste (direita), já com as águas vindas do Rio Bocaina. Para quem não sabe, o Travessão funciona como uma ponte ou selado ligando os dois lados desses cânions e ostenta a função de divisor de águas entre duas grandes bacias, sendo que o Rio do Peixe corre para leste e deságua no Rio Santo Antônio e depois no Rio Doce, encontrando o mar no Espírito Santo, enquanto o Córrego Capão da Mata segue para oeste, juntando-se ao Rio Bocaina e depois ao Mascate para formar o Rio Cipó, que deságua no Rio das Velhas e depois no Rio São Francisco.

 

Do alto da crista onde estou, aos 1407m de altitude, vejo esses dois grandes cânions e muitos campos, morros e serras para o sul, inclusive a continuação natural da crista, interrompida pelos profundos paredões. Aproveito para estudar (quando a neblina permite) a melhor forma de atingir a continuação da crista do outro lado, em terreno ainda desconhecido para mim.

 

Após um bom tempo de contemplação e estudo do caminho do dia seguinte, iniciei a descida às 15h40 pela encosta oeste, sem trilha mas sem dificuldade. Mirei numa trilha bem marcada visível lá do alto (a cerca de 900m), desci cruzando alguns pequenos córregos e segui na sua direção. Essa trilha vem de um local na MG-010 chamado Duas Pontes, junto à pousada de mesmo nome, e é conhecida há muitos anos. Cheguei a ela às 16h18, logo após cruzar uma cerca caída, e tomei-a à esquerda (sudeste), iniciando a descida direta ao Travessão. Os riachos que cruzei na descida da crista formaram um ribeirão que agora murmura à minha esquerda (e irá engrossar as águas do Córrego Capão da Mata). Atravesso-o mas logo o reencontro, e dessa vez não devo cruzá-lo. Em vez disso desço pelas lajes inclinadas típicas do Cipó até encontrar bem abaixo à esquerda a discreta continuação da trilha, que alcança em poucos minutos o Travessão. Assim, às 17h05 já apontava a câmera para os magníficos vales do Rio do Peixe e Córrego Capão da Mata em lados opostos do grande selado. A crista onde estivera hora e meia antes agora era uma alta parede acima da minha cabeça e na encosta oposta a chuva havia produzido um espetáculo de extensas cachoeiras.

 

Pelo horário hesitei entre dormir ali mesmo ou alcançar um local de acampamento mais acima, adiantando o percurso do dia seguinte, porém o estrondo de um trovão me fez decidir rapidamente por me estabelecer ali mesmo. Mal terminei de montar a barraca e veio o aguaceiro, com direito a muitos relâmpagos.

 

Altitude de 1057m.

Nesse dia caminhei 14,1km.

 

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Vista do Travessão para o Cânion do Rio do Peixe

 

2º DIA: DO TRAVESSÃO AO PICO DO CURRAL

 

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar152Dia

 

Depois da chuvarada de ontem, amanheci dentro de uma nuvem. Abri o zíper da barraca logo que amanheceu e não enxergava nada lá fora, justamente nesse dia em que a navegação visual seria fundamental. Isso me segurou algum tempo a mais ali, mas felizmente a neblina logo começou a dissipar.

 

Parti do acampamento às 8h43 seguindo a trilha bem marcada e logo comecei a subir a encosta sul acima do Travessão. Na primeira bifurcação tanto faz o lado que se escolha pois ambos se encontrarão mais acima, mas a trilha da esquerda passa por outro belo mirante. Após passar por mais um local de acampamento, o impulso será de cruzar o riacho seguinte e seguir a trilha para a esquerda, mas eu preferi subir à direita antes dele e reencontrar a trilha acima (a trilha da esquerda some no riacho seguinte). Mais um pequeno córrego e depois cruzo pelas lajes inclinadas o próprio Rio do Peixe (com uma cachoeira à direita) já que ele nasce nos campos altos ao sul do Travessão. A trilha segue por mais 270m e desaparece no capim, sem sinal de continuação. A partir daqui devo me orientar pela visualização feita no dia anterior a partir da crista acima do Travessão, quando estudei com atenção as terras ao sul e sudeste buscando a opção mais direta e menos problemática em termos de relevo, vegetação e até quantidade de blocos de pedra. Esses fatores tornariam a caminhada muito desgastante, mas já havia avistado lá de cima um segmento de campo que seria agora o meu objetivo.

 

A partir do sumiço da trilha poderia tomar várias direções para alcançar meu objetivo, inclusive buscar de imediato as cristas mais próximas à minha esquerda (leste), porém nessa subida poderia enfrentar terreno difícil e optei por caminhar pelo grande campo à minha frente e subir às nascentes do Rio do Peixe a leste. Havia nesse momento a necessidade de alcançar caminhos mais a leste para só depois tomar o rumo sul de vez pelas cristas mais altas do parque pois se eu tomasse o rumo sul de imediato caminharia pelos vales dos rios Bocaina e Gavião. Chegaria a Serra dos Alves também, porém não pelas maiores altitudes da serra.

 

Para alcançar o grande campo à minha frente e subir às nascentes do Rio do Peixe cruzei pelas lajes novamente o próprio rio e tomei a direção leste pelo capim baixo (e dourado) às 9h52. Logo cruzei uma vala um pouco funda com água, mais dois riachos e me dirigi a um morrote de pedras que subi e atravessei sem dificuldades. Além dele, mais campos. No riacho seguinte abasteci os cantis pois estava próximo das cristas e poderia haver menos água de acesso fácil. No córrego seguinte (uma das nascentes do Rio do Peixe) mudei a direção leste para nordeste para subir ao alto de uma crista à minha esquerda já que à frente um morro se interpunha. A subida durou apenas 7 minutos. No alto, às 10h49, tive larga visão dos arredores e, ainda melhor que isso, encontrei vestígios de trilha já que o local é frequentado pelo gado (embora seja área do parque nacional...). Dali avistei boa parte do trajeto do dia anterior, com a confirmação de que havia voltado à continuação das cristas percorridas após ultrapassar o profundo vale em que se encontra o Travessão.

 

Esse ponto (23K 656906 7860338) foi o local em que definitivamente mudei minha direção para sul e sudeste para a minha meta de atingir Serra dos Alves visitando os cumes da Serra do Cipó. Se continuasse na direção nordeste alcançaria uma crista ainda mais alta, porém o custo disso seria descer ao vale de um afluente do Rio do Peixe, cruzá-lo e subir tudo de novo e ainda mais, sem nenhuma trilha avistada.

 

A trilha que encontrei serviria muito bem ao meu propósito porém era uma trilha de vacas, não de tropeiros ou moradores, portanto não me fiaria nela por muito tempo. E foi o que aconteceu. Após dois riachos (afluentes do Rio do Peixe) ela desapareceu por algum tempo, ressurgiu, veio mais um riacho e finalmente no alto às 12h02 uma nova visão para o sul ampla, espetacular e totalmente desconhecida para mim (daquelas que a gente pensa: onde eu vim parar? para onde eu vou nessa imensidão? rsrs). Nem preciso dizer que a tal trilha sumiu aí. Hora da navegação visual de novo, felizmente com tempo ótimo e visão total. Altitude de 1459m.

 

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Serra do Lobo ao fundo

 

A carta me diz que o enorme vale à minha frente pertence ao Rio Bocaina e suas nascentes. Visualmente fica evidente que devo tomar a direção sudeste para alcançar as cristas à minha esquerda e retomar a direção sul sem descer ao vale. Naquela direção já avisto uma cadeia montanhosa com paredões e encostas íngremes de pedra que o Sérgio Beck chamou de montanha dos três penhascos.

 

O lugar é tão amplo e bonito que inspirou uma parada para contemplação e um lanchinho. Retomei a caminhada às 12h48 descendo ao riacho a sudeste, também um afluente do Rio Bocaina, o qual cruzei num salto para subir a encosta oposta e encontrar por sorte uma trilha na direção desejada (sudeste). Pouco tempo depois que essa trilha sumiu encontrei outra que ia diretamente para o sul e tomei-a, cruzando logo uma linha de árvores que servia de galeria para um córrego. Essa trilha fez um desvio para a direita para subir uma encosta de pedras, mas em seguida foi retomando a direção sul e me mantive nela, pegando a esquerda na primeira bifurcação. Estava caminhando por um divisor de águas tendo o Bocaina à minha direita. Ao passar por um gramado bom para acampamento às 13h34, a visão para a esquerda (leste) se abriu completamente e a beleza dessa travessia começou a ficar ainda mais evidente. Lindas montanhas e serras a perder de vista, com destaque para a incrível Serra do Lobo e seus cumes de formas variadas, e um enorme maciço em primeiro plano com uma agulha rochosa surpreendente. Tive sorte de pegar tempo bom nesse dia para admirar tanta beleza!

 

Continuando a caminhada pelas alturas (em que me pego sendo observado até pelo distante Pico da Lapinha!) tomo a esquerda na bifurcação para em seguida ver que nesse caso tanto faz, porém na bifurcação a seguir é melhor ir à direita (mesmo sendo menos marcada) e começar a descer suavemente a crista para alcançar mais facilmente a trilha batida que irá atravessar o campo seguinte na direção sudoeste e se aproximar da tal montanha dos penhascos.

 

Às 14h36 contorno um cinturão de mata pela direita e me surpreendo com o tamanho de alguns exemplares de canela-de-ema, os maiores que já vi, de quase 4 metros de altura. Espécimes raros que merecem ser preservados. A trilha desce bem marcada mas ao atingir o sopé da montanha desaparece em meio aos arbustos. Procurei um pouco abrindo o mato e a reencontrei subindo a encosta em forma de canaleta com galhos e plantas obstruindo o caminho. Ao sair desse enrosco o visual se abre novamente e cruzo uma tronqueira às 15h29. As várias trilhas erodidas que surgem denunciam que os campos a seguir já foram (ou continuam sendo) usados como pasto. O riacho seguinte, também formador do Rio Bocaina, serviu de pausa para lanche e preparação para a subida da importante montanha bem à minha frente, o ponto mais alto do parque nacional, com 1703m.

 

A partir do riacho a subida ao cume durou cerca de 40 minutos, sem trilha porém sem dificuldade. Cheguei às 17h08. Do alto se avistam lindos vales e montanhas que aos poucos vou identificando. Evidentes são a incrível e sedutora Serra do Lobo (a leste) e uma montanha de cume rochoso denominada Serra dos Alves, exatamente acima do povoado de mesmo nome, ou seja, meu destino final nessa travessia (ao sul-sudeste). Ao norte-noroeste vejo agora com alguma dificuldade a Serra do Breu, com o Pico da Lapinha e o Pico do Breu nas extremidades. Em todo o lado oeste tenho a área do parque, com as nascentes de dois importantes rios, o Bocaina (que corre para o norte) e o Mutuca (fluindo para o sul). As nascentes mais altas do Bocaina encontram-se justamente ao sopé dessa montanha. Também avisto pela primeira vez no horizonte uma grande montanha pontuda que o Sérgio Beck chamou de Pico Agudo, ao sul (depois descobri ser conhecida por outro nome).

 

O tempo bom que me acompanhara o dia todo mudou para chuva logo que cheguei ao cume. O céu escureceu e achei mais prudente procurar um abrigo por ali mesmo pois não sabia o que teria à frente. O cume é plano porém muito exposto e sem um local conveniente para a barraca. Na encosta leste há um platô com restos de um cercado de arame farpado que serve bem para um pernoite. Pela presença desse cercado é que o Beck batizou essa montanha de Pico do Curral.

 

Altitude de 1703m.

Nesse dia caminhei 12,3km.

 

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Serra do Bongue e Serra dos Linhares

 

3º DIA: DO PICO DO CURRAL À CASA DOS CURRAIS (OU QUASE)

 

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar153Dia

 

Nesse terceiro dia de travessia caminharia por cristas que dividem as bacias dos rios Bocaina e Mutuca a oeste e diversos rios, entre eles o Rio Tanque (que passa em Serra dos Alves), a leste, sendo esses divisores de águas os limites da área do parque (sempre à minha direita). Cheguei a tentar uma descida da serra para o lado leste seguindo uma trilha desenhada na carta topográfica mas me deparei com abismos e retornei.

 

Depois da chuva passageira do dia anterior, estava torcendo para um dia de céu limpo para avistar ainda mais e melhor a paisagem. Não foi tão ruim... amanheceu com neblina mas o vento logo levou embora.

 

Levantei acampamento às 8h27. Procurei na face sul do pico uma trilha e encontrei uma bem marcada que não poderia ser melhor pois percorreria toda a crista na direção sudeste, como eu desejava. Porém cautela ao seguir essa trilha pois ela logo desce a serra e desemboca numa estrada de terra em algum lugar ao norte da Cachoeira dos Borges, pelo que pude apurar. Não era isso o que eu queria. Planejava me manter nas trilhas do parque e alcançar Serra dos Alves com o mínimo de estrada possível.

 

Segui a tal trilha, que sumiu, reapareceu, atravessou lajes, virou um caminho de pedrinhas brancas e bem ao lado do primeiro morrão após o Pico de 1703m, às 9h20, avistei uma cerca no valezinho abaixo à direita. Meu caminho seria por aí, abandonando essa trilha bem marcada e mudando por algum tempo meu rumo para sudoeste. Mas quis fazer uma exploração rápida e continuei por ela por alguns minutos na direção sudeste. Após um pequeno vale à esquerda depois do morrão, foi-se abrindo um grande e fundo vale à direita que constatei ser das nascentes do Rio Tanque. À frente, distante, podia ver um caminho largo que deveria ser alguma estradinha abandonada descendo a serra.

 

Exploração feita, voltei ao sopé do morrão e desci sem trilha pelo capim baixo na direção da cerca (oeste) às 10h37. Passei por uma nascente que é uma das tantas que correm para o Rio Bocaina. Aliás esse curto trecho de desvio para sudoeste também é um divisor de águas, com as nascentes do Bocaina a noroeste e as do Rio Tanque a sudeste. Atravessei a cerca por baixo, subi o morrote seguinte e estudei o caminho pois um morro de pedra não muito amigável impedia meu caminho direto para o sul. Ao contorná-lo pela direita cheguei a encontrar uma trilha, mas ela seguia para oeste e a abandonei logo. Apontei para o sul e enfrentei trechos de capim alto para subir o morrote seguinte sem nenhuma trilha. Caminhei pela crista baixa até o seu final, onde subi num aglomerado de lajes às 11h45 para verificar que à frente (sul) ela despencava para um vale muito fundo (de outras nascentes do Rio Tanque). Voltei cerca de 300m e novamente tomei a direção sudoeste, descendo um pouco, para buscar a continuação natural da crista, só que mais baixa.

 

Retomei a direção sul e à minha direita (oeste) abriu-se o vale do Córrego Mutuca. À esquerda as nascentes do Rio Tanque. Encontrei uma trilha, mas quando ela sumiu subi a encosta do morro à esquerda para ter melhor visão. Ao final do morro novamente um vale fundo à frente, mas entrevi um ponto branco (um telhado?) um pouco distante à direita e fui na sua direção. Alcancei o tal ponto às 13h40 e era uma placa do parque nacional alertando para o acesso somente com autorização. Ali uma cerca e uma trilha bem marcada cruzavam o meu caminho no sentido leste-oeste. Eu tinha duas opções: pegar essa trilha para a direita (oeste), provavelmente chegar à casa dos currais e de lá retomar o rumo sul ou continuar na direção sul em que já vinha e seguir uma trilha desenhada na carta topográfica que poderia me levar mais diretamente a Serra dos Alves. Arrisquei a segunda alternativa e me dei mal pois a trilha me levou para o alto de paredões e desapareceu. A neblina e a chuva atrapalharam a visualização da baixada e de uma possível continuação da trilha. Resolvi subir tudo de volta e partir para a segunda opção. Depois descobri que estivera bem próximo do Cânion do Bongue, mas sem acesso a ele aparentemente. Voltei à placa do parque e às 17h16 tomei a trilha bem marcada para a esquerda (oeste) na esperança de chegar à casa dos currais e de lá ter caminhos marcados até os Alves.

 

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Jardim nos campos rupestres

 

Caminhei 300m junto à cerca até um foco de mata e quebrei para a esquerda por uma tronqueira aberta no fim da cerca. A trilha desceu no sentido sudoeste a um ribeirão (afluente do Córrego Mutuca) e pareceu sumir nele. Imaginei que fosse apenas uma trilha de gado que vai beber água e voltei até a mata. Contornei-a pela direita à procura de trilhas para oeste mas não encontrei nada. O avanço nessa direção parecia não ser fácil pois visualizava uma grande mata que se estendia de norte a sul. Com a proximidade da noite procurei um lugar para montar acampamento, e foi ali mesmo, num gramadinho ao lado da matinha que contornei. A chuva voltou tão logo entrei na barraca e choveu mais durante a madrugada.

 

Altitude de 1469m.

Nesse dia caminhei 6,6km (descontados 7km de caminho errado - ida e volta)

 

4º DIA: DA (QUASE) CASA DOS CURRAIS AO CÂNION BOCA DA SERRA

 

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar154Dia

 

Amanheceu com chuva e neblina tão forte que só conseguia ver as árvores mais próximas. A chuva deu uma trégua (embora a neblina continuasse) mas depois voltou forte, me segurando mais algum tempo na barraca. Quando ela passou, desmontei acampamento e saí às 11h com sol muito forte. Mas isso durou pouco e quando cheguei ao ribeirão voltou a chover... e choveu sem parar até as 14h!

 

Eu continuava sem acreditar na continuidade da trilha após o ribeirão e voltei ali só para ganhar o campo além dele no sentido sul e procurar uma forma de ultrapassar a extensa mata a oeste por campos abertos que podia ver ao longe. Mas a minha surpresa é que a trilha continuava sim, acompanhando o ribeirão pela sua margem esquerda! Cruzei uma antiquíssima porteira de vara, uma ponte rústica de troncos e entrei na mata às 11h32. Essa mata foi uma grande surpresa pois é um autêntico exemplar de mata atlântica em meio aos campos rupestres, exuberante, com direito a árvores de grande porte e muita umidade (ainda mais com aquela chuva...). Na bifurcação fui para a esquerda pois era mais batida, cruzei um riacho e ao final da mata notei um rio largo e de correnteza forte abaixo à direita: era o próprio Córrego Mutuca, engrossado por diversos pequenos afluentes e pela água que vinha do céu! Notei também uma cerca no alto à esquerda e num instante cheguei à casa dos currais (11h46). É uma casa de antigo morador da região que foi convertida em base para os brigadistas que atuam no parque. Não havia ninguém, estava trancada, mas pude ver por uma fresta a cozinha arrumada e com todos os utensílios. Observei os pés de fruta no quintal enquanto o Mutuca rugia logo abaixo.

 

Da casa partem diversas outras trilhas. Explorei primeiro a que sai do gramadão em frente e se dirige ao Mutuca. Essa vai para o norte e levaria de volta ao Travessão. Dos fundos da casa, junto à latrina de folhas de zinco, saem outras duas. Uma vai para oeste e parece morrer num riacho. A outra parte exatamente da latrina e acompanha a cerca que observei na chegada para o sul, e era essa que me interessava nesse dia.

 

Parti às 12h20 e subi suaves campinas pela trilha bem marcada até o alto para em seguida descer a um vale e subir novamente para ter visão de um outro vale que se estende à direita com um rio bastante cheio. Segundo a carta é um grande afluente da margem esquerda do Mutuca. E felizmente eu não precisei atravessá-lo. Já bastava o aquatrekking que eu estava fazendo pois a trilha virou literalmente um córrego. Numa parada para observação que fiz ouvi o barulho de algo chicoteando a água aos meus pés e era uma cobra marrom que procurava se livrar daquele aguaceiro todo.

 

Nesse percurso a partir da casa retomei o divisor de águas, com a grande bacia do Mutuca à direita (oeste) e diversos rios à esquerda (Queixada, Cocho, Córrego da Serra) que deságuam no Rio Tanque.

 

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Cânion Boca da Serra

 

Num instante em que a neblina abriu um pouco notei que estava caminhando exatamente na direção do tal Pico Agudo. Me disseram depois que seu nome mesmo é Pico da Dalina (por causa de uma moradora que se perdeu ali e não resistiu ao frio da noite). Subi uma pequena colina em direção aos típicos afloramentos rochosos inclinados do Cipó e no alto, com o tempo abrindo, dei de cara com o tal pico. Com a trégua da chuva parei às 13h55 para um descanso, um lanche e admirar a bela paisagem que ia se abrindo bem lentamente com a dissipação das nuvens. Para o norte já consigo visualizar grande parte do caminho percorrido, inclusive o maciço do Pico do Curral (a apenas 9km em linha reta, parecia tão distante) e a nordeste a Serra do Lobo e a Serra dos Linhares, cujo cume é recoberto por uma densa mata.

 

Saí desse ponto privilegiado de observação às 15h53 e desci até um riacho (afluente do Córrego da Serra), primeiras águas que cruzo (desde o Rio do Peixe) que correm para leste, todas as outras desaguam em rios do parque, a oeste. Logo antes desse riacho, que atravessei saltando as pedras, há uma porteira de arame (estava aberta) e logo depois uma outra placa do parque nacional restringindo o acesso. Essa placa está no limite entre a área do parque e a da APA Morro da Pedreira, ou seja, eu estava saindo definitivamente do parque. E também estava mudando a minha direção geral de sul para leste uma vez que Serra dos Alves já estava bem próxima.

 

Continuei pela trilha bem marcada e logo após um cercado à esquerda começa a descida da serra, na presença constante do Pico da Dalina. Nas bifurcações me mantive à esquerda, mas tanto faz. As últimas nuvens vão dissipando para revelar o pico rochoso da Serra dos Alves e logo abaixo a garganta do Cânion Boca da Serra escoltado por um sentinela rochoso. Uma casa de cor verde destoa na paisagem e fico curioso em saber se há algum morador nestas alturas. Mas ao alcançá-la, às 16h54, vejo que está abandonada e desabando. A partir dela aproveito para conhecer a parte mais alta do cânion e me surpreendo com seu tamanho e profundidade.

 

Peguei água num riacho que corria em direção a ele e passei a noite próximo à casa abandonada. Foi a primeira noite dessa travessia que não montei a barraca pressionado pela iminência da chuva. Mas choveu fraco logo depois. À noite pude avistar as luzes de três lugares, um deles com certeza Serra dos Alves, os outros não saberia dizer. Nessa noite finalmente consegui ver algumas estrelas do céu do Cipó.

 

Altitude de 1255m.

Nesse dia caminhei 8,9km.

 

5º DIA: DO CÂNION BOCA DA SERRA AO POVOADO DE SERRA DOS ALVES

 

As fotos estão em https://picasaweb.google.com/116531899108747189520/TravessiaAltoDoPalacioSerraDosAlvesSerraDoCipoMGMar155Dia

 

Choveu forte durante a noite e amanheceu chovendo. A neblina era forte de novo e permaneceu mesmo com o fim da chuva e da garoa que permaneceu por um bom tempo. Por causa disso só deixei o acampamento às 12h20. Retomei a trilha em direção a Serra dos Alves mas fiz várias paradas para mais fotos do enorme Cânion Boca da Serra. Às 12h58 passei por uma placa que informa que aquele local se chama Sítio Serra da Rita e é necessário condutor local e autorização prévia. Depois soube que toda essa área foi comprada pela Vale para compensação ambiental, o que invalida todas essas placas de antigos proprietários.

 

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Serra dos Alves

 

Numa descida mais íngreme notei uma trilha saindo para a direita e fui explorar. Era mais um acesso ao cânion, com uma descida que se tornou cada vez mais inclinada e não proporcionou um visual tão interessante quanto os mirantes anteriores. Voltei à bifurcação e continuei em frente (ramo da esquerda). Atravessei um riacho e às 13h41 cruzei uma cerca à esquerda entrando no terreno de uma grande casa aberta e vazia que soube depois ser a antiga Pousada da Luci. A partir dela uma estrada bem precária (ruim até para 4x4) vai descendo a serra. Uns 15 minutos depois passo pela placa do antigo Sítio Bandeirinha ao lado de uma cerca sem porteira. Só 90m abaixo entro à esquerda numa placa quebrada indicando a Cachoeira dos Cristais, à qual chego em 5 minutos. A chegada se dá pela parte alta dela e na outra margem parece haver uma trilha para a parte baixa, mas não fui investigar pois precisaria tirar as botas ou saltar pedras lisas bem junto à sua garganta. Apenas descansei um pouco à sombra e comi alguma coisa.

 

Às 14h43 estava de volta à estradinha precária e logo visualizo o povoado de Serra dos Alves vigiado pelo alto pico de mesmo nome. Para trás estão as serras do Bongue e Linhares. Às 15h14 mais uma placa de propriedade particular, condutor local, etc, junto a uma porteira aberta. Após um riacho curiosamente a estrada vira uma trilha e chego ao Rio Tanque, largo e fundo. Na procura por uma ponte caminho até o final da trilha e me deparo com a passagem do rio a vau, mas não quis arriscar pois não sabia a profundidade. Por sorte um rapaz a cavalo passava e me indicou a saída. Voltei 400m e num local onde o caminho se alarga bastante há uma ponte, porém com várias tábuas caídas e que causa um certo frio na barriga. Depois dela uma trilha de 40m desemboca numa estrada de terra, que tomei para a direita. Passei uma porteira com alavanca (isso eu não conhecia), subi à direita na bifurcação e no alto fui para a esquerda onde há uma placa dos atrativos turísticos do povoado. Segui para a direita na próxima bifurcação e no final da rua tomei a esquerda, chegando às 16h18 à singela e graciosa Capela de São José, de 1860.

 

Altitude de 861m.

Nesse dia caminhei 6km.

 

Total da travessia: 47,9km

 

Informações adicionais:

 

As empresas que fazem São Paulo-Belo Horizonte são a Cometa (http://www.viacaocometa.com.br) e a Gontijo (http://www.gontijo.com.br).

 

Para chegar ao Alto do Palácio deve-se pegar em Belo Horizonte:

1. qualquer ônibus da viação Serro (http://www.serro.com.br) que vá para ou passe em Conceição do Mato Dentro:

seg e qua: 6h, 8h, 9h, 13h, 15h, 17h

ter e qui: 6h, 8h, 9h, 11h, 13h, 15h, 17h

sex: 6h, 9h, 13h, 15h, 17h, 19h, 20h

sáb: 6h, 8h, 10h, 13h, 15h, 17h

dom: 6h, 8h, 9h, 13h, 15h, 17h, 19h, 21h

 

2. as linhas da empresa Saritur (http://www.saritur.com.br) que vão para Carmésia e Morro do Pilar (não servem as de Santana do Riacho):

seg a qui: 6h30, 14h

sex: 6h30, 14h, 18h45

sáb: 6h30, 14h, 16h45

dom: 6h30, 20h

 

Horários de ônibus de Serra dos Alves para:

. Itabira: qua e sex às 6h30

. Senhora do Carmo: qua e sex às 17h30

 

Em Serra dos Alves há hospedagem na Pousada Portal da Serra (31-9645-2750) e quartos para alugar nos fundos da casa do Geraldo e Dona Fatinha.

 

Cartas topográficas:

. Baldim: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SE-23-Z-C-III.jpg

. Conceição do Mato Dentro: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-23-Z-D-I.jpg

. Itabira: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SE-23-Z-D-IV.jpg

 

Rafael Santiago

março/2015

http://trekkingnamontanha.blogspot.com.br

 

Travessia%2520Alto%2520do%2520Pal%25C3%25A1cio-Serra%2520dos%2520Alves%2520no%2520GE_1.jpg

Percurso na imagem do Google Earth - parte 1

 

Travessia%2520Alto%2520do%2520Pal%25C3%25A1cio-Serra%2520dos%2520Alves%2520no%2520GE_2.jpg

Percurso na imagem do Google Earth - parte 2

 

Travessia%2520Alto%2520do%2520Pal%25C3%25A1cio-Serra%2520dos%2520Alves%2520no%2520GE_3.jpg

Percurso na imagem do Google Earth - parte 3

 

Travessia%2520Alto%2520do%2520Pal%25C3%25A1cio-Serra%2520dos%2520Alves%2520no%2520IBGE_1.jpg

Percurso na carta topográfica - parte 1

 

Travessia%2520Alto%2520do%2520Pal%25C3%25A1cio-Serra%2520dos%2520Alves%2520no%2520IBGE_2.jpg

Percurso na carta topográfica - parte 2

 

Travessia%2520Alto%2520do%2520Pal%25C3%25A1cio-Serra%2520dos%2520Alves%2520no%2520IBGE_3.jpg

Percurso na carta topográfica - parte 3

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