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Esse relato pretende esclarecer e responder dúvidas de futuros viajantes sobre a aventura que é viajar de carro pelos países do Conesul.

 

A viagem foi realizada entre 19/07/2013 e 05/08/2013, no auge do inverno, portanto.

 

A saída foi de Florianópolis (SC) e os destinos principais eram Mendoza (ARG), Santiago (CHL) e San Pedro de Atacama (CHL).

 

O veículo utilizado foi um Palio Weekend Adventure, ano 2005, bicombustível, na época com pouco mais de 100 mil km rodados.

 

Quem somos nós?

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DIEGO – engenheiro elétrico formado pela UFSC, trabalha como gerente do Hotel Varadero em Canasvieiras, Florianópolis.

LEANDRA – geógrafa formada pela UDESC, atualmente estudante de Direito na UFSC. Alterna trabalhos na área do direito e na área hoteleira.

ANTHONY (eu) – geógrafo formado pela UFSC, atualmente profissional autônomo e professor.

 

PREÂMBULO

 

“Viajar é experimentar na pele a sensação de liberdade nos dada pela natureza e que sutilmente nos tem sido usurpada pela vida moderna.”

 

A viagem que será relatada começou a ser pensada independentemente por vários amigos meus. Da minha parte eu lembro que comecei a me interessar por países como Argentina e Chile numa das seis temporadas de verão que trabalhei como recepcionista de hotel na praia de Canasvieiras, em Florianópolis. Em conversas com turistas ficava conhecendo um pouco de cada local desses países e a vontade de experimentar aquilo tudo começou a aparecer. Em 2011 fiz um esboço do que seria o roteiro de viagem. Nos dois anos seguintes o esboço ia sendo modificado até chegar a um modelo consensual encontrado com a ajuda dos meus amigos Diego e Leandra.

O Diego viveu alguns meses na Europa e já tinha uma boa bagagem de conhecimentos sobre viagens (de avião). A Leandra recentemente morou na Irlanda, por dois anos, e também já tinha um conhecimento invejável. Eu sempre viajei muito de carro mas apenas pelo sul do país – SC e RS.

Com os dois amigos sempre tive um excelente relacionamento. Inicialmente foi proposto oferecer mais uma e talvez duas vagas no carro para a viagem mas alguns fatores impediram a presença de mais pessoas. E ainda bem que foi assim! Superestimamos a capacidade do bagageiro do Palio Weekend Adventure e também o espaço interno do carro. Em resumo, para uma viagem longa, prevista para 18 dias, três pessoas nos pareceu ser o limite máximo para termos conforto e bom humor.

Os cálculos de combustível, alimentação, pernoite, entradas em lugares, além das compras, foram feitos e auxiliaram muito pois os valores acabaram não fugindo muito do esperado. Só fugiu do esperado o trato que receberíamos de argentinos e chilenos hehehe (mais explicações ao longo do texto). Cada um de nós ficou responsável pela parte que mais gostava e entendia: Leandra cuidou sempre dos hotéis onde ficaríamos, dos locais para fazer as refeições e dos bares e baladas onde poderíamos passar; Diego ficou responsável por algumas reservas em hotéis mas principalmente pelas negociações de câmbio ao longo da viagem (reais – peso uruguaio – peso argentino – peso chileno – peso boliviano); Eu fiquei responsável pelo roteiro em si já que, segundo eles, sou um GPS humano. Os três dirigiram ao longo dos 18 dias.

Por fim ficou acordado que sairíamos na madrugada do dia 19 de julho, às 3h, de Florianópolis. Seguiríamos pela BR 101 até o litoral norte gaúcho e de lá pegaríamos a BR 290 passando por Porto Alegre e indo até a fronteira com o Uruguai, em Santana do Livramento. Atravessaríamos rapidamente o Uruguai e entraríamos na Argentina por Colón e de lá passaríamos por Rosário, Río Cuarto e San Luis até finalmente chegar a Mendoza. Após alguns dias nesta última atravessaríamos a Cordilheira dos Andes e iríamos pousar em Santiago mais três dias. Tomaríamos o rumo norte passando por Coquimbo, La Serena, Copiapó, Antofagasta até chegar a San Pedro de Atacama. De lá voltaríamos para o sul do Brasil atravessando o norte da Argentina por San Salvador de Jujuy até Resistencia. Por fim, o último trecho seria entrar no Rio Grande do Sul por Uruguaiana ou São Borja e em 18 dias estaríamos de volta a Santa Catarina. Claro que a viagem não transcorreu dessa forma tão previsível...

 

1º DIA (19 de Julho de 2013, sexta-feira)

 

Na noite de quinta-feira saí de um jantar de confraternização numa das escolas onde leciono e fui direto para casa arrumar as minhas coisas. Fui dormir no hotel do Diego e combinamos acordar às 3h da manhã. Sono vagabundo, nem consegui dormir direito, já que a ansiedade me fazia sonhar com carneirinhos argentinos pulando cerquinhas feitas com doce de leite. Humm, bueno!... Enchemos o porta-malas do carro e já vimos que aquele tamanho todo ficaria pequeno perto da quantidade de mala que estávamos levando. Imagina como ficaria o porta-malas com a coisarada da Leandra lá dentro!? A dúvida foi respondida quando chegamos na casa dela. Faltava lugar mas muito mais por culpa dos rapazes do que por culpa dela (a Leandra foi moderada, nem levou tanta coisa – no começo).

 

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Partimos às 4h em direção a BR 101 e a nossa expectativa era de chegarmos ao fim daquele dia a Santana do Livramento, lá pelas 18h. No fim da madrugada percorremos o sul catarinense e o dia amanheceu no trecho entre Tubarão e Araranguá. Foi neste primeiro trecho que encontramos o nosso primeiro problema: o GPS montado pelo Diego não estava funcionando. Pelo menos não da maneira que queríamos. Porém não foi motivo que nos tirasse o bom humor. Fomos contando piada e conversando bastante. Não almoçamos pois Leandra e Diego haviam preparado uns lanches em casa. No trajeto de Porto Alegre à Campanha Gaúcha um frio razoável mas que era amenizado pelo sol. Também tinha muita, muita plantação de soja, além de silos e mais silos de arroz. A soja é embarcada pelo porto de Rio Grande para exportação enquanto que a maior parte do arroz fica aqui pelo Brasil mesmo.

Pouco depois das 16h paramos em São Gabriel para comprarmos água (eu sugeri uma garrafa de 1l e quase fui surrado – eles acharam melhor comprar um galão de 5l). Logo depois passamos por Rosário do Sul - “Téra de cavalo bravo” como disse o Diego. E por volta das 18h chegamos a Santana do Livramento. Marcamos um local onde nos encontraríamos com Pablo, um motorista que por muitas temporadas trazia turistas para o hotel onde eu trabalhei com o Diego. Pablo mora lá e nos apresentou a cidade além de ter nos levado aos melhores free shop de Rivera, cidade vizinha a Livramento, já do lado uruguaio. A Leandra já se lançou no direito de fazer muitas compras e ocupar o espaço no porta-malas que era dela de direito. Uma baita mochila de trilha que nos dias seguintes de viagem nos foi de muita serventia. Após uma breve pausa pretendíamos sair de Livramento e seguir até fronteira do Uruguai com a Argentina. Pretendíamos...

Não vou me alongar neste detalhe porque aqui vai o primeiro conselho: o seu roteiro nunca sairá do jeito exato que você planejar. Inclusive se o meio de transporte for o seu carro. Ao tentarmos deixar a cidade de Livramento o câmbio não engatava a 5ª marcha e a ré. Já havia anoitecido e na rua um frio de 5ºC. Ligamos para o Pablo e ele de imediato conseguiu nos levar a um mecânico que descobriu a origem do problema: uma porca, lembro que relacionada ao trambulador, havia caído exatamente na caixa de câmbio, trancando a passagem das duas marchas que tinham apresentado problema. Após resolver o problema o mecânico foi gente-fina e nos cobrou R$ 50 apenas.

Nos 18 dias previstos para a viagem e nas mais de 30 cidades em que entraríamos, em apenas uma conhecíamos alguém. E foi justamente nessa cidade que o carro resolveu apresentar um problema – sorte! Pablo nos levou até a saída da cidade e nos aconselhou a irmos até Quaraí, ainda em território brasileiro, para que entrássemos no Uruguai pela cidade de Artigas, onde a estrada que leva para a fronteira com a argentina está em melhores condições do que aquela no trecho entre Livramento e Tacuarembó.

Já passava das 20h e entre Livramento e Quaraí passamos, sem saber, pela área mais crítica de arenização da Campanha Gaúcha. Áreas que se assemelham a pequenos desertos e que tiveram origem no desmatamento para o cultivo de grãos. O solo, quando a soja ainda está em tamanho incipiente, fica extremamente vulnerável a erosão causada pela chuva, já que a vegetação que antes amortecia o impacto das gotas d’água não está mais ali.

Chegando em Quaraí abastecemos o tanque por R$ 3,08 o litro já que o Pablo havia nos informado que no Uruguai o combustível não sairia por menos de R$ 3,10. Buscamos por um hotel simples em Quaraí e encontramos o Hotel União 24h, apelidado carinhosamente por nós de Grand Hotel Quaraí. O quarto, meio improvisado, tinha uma porta voltada para a rua e a cabeceira da cama ficava justamente na fresta desta porta. Qualquer caminhão que passava pela rua parecia estar se dirigindo para dentro dos meus ouvidos. Todos de banho tomado, ninguém roncou durante a noite. Tudo perfeito!

 

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2º DIA (20 de Julho de 2013, sábado)

 

Logo cedo, às 7h, fomos em direção a aduana uruguaia. Não há necessidade de se apresentar a aduana brasileira para dizer “até logo!”. Em menos de cinco minutos estávamos legalmente dentro do Uruguai. Em questão de metros dentro da cidade de Artigas os carros se modificaram rapidamente: placas pretas, veículos mais velhos; a cidade também: letreiros em espanhol, ruas planejadas, quase ninguém na rua, outra realidade.

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Mais uns minutos e entramos na Ruta Nacional 4 (RN 4) que nos levou até Salto. Neste trecho entramos na campanha uruguaia e na área dos pampas. Vegetação rasteira, herbácea, com muitas ovelhas e bovinos. Umas poucas casas distantes vários quilômetros entre si deram ao lugar um clima triste e sombrio. A temperatura próxima de zero dava a sua parcela de contribuição. Num trecho de aproximadamente 150 km por uma estrada com condições razoáveis de trafegabilidade avistamos não mais que cinco carros. Na estrada cruzamos com o Pepe Mujica montado numa moto, com o Nando Parrado num Fiat 128 e com o Eduardo Galeano numa pick-up dos anos 1970. Brincadeiras a parte, como o Uruguai é um país pouco populoso (3,4 milhões de habitantes) acreditamos que a possibilidade de se encontrar algum famoso uruguaio lá na estrada era grande.

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Mais na frente tomamos à direita pelo cruzamento com outra rodovia e seguimos pela Ruta Nacional 3 (RN 3) até Paysandú. Esta estrada uruguaia estava muito bem sinalizada e com excelente asfalto. Já próximo a Salto uma desagradável surpresa – uma praça de pedágio. Para nossa sorte aceitaram o pagamento em reais e não em peso uruguaio, como era de se esperar. Um valor baixo, equivalente a uns R$ 5,00. Por volta do meio-dia chegamos a Paysandú e não foi necessário entrar na cidade visto que a ponte fronteiriça fica antes da área urbana. O trâmite para entrar na Argentina levou um pouco mais de tempo, 15 minutos. Na mesma cabine estavam o oficial uruguaio, para quem declaramos a saída do país, e logo ao lado o oficial argentino, para quem declaramos a entrada. Ele se engraçou e ficou perguntando para a Leandra o que as brasileiras acham dos argentinos. Ela não foi muito sutil e afirmou que as brasileiras preferem gente mais quente! Situação embaraçosa, ele ficou sem jeito enquanto Diego e eu ríamos.

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Atravessamos a ponte e fincamos os pés na província de Entre Rios. Logo adiante estava a cidade de Colón, onde passeamos um pouco, procuramos resolver o problema do GPS e almoçamos. Um almoço diferente, nada de arroz com feijão! Batatas cozidas mais uns pedaços de frango assado. Para tomar uma 7Up, que no Brasil não é mais vendida. Caminhamos um pouco e por volta das 16h seguimos caminho.

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A partir daqui ficou combinado que eu ia dirigir sozinho até Rosário, já na província de Santa Fé. Tudo isso porque estávamos muito cautelosos. Em todos os relatos de viagem de carro para a Argentina que lemos apareciam histórias sobre as propinas impostas pelos carabineiros federais. Pelos relatos eles poderiam implicar com qualquer coisa, desde um item médico ausente na caixinha de primeiros socorros até a posição que o motorista dirige no assento. Por via das dúvidas como o carro está no meu nome fiquei na direção.

Andamos poucos quilômetros pela RN 14 mas foi talvez a melhor rodovia que pegamos em toda a viagem. Aliás, uma ressalva: as rodovias argentinas são impecáveis de modo geral. Muitas delas com pedágios, é verdade, mas com pistas duplicadas e com boa sinalização.

Na entrada para a cidade de Concepción del Uruguay tomamos à direita para a Ruta Provincial 39 (equivalente a uma rodovia estadual aqui no Brasil). Foram longos quilômetros por uma estrada monótona, praticamente sem morros ou acidentes de relevo. Enxergávamos apenas plantações de soja e trigo (inclusive o trigo que consumimos no Brasil é quase todo importado da Argentina). Essa paisagem nos acompanhou por mais de três horas. Com o GPS sem funcionar tive que ficar muito atento às conversões para as outras rodovias que precisávamos pegar já que a estrada para Rosário não era a mesma. Acertei em Nogoyá mas precisei pedir informação na cidade de Victoria pois não havia encontrado indicação rodoviária para a cidade de Rosário. No posto fizemos um rápido lanche enquanto no lado de fora os argentinos aumentavam o volume do som até a última para ouvir aquele “tchá tchá tchá... tchá tchá tchá”.

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Sobre os postos de combustível algumas informações relevantes: os postos brasileiros são os que têm os banheiros menos sujos. A nossa gasolina na Argentina é chamada de Nafta e pode ser de três tipos – da menor octanagem a maior octanagem – Nafta Normal, Nafta Super e Nafta Premium, esta última chamada popularmente de Fangio. Por saber que a gasolina brasileira tem elevada proporção de mistura com o etanol e por leituras feitas sobre o assunto sempre abastecemos com a Nafta Super. O valor do combustível na Argentina foi o mais baixo da viagem, ficando, em valores convertidos para a nossa moeda, na média dos R$ 2,40.

Saímos de Victoria e tomamos a direção para Rosário, terceira maior cidade da Argentina, atrás somente de Buenos Aires e Córdoba. A ligação rodoviária entre Victoria e Rosário é recente e atravessa uma grande área alagadiça que ocorre devido ao relevo baixo e plano do local e também por conta da cheia do rio Paraná – aquele mesmo que passa por Foz do Iguaçu. Já eram quase 19h e por causa da posição longitudinal da Argentina o sol acaba se pondo mais tarde lá do que em qualquer ponto do Brasil que esteja a leste do Mato Grosso ou Pará. Isso porque a Argentina adota o mesmo fuso horário oficial brasileiro e acaba fazendo com que no inverno as tardes se estendam até às 19h. No entanto o dia amanhece mais tarde, especialmente no inverno, quando o sol surge somente perto das 8h. Os ingredientes estavam prontos e percebemos que a paisagem monótona nos havia reservado uma surpresa muito interessante. Um pôr do sol muito bonito, deixando o céu com um tom laranja-avermelhado por quase 30 minutos.

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Passamos rapidamente por Rosário e entramos na RN 9, um corredor rodoviário de asfalto impecável e que faz a ligação entre Buenos Aires e Córdoba. Foi nessa estrada que encontramos placas com limite de velocidade indicando 130 km/h. Em poucas horas estávamos na província de Córdoba e entramos na cidade de Villa Maria. Abastecemos num posto Petrobrás e pedimos algumas informações ao frentista que ficou surpreso com a nossa viagem. Já eram 21h e a cidade tinha uma vida noturna incrivelmente agitada. Porém decidimos esticar a viagem até uma cidade maior, Río Cuarto. Para isso pegamos a RP 158 que acompanha os trilhos da rede ferroviária argentina. Por sinal a Argentina carrega boa parte da sua produção sobre trilhos e placas na rodovia indicando cruzamentos ferroviários não foram incomuns.

Río Cuarto mostrou-se bem mais interessante do que o esperado e a cidade estava cheia, com uma vida noturna também muito agitada. A temperatura estava baixa, próxima a 0ºC e com um vento cortante. Levamos uma hora para encontrar um hotel bom e com preço razoável chamado Crillon Hotel.

 

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3º DIA (21 de Julho de 2013, domingo)

 

O dia amanheceu com temperatura de -4ºC e o vento forte dava um ar meio sombrio para as ruas de Río Cuarto. Pela internet fiquei sabendo que a onda de frio estava deixando o sul do Brasil congelado e lá no centro da Argentina o pulso de ar polar não ficava por menos. Tomamos o café da manhã e em seguida fomos ao Carrefour fazer umas compras rápidas. Abastecemos num posto de combustíveis YPF, aquele que era espanhol e recentemente foi “estatizado” pelo governo da Sra. Kirchner. Saímos da área urbana e tomamos a RN 8 que nos levaria até Mendoza.

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Após alguns quilômetros, no trecho entre a pequena cidade de Sampacho até a cidade de Villa Mercedes, flocos de neve caíram insistentemente, porém com pouca acumulação no chão. A paisagem estava rica e mesmo para nós, que vivemos em Santa Catarina, onde neva com certa frequência no inverno, aquilo tudo era muito diferente!

Em Villa Mercedes, já na província de San Luis, abastecemos e rumamos para Mendoza. Por muitos quilômetros a paisagem permaneceu monótona, plana e com vegetação típica de locais áridos. Nessa parte da Argentina chove pouco e o clima permanece seco na maior parte do ano, sendo a chuva menos intensa do que no Sertão Nordestino brasileiro. Aos poucos algumas montanhas eram avistadas no nosso horizonte leste e norte, modificando a paisagem monótona e nos preparando para a vista dos Andes que teríamos horas depois. Paramos em San Luis para conhecer a famosa estação de trem da cidade. Um local turístico um pouco largado pelo poder público mas que mesmo assim nos deu boas fotos.

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Na volta à estrada encontramos mais longas retas e rodovia sempre duplicada (desde Villa Mercedes). Aos poucos o horizonte plano foi ganhando formas suaves à distância mas que com o avançar do carro foram se tornando pontiagudas e brancas. Na altura da cidade de Santa Rosa, já na província de Mendoza, a Cordilheira dos Andes despontava timidamente no cenário. Da cidade de San Martín em diante a cordilheira já estava muito nítida, toda branca e com alguns picos se destacando, como o Vulcão Tupungato. O famoso Monte Aconcágua só é possível de ser avistado dentro da cordilheira. A vista foi uma surpresa positiva.

Na chegada a Mendoza o que surpreendeu negativamente foi o lixo que se acumulava na beira da RN 8 e que por uns 10 km foi presença constante. Não sabemos se havia alguma greve por parte da companhia de limpeza da cidade mas o fato é que naqueles subúrbios de entrada a situação estava muito feia. Aproximando-se da cidade o aspecto foi melhorando. O trânsito não estava tão caótico já que estávamos nas 18h de um domingo. Fomos direto ao Hotel Aragon que o Diego havia reservado. Descarregamos o carro e combinamos de permanecer na cidade por três noites. Saímos para caminhar, fazer um lanche e conhecer a noite mendocina.

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4º DIA (22 de Julho de 2013, segunda-feira)

 

O amanhecer em Mendoza foi tão frio quanto o de Río Cuarto. Às 8h da manhã o sol ainda não havia aparecido. O dia ficou reservado para conhecermos os pontos turísticos da cidade. A Leandra buscava contatos pelo site Couchsurfing, onde poderia encontrar pessoas da cidade e viajantes de outras partes do mundo. Diego e eu preferimos sair cedo e dar uma volta na cidade. Encontramos uma parte da cidade ainda com resquícios da neve que havia caído por lá no domingo de manhã, algumas horas antes de chegarmos.

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Também vimos algumas relíquias nas ruas – automóveis muito antigos. Em seguida pegamos o carro e fomos até Maipu, cidade vizinha a Mendoza e onde se encontram as mais conhecidas vinícolas daquele país. Foi um pouco difícil encontrar os caminhos para chegar até lá mas com um mapa na mão pego no centro de informações turísticas tudo ficou mais fácil. Conhecemos a história do vinho na província de Mendoza e toda a riqueza gerada pela atividade para a região. Recomendamos a visita as bodegas Historias & Sabores, Estancia Mendoza e ao Museu do Vinho da Antigua Bodega Giol. A guia desse último local foi muito prestativa mesmo após a Leandra ter quebrado um pedaço da escadaria do museu.

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A noite combinamos uma ida ao bar para tomar uns tragos. Enquanto nos arrumávamos no quarto fui buscar uma caixa de leite e outras comidas que havíamos deixado na geladeira da cozinha do hotel. Sei lá por qual motivo me servi de leite e deixei a caixa de leite dentro de uma sacola em cima da cama. Claro, não foi em cima da minha cama e sim sobre a cama da pessoa mais brava que eu conheço – a Leandra. Ela inventou de sentar na cama e o movimento do colchão fez com que a caixa de leite se inclinasse, derramando leite pouco a pouco sobre o colchão. De repente ela sentiu a cama molhada e ficou irada quando viu aquele leite vazando na cama dela. Eu tentei escapar mas ficou óbvio que a culpa era minha. Por sorte havia uma quarta cama no quarto e assim ninguém ia precisar dormir cheirando coalhada.

 

5º DIA (23 de Julho de 2013, terça-feira)

 

Pela manhã acompanhamos o frio extremo que fazia no centro-sul do Brasil. Enquanto tomávamos suco de laranja com croissant, especialidade argentina, assistíamos a visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro. A nossa grande dificuldade começava a ser encontrar comerciantes que aceitassem dólares. Os nossos planos contavam que os argentinos fossem aceitar a moeda norte-americana mas não foi bem assim que aconteceu. Foi preciso trocarmos dólar por peso argentino. No fim da manhã fomos até a prefeitura, mais especificamente ao terraço. De lá se tem a melhor visão dos Andes e de toda a cidade. A tarde ficou reservada para cada um fazer o que quisesse e isso era importante para não enjoarmos um da cara do outro hahaha.

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No fim da tarde fui com o Diego até um posto de combustíveis onde lavamos o carro (na verdade o Diego lavou, eu fiquei olhando com as mãos nos bolsos!). Fomos a uma loja de acessórios automotivos e compramos as famosas correntes de pneus, chamadas por eles de cardenas para pneumáticos. Desde o momento em que chegamos a Mendoza eu vinha acompanhando a situação da rodovia que ligava a cidade de Mendoza à fronteira com o Chile. A nevasca do final de semana poderia exigir que levássemos as correntes e que inclusive precisássemos utilizá-las. O vendedor obviamente fez piada com o nosso sotaque – principalmente com o meu já que o Diego tem um espanhol bem aperfeiçoado.

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6º DIA (24 de Julho de 2013, quarta-feira)

 

Acordamos por volta das 8h e às 10h já estávamos prontos para enfrentar a Cordilheira dos Andes. O site da Gendarmeria Argentina indicava que o Paso Cristo Redentor estava aberto mesmo com o volume de neve que ainda persistia ao lado da pista. Poucos minutos após a saída de Mendoza já avistamos o Cordón del Plata, uma formação rochosa que se destaca entre os picos nevados andinos. Mais para frente paramos no Embalse Potrerillos, uma represa que fornece energia para a província de Mendoza. Também passamos por pequenos vilarejos até entrarmos, literalmente, nos Andes. O clima não estava tão frio e isso permitiu que saíssemos do carro para bater fotos e olhar melhor o lugar. Apenas após a localidade de Punta de Vacas é que a neve mostrou-se presente na beira da estrada.

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Paramos no monumento Puente del Inca e mais a frente entramos no Parque Provincial Cerro Aconcágua. Por causa da neve, que aqui já estava com maior acumulação, só podíamos avistar o Aconcágua – a maior montanha das Américas – se caminhássemos por cerca de meia hora. Encaramos sem pestanejar porque era um dos pontos altos da viagem poder olhar uma montanha tão alta e monumental.

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Na saída tomamos a direção para a fronteira e minutos depois fomos abordados pelos carabineiros argentinos. Gelamos! Mas foi uma revista normal: pediram educadamente que saíssemos do carro enquanto os labradores farejariam o interior do veículo. Nenhuma anormalidade, fomos liberados em cinco minutos. Posso adiantar que em nenhum momento o Seguro Carta Verde foi solicitado na viagem, nem no Uruguai, nem na Argentina e nem no Chile. Pagamos uns R$ 250 para viajarmos sossegados, só isso.

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A partir daqui a narrativa da viagem vai ganhar um olhar mais crítico e amargo da minha parte. A Argentina e os argentinos (ou seja, aspectos naturais e humanos) haviam nos surpreendido positivamente. O que esperar então do Chile e dos chilenos? As expectativas eram as melhores possíveis pois sempre lemos nos relatos que é um povo mais cordial, educado e com níveis de segurança elevados para a América Latina. Só nunca havia lido algo sobre “desconfiança excessiva contra brasileiros”. Fomos os primeiros...

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A fila para entrar no Chile era enorme. Assim que estacionamos o carro para começar o trâmite foi solicitado que toda a bagagem fosse retirada. Enquanto íamos atrás de alguns carimbos a inspetora começou a fazer diversas perguntas para nós três. E perguntas relativas ao tempo que nos conhecíamos, onde morávamos, por que estávamos viajando, por que no Chile, onde ficaríamos hospedados, de quem era o carro, se trabalhávamos ou estudávamos, se a calcinha da Dilma também é vermelha, a cor do cavalo branco de Napoleão e afins. Simultaneamente os cães farejavam o carro por dentro e por fora e, pela atitude dos policiais, percebemos de cara que os caninos haviam encontrado algo.

A inspetora afastou-me dos dois e me levou até um outro policial, aparentemente superior a ela na hierarquia. Fez as mesmas perguntas até que, quando cansado de tantas respostas que ele não queria ouvir, decidiu apelar: Pediu para que eu fosse franco pois só assim ele me ajudaria. Enquanto eu pensava no que ele estava querendo com isso ele emendou perguntando quantos quilos de droga estávamos levando e que tipo de droga era – “marijuana, coca, ecstasy, o que és?” Com as minhas negativas e sempre me mantendo sério, ele pediu que revistassem o tanque de combustível e que mais uma vez enfiassem os cães dentro do carro. Numa dessas cheiradas um deles inclusive urinou no banco traseiro.

Após três horas de interrogatório fomos comunicados que estávamos liberados. Nada foi encontrado! A noite já caía e perdemos a oportunidade de descer a Cordilheira dos Andes sob a luz do dia para ver a famosa sequencia de curvas Los Caracoles. Enfim, paciência. Os ouvidos de todos aqueles oficiais e policiais deviam estar explodindo. Confesso que a primeira impressão do Chile foi péssima!

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Depois de quase 40 km de muita descida chegamos na cidade de Los Andes, isso por volta das 20h do horário local (o Chile está atrasado a Argentina em uma hora). Entramos num supermercado para fazer algumas compras e mais uma vez enxergamos má vontade na hora de pedir informações, na hora de passar as compras no caixa e na hora de sairmos do estabelecimento. Não fosse a agilidade do Diego e da Leandra os dois teriam sido atropelados pela faxineira que, sem dúvida, jogou o rodo nos pés deles. A primeira impressão do Chile foi péssima, a segunda foi terrível!

Chegamos a Santiago às 22h e fomos procurar o hotel que o Diego havia reservado. Bem localizado, o hotel era na verdade um condomínio residencial onde a proprietária aluga alguns quartos para turistas. Diego e eu subimos enquanto a Leandra ficou no carro dormindo. Entrando no quarto vimos que ele estava totalmente desarrumado e sem as roupas de cama. Descemos e fomos reclamar com o porteiro e, que na verdade, nem era o responsável pelo quarto. Fui chamar a Leandra e vi o carro cercado por alguns mendigos. Eu já estava irritado com tudo aquilo e ver isso me deixou ainda mais nervoso. Liguei o alarme e cheguei no carro para ver como estava a Leandra. No resumo da noite a proprietária dos quartos conseguiu um outro quarto para nós em outro prédio distante dali duas quadras (nas palavras dela) – quatro quadras (na contagem dos meus passos).

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7º DIA (25 de Julho de 2013, quinta-feira)

 

Acordamos no melhor quarto que tivemos durante toda a viagem. Tinha até sala, era um apart hotel. Previamente passaríamos quatro dias em Santiago mas decidimos ficar somente mais uma noite. Fomos passear pela cidade e conhecer os pontos turísticos. A cidade é bonita, bem arrumada. O Palácio de La Moneda estava em reformas e por isso não foi possível visualizá-lo. Conhecemos o Parque Metropolitano e de lá, enquanto a névoa e a poluição permitiram, avistamos a Cordilheira dos Andes. “Um visual fantástico!” pensei eu, “mas que esse povo não merece!” concluí.

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Com os ânimos mais controlados fomos almoçar. Um lugar bacana, onde o cliente almoça sobre um gramado numa praça bem arrumada. Não me perguntem o nome do prato que peguei porque eu sinceramente não lembro. Não há nada no cardápio brasileiro tradicional que esteja próximo daquela refeição. Os supermercados não vendem bebidas alcóolicas, apenas alguns que têm uma espécie de aval ou licença.

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Tiramos a tarde para fazer compras e a noite fui de táxi com a Leandra na zona boêmia da cidade tomar uns tragos e me certificar de que os chilenos não poderiam ser assim tão ríspidos e detestáveis. O Diego ficou no quarto trabalhando, fazendo reservas do hotel em Florianópolis. Leandra e eu provamos o famoso terremoto, uma bebida amarga que mistura fernet com sorvete de abacaxi. Voltamos meio trôpegos e o taxista foi gentil e desligou o taxímetro até que nós encontrássemos a rua do nosso hotel – que papelão!

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8º DIA (26 de Julho de 2013, sexta-feira)

 

Em todas as noites em Santiago o carro havia ficado num estacionamento caríssimo quase de frente ao hotel. A propósito tudo era caro em Santiago! A gasolina lá também é dividida em três tipos (Gasolina 93, Gasolina 95 e Gasolina 97). O preço médio do litro que encontramos em Santiago beirava os R$ 3,80 e isso fez toda a diferença na hora que subestimamos os valores que gastaríamos na viagem. Outro detalhe que deve constar obrigatoriamente em qualquer planilha de viagem para Argentina e Chile é o valor do pedágio. Na Argentina os pedágios saíam em média por R$ 8,00 e no Chile sempre acima dos R$ 15,00.

Após almoçar no mercado público de Santiago e provar o exótico cachorro-quente com abacate, partimos em direção ao norte do Chile.

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As rodovias impecáveis, asfalto em perfeito estado mas com aquele inconveniente dos pedágios absurdamente caros. Rodamos algumas horas e no fim da tarde avistamos, pela primeira vez, ao longo da Ruta Nacional 5, o Oceano Pacífico. Foi um momento bacana! No litoral brasileiro estamos acostumados a ver o nascer do sol na praia. Entretanto, no litoral chileno, a praia acaba sendo contemplada com o pôr do sol na linha do horizonte. Avistei uma placa indicando “Playa Chigualoco” e pedi para o Diego entrar lá. Ficamos fazendo hora na praia, curtindo aquele cenário tão bonito na presença de dois vira-latas que nos fizeram companhia o tempo inteiro. O céu ficou avermelhado e de repente escureceu.

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Seguimos viagem e tínhamos como meta só parar quando tivéssemos sono. Revezávamos a direção eu e o Diego. A Leandra também dirigia mas com menor frequência. A função do carona era ir conversando para impedir que o motorista dormisse. O banco de trás estava parcialmente ocupado com algumas mochilas e bugigangas e, com uma dose cavalar de boa vontade, era possível tirar um cochilo ali. Infelizmente eu não consigo dormir torcido e apenas no final da viagem consegui pegar no sono lá atrás. Já a Leandra e o Diego até roncavam...

Após uma pequena subida o Diego contornou uma curva à direita e de repente várias luzes indicavam uma grande cidade mais a frente: uma não, na verdade duas cidades – Coquimbo e La Serena. Entramos em La Serena e buscamos um hotel para passarmos a noite. Precisávamos abastecer o tanque do carro e procuramos um posto de combustíveis mas quase todos eram self-service. A Leandra e o Diego desceram do carro e abasteceram pra gente. Lembraríamos disso na tarde seguinte...

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Caminhamos na cidade e fomos a um bar, naturalmente. Pedimos uma porção para três pessoas sugerida pelo garçom. Curioso foi que a porção para três pessoas na real sequer alimentou dois de nós direito. Só a cerveja estava dentro dos padrões aceitáveis. Estávamos nos adaptando ao modo chileno de atender brasileiros. Também te amo, Chile.

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9º DIA (27 de Julho de 2013, sábado)

 

Acordamos cedo e fomos conhecer a cidade de La Serena. Fundada em 1544, é considerada a segunda cidade mais antiga do país. Bem arrumada, com um calçadão muito bonito e uma padronização das fachadas comerciais de invejar a maioria das cidades que conheço.

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Conhecemos o farol da cidade onde encontramos placas alertando para a possibilidade de ocorrência de tsunamis. Bem diferente! Ainda de manhã nos dirigimos para Coquimbo onde fomos visitar o ponto de referência da região – A Cruz do Terceiro Milênio. É um monumento com 90 metros de altura em formato de cruz e que se ergue sobre um morro. Lá no alto um mirante permite a visão de toda a região com o Pacífico ao lado.

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Na hora do almoço procuramos alguns restaurantes próximos ao monumento mas não encontramos. Descemos o morro em direção a zona portuária e lá achamos uma região mais movimentada. No primeiro restaurante que entramos esperamos por dois ou três minutos e ninguém veio nos atender. Saímos e fomos procurar outro restaurante que fosse menos “chileno” no trato com os clientes. E encontramos! Coloquem na cozinha um ex-marinheiro que sabe tudo de peixes e carnes. Acrescente a ele muita simpatia e boa disposição. Encontramos o local ideal para comer bem e barato. O nome do restaurante é La Isla e fica próximo a rua Aníbal Pinto, na zona portuária de Coquimbo.

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Voltamos para a estrada. A nossa meta era chegar o mais próximo possível de Antofagasta nem que para isso fosse necessário dirigir 20 horas seguidas. Em questão de horas o cenário semi-árido de La Serena e Coquimbo deu lugar ao estéril Deserto do Atacama. Após a cidade de Los Hornos a RN 5 se afasta da costa e o clima fica extremamente quente, mesmo no inverno. A baixa umidade também permite que no anoitecer a temperatura caia bruscamente, oscilando até 30ºC num mesmo dia.

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Em Vallenar decidimos abastecer pois havíamos encontrado um bom preço pelo litro da gasolina. O Diego abriu o tanque e qual não foi a surpresa nossa quando o frentista nos disse que o tanque de combustível estava sem a tampa! Havíamos rodado um longo trecho sem a tampa de combustível, apenas com o dispositivo abre-e-fecha acionado pelo motorista. Custamos a lembrar o que poderia ter acontecido. Foi quando um de nós tirou a máquina digital e olhando na memória verificou aquelas duas fotos mostradas ali em cima, no auto-atendimento do posto Shell de La Serena. Olhando a sequência de fotos onde os dois estavam abastecendo o tanque, descobrimos que a tampa ficou de férias em La Serena! Ajeitamos um pano no bocal do tanque e seguimos assim mesmo.

De Copiapó em diante já havia anoitecido e a estrada estava com alguns trechos em reforma. Não mais cogitávamos ir até Antofagasta. Foi quando paramos em Chañaral, cidade litorânea, para descansar. O motor do Palio estava com um ruído muito estranho, como se fosse o ruído característico de um motor a diesel. Preferimos passar a noite na cidade e procurar um mecânico nas primeiras horas do domingo.

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10º DIA (28 de Julho de 2013, domingo)

 

O dia amanheceu com névoa e com a luz do dia pudemos perceber que a cidade era bem diferente. Cercada por morros arenosos e confinada pelo Pacífico e as suas águas escuras e frias, Chañaral não era um local muito convidativo. Ao dono do hotel Playamar, onde pernoitamos, pedimos que nos indicasse um bom mecânico e ele nos mostrou o caminho.

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De imediato o mecânico não conseguiu detectar o problema. Foi quando eu sugeri que verificasse o nível do óleo. Para nossa surpresa o motor estava trabalhando sem lubrificação! “Esta seco, completamente seco!” disse o mecânico com aquele peculiar sotaque chileno que lembra um pouco o modo japonês de se pronunciar as palavras. A cidade de Chañaral fica exatamente no lado oposto a Florianópolis e, salvo um erro grosseiro de cálculo, foi o ponto da viagem onde ficamos mais distantes de casa. Ao esquecermos de verificar o nível do óleo corremos o sério risco de fundir o motor, estrangular as nossas expectativas e dar por encerrada uma viagem que estava incrivelmente atraente, mesmo com os embaraços ocorridos na tripa velha, digo, Chile. Compramos o óleo, arranjamos uma nova tampa para o tanque do combustível e preenchemos a água do radiador. Assim arrumamos as malas para seguir viagem. Antes disso uma foto com a cidade e uma abastecida no posto Petrobras.

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Algumas dezenas de quilômetros após Chañaral a rodovia estava em obras e por muitos quilômetros pegamos estrada de chão que iam margeando a rodovia. Paramos num boteco de beira de estrada e conversando com um caminhoneiro sugeri que fôssemos até o balneário de Taltal onde iríamos acompanhando a costa até onde fosse possível, fugindo da aridez excessiva e do calor. Estávamos na RN 1, que se encontra asfaltada somente até o balneário Paposo.

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De lá subimos a cordilheira mais uma vez e pela RP 131 voltamos ao deserto e passamos próximo a dois conhecidos observatórios astronômicos – Cerro Amazonas e Cerro Paranal. A região conta ainda com o observatório de La Silla e El Tololo, ambos mais ao sul, próximos a La Serena, e que estão entre os mais importantes observatórios do mundo. Por conta da baixa umidade e a ausência de nuvens durante o ano não há local melhor para a visualização do céu no Hemisfério Sul do que naquela parte do Chile.

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No fim da tarde chegamos a Antofagasta. No subúrbio da cidade muitas indústrias relacionadas com a extração de minerais como o cobre e o refino do mesmo. Visualmente feia nós não tivemos tempo de visitar o monumento La Portada durante o dia. Fomos ao supermercado localizado na beira do mar e após muita fila e confusão seguimos viagem em direção a Calama.

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De Calama pegamos a RN 23 que nos levou até San Pedro de Atacama. Chegamos por volta da meia-noite e não demoramos muito para escolher um hotel. Estávamos muito cansados e pela primeira vez nem cogitamos sair a noite.

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AToini,

 

muito bom o seu relato! Fizemos algo semelhante em janeiro, partindo aqui de Floripa e passando por Mendoza mas, quando chegamos em Santiago seguimos para a Região dos Lagos e voltamos pela Argentina novamente.. relato: http://nosvamosdecarro.blogspot.com.br/2013/01/patagonia-e-lagos-andinos-de-carro.html

 

Uma pena mesmo vocês terem tido essa experiência ruim no Chile.. eu particularmente acho o país maravilhoso em todos os aspectos! Pode apostar que deve ter acontecido algum mau entendido para vocês ficarem três horas na aduana.. os Carabineros são MUITO sérios, devem ter se confundido com alguma coisa, quem sabe um alerta falso dos cães.. uma pena! Essa parte dos cães e das perguntas é bem comum mas, lógicamente, em proporções BEM menores do que fizeram com vocês..

Bom, espero ler uma impressão diferente até o final do relato!

 

Parabéns!

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11º DIA (29 de Julho de 2013, segunda-feira)

 

Essa cidade poderia ser incluída num capítulo a parte dadas as suas peculiaridades. As ruas são estreitas e sem pavimentação. As casas são baixas e feitas de um material chamado adobe. De alguns pontos da cidade é possível se avistar o inconfundível Vulcão Licancabur, que define a divisa entre Chile e Bolívia.

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Pela manhã tomamos um mirrado café da manhã. Cabe destacar aqui que em todos os hotéis em que ficamos no Chile o café jamais era servido com leite. Apenas café preto com alguns pães duros, com formato de disco. Depois fomos conhecer a cidade, o que foi feito numa manhã. A cidade é pequena, com 4 mil habitantes, e a área de interesse turístico se resume a uns cinco ou seis quarteirões no máximo. Nesse momento fizemos o nosso maior desvio financeiro: compramos um passeio de três noites e quatro dias para a Bolívia, onde conheceríamos as lagunas Verde, Blanca e Colorada, o Salar de Uyuni e o Cemitério de Trens. A Leandra estava empolgadíssima e isso de certo modo contagiou o Diego e eu.

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No fim da tarde fomos ao mirante do Vale de la Luna, onde poderíamos presenciar um bonito pôr do sol. Como estávamos de carro fomos por conta própria e apenas nos demos ao trabalho de seguir as vans das empresas de turismo.

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12º DIA (30 de Julho de 2013, terça-feira)

 

Foi acordado que a van nos buscaria às 7h e assim ocorreu. Fizemos o check-out no hotel e deixamos o carro num terreno indicado pelo dono da empresa de turismo. A van nos levou até um outro local onde embarcamos num micro-ônibus com destino a Hito Cajón, o passo fronteiriço que demarca a fronteira entre Chile e Bolívia, aos pés do Licancábur.

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Junto conosco estavam um casal de holandeses, um norte-americano e um outro brasileiro de SP. Após os trâmites aduaneiros que levaram não mais que 15 minutos, começamos o passeio a bordo de uma 4x4 da Toyota, ano 1997. Infelizmente o passeio começou ruim pois estávamos muito apertados no banco traseiro, totalmente desconfortáveis. No momento da compra fomos avisados de que o passeio era para quem tinha espírito aventureiro mas eu não esperava passar aquele aperto todo. Pior para o Diego que com 1,85m tem as pernas bem mais compridas que as minhas.

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O primeiro local visitado foi a Laguna Verde. Ela se encontra a cerca de 4.500m de altitude e, a não ser que você esteja parado, a falta de oxigênio no ar é visível. Com águas límpidas e um céu claro a laguna se transforma num espelho, refletindo ao fundo o Licancábur.

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Adiante passamos para uma fonte de águas termais e aí começaram os problemas com a altitude. Acima dos 4.000m de altitude a dor de cabeça é normal e as vertigens podem aparecer discretamente. Assim que saí do banho com uma água a mais de 30ºC comecei a me sentir pesado e sonolento.

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Pouco a frente um gêiser. Não lembro o nome dele mas exala um gás com forte cheiro de enxofre. O único grande ponto turístico não visitado por nós durante a passagem por San Pedro de Atacama foi o Gêiser del Tatio, já que esse não era contemplado pelo passeio que compramos. Para se chegar ao Tatio somente com veículos 4x4 e conhecendo-se bem as estradas da região, propositalmente mal sinalizadas. Duas horas depois estávamos na Laguna Colorada, talvez a mais exótica de todas. Mas eu estava tão mal que saí do carro apenas por alguns minutos. Reyes me ofereceu algumas folhas de coca para mascar, assim poderia aliviar um pouco o mal-estar. Ventava muito lá fora e Diego e Leandra ainda pareciam não sentir os efeitos do ar rarefeito. Fizemos uma pausa para um almoço improvisado pelo motorista, Javier. Esse, num primeiro momento, mostrou-se muito simpático e prestativo mas aos poucos veio mostrar algumas facetas pouco confiáveis.

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Chegamos ao local onde passaríamos a noite, a quase 5.000m de altitude. Era uma construção baixa, bem esquisita, mas abrigada das intempéries. Lá fora uma temperatura absurdamente baixa, possivelmente de -15ºC e com um forte vento soprando para todos os lados. Fui deitar e enquanto balbuciava algumas coisas eu ia ouvindo a conversa dos outros hóspedes que estavam na sala ao lado. Na hora da janta Leandra e Diego me chamaram. Uma macarronada saborosa preparada pelos motoristas da excursão. Logo depois, sem termos o que fazer, fomos para o quarto. Não era confortável mas o suficiente para cair no sono. O banheiro sim eram deplorável. Não sei se já foi comentado aqui mas eu sou um homem de pouco luxo e por isso acabei não reclamando daquelas condições. Dividiríamos espaço com o californiano Reyes e com o paulista André.

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Com o avançar da noite eu ia melhorando mas reparei que Leandra e Diego estavam inquietos, possivelmente se resfriando ou com dores de cabeça. Para coroar a noite perfeita alguém decidiu roncar asquerosamente durante uma hora seguida. O ronco era tão intenso que quando a pessoa respirava acabava puxando as minhas cobertas. Confesso que não sei quem foi mas as fofocas da manhã seguinte indicavam que o roncador era o André. Para se defender o paulista tratou logo de conjurar um plano que fizesse a culpa do ronco recair sobre Reyes. Porém eu acho que ninguém levou a conspiração dele muito a sério.

 

13º DIA (31 de Julho de 2013, quarta-feira)

 

O dia amanheceu igualmente frio mas com menos vento. Com o passar da manhã e com a presença do sol a tarde a temperatura deve ter atingido os 20º C. Em Villa Alota almoçamos carne de lhama com outros acompanhamentos. Muito saborosa!

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No fim da tarde chegamos na margem do Salar de Uyuni e nos instalamos num hotel construído a base de sal. O chão inclusive era coberto por uma camada de sal grosso. O hotel não tinha ducha quente e a água não estava na caixa d’água. Descobrimos pouco a pouco que nos altiplanos andinos as pessoas passam o inverno inteiro sem tomar banho e para a nossa surpresa estávamos fadados ao mesmo destino naqueles poucos dias em território boliviano. Fizemos uma pressão e finalmente a água apareceu. Ao mesmo tempo chegavam aventureiros de outras partes do mundo, especialmente da Europa. Para eles talvez o fato de ficar sem banho por uns dias não seria tão incômodo.

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A noite houve uma janta simples e fomos brindados com uma garrafa de vinho que mal e porcamente deixou os nossos beiços sujos. É um linguajar inapropriado, eu sei, mas fruto de tanta coisa que me passou na cabeça ao relembrar aqueles dias. Hoje, sentado de frente para o notebook na sala da minha casa, eu rio e posso dizer que aquele passeio valeu a pena. Mas, se me perguntassem na semana seguinte o que eu havia achado daquilo tudo eu responderia sem pensar “uma droga!”. Mal sabia eu o que nos estava reservado para os dois dias seguintes...

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14º DIA (1º de Agosto de 2013, quinta-feira)

 

O amanhecer ao lado do Salar de Uyuni foi muito bonito. Todo aquele branco rodeado por lhamas, cactos e casas de adobe tornava o ambiente extremamente rústico. Do alto da colina onde estava o hotel pudemos ouvir, logo cedo, as buzinas de um ônibus que vinha de longe. É a forma mais primitiva de avisar aos habitantes do vilarejo que a condução está se aproximando. E pensar que foi assim por muito tempo, inclusive na parte civilizada do Brasil.

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Entramos no Salar de Uyuni e Javier pôs a Toyota para decolar. Aquele excesso de branco em oposição ao azul celeste transforma a paisagem e facilita a construção de miragens ou ilusões ópticas. O avançar dos carros que nos acompanhavam tornava-os menores, cabiam na palma da mão. Em alguns minutos chegamos a Isla Incahuasi – uma ilha rochosa em meio ao mar de sal. Lá pudemos presenciar várias lhamas, cactos com mais de 10m de altura e inclusive o princípio de um ritual que provavelmente culminaria na execução de uma lhama (que já estava com os olhos vendados e aparentemente ferida).

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Importante destacar que aquelas fotos onde o chão reflete o que está sobre a solo só são possíveis durante os meses de verão, quando o espelho d'água aflora à superfície.

Ao voltarmos para o veículo ouvimos um comentário vindo do casal de holandeses. Estavam desconfiados de que Javier havia bebido além da conta. Reparei por alguns segundos e confirmei, “o nosso motorista está bêbado”. Javier não conseguia manter a cabeça para o alto. Se por um lado no Salar de Uyuni não existem semáforos ou muros por outro lado o relevo plano incita o motorista a acelerar fundo. Pedíamos que ele fosse devagar e ele pelo menos obedecia.

Chegando a cidade de Uyuni a última escala seria visitar o cemitério de trens. Um local abandonado onde há poucas décadas funcionava uma estação de trens que levava minérios da Bolívia para o Chile e a Argentina. Eu não consegui aproveitar muito porque estava realmente aborrecido com o porre do motorista! No retorno a cidade de Uyuni fui conversar pessoalmente com a recepcionista da agência de viagens e ao dizer que Javier havia ficado bêbado ela pôs a mão no cabelo, franziu a testa e exclamou “otra vez!?”.

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Aguardamos na recepção da agência a chegada de outro veículo que nos levaria de volta a San Pedro de Atacama. Enquanto isso Diego e Leandra recebiam um choque mútuo – ambos estavam eletricamente carregados e isso foi engraçado, conseguiram levar um choque entre si. O casal de holandeses, Reyes e roncad... digo, André, foram em direção a La Paz.

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Por volta das 16h embarcamos na caminhonete e acompanhados por dois franceses começávamos o caminho de volta. Dessa vez o motorista era mais moderado e bem simpático. Quando falamos que éramos brasileiros ele repetiu, por diversas vezes, a expressão “muito legal” – foi o que conseguiu aprender da nossa língua. Dormimos num quarto muito esquisito, onde a janela do nosso quarto dava para dentro do quarto dos franceses. Jantamos juntos, conversamos sobre assuntos aleatórios e finalmente fomos dormir.

 

15º DIA (2 de Agosto de 2013, sexta-feira)

 

Após uma boa noite de sono regada a algumas cervejas compradas pela Leandra partimos por volta das 5h da manhã. A idéia que tínhamos era de entrar no Chile, arrumar as nossas coisas dentro do carro e logo em seguida partirmos em direção a Argentina, para visitarmos ainda no final daquele dia a cidade de Purmamarca. Após passarmos por Hito Cajón ganhamos uma carona com o proprietário da empresa onde compramos o pacote e ele nos deixou na aduana chilena às 11h.

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Assim que demos a entrada no Chile fomos até o local onde estava o carro e nos ocupamos em organizar as malas para a volta ao Brasil. A primeira tarefa era se desfazer das folhas de coca que eu havia comprado no primeiro dia em San Pedro. Estávamos desconfiados que os carabineiros chilenos poderiam invocar com isso. Porém não encontramos as folhas e só depois de alguns dias eu as descobri dentro de um pacote com camisas que comprei para presentear alguns amigos.

Importante explicar aqui que a aduana chilena encontra-se na cidade de San Pedro de Atacama. Entretanto, da cidade até a fronteira com a Argentina são cerca de 150 km onde não há nenhum vestígio de civilização, apenas montanhas, lagoas e muita neve. Esquecidos desse detalhe pegamos a estrada direto para a fronteira mas após alguns quilômetros tivemos um sobressalto: “Devemos declarar a nossa saída na aduana da cidade ou basta declarar a entrada na aduana argentina?”. Retornamos à aduana chilena em San Pedro e para o nosso terrível desgosto o trâmite deveria ter sido feito ali mesmo mas até o meio-dia. Após esse horário nenhum passaporte seria carimbado e não seria dada a permissão para a saída do Chile a qualquer pessoa. Tudo isso porque, enquanto estávamos na Bolívia, uma verdadeira nevasca atingiu a região fronteiriça entre Chile e Argentina, levando ao bloqueio da RN 27. A partir daquele dia estava definido que o trânsito seria unilateral pelos próximos dois dias, ou seja, na sexta-feira só poderiam transitar veículos que estivessem no fluxo Chile-Argentina; no sábado seria vez do fluxo Argentina-Chile e novamente o fluxo Chile-Argentina no domingo. O oficial aduaneiro confirmou a informação e isso foi recebido por nós como um soco na boca do estômago (ou como um café salgado sem leite).

A primeira reação foi de culpa! No momento em que demos a entrada no Chile poderíamos ter feito, na mesma hora, o requerimento para a saída do país. Se tivéssemos feito desse modo teríamos conseguido sair legalmente de lá.

Não havia o que fazer! Deveríamos ficar mais dois dias em San Pedro de Atacama sendo que a cidade nada mais nos ofereceria. Além disso eu precisava retornar a Florianópolis na segunda-feira pois na terça eu já trabalharia. Voltamos para o hotel onde ficamos e para completar a maré de azar o único netbook que utilizamos na viagem, o do Diego, começou a apresentar problemas, simplesmente não ligava. O clima ficou muito pesado. Entre nós três apenas a Leandra conseguiu ficar mais serena e conformada. Eu só queria voltar para casa e o Diego só queria que o netbook voltasse a funcionar. A Leandra, acho, queria que ficássemos mudos até domingo hehehe.

A noite fomos dar uma volta pela cidade para aliviar um pouco a indignação. Um país que não havia nos dado a melhor das acolhidas estava agora nos obrigando a ficar por lá mais dois dias!

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16º DIA (3 de Agosto de 2013, sábado)

 

Acordei cedo junto com o Diego e fomos tomar o café colonial oferecido pelo hotel... Enquanto isso assistimos a televisão local onde um ex-ministro comentava sobre a economia chilena. “Querem lamber as botas dos americanos, têm mais que se foder!” esbravejava o Diego. Eu também, naquela manhã tava torcendo para que o Chile se ferrasse. Depois do café fomos, por desencargo de consciência, a pé até a aduana, só para ter informações sobre a situação da rodovia. No dia anterior eu havia conversado com dois caminhoneiros brasileiros que também estavam presos no lado chileno. Contavam que, pela experiência que tinham, dificilmente haveria outra saída senão esperar. Cogitamos ir para o sul e entrar na Argentina pela província de San Juan.

Foi o momento em que a sorte decidiu sorrir para gente. Colado no vidro estava um e-mail vindo de alguém em Santiago ordenando a abertura da RN 27 para ambos sentidos até às 12h daquele dia. Eu não acreditei e pedi para o Diego confirmar. Eram 10h30 da manhã. Corremos desesperados e loucos de felicidade pelas ruas de San Pedro gritando “vamos voltar pro Brasil!”, “adeus tripa!” e outras expressões um pouco mais chulas. No hotel encontramos a Leandra terminando de tomar o café. Demos a boa nova e ela foi se arrumar. Nem podíamos acreditar numa notícia tão boa. Fizemos o check-out e de lá para a aduana. Apresentamos todos os documentos e em 10 minutos estávamos liberados.

A RN 27 sai dos 2.500m de altitude de San Pedro de Atacama, passa por trechos de quase 4.900m de altitude para finalmente chegar nos 4.300m do Paso de Jama, local que demarca a fronteira entre Chile e Argentina. No caminho encontramos ao lado da rodovia uma espessa camada de gelo e neve, em alguns pontos com até 3m de altura!

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Assim que descemos do carro para dar entrada na Argentina o vento violento quase levou a nossa documentação. O carro estava apontado para a direção do vento e assim que uma fresta da porta se abriu ela foi jogada para frente com muita força. Em menos de 20 minutos havíamos voltado legalmente ao território dos hermanos.

Nosso intento era chegar a Purmamarca ainda com a luz do dia. No caminho passamos por alguns salares e muitas montanhas estéreis, além de duas tempestades de areia causadas pelo vento fortíssimo que persistia. De Susques a Purmamarca o trajeto torna-se mais sinuoso e com muitas subidas e descidas. Por volta das 18h finalmente chegamos ao destino.

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Subimos uma trilha discreta ao lado da RN 52 de onde era possível se avistar o belo Cerro 7 Colores e a cidade de Purmamarca. Infelizmente chegamos um pouco da tarde e como o sol havia recém se posto as cores das rochas não ficaram tão realçadas mas mesmo assim propiciaram fotos bonitas. As montanhas coloridas pertencem a uma formação sedimentar. As cores mais acinzentadas são formações de origem em fundo oceânico e que nos últimos 200 milhões de anos foram soerguidas pelos Andes que naquele ponto, não custa lembrar, são formados pelo encontro convergente das placas tectônicas Sul-Americana e Nazca. As cores avermelhadas e violetas representam a época em que o local teve cobertura fluvial, indicando a existência de grandes rios. Por fim, as cores amareladas indicam um ambiente lacustre mais recente, há cerca de 50 milhões de anos.

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Fomos até a praça da cidade e lá compramos os últimos presentes e artesanatos da viagem. Lanchamos e enquanto comíamos decidimos voltar o mais rápido possível para Florianópolis. Antes, paramos para checar os itens básicos do carro. Desde o incidente de Chañaral estipulamos checar nível do óleo e líquido do radiador a cada 500km.

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Com o mapa em mãos vimos o anoitecer assim que saímos. Um longo trecho da RN 9 em descida liga Purmamarca com San Salvador de Jujuy, capital da província de Jujuy, uma das mais pobres da Argentina. Ao passar pela capital precisávamos trocar de rodovia por duas vezes para irmos em direção a San Miguel de Tucumán. Trocaríamos de rodovia mais uma vez, virando à esquerda na intersecção com a RN 16, que corta diagonalmente a Argentina no sentido noroeste-sudeste. Já se aproximava da meia-noite quando passei a direção para o Diego – o trecho mais difícil de se localizar já havia passado.

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17º DIA (4 de Agosto de 2013, domingo)

 

Pela RN 16 abastecemos em Joaquín V. González e a partir daí um longo trecho de retas intermináveis. Alguns quilômetros a frente passamos por um posto da polícia rodoviária argentina e não paramos. Só depois percebemos que o policial havia feito um sinal com um feixe da luz, talvez pedindo que parássemos. Ficamos com dúvidas se havíamos feito a coisa certa. Não deu outra: No posto policial seguinte fomos parados pela polícia, nas proximidades de Monte Quemado, província de Santiago del Estero. A abordagem no meio da madrugada nos deixou apreensivos: seria o momento de recebermos o convite para pagar uma propina? Ao contrário do Chile, a sorte não nos abandonou na Argentina. Somente pediram para descermos do carro e vasculharam rapidamente o interior do carro. No porta-malas o Diego se ofereceu para abrir uma das malas - abriu uma mala da Leandra cheia de roupas íntimas! Hahahaha e assim ficou, fomos liberados. O trecho seguinte, entre Monte Quemado e Pampa del Infierno (que nome) a situação da rodovia estava ruim. Muitos trechos com asfalto em péssimas condições e por isso as nossas previsões de completar aquele trecho com velocidade média de 100 km/h foi para o saco! Dirigir acima dos 60 km/h era muito arriscado. Somou-se a isso a intensa neblina que cobriu toda a estrada durante a madrugada inteira, só vindo a se dissipar com o nascer do sol em Makallé, pequena cidade poucos quilômetros antes de Resistencia, a capital da província do Chaco. Na capital abastecemos o carro e nos alimentamos.

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Em Corrientes, cidade ao lado de Resistencia e capital da província homônima, vimos cenas absurdas. Uma fila na avenida principal da cidade e, de repente, na rótula de entrada da cidade, dois cães em cima de uma cadelinha no cio. O trânsito parou pra isso! Hahaha. Mais a frente uma cena pitoresca: sobre uma moto que atravessou a nossa frente um casal e três crianças – todos sem capacete! A propósito, parece que o capacete não é de uso obrigatório na Argentina pois ver motoqueiros sem capacete foi algo recorrente durante toda a viagem.

A madrugada inteira dirigindo adiantou um bocado do nosso roteiro. Fui para o banco traseiro e tentei dormir enquanto Leandra e Diego se revezavam no volante. O objetivo era almoçarmos próximo a Posadas e dar entrada no Brasil pelo Rio Grande do Sul – São Borja ou Porto Xavier. Almoçamos numa churrascaria a beira da RN 12, na cidade de Candelária. O típico churrasco argentino, com costela e carnes variadas, perfeitas no preparo. O problema foi a lomba que nos deu logo depois do almoço.

Em Santa Ana pegamos a RP 4 que nos levou direto à fronteira com o Brasil. Do lado argentino a cidade de San Javier – do lado brasileiro Porto Xavier. A travessia do rio Uruguai, que demarcar a fronteira, foi feita de balsa. A balsa, pelo menos no domingo, atravessa o rio a cada hora, sendo necessárias então duas horas para que ela volte ao mesmo ponto. Demos sorte e chegamos na aduana quando faltavam 30 minutos para a partida da embarcação. O trâmite mais uma vez foi ágil, em 15 minutos havíamos declarado a saída da Argentina.

Do lado brasileiro passamos no posto da Receita Federal e após umas perguntas por parte do fiscal fomos liberados. Estávamos sem internet, sem netbook (desde San Pedro) e sem mapas do Brasil e por isso fomos perguntar ao frentista como chegaríamos a Passo Fundo, a cidade referência para voltarmos a Florianópolis indo pela serra. Se soubéssemos que estávamos próximos a São Miguel das Missões teríamos visitado as ruínas jesuíticas mas não foi dessa vez.

Dormi pela primeira vez no banco traseiro já que não havia dormido na noite anterior. Não sei nada do que aconteceu no trecho entre Ijuí e Lagoa Vermelha. Quando acordei o Diego estava no volante, sonolento. Leandra estava dormindo no banco do carona. Já passavam das 22h e não tínhamos intenção de parar. Fui para o banco da frente e tentei manter o Diego acordado o quanto fosse possível. Eu me sentia razoavelmente bem para dirigir e peguei a direção após a travessia do rio Pelotas, que divide RS e SC.

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18º DIA (5 de Agosto de 2013, segunda-feira)

 

Até Lages guiei normalmente. Na saída da cidade para a BR 282 entrei numa conveniência e tomei um gole de café para me manter acordado. Funcionou por cerca de 100 quilômetros. Passando Bom Retiro comecei a sentir a cabeça pesada, um sono pesado e um cansaço no corpo inteiro. Pelo espelho interno eu via a Leandra dormindo. Ao meu lado o Diego resmungava algumas coisas, alternando dois minutos acordado e 15 minutos dormindo. Estava arrependido por não ter parado para dormir em Vacaria ou em Lages, onde inclusive tenho muitos familiares.

Assim que passei por Alfredo Wagner cochilei no volante por alguns segundos – o suficiente para o carro ficar na contramão por algumas dezenas de metros. Dei uns tapas no meu rosto e abri bem os olhos. De nada adiantou! Logo em seguida cochilei de novo e dessa vez os pneus do lado direito passaram por cima da areia que limita o acostamento com a vegetação. Encostei o carro num recuo adiante e com isso a Leandra acordou. Ela tomou a frente e disse que poderia levar o carro. E levou, andando a no máximo 50 km/h, no meio da madrugada, por um trecho de quase 100 km até São José, cidade vizinha a Florianópolis, onde ela mora. Chegamos às 5h.

Descarregando as malas acabamos acordando. Deixei o Diego em Canasvieiras, no norte da Ilha, e voltei para casa, onde cheguei exatamente às 6h30. Foi a melhor viagem da minha vida!

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