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Pq. Est. Pedra da Boca (PB)... a pé!


Jorge Soto

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SERTÃO RADICAL NA PEDRA DA BOCA

Quem viaja pelas estradas planas do "Brejo Paraibano" -microrregiao interiorana da PB de clima + ameno em fcao da altitude do Planalto da Borborema - não imagina o q existe além de sua monótona paisagem de caatinga e lavouras de açúcar. Próximo da divisa c/ RN há um local repleto de serras, grutas, cachus, pinturas rupestres e enormes monólitos de pedra apontando pro céu, cujo carro-chefe é a famosa Pedra da Boca. Localizada dentro do recém-criado (e desconhecido) Pque Estadual homônimo e nos contrafortes da Serra das Confusões, ele é o novo palco da galera potiguar praticante de rappel, escalada e trekking. Mas aos poucos vem atraindo tb gente de fora, aventureiros sedentos por novos destinos inexplorados e belezas naturais ainda incógnitas no mapa do ecoturismo brasileiro.

 

Saltei do "latão" em pleno asfalto, as 20:30, ainda faltando uns 3km ate a pequena cidade de Passa-e-Fica, destino final do coletivo da Expresso Paraibano. A viagem fora bem demorada apesar dos 170km q nos separavam de João Pessoa, de onde partira às 18hrs. As longas paradas em Sapé, Pirpirituba, Guarabira e Belém eram necessarias, pois o melhor acesso ao PE Pedra da Boca é por Passa-e-Fica (RN), embora o parque se localize em território paraibano.

Pois bem, atrevessei o asfalto já tomando a estrada de chão à esquerda, onde uma placa indica claramente faltarem uns 5km ao meu destino. Esta região rural de Araruna tem apenas algumas casas aqui e acolá e precária iluminação. Não demora e me vejo andando em plena escuridão, numa estrada deserta rasgando um chapadão plano do interior do sertão. No entanto, ao longe já consigo distinguir o contorno recortado de enormes morros destacando-se da horizontalidade da caatinga ao meu redor. O céu está coberto de estrelas e a noite oscila entre o fresco e quente, embora minhas costas já estejam ensopadas de suor. A tentação de acampar à beira da estrada é enorme, mas a silhueta dos mandacarus - q + lembram sentinelas guardando a região - me instigam a continuar firme e forte, bordejando morrotes abaulados forrados de vegetação arbustiva e mtos cactos. Bifurcações surgem, mas o sentido é obvio não oferecendo maiores problemas de orientação. No caminho, atravesso pela precária ponte o Rio Calabouço, divisa natural da PB e RN, p/ depois bordejar pela direita seu enorme açude homônimo. Numa nova bifurcacao tomo à direita, indo de encontro as únicas "luzinhas" q cintilam ao sopé de um enorme serrote, cada vez + próximo.

Após uma plaqueta me dar as boas-vindas ao parque, alcanço finalmente, as 22hrs, os limites da propriedade de Seu Tico, composta por duas casas e uma ampla área de camping, onde já haviam umas 4 barracas instaladas. Após breve prosa c/ Seu Tico e sua esposa, Dna Nazareth, monto minha tenda, tomo um banho (banheiros decentes!) e desfaleço sobre o saco-de-dormir. Afinal, o dia sgte seria repleto de explorações.

A manha sgte raiou c/ mto sol e fragmentos de céu azul, alem de promessas de bom tempo no decorrer do dia. Tomei meu desjejum antes q a barraca se tornasse um forno ao ser tocada pelos braços do Astro-Rei e permaneci sob a área coberta do camping (q serve de mini-restaurante) esperando o dia efetivamente começar, alem de perscrutar as redondezas da casa. Um mural c/ fotos do grupo potiguar "Kalangos da Serra" mostram as atividades ali desenvolvidas, e um livro de registro de visitantes revela uma freqüência maior de gringos ao parque q turistas tupiniquins! Uma das casas é a do Seu Tico e a outra serve de "pousada" rústica improvisada a quem quiser estadia + "confortável". Enfim, o local é bem simples, porém acolhedor. Naquele inicio de dia pude apreciar melhor a famosa Pedra da Boca, cujas muralhas rochosas agora resplandesciam privilegiadas pela incipiente iluminação matinal. De fato, a Pedra realmente se destaca majestosa entre as outras formações rochosas q embelezam os arredores. Apresenta uma grande cavidade provocada pela erosão, a 60 metros do seu cume, que se assemelha a uma grande boca aberta. Os locais dizem q a montanha lembra um sapo cururu gigante prestes a abocanhar algo. Entretanto, eu já prefiro não comparar a boca c/ a do nojento amfibio e sim c/ outra boca de proporções igualmente impressionantes, a da Angelina Jolie.

Mas eis q surge o ilustre dono do local, Seu Tico, td sorridente e falador. Tem pessoas q são folclóricas e imediatamente associadas à região q residem. Assim como o Dílson (PP), Zé Pescocinho (Bocaina) e Seu Caneco (Paranapiacaba), Seu Tico é "o cara"da Pedra da Boca. Nascido e crescido ali, este simpático senhor de meia-idade conhece cada palmo e, sempre prestativo e de boa vontade, dá dicas, sugere roteiros ou serve ate de guia caso haja necessidade. Gentilmente, me inclui num "roteiro de grutas" q faria naquela mesma manhã junto de uma galerinha super gente boa (de Natal) acampada, oferta q aceito s/ pestanejar!

Partimos entao às 20:30, nos lançando numa trilha q sai dos fundos da casa em direção ao sopé do enorme monólito rochoso, já tomando bifurcacoes seguidas em meio à vegetação arbustiva ressequida, em suave aclive. No caminho, varias paradas são necessárias p/ Seu Tico explicar a utilidade de cada planta ou arvore do trajeto. E dá-lhe café-do-mato, sisal, gameleira, juazeiro, jatobás, umburana, maçaranduba, cordeiro, páu d'arco e umbuzeiro. C/ direito até a degustação de ingá, fruto de um cacto; e de uma lagartinha branca comestivel q vive dentro de um coquinho, o catolé. Ah, e colhida na hora, fresquinha! Isto é, ainda se mexendo! O 1º tava uma delicia; o 2º declinei de provar, claro. Francamente, este senhor sabe mto bem se virar c/ os escassos recursos q a caatinga oferece, inclusive c/ mtas plantas medicinais q nunca imaginei q teriam finalidade alguma.

Uma vez na base da rocha, começamos a subir a enorme pedra atraves de uma gde fenda entre os blocos desmoronados, no q aparentemente é um curso de água, q no verão seca totalmente. Após algumas rampas de granito, comeca um trecho de escalaminhada q, demanda tanto pés e mãos firmes se agarrando nas fissuras escarpadas da rocha p/ ser vencido. E ate corda, em alguns casos. Ganhando altitude rapidamente, não demorou a nos enfiarmos em meio a buracos entre pedras enormes desmoronadas formando uma caverna, onde houve necessidade de nos arrastarmos, da mesma forma q se faz no Petar ou em Itatiaia. Este trecho é o conjunto chamado de "Gruta da Perikiteira", segundo Seu Tico.

Uma vez no alto, emergimos em meio a arbustos de galhos desnudos e retorcidos, onde o frescor das frestas dá lugar ao calor de um sol incidindo diretamente na cachola. Na verdade, estamos num pequeno platô no meio deste conjunto de serrotes onde temos as ranhuras e fendas da enorme Pedra da Boca bem à nossa esquerda. Daqui fazemos uma curva imperceptivel p/ começar a descer atraves de um lajedo de declividade médio atraves de pequenas e vistosas bromélias, aqui chamadas de macambiras. A trilha é discreta, porem perceptível a olhos já treinados.

Após novo sobe-desce, mergulhamos novamente em meio a blocos desmoronados, numa tal "Caverna da Aventura", onde novamente somos obrigados a nos arrastar por "quebra-corpos" q certamente são contra-indicados p/ alguém acima do peso. Emergindo do outro lado, subimos uma rampa de granito p/ descê-la em seguida, p/ adentrarmos desta vez na "Caverna Olho D'Água". Lá, nos esgueirando feito calangos, em sucessivos sobe-desces e escalaminhadas no interior de gigantescos blocos tombados, damos numa bica cuja bem-vinda e refrescante água já ouvíamos marulhando pouco antes. Após molhar a goela e contornadas + algumas rochas, caímos noutro salão chamado de "Gruta do Caçador", onde uma pequena laje totalmente plana (a "Cama do Caçador"?) serve de apoio meditativo, alem de mtas pics p/ animada galerinha potiguar.

Após um último trecho em meio às pedras, desembocamos numa trilha no aberto q nos leva à "Pedra do Forno", uma enorme toca (ou lapa) contendo inscrições rupestres dos antigos e primitivos moradores da região, os índios tapuia-cariri. Dali tb temos uma bela vista de td extensão do Rio Calabouço e um visu privilegiado da "Pedra da Santa", à nossa esquerda. Pausa p/ descanso e contemplação, alem de mtas pics, claro!

Dali começamos a descer suavemente entre cactos e xique-xiques, já contornando a enorme serra dando inicio à volta. Após um trecho de palmeiras caímos num bem-vindo bosque de mangueiras, q alem de nos brindar c/ frescor da sombra nos sacia c/ pencas do delicioso fruto, colhido aos montes no chao! Novamente na base da rocha, bastou apenas seguir a trilha, bem batida e óbvia, atravessar novo arvoredo p/ cair no aberto outra vez, bordejar a enorme "Pedra da Caveira" (q lembra mesmo a morada do Fantasma) e, as 11:30, nos levar de volta à casa do Seu Tico.

O sol estava à pino naquele horário, razão de quase td mundo se limitar a descansar, almoçar ou apenas ficar à toa na sombra. Mas eu ainda queria aproveitar o resto do dia (ou parte dele), alem de fazer algo q pra mim era obrigatório: subir ao topo da Pedra da Boca. Dito e feito, num piscar de olhos peguei as infos c/ Seu Tico e mandei ver, mesmo c/ o horário não colaborando c/ aquele forte calor. Na verdade, subir a pedra não requer maiores problemas de navegação, uma vez q sua ascensão é puramente intuitiva. É verdade q sua altura (apenas 340m) é bem modesta se comparada às serras da região sudeste, mas em se tratando de sertão e do clima já hostil, alcançar um cume nestas condições adversas não deixa de ter sua certa relevância.

Parti assim, ao meio-dia e pouco, pela mesma picada pela qual saimos pela manha, e já na metade tomo uma bifurcacao p/ esquerda entre os arbustos q me deixa logo ao sopé da rocha. Daí é so começar a subir uma extensa rampa inclinada de rocha áspera q bordeja a montanha pela esquerda. A forte inclinação é quase superior a 45graus e a sensação é q se está num gigantesco tobogã de pedra porosa, q torna o caminhar lento e demanda varias paradas p/ retomada de folego. Mas nessas paradas podemos apreciar belas florzinhas endêmicas escarlates, vistosas coroas-de-frade e macambiras espinhentas q pipocam na rocha cor-chumbo-claro, assim como vislumbrar a paisagem ao redor. Algumas pedras redondas enormes surgem no caminho, como q equilibradas espantosamente naquela declividade td, ate q alcançamos o final da enorme rampa rochosa. Ali havia uma dupla de jovens biológos da UFPB estatelada nas lajes q já havia desistido de completar a subida devido ao cansaço, mas isso apenas me encorajou a seguir em frente, apesar do sol e calor realmente começarem a cobrar seu pesado tributo perante o corpo.

Ate aqui já foi vencido quase metade da altura total da montanha. Coincidentemente, a laje termina logo abaixo da enorme cavidade q faz de "boca" e q nomina a ilustre pedra. Uma trilha obvia se perde em marcas já desgastadas sobre a pedra e sugere continuidade ate a mesma, pela direita, atraves de 2 curtos lances de escalaminhada. Ignorando este acesso à boca, a picada se enfia em meio aos arbustos, cactos e bromélias, sempre bordejando a montanha pela esquerda, dando a volta ao seu redor. O caminho se alterna entre lajes expostas e arbustos espinhentos sucessivamente ate caírmos atrás da montanha, num largo ombro rochoso da dita cuja. Desperta a atenção a gde qtdade de calangos perambulando indiferente à minha presenca e, principalmente, de enormes gafanhotos q mais parecem helicópteros verdes pulando aqui e acolá!

A picada termina ao sopé de outra sequencia de rampas e lajes mto + íngremes q as do inicio, c/ o diferencial q estas aqui estão cobertas tb de terra e areia, o q as torna relativamente escorregadias. Comeca entao a subida pelas aderências menos lisas, de preferência acompanhando a faixa de arbustos laterais q serve tb de corrimão. O sol bate forte e rijo sob o corpo, aumentado ainda + a sensação de calor emanada pela rocha, mas agora não há volta. E toca pra cima! Assim, vamos serpenteando aderência trás aderência atraves de eventuais matinhos, sempre agarrando-nos nos galhos próximos ou galgando degraus de bromélias, ate o alto.

Após um curto trecho de escalaminhada por entre algumas rochas, chegamos ao topo as 13:00. Mas o topo é largo e forrado de vegetação ressequida. Mas ai basta acompanhar uma picada q atravessa o emaranhado de galhos q nos leva aos dois mirantes do alto, relativamente próximos entre si oferecendo vistas diferentes da pedra. O 1º tem uma visao ampla de trás, c/ os contrafortes rochosos da Mata do Gemedouro ao fundo, perdido em meio a morrotes cercados de caatinga e q é outra caminhada da região q demanda quase um dia inteiro. Percebe-se tb varias trilhas se entrecruzando e q provavelmente levam a outros domos rochosos. No outro mirante, bem + amplo, temos uma panorâmica da frente da pedra, c/ o camping do Seu Tico 340m abaixo, miniaturizado, assim como o espelho dagua do açude e Rio Calabouço, refletindo o céu azul daquele inicio de tarde, ao longe. Destacam-se tb outras belas montanhas rochosas apontando por ceu, destoando do horizonte retilíneo e agreste de tons amarelados. Um descanso merecido nas quentes lajotas, seguida de uma contemplação s/ pressa da paisagem do sertao é algo recompensador. Felizmente uma nuvem me brinda efemeramente c/ sua sombra, assim como uma suave brisa parece soprar meu rosto como q parabenizando o bravo feitio. Eu estava certo: não é uma escalada p/ constar nos livros, mas a "conquista" de seu topo é comemorada mesmo assim pelos q sabem apreciar qq tipo de altitude, mesmo as modestas destes rincões do nordeste.

A volta é feita em bem menos tempo do q o tomado p/ cume, atentando apenas c/ cautela o trecho íngreme c/ areia já mencionado. E assim, retorno ao camping quase 14:15, sob um sol de rachar côco. "Parabéns, seu cabra retado! Nem eu sô doido p/ subir nesse horario não, ôxe!", ouço Seu Tico dizer. A 1ª providencia q tomo é uma boa chuveirada, seguida do farto e delicioso almoço (rubacão e galinha guisada) de Dna Nazareth, regado a mta cerveja gelada! Claro q encerrara meu expediente, pois o resto do dia fiquei so de bobeira, à sombra do refeitório, já q entrar na barraca era o mesmo q entrar num microondas ligado ou numa sauna seca. Não restou opção senão conversar c/ Seu Tico e outros eventuais turistas, c/ os quais tomei conhecimento de varias outras caminhadas exóticas e acidentadas pela região de um dia (e q podem ser emendadas), como o rolê à Pedra do Letreiro, Pedra do Violão, Pedra do Coração, entre varias outras. Enfim, opção é o q não falta neste parque q, à titulo de comparacão, é mto parecido c/ o Pque Estadual 3 Picos (Salinas, RJ), só q encravado no meio do sertão! Seu Tico, contudo, reclama q ultimamente tem aparecido gente q deixa som do carro alto e faz bagunça à noite. "Aqui é p/ curtir a natureza na calma! Não pra dançar forró! Daí eu já corto as assinhas!", emenda.

 

Satisfeito c/ o q já havia visto naquele dia, zarpei a manha sgte bem cedo p/ meu proximo destino, Campina Gde, já garantindo carona na motoca do Seu Tico p/ Passa-e-Fica. E claro, prometendo-lhe retorno qq dia retornar diante de tantas possibilidades na região. Interessante como ainda há muito a ser descoberto e revelado neste pitoresco parque de beleza rústica. Locais perdidos entre seus chapadões, cafundós e serras de pura rocha, q certamente terá sempre atrativos e encantos exoticos capazes de surpreender o + radical dos aventureiros. O Pque Estadual Pedra da Boca já possui recursos de sobra para atrair quem quer q seja, apenas espera a chegada de novos aventureiros e exploradores. Ou quiçá, melhor q fique incógnito mesmo. So assim p/ aquele pitoresco rincão no meio do sertao se manter preservado, sossegado e tranqüilo. Eis o paraíso q Seu Tico sempre almejou.

 

foto:www.nataltrip.com

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