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Já faziam uns bons anos que tinha vontade de fazer essa trilha, e nunca rolava oportunidade. Ano passado convidei um colega de trabalho para fazer a trilha e vinhamos nos planejando desde então, mas a coisa foi ficando, e finalmente agora conseguimos fazer a travessia, nos dias 15, 16 e 17 de fevereiro de 2013. Segue o relato de como foi a experiência.

 

Dia 14 (quinta-feira):

Pegamos um ônibus na rodoviária de Porto Alegre com destino a Guaporé às 18:30, valor de pouco mais de 40 reais por pessoal. Ônibus semi-direto, viagem longa, parando em várias cidadezinhas no caminho. Chegamos no nosso destino eram por volta de 21:30. Seguindo a indicação feita pelo pessoal aqui no Mochileiros, nos hospedamos no Hotel JC Borsatto (rua Dr. Luiz Augusto Puperi, 640 - (54) 3443.5430), que fica a aproximadamente 10 minutos de caminhada da rodoviária. Um quarto para 2 solteiros custou 70 reais (eles aceitam cartão). Após fazer o check-in, largamos as mochilas no quarto e fomos explorar a cidade. Guaporé é uma cidade bem grande até, mas mantém aquele ar interiorano clássico. Comemos um xis e tomamos uma cerveja em uma lancheria chamada Tropicaliente, que fica na praça central, bem próximo ao hotel. Fica a dica, o lugar é bem bom.

Depois de comer, resolvemos ir até os trilhos para descobrir onde nossa jornada começaria. De onde estávamos até lá, são aproximadamente 20 minutos de caminhada, com direito a subidas e descidas. Para chegar lá, é necessário caminhar até o pórtico da cidade, atravessar a rodovia e pegar a primeira estrada de chão à esquerda, antes de um pequeno viaduto. Logo se dá de cara com os trilhos e a Estação Guaporé. Depois de uma boa estudada no ambiente, voltamos para a cidade. Meia-noite todos os lugares fecham, inclusive as lojas de conveniência dos postos de gasolina. Único lugar que encontramos aberto é uma videolocadora que também vende bebida, que fica próxima da praça central também, na rua da igreja. É meio que um 'point' da juventude local. Tomamos mais uma cerveja e fomos para o hotel.

 

Dia 15 (sexta-feira):

Levantamos às 7:30 e fomos tomar café. O café do hotel é bem simples, mas não deixa nada a desejar. Depois de comer fomos em um supermercado comprar uns últimos mantimentos, preparamos então as mochilas e partimos em direção aos trilhos. Chegando na estação, confirmamos com uma senhora que aparenta morar lá qual a direção de Muçum, e iniciamos a caminhada. No início a empolgação é total. Pouco a pouco os sinais de civilização vão sumindo, e a natureza vai tomando conta dos arredores do trilho. Há momentos em que é possível caminhar fora do cascalho, ao lado da ferrovia, mas a maior parte do tempo ou se caminha sobre o trilho, ou sobre o cascalho nas laterais. Escorregamos tantas vezes tentando caminhar na lateral que ficamos com medo de distender um músculo e fomos pelo trilho mesmo. Com um pouco de jeito consegue-se arrumar uma passada confortável que não seja de dormente em dormente.

A emoção ao avistar a primeira placa que diz "túnel a 200m" é total. Pegamos as lanternas e iniciamos a travessia. Os túneis são um tanto frios e úmidos, e a escuridão é realmente total, não importa a qualidade da sua lanterna, a luz que se tem é mínima. Por segurança, termina-se caminhando sobre os dormentes, o que torna a travessia mais lenta. De animais nos túneis, encontramos próximo da entrada uma aranha caranguejeira, um lagarto e alguns sapos. Dentro mesmo, dois camundongos, um ratão preto esmagado pelo trem e morcegos. Os primeiros túneis são divertidos, depois confesso que enche o saco. Quando encontramos a primeira mangueira de irrigação no canto dos trilhos, paramos para almoçar e reabastecer os cantis. Cozinhamos um miojo no fogareiro, tiramos as botas para ventilar os pés e descansamos um pouco antes de seguir viagem. Após uma série de túneis e um viaduto sem graça, chegamos finalmente ao temido Mula Preta. Eu particularmente não senti medo, tanto que filmei a travessia e parei no meio do trajeto para olhar a paisagem, mas confesso que ele causa uma certa vertigem, tontura. Levamos por volta de 5 minutos para atravessá-lo.

Quase no final do dia atravessamos o túnel mais longo do trajeto, que tem mais de 2km. Foram 40 minutos extremamente cansativos. Logo na saída dele, encontramos uma grande área no lado direito, com um rio logo depois. Montamos acampamento e fomos refrescar o corpo na água. Preparamos um arroz de carreteiro com charque para jantar, ficamos um pouco observando os arredores e fomos deitar. Por volta das 23:30, começamos a ouvir um barulho ensurdecedor e pulamos para fora das barracas, era o trem! Sinalizamos para o maquinista com a lanterna, que apitou em cumprimento. Era uma máquina de quase 100 vagões, o chão todo tremia durante a passagem, o barulho era muito alto. Por volta das 4h da manhã passou outro, mas bem menor. Nesse faltou energia para sair da barraca.

 

Dia 16 (sábado):

Amanheceu um lindo dia de sol. Tomamos mais um banho no rio e levantamos acampamento. No segundo dia o massacre muscular é maior. Cada um de nós estava com uma mochila de 50 litros pesando pouco mais de 20kg (sim, erramos feio na dose...), nos pés eu estava com uma Nômade Finisterre (melhor investimento que fiz ever) e meu colega com um coturno militar, que encheu o pé dele de bolhas. Perto do meio-dia, antes de um dos túneis, descobrimos um pequeno rio com uma cachoeira logo à esquerda. Almoçamos miojo novamente, tomamos um banho e demos um descanso. Carregamos então as provisões de água e seguimos caminho. Na parada, meu colega acabou perdendo a lanterna, o que tornou a travessia dos túneis ainda mais lenta. Estávamos atravessando um túnel grande quando começamos a ouvir vozes e avistar luzes de lanternas, desde que saímos de Guaporé única pessoa que havíamos visto havia sido uma idosa fumando um palheiro numa casinha que cruzamos pela manhã. Torcíamos que fossem outros mochileiros, mas era um grupo de umas 10 pessoas aparentando ir tomar banho em algum rio, carregavam vários fardos de cerveja. Cruzamos por mais 2 grupos semelhantes no próximo túnel. Estávamos então no túnel antes do V13 que tem as famosas janelas (realmente não lembro o número dele). Logo que passamos as ditas janelas, ouvimos um barulho alto de motor. Paramos. Abaixei e coloquei a mão sobre os trilhos, sentindo uma forte vibração. Virei para o meu colega e só gritei "corre!". O barulho ficou super alto, olhávamos para trás e enxergávamos faróis na parede do túnel. Esquecemos os pés machucados, o peso das mochilas e foi um alívio quando chegamos nas janelas. Nisso olhamos para o túnel, e para a nossa surpresa, eram duas motos "brincando" de corrida dentro do túnel. Nós queríamos matar eles, foi um susto e tanto haha. Logo chegamos ao V13, onde havia um grande grupo de pessoas. Ficamos um pouco por ali e seguimos viagem. O sol estava escaldante nesse dia. Conforme a tarde ia chegando ao fim, nossa apreensão aumentava, pois as reservas de água estavam diminuindo e não encontrávamos nenhuma fonte. Encontramos várias mangueiras secas no caminho. Olhávamos o rio passando lá em baixo, e nós passando sede e calor lá em cima. Quando o relógio bateu 19h, resolvemos tomar uma ação drástica. Como a última estrada que víamos que descia o morro era no V13, muitos quilômetros antes, e como não havia sinal de água ainda, procuramos algum trecho onde o mato fosse menor. Achamos uma pequena clareira em um ponto da trilha, pegamos o facão e fomos abrindo caminho na marra. Após uns 15 minutos cortando mato, chegamos em um canavial, que levamos por volta de 10 minutos para atravessar. Ficamos com os braços e pernas cheio de cortes por causa das folhas da cana, não havia lugar para se caminhar, tivemos que ir abrindo caminho e quebrando algumas canas, temíamos encontrar o dono da plantação e arrumar uma confusão, íamos pensando em um pedido de desculpas, mas a situação era emergencial. Finalmente terminamos de atravessar o canavial e chegamos numa estradinha, onde logo demos de cara com um senhor na frente de casa que nos olhava com uma certa perplexidade, imagino só a cena que ele estava vendo né. Explicamos a situação e pedimos água. Cara, acho que nunca senti tanto prazer na vida em beber um copo de água bem gelado. Abastecemos nossos cantis, e fomos procurar um lugar na beira do rio para acampar, pois logo estaria escuro já. A noite caiu assim que terminamos de montar a barraca. Entramos no rio e ficamos quase uma hora imóveis, relaxando na água. O segundo dia foi bem mais desgastante. Comemos apenas algumas barras de cereal e fomos dormir. Acampar sobre a grama foi um prazer, depois da noite anterior num terreno duro e pedregoso.

 

Dia 17 (domingo):

Logo cedo acordamos e levantamos acampamento. Conversando com um morador, descobrimos que já estávamos em Muçum, e que o centro ficava a apenas uns 6 km dali. Tentamos procurar uma estrada que voltasse para os trilhos, mas não conseguimos, e decidimos ir pela estrada mesmo. Quem dera que fosse mais fácil. Eram subidas e descidas o tempo todo, além de que o caminho era mais longo, e o sol pegava direto. Não encontramos nenhum armazém ou mercado no caminho, apenas quando já estávamos bem próximos do centro. Parada para uma merecida coca-cola estupidamente gelada. Níveis de açúcar altos novamente, seguimos até a rodoviária, onde chegamos por volta das 10h. O lugar estava fechado, descobrimos que o próximo ônibus para Porto Alegre sairia apenas as 16:15, e que a rodoviária só abriria lá pelas 15h. Sentamos na praça, tiramos os calçados e ficamos matando tempo. Existe um restaurante ali na praça mesmo, onde ficamos tomando uma cerveja e comemos um a la minuta no almoço (para quem não é do RS, a la minuta é um prato muito comum aqui, composto por arroz, batatas fritas, bife, ovo e salada - os melhores tem feijão como acompanhamento). Junto da rodoviária existe um bar bem estilo interior (um bolicho, como dizemos aqui no sul). Compramos as passagens, e foi um prazer sentar nos bancos confortáveis do ônibus. Chegamos em Porto Alegre pouco antes das 20h (o ônibus parava em todas as cidades possíveis no caminho), com o corpo destruído, mas a mente renovada. Foi uma pena não ter sido possível terminar o percurso nos trilhos, acabamos caminhando mais, além de perder os últimos quilômetros da ferrovia. Em breve pretendemos terminar a trilha, dessa vez com mais conhecimento do que levar na mochila (principalmente comida sobrou muita coisa...).

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