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  • Membros de Honra
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Eram cerca de 13 horas do dia 29/12/2011 e estavamos quase alcançando o topo do Cerro Navidad (2.102 metros), na sua encosta Oeste, por um talus.

 

- Shit!! What is that???

 

Eu e Haendel voltamos o rosto para trás pois Jerome, que gritou, fechava a fila. Olhamos então para onde ele apontava, direção Noroeste e ficamos boquiabertos. Um grande cogumelo de fumaça começava a se elevar para um céu claro, sem nuvens. Parecia a explosão de uma bomba atômica.

 

Depois de alguns segundos estupefatos sacamos rapidamente as cameras e começamos a registrar aquilo.

 

Nossa, pensei, o vulcão Puyehue-Cordón Caulle está novamente entrando em erupção?

 

A travessia do Nahuel Huapi

 

Cheguei 26/12 em Bariloche com a família. Enquanto minha esposa, filho e babá fariam os tours tradicionais eu buscaria fazer esta travessia que tentei em 2007 mas, muito inexperiente, escolhi a época errada, com trilhas ainda fechadas pela neve (vide relato "Trekking e trapalhadas na neve").

 

Foi um trekking sensacional e, como podem ler acima, com algumas emoções extras! Mas também foi o mais pesado e duro que realizei até hoje. Muita subida e descida através de montanhas íngremes, terreno muito variável, exigindo uma boa condição aeróbica e joelhos saudáveis. E o terceiro dia, travessia do Refúgio Jakob para o Refúgio Segre, pelas montanhas, é muito cansativo, com um grau de exposição que mete medo em quem tem medo de altura (meu caso!). Torres del Payne é fácil, se comparar com esta travessia, apesar de ter apenas 36,5 km contra os 105 km de TDP (circuito completo).

 

Villa Catedral - Refugio Frey

 

Sai uma da tarde de 27/12 do centro de Bariloche num onibus da linea 3 de Mayo. Oito pesos até a Villa Catedral. Pensava em subir para o Refúgio Frey pelo Arroyo Van Titter (que já conhecia de 2007). Mas um casal de ingleses, Charlie e Bianca subiram no ônibus após Playa Bonita e ele me perguntou se ia subir para o Frey. Disse que sim e tirei algumas dúvidas dele com a ajuda do meu mapa. Porém revelaram que queriam ir pelo filo do Cerro Catedral, pegando o teleférico, como recomenda o Lonely Planet "Trekking in the Patagonian Andes". Já que teria companhia, decidi ir com eles.

 

Apenas uma aerosilla funciona no verão, até o refúgio Lynch. Muito legal a ascensão, com vistas lindas para Bariloche e o Cerro Otto. O preço achei exorbitante: 95 pesos, ainda mais que só subiria.

 

Fomos, mas ao chegar lá em cima eles disseram que queriam fazer um lanche no restaurante do refúgio antes de prosseguir e que levariam mais ou menos uma hora. Decidi partir primeiro porque na montanha é melhor partir antes cedo que tarde. Disseram que a depender do meu ritmo me alcançariam. Não me alcançaram e suspeito que sequer partiram, pois olhando para trás não os vi em nenhum momento no filo e depois, no Refúgio Frey.

 

O caminho é pelo filo, com uma vista amplíssima para o lago Gutierrez a leste, e para oeste, o vale do Arroyo Rucaco e o Cerro Tres Reyes. Baixei para um colo, entre a Punta Nevada e a Punta Princesa e, a partir daí, se caminha pela encosta oeste do Cerro Catedral, com vista apenas para o vale do Rucaco.

 

Trecho muito chato, com um sobe e desce constante através de pedras. Navegação fácil pois há bastante pircas e marcas vermelhas nas pedras. Encontrei no meio deste trecho um casal que vinha em sentido contrário com pequenas mochilas. Ele parecia que estava fazendo uma caminhada na praia. Chapéu de aba de palha e bermuda, camisa florida. Realmente o dia estava muito bonito porém o rapaz não precisava exagerar!

 

Num pequeno trecho plano, com uma grande pedra que poderia oferecer abrigo no caso de um vivac, havia um pequeno colo de onde se podia avistar o lado oposto, que era o vale do Arroyo Van Titter. A garganta profunda tinha pináculos em ambos os lados e descobri quatro condores pousados nestas pedras, quando um deles voou de uma para outra.

 

Nunca os havia visto de tão perto. Eles são os urubus dos Andes. Tem uma grande envergadura de asa e é muito característica a asa, que tem 5 ou 6 remiges (penas grandes) na ponta, parecendo dedos esticados para fora.

 

A visão melhorou meu humor e continuei por mais meia hora quando vi a roca inclinada que indica que logo a seguir está o paso para baixar para o Refúgio Frey. Há uma área plana com pedras pintadas indicando a direção para o refúgio Frey e, no sentido oposto, para o refúgio Jakob.

 

É mais lógico baixar para o vale do Rucaco, em direção ao refúgio Jakob. Se vamos para o Frey, no dia seguinte temos que subir um bom trecho de novo. Mas como não conhecia o Frey, resolvi descer para lá. Virei para a esquerda e após uma pequena passagem se avista a cancha de futebol. Parece mesmo um pequeno estádio de futebol. Só não aconselho a jogar bola pois o gramado na verdade é areia e pedra. Na parede sul e oeste da cancha ainda havia neve.

 

Marca vermelha indica a óbvia saída da cancha rumo ao Frey. Antes porém há uma descida empinada para o platô da linda laguna Schmoll. Perigosa a descida se ainda houver neve ou condição de tempo ruim. Laguna de águas transparentes e azuis, com um tom esverdeado, onde o sol batia mais. A partir daí outra descida, agora para o platô da laguna Toncek, também linda.

 

Anda-se um pouco através de um pasto antes de chegar a extremidade oeste da laguna. Preferi margem-lá pelo lado sul. Avistava na outra extremidade o refúgio e diante dele várias pessoas se banhando. Curtindo aquela praia patagônica! Também é raro mesmo no verão uma temperatura tão agradável (27-29ºC).

 

Entrei no refúgio e perguntei ao refugiero onde poderia armar a barraca. Disse-me que em qualquer lugar contudo que fosse do lado esquerdo do riacho de deságüe da laguna, onde ficava o refúgio. O aspecto de bagunça da cozinha não me deram boa impressão.

 

Subi o morro e vi varias muretas de pedra em circulo, para armar as tendas, sinal de ventos fortes vindo de Oeste. Escolhi uma mais afastada do refúgio, pela privacidade e por ficar mais distante do barulho. Estes refúgios muitas vezes tem uma vida noturna agitada com bebida e musica. Porém estava cansado e não queria saber de balada.

 

Armei a Lightwave diante de uma belíssima vista para o lago, fiz um missoshiro instantâneo com água quente (êta invenção boa) e dei uma caída na lagoa (meu banho sem sabão). Durante o dia utilizo um calção de banho ao invés de cueca justamente para aproveitar rapidamente estas ocasiões.

 

Entre duas pedras o pessoal estendeu um cabo onde alguns tentaram passar como equilibristas. Acaso não conseguissem cairiam no lago de uma altura de um metro. O rapaz que atravessou foi aplaudido.

 

Depois fiz a janta, um arroz carreteiro Tio João, até razoável. Comi vendo o movimento, inclusive muitas pessoas chegando depois de mim. Varias delas alpinistas de rocha, porque no cerro Catedral não faltam desafios. As montanhas que emolduram a laguna tem várias agulhas tornando o cenário belíssimo.

 

Inclusive, comendo, acompanhei uma ou duas equipes escalando a pedra Frey. Já era tarde, mas lá de cima num rápido rapel estariam de volta ao chão e mais 15 minutos descendo pela encosta chegariam ao abrigo.

 

Alguns escaladores que chegaram mais tarde inclusive não armaram barraca. fizeram um vivac. Também com aquele tempo agradabilíssimo com previsão de tempo excelente nos próximos 5 dias.

 

Dormi por volta de 23 horas (escurece as 22 horas!). Tinha cantoria no abrigo. Coloquei um plugue de ouvido para pegar no sono. Não precisei usar agasalhos pois como mínimo fez 10°C durante a noite.

  • Amei! 1
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Peregrino:

 

Li seu relato da ascenção do vulcão.

 

Eu ainda estou em Bariloche, cheguei hoje da travessia, e postei o início do relato através do iPAD. Tão logo tenha como transferir as fotos do memory stick para um computador eu postarei aqui. Mas não tinha objetiva na minha camera.

 

Abraços,

 

peter

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Peter, o que é esse missoshiro? Dei uma pesquisada mas não descobri/não entendi. hahahah Não é a primeira vez que ouço falar disso.

No aguardo do restante do relato.

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Marcelo:

 

Missoshiro é aquela sopa de soja, com cebolinha, alga e tofu que comemos na entrada de restaurante japa. Descobri recente que existe esta sopa desidratada em algumas delicatessen. Eu gosto muito!

 

Estou escrevendo o resto do relato e depois posto.

 

abraços, peter

  • Membros de Honra
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Grande Peter,

 

Excelente relato! Quero ver a continuação e as fotos!

 

Do Refugio Frey você pegou a derivação para Pampa Linda? Se a travessia tradicional já é bela, imagine esta alternativa!

Além de bela, creio que seja muito mais exigente também. Do Frey à Pampa Linda são necessárias 3 pernoites no mínimo correto?

Seria uma excelente preparação para Dientes! E por falar, vou enviar a encadernação para você!

 

Abraços,

Edver

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Valeu Edver!

 

Não fiz a derivação porque só tive de 27 a 31/12 para fazer algo em Bariloche e a travessia dura 5 dias. Gostaria de ter feito se houvesse mais tempo. Vi do Cerro Bailey Willis parte do caminho para Pampa Linda. Pareceu-me menos exigente fisicamente porém bem mais exigente em navegação.

 

abraços, peter

  • Membros de Honra
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Travessia refúgio Frey - refúgio San Martin. 28/12/2011.

 

Acordei por volta de 7 horas de um dia lindo. No café voltei a observar uma dupla de escaladores na base da pedra Frey. Eles aproveitam as horas mais frescas do dia para escalar, evitando o calor excessivo e a rocha quente. É um prazer ficar sentado como espectador, admirando a linda vista do cerro Catedral.

 

Saí por volta de 8:30. Rumei pelo mesmo caminho do dia anterior, sentido contrario. Na minha frente caminhavam três pessoas. Subida penosa para a laguna Schmoll. Isto porque eu ainda não tinha idéia do que tinha pela frente, para saber o que era verdadeiramente penoso.

 

Uma placa num boulder as margens da laguna indicava que Schmoll era um alpinista austríaco nascido em Viena, na 1ª guerra, e falecido em 1954 em Torres del Payne, provavelmente tentando escalar uma das torres.

 

Peguei um pouco de água na laguna e voltei a subir para a cancha de futebol, de onde baixaria para o outro lado, o vale do Rucaco. Preferi subir com um mínimo de água, pois queria aliviar o peso e sabia que no vale voltaria a encontrar água.

 

No topo, encontrei os que estavam a minha frente, apreciando a vista. Uma senhora, sua filha e o namorado. Perguntei se iam para o refugio San Martin. Responderam que não. Era obvio, pois não tinham mais do que pequenas mochilas. A bonita menina usava na cabeça um capuz de coelhinho, com olhos e orelhinhas. Bem técnico. O refúgio Frey geralmente vive cheio, inclusive com turistas não habituados a montanha, pois é o mais acessível a partir de Bariloche.

 

A descida empinada para o vale do Rucaco começa por uma mistura chata de rocha, pedra solta e areia, o que facilita um escorregão. Mas logo começa um scree de pedras soltas e areia que tornam a descida deliciosa. Damos uma passada e escorregamos três, descendo numa boa velocidade, sem afetar os joelhos. Usava os bastões na frente para frear a descida rápida. No terço final entrei numa canaleta de pedras rodeada por lengas baixas até atingir o bonito bosque.

 

Há trechos intercalados de bosque e pasto, normalmente um mallín (brejo) até que entramos definitivamente numa floresta linda, de lengas altas. Lugares preciosos para acampar. Para quem vem pelo filo do cerro Catedral realmente é a melhor opção acampar naquele bosque ao lado de um arroyo. Encontrei um rapaz sozinho desmontando uma tenda de 3 lugares. Cumprimentei-o e segui.

 

O vale do Rucaco fica entre o cerro Brecha Negra e o cerro Três Reyes. O caminho se dirige para um colo entre os dois, num ponto conhecido como paso Brecha Negra.

 

A subida para o paso é marcada por pedras pintadas de vermelho e pircas (N.A. - nossa, este corretor de texto automático do iPAD é um perigo. Ao escrever "pircas" ele automaticamente  corrigiu para "pirocas"! Ainda bem que vi....)

 

Ao chegar no topo, uma vista bela, especialmente para Oeste, para o estreito vale do arroyo Casa de Piedras. A vista para a laguna San Martin e seu refugio é muito bonita. 

 

Parei para lanchar. Esperei o rapaz que vi subindo, chegar ao topo. Subiu lento porque tinha uma mochila muito pesada. Era aquele que avistei desmontando o acampamento no vale do Rucaco. Eu queria saber se ele prosseguiria para  o refugio Segre, pois como é um trecho difícil é bom ir acompanhado. Disse-me que baixaria pelo arroyo Casalata até o lago Mascardi, para pescar trutas. Tinha uma vara de pesca presa na mochila. Estava carregando a tenda de 3 lugares para os amigos que ia encontrar.

 

Descida bem íngreme do paso Brecha Negra. Os bastões me pouparam muito o joelho. Lá embaixo, perto do arroyo de deságüe da laguna, encontrei dois garotos meio perdidos, que queriam voltar para a Colônia Suiza. Indiquei-lhes o caminho correto.

 

O  refugio fica as margens do lago. Uma grande pedra lisa atrás da casa desce em direção a laguna e é a praia onde todos se banham. Caem na água e depois tomam sol na ladeira de pedra.

 

Cheguei por volta de 15 horas. Entrei no refugio onde uma refugiera pediu-me para deixar as botas do lado de fora. Bebi uma cerveja para comemorar o fim do trajeto neste dia. Cerveja boa, mas muito quente para os padrões brasileiros. Definitivamente eles não sabem qual a temperatura ideal para beber uma cerveja. O refugio era simpático e bem mais arrumado que o Frey.

 

Falei com o Ernan, um dos refugieros, perguntando sobre as condições nas montanhas na travessia refugio San Martin - refugio Segre. Se haveria ainda neve ou gelo. Me disse que não havia, mas que o problema era a alta exposição e que eles desaconselhavam o trajeto, especialmente se estivesse sozinho. Me perguntou qual a minha experiência em montanha. Disse-lhe que era basicamente cruzar pasos nos Andes (Sierra Valdivieso, Travessia do Villarica,  Quebrada de Matienzo e Quebrada Santa Cruz). Ele me desanimou para fazê-lo sozinho. Disse-me que a escalada teria grado 4.

 

De fato alguns livros de trekking não consideram este trecho como trekking e sim como montanhismo, e omitem este trajeto. Eu tenho medo de altura e me arrepiei com a expressão "alta exposição", que sei exatamente o que significa.

 

Saí para a área de camping para escolher um ponto para a tenda, mas apenas marquei território com os bastões de trekking e sentei numa sombra para preparar o almoço. Não valia a pena armar a tenda tão cedo. O dia estava muito quente e seria insuportável ficar dentro dela.

 

Enquanto cozinhava ouvi um barulho no saco plástico com comida que estava ao meu lado. Um pequeno rato estava remexendo o saco, tentando rasgá-lo. Que ousadia! Estava a menos de meio metro dele! Espantei-o com um gesto.

 

Fui para o lago.Como no dia anterior, cai com roupa e tudo. Depois me despi, só ficando com o calção de banho (que uso como roupa de baixo) e deixei as roupas secando na rocha. Voltei para nadar um pouco no lago e subi para a pedra, curtindo o sol da tarde, que era o programa da galera.

 

Após armar a tenda, decidi ir para Los Témpanos, uma laguna glaciar cerca de 30 minutos do refúgio e de onde se inicia o trajeto pelas montanhas. Além de apreciar a laguna, estudaria a rota.

 

Los Témpanos de fato vale o side trip. Belíssima, talvez a mais perfeita laguna glaciar que já vi nos Andes. Forma um circo perfeito ao seu redor, bem alto, com um glaciar tipo prateleira em seu topo, de onde desciam cascatas. Belíssima.

 

Mas não gostei nada do que vi quando comecei a estudar o trajeto nas montanhas, comparando o que via com a descrição do caminho na minha fotocopia do "Trekking in the Patagonian Andes". Além de íngreme e cansativo, havia trechos que pareciam bem expostos, isto visto de baixo.

 

O caminho seguia pelo filo de um contraforte até chegar na encosta do pico Refugio, onde começava uma escalaminhada íngreme por trinta metros acima, onde um paredão escarpado impedia a continuidade da subida. Era necessário dobrar para a esquerda por uma franja estreita, por 50 metros, até o ponto onde se reiniciava a escalaminhada quase vertical. O problema é que esta franja estava sobre um abismo que precipitava 100 metros sobre a laguna los Témpanos. A subida a partir desta franja tem por objetivo chegar a uma canaleta de pedras, caminho natural para o filo.

 

Voltei desanimado para a área de acampamento. Na chegada, na primeira barraca, dois rapazes tomando mate me perguntaram se havia ido para a laguna. Disse-lhes que sim e que valia muito a visita. Talvez a mais bela que já vi. Soube que eram um americano e um francês. Elogiei o espanhol deles, eles agradeceram e segui para o refúgio.

 

Lá tomei outra cerveja e disse ao Ernan que ele tinha razão quanto a exposição. Já havia feito minha cabeça quanto a descer pelo vale do arroyo Casa de Piedras até a Colonia Suiza, pegar uns 5-6 km de estrada e subir o vale do arroyo Goye até o refúgio Laguna Negra. Uma volta longa porém tranqüila, sem qualquer "exposição". Porém me aborrece não seguir inicialmente planejado, além do sentimento de ter perdido um desafio.

 

Aí Ernan me disse que havia outro rapaz que queria fazer o trajeto e que ele o avisaria que também desejava fazê-lo. Concordei e descrevi onde estava a minha barraca, para ele me procurar.

 

Fui tomar outro banho na laguna. Me repreendi por não ter dito logo que estava desistindo da idéia. Mas não levei muito a sério a tentativa do Ernan  de achar um parceiro para a empreitada.

 

Perto de escurecer fui para a laguna pegar um pouco de água para escovar os dentes. Quando subi, eu vi um rapaz me procurando ao redor da tenda. Era ele que desejava fazer a travessia. Disse-me que havia outra pessoa interessada. Combinamos de nos encontrarmos no refugio em meia hora.

 

Troquei minha roupa e fui para lá, me remoendo por não ter abandonado de vez a idéia. Cheguei e encontrei os dois jantando. Eram o americano e o francês com os quais eu falara na volta da laguna Los Témpanos. Conversamos um pouco. O Haendel era americano de Montana e o Jerome, francês de Paris. Apenas o Haendel tinha experiência de escalada. Mostrei meu mapa cartográfico, bem melhor que o deles, e discutimos a rota a luz de velas e headlamps. O abrigo não tinha luz. Combinamos com Ernan que 8 horas da manhã seguinte ele explicaria a rota com ajuda de fotos (exatamente como o guia da Lonely Planet diz). Procurei dormir mais cedo pois o dia seguinte prometia ser duro.

  • Membros de Honra
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Refúgio San Martin - refúgio Segre (ou Itália). 29 de dezembro de 2011.

 

A noite foi ruim. Acordava de vez em quando e demorava para dormir com o estômago embrulhado, pensando na escalada do dia seguinte, e na alta exposição. Senti também uma certa taquicardia.

 

Embora tenha colocado o despertador para as 07 horas, acordei 06 horas. Sabia que não conseguiria mais dormir. Por isso resolvi adiantar o lado e comer mais calmamente o café da manhã. Teria um dia duro e precisava comer bem.

 

Mochila pronta, um pouco antes das 8 horas, fui para o refúgio me reunir com o pessoal, ver as fotos e ouvir as explicações do refugiero. Havia decidido que se não gostasse do que visse, desistiria de ir com o pessoal.

 

O Ernan me mostrou as fotos e fiquei mais aliviado. A franja não era tão estreita e a escalada tinha apoios e não parecia tão íngreme. Mostrou as fotos em seqüência, até o momento de baixarmos do cerro Navidad, a partir do qual seria tranquilo. Sugeriu até que tirássemos fotos das fotos, especialmente da referência do paso onde cruzaríamos para o outro lado da montanha e avistaríamos a laguna Navidad. Assim eu fiz.

 

Preenchemos um formulário do P.N. Nahuel Huapi com nossos dados, telefones de contato em caso de acidente e o que pretendíamos fazer. Deveríamos avisar tão logo chegássemos ao refugio Segre, onde já nos estariam esperando, avisados por rádio que estávamos a caminho.

 

Não pude deixar de notar, no formulário preenchido, que ambos os companheiros de travessia tinham 24 anos, metade da minha idade, ou seja, eu tinha a soma da idade deles.

 

Agradecemos a Ernan e as refugieras e tiramos fotos com todos. Eles foram muito gentis. Saímos e seguimos em silêncio rumo a laguna Los Témpanos. Eram quase dez horas. Dia bonito. Fui o único a sair só de camisa. Os demais estavam de agasalho. Sabia que bastaria subir um pouco que o frio rapidamente passaria. Realmente, pouco depois, ambos pararam para tirar seus agasalhos devido ao suor.

 

Ao chegarmos ao contraforte, ao invés de simplesmente cruzá-lo, rumo a laguna, começamos a subir por ele. Subida fácil, com pouquíssima escalaminhada. A maior parte do trajeto usei os bastões.

 

Chegamos num ponto onde guardei os bastões, pois teríamos de subir uns trinta metros de pura escalaminhada até atingir a franja. Cheguei ofegante lá. Começamos a andar através dela, com Jerome a frente, Haendel no meio e eu fechando a fila.

 

A franja não era estreita. De baixo é que dava uma impressão ruim. Inclusive não avistávamos a laguna lá embaixo, mas todos sabíamos o que existia além de um ponto de rocha arredondada que formava um beiral: nada, 100 metros apenas de ar, de queda livre. Um tropeção e um rolamento para a esquerda era o fim.

 

Chegamos no ponto onde iniciamos o trepa pedra, em linha reta para o topo. Tinha pontos para os pés e mãos, mas não era nada confortável. O Haendel disse-me depois que a inclinação, a maior parte do tempo, deveria estar entre 60 a 65º.

 

Arfava com o peso da mochila. Devería ter algo como 17 kilos, incluídos 1,5 litros de água. O medo tinha que ficar em segundo plano, porque devia me concentrar nos pontos de agarre. Aquilo não era uma escada. As vezes tínhamos de estender bem os braços e as pernas para alcançar os pontos, em posições um pouco acrobáticas. Sempre procurava as agarras mais seguras, tentando me lembrar do princípio básico de só me mover quando tivesse ao menos 3 pontos seguros de apoio (2 pés e 1 mão, por exemplo).

 

Em três locais havia ferragem nas rochas, para prover segurança nos pontos críticos. Acho que os guias de montanha contratados faziam a segurança naqueles pontos para os turistas que guiavam, se sentissem que os mesmos estavam inseguros e empacando.

 

Realmente ali era fácil congelar. Se houvesse uma queda, seria muita sorte conseguir parar numa proeminência de pedra. O mais provável seria cair até a franja e dali continuar rolando para o abismo e a laguna Los Témpanos. Possivelmente o infeliz não chegaria a sentir o frio daquelas águas gélidas. Estaria morto antes.

 

Mas só pensei nisto depois. Finalmente, eu com o coração na boca, chegamos na canaleta de pedra que passava entre duas rochas proeminentes. Começamos a subir através dela. Ainda havia certo risco. A esquerda observamos pequenos trechos de gelo.

 

Chegamos a um talus, pedras do tamanho de uma bola de futebol ou maiores. Continuamos subindo rumo ao filo em diagonal, para a esquerda. Aquilo agora era brincadeira de criança. Seguia sempre por último, atrás dos jovens.

 

Finalmente no topo, nos cumprimentamos e tiramos fotos. O trecho mais difícil estava vencido. Que alegria, que alívio! Levamos cerca de 1h40m até lá, a partir do refúgio.

 

Passamos para o lado direito do filo e baixamos. O destino era um ponto entre dois pináculos, com pedras soltas de cor amarelada. Lá chegando, vimos no outro lado o circo da laguna Navidad, que teríamos de contornar, num rumo aproximado Noroeste. Neste dia, acima da linha das árvores, a direção geral era normalmente Noroeste.

 

Paramos neste paso para beber água e comer algo. Compartilhamos a comida. Parecia que carregavam pouca comida de trilha. Vi uma ferida no braço do Jerome e perguntei se foi na trilha. Respondeu que foi briga por causa de mulher numa discoteca de BsAs. Vejam onde as pessoas se machucam....

 

Prosseguimos por um talus difícil, agora do outro lado da montanha, por trás da laguna Los Témpanos, avistando a laguna Navidad sempre a nossa direita. Rumávamos para o cerro Navidad. Escolhemos um caminho mais empedrado que ia para o colo entre o cerro Inocentes e o cerro Navidad, para evitar certos trechos maiores de neve. Apenas eu tinha piolet.

 

Atingimos o colo e uma magnífica vista para oeste, para o Tronador, a montanha mais alta da região, com 3.491metros, bem distinto, com seus dois picos. Vimos também a laguna CAB, caminho para Pampa Linda.

 

Continuamos fraldeando pela encosta oeste do Navidad rumo ao cume. Pelo filo seria mais complicado pelo tipo de terreno que havia no topo.

 

Estávamos quase no topo quando Jerome viu e gritou. Uma grande nuvem se elevava para os céus na forma de um cogumelo de explosão nuclear. Após o espanto inicial tomamos fotos e subimos para o pico do Navidad, marcado por uma cruz de madeira.

 

Tiramos ainda mais fotos. Jerome tirou uma foto de perfil do Haendel, boquiaberto, olhando atônito para a erupção. Rimos depois quando vimos a foto. Era a melhor expressão de espanto que já havia visto em fotografia.

 

Jerome pediu para tirar fotos dele segurando a cruz e apontando para o vulcão. Me pareceu um profeta pregando o fim do mundo. Só faltava dizer: "Arrependei-vos e crede no evangelho! O fim está próximo!" Não pude conter um riso.

 

Estávamos alegres. Acabáramos de presenciar um espetáculo da natureza. Brincávamos dizendo que o Jerome, que tinha a melhor câmera, uma moderna Sony Alpha sei-lá-o-que, cheia de recursos, poderia vender suas fotos a peso de ouro para o Le Monde, e pagar assim sua viagem pela Patagônia.

 

Eu sempre fico com o pé meio atrás. Me lembrei que a erupção do Puyehue - Cordón Caulle em junho/julho 2011 havia colocado 10 cm de areia vulcânica em Bariloche em apenas uma noite, para terror de seus habitantes. Fiquei com receio dos ventos estarem vindo em nossa direção com gases tóxicos. Estávamos a 2.102 metros. Porém pareceu-me que os ventos seguiam numa direção leste ou leste - sudeste. Para virem até nós deveriam ser de sudeste. Em todo caso sugeri seguirmos e baixarmos logo. Todos concordaram.

 

Brincando disse que deveríamos pedir uma cerveja grátis para cada um. Em troca mostraríamos as fotos da erupção, ao refugiero do refugio Segre (Itália). Rimos e começamos a descer.

 

O vale do arroyo Navidad é estreito e íngreme. Em alguns pontos haviam bolsões de neve. Para ganhar tempo descíamos escorregando (glissading). Aquele tobogã de neve precisava ser aproveitado. Jerome e Haendel, com experiência, desciam esquiando nos pés.Como não tinha a menor experiência, optei pelo skybunda, usando o spike do piolet para frear e controlar a velocidade de descida. Nos dois primeiros bolsões, como a inclinação era pequena, o skybunda não foi muito bom porque a área de atrito era grande e não permitia maior velocidade. No terceiro foi excelente, descendo bem rápido, sendo obrigado a freiar com o piolet.

 

No ultimo dos bolsões de neve voz da experiência do Haendel falou. Ele me perguntou se o córrego que escorria por baixo do bolsão não teria formado um túnel com o risco de desabar se passássemos por cima dele. Só pude concordar e contornamos aquele bolsão. Se ele não alertasse, talvez passasse por cima. Haendel se mostrou um montanhista muito tranquilo e safo e excelente companhia para uma empreitada como essa.

 

A descida para o vale do arroyo Navidad, que acompanhávamos desde sua nascente na neve, foi muito cansativa. Quando chegamos ao vale tivemos que trilhar primeiro por um mallín, depois atravessando de um lado para outro do arroyo, pois não havia trilha propriamente dita. É pouco utilizado este percurso, em relação aos demais trechos do parque.

 

Paramos para comer a margem do arroyo Navidad, exaustos e esfomeados. Confirmei o que já havia notado. Tinham apenas um saco de amendoim sem casca, duas bananas, uma maça e uma laranja para lanche de trilha na travessia. Muita pouca caloria para tanto esforço!! Dividi com eles o resto do meu pão, queijo, chocolate, barras de cereais. Gostaram muito da banana desidratada, que não conheciam.

 

Destaque especial para a jujuba, que adoraram. O grande esforço cria uma larica por açúcar. Sempre que levo meu filho para uma festa de aniversário volto com os bolsos cheios de batom, jujuba e otras cositas más, pensando justamente nos trekkings. Minha mulher fica horrorizada. Explico-lhe que nas festas estas guloseimas (que normalmente não como) vem em porções pequenas, ideal para trekking.

 

Continuamos a descida. Para nossa surpresa e decepção, descobrimos que estávamos apenas num platô do vale do arroyo Navidad e que teríamos ainda que descer muito. Havia como quatro ou mais platôs e um bom disnível pela frente. Emprestei um dos bastões para Jerome, que não tinha nenhum. Mas senti falta dele. Um é bom, dois é excelente.

 

Descida muito chata e cansativa, embora o cenário estivesse cada vez mais bonito. O vale se estreita e o riacho cresce, formando belas cascatas. O problema é a falta de trilha. Um tal de pula pedra e salta riacho de um lado para outro. Praguejava por ter trazido o piolet. Sua ponta, projetada acima da mochila, enroscava volta e meia nas árvores. Coisinha inútil. Só serviu para frear o glissading. Trouxe porque não tinha certeza quanto a condição de neve.

 

O pior é que desceríamos até o vale onde o arroyo Navidad encontra o arroyo Goye e de lá subiríamos todo o caracol, trilha em zig- zag até o refugio Segre, a 1.650 metros, nosso destino. Ainda tínhamos cerca de 400 metros de desnível. Só de ver o caracol eu desanimava.

 

Por mim, até ficava acampado no fundo do vale Goye, de tão cansado estava. Mas tínhamos que chegar até 19 horas no refúgio, caso contrário o refugiero emitiria por rádio um sinal de alerta e no dia seguinte poderíam iniciar as buscas.

 

Chegamos ao mais solitário dos refúgios por volta das 18 horas. Digo solitário porque, além de nós, só haviam mais 3 argentinos que iriam no dia seguinte para Pampa Linda. E só havia uma pessoa tomando conta do refúgio, Natália, bonita e simpática argentina de Bariloche.

 

Tomamos uma cerveja para comemorar a chegada e fomos ao lago para um banho. Logo depois esfriou bruscamente. O sol se escondeu atrás do cerro Negro.

 

Eu estava tão cansado que encomendei a janta no refúgio. Jerome fez o mesmo. Uma sopa de abóbora com croutons, um macarrão com molho de tomate, cogumelos e algo mais (não distingui) e uma sobremesa, por 75 pesos. A sopa e a sobremesa OK, mas não gostei da massa. Quando ela trouxe a vela para a mesa tratamos de soprar e apagá-la, pois ali só tinha macho. Onde já se viu um jantar romântico a luz de velas! Ela deu risada e disse que não havia porque ter preconceito. Deixamos ela acender outra vez a vela.

 

Nosso amigo Jerome gostou da comida. Mas acho que estava impressionado com a refugiera e pensou com o coração, não com o estômago.

 

Tomamos uma cerveja artesanal feita lá mesmo no abrigo. Fiquei surpreso. Mesmo num lugar remoto é possível fazer cerveja. Teor alcoólico de 7,7° GL, forte!

Não me caiu muito bem. Fui dormir com dor de cabeça. 

 

Mas dormi como uma pedra. Foi o dia de trekking mais extenuante e difícil da minha vida. A variedade de terrenos (escalada, scree, muita subida e descida, canions, neve, brejos, pula pedra e riachos) e os grandes desníveis deixam qualquer um esgotado. É preciso muita forma física para agüentar um trajeto como este. E haja coração para quem tem medo de altura.

 

Segundo Natália, um ou dois dias antes um casal de brasileiros havia feito o mesmo trajeto, o que me deixou muito orgulhoso.

 

Como recompensa, cenários belíssimos (alguns consideram o Nahuel Huapi o mais belo trekking da Região dos Lagos) e o privilégio de assistir a uma erupção. Isto não tem preço. O resto o Master Card paga.

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Refúgio Segre (Itália) - Refúgio López. 30 de dezembro de 2011.

 

Convencí os demais parceiros a completarem a travessia. Iriam comigo ao último Refúgio, o López. Era algo fácil se comparado com o dia anterior. Batizamos nosso grupo como o "Volcano Team".

 

Combinamos estar prontos as 10 horas da manhã. Sugeri este horário para poder acordar mais tarde. Estava muito cansado da travessia Jakob-Segre. E geralmente vamos dormir tarde porque no verão patagônico escurece lá pelas dez horas da noite.

 

Muitos camundongos na área de camping. De noite os ouvia. Pela manhã vi o rabinho de um deles através da parte telada da porta da tenda. Enquanto tomava café eles circulavam. Tive que jogar pedras para afastá-los. Inclusive tive dificuldade para achar uma colher. Jurava que havia colocado sobre uma pedra, mas cadê que encontrava? Descubrí-a caída por baixo de uma pedra, provavelmente por obra dos camundongos.

 

Finalmente pronto, fui para o abrigo, onde conversamos com Natália. Os argentinos já haviam partido rumo a Pampa Linda. Embora fosse o acampamento com menos tábanos, era aquele com mais roedores. Ela, com sincera curiosidade, me perguntou quantos havia visto e qual o tamanho. Respondi-lhe: quatro camundongos. Disse aliviada que isto não era nada. Estava com receio, pois este foi um ano de floração da caña colihue (uma vez a cada 10-15 anos) que com seus frutos permite uma explosão populacional de roedores. Quando isto ocorre, as ratazanas invadem as centenas os locais, fazendo que tenhamos que sair correndo para não sermos mordidos. Imagine você numa trilha ou acampado vendo um rio de ratos vindo em sua direção!!!! Filme de terror...

 

Neste ano as cinzas do vulcão Puyehue os fizeram fugir para outros lados que não o Nahuel Huapi e Bariloche. Um aspecto positivo da erupção.

 

Ela explicou-nos que em verdade o vulcäo Puyehue nunca parou desde a grande erupçäo de junho. O que vimos foi uma erupçäo maior do vulcão. Mas volta e meia o vulcão tem seus acessos de mau humor.

 

Despedimo-nos da Natália, tiramos fotos juntos. Jerome quase não ia conosco. Mas partiu com um peso no coração! Ficou pertubado com a beleza da refugiera.

 

Contornamos a laguna Negra pelo seu lado Norte. Num pequeno trecho havia a ajuda providencial de um cabo para auxiliar numa descida de 2-3 metros de rocha. Chegando no lado Oeste começamos a subir, cruzamos o arroyo que alimenta a laguna e tiramos as últimas fotos do refúgio visto de longe. Iniciamos a subida, não muito inclinada, para o colo entre o cerro Negro e o cerro Bailey Willis. No colo, vista espetacular do Tronador, contra um céu azulado sem nuvens.

 

Avistei a Oeste a laguna CAB, por onde se passa rumo a Pampa Linda. Este trajeto selvagem deixarei para fazer numa outra ocasião. É outro excelente roteiro dentro do Parque.

 

Subimos pela crista até um pico secundário sem nome, bem antes do principal, do Bailey Willis. Observei que Jerome usava uma capa plástica preta, que devia estar sobreaquecendo-o. Ele me respondeu que precisava usá-la porque só tinha uma camiseta e estava muito queimado de sol, além de ter uma pele sensível. Estava molhado de suor. Eu estava vendo a hora dele ter um troço. Em inglês se diz "heat stroke", algo como ataque de calor, sobreaquecimento. É um risco sério. Haendel tinha uma camisa de manga comprida extra e emprestou-o. O Jerome ficou claramente aliviado com a mudança na indumentária.

 

Outro risco é se desidratar demais devido ao excessivo suor. No site do Parque Nacional Nahuel Huapi li, agora a pouco, que uma argentina de 34 anos foi evacuada por quatro brigadistas no dia 28/12, porque estava muito desidratada, isto no trecho inicial para o Refúgio Frey! As atividades na natureza  geralmente são muito tranquilas, mas é necessário um mínimo de conhecimento.

 

O Haendel, por sinal, usava uma bandana ao modo de uma balaclava. Parecia um membro da Al Qaeda. Perguntei-lhe se não sentía calor. Disse-me que aquela bandana da Buff (ou algo assim) era excelente. Protegía muito bem o rosto. Segundo ele, parecia que estava com o rosto na sombra. Era feita de CoolMax.

 

Para nosso alívio não necessitamos subir a encosta empedrada do Bailey Willis até seu topo. Fraldeamos sua encosta pelo lado Oeste até um colo, rumo Norte. Não avistamos o vulcão Puyehue porque estávamos bem mais baixo que o cerro Navidad, no dia anterior.

 

Ao chegarmos ao colo, paramos para descansar, comer algo e ver o trajeto adiante. Um grande, realmente grande aborrecimento tomou conta de mim. O caminho para subir o cerro Lopéz, pelo que dali se descortinava, era com um grande desnível e íngreme e, pior, por um carreo de pedras, um talus e/ou scree. Não era nada perigoso como no dia anterior, mas era extremamente cansativo. Além de ser íngreme, cada passo dado poderia escorregar um metro para baixo, se as pedras em que pisasse deslizassem.

 

Aprendi a atentar mais para as curvas de nível no mapa cartográfico que possuia. Estavam bem coladas. Não era falta de informação.

 

Descemos rumo Norte para o vale onde nasce o arroyo Goye. Paramos para almoçar a beira do riacho. Havia bons lugares para acampar ali, no meio dos bosques.

 

Descansamos, conversamos e bebemos muita água. Fui ao banheiro com meu piolet (para alguma coisa devia servir) e papel. Descubri um grupo acampado do outro lado do bosque de árvores onde estavamos. Tinham acabado de descer do cerro López e também almoçavam. Me disseram que a subida era muito dura.

 

Partimos. Primeiro superar uma elevação até um platô. Dali a subida era mais suave até a base do carreo de pedra. Começamos o zig-zag, até aí tudo bem. Quando chegamos na canaleta a coisa complicou. Haendel seguiu na frente sozinho enquanto descansamos fora da sua linha de queda. Deste modo se ele deslocasse uma pedra, ela não rolaria sobre nós. Sempre que parava para descansar, nos avisava. Daí seguía Jerome. Por fim, descansando Jerome, eu subía.

 

Era exasperante este trecho. As pedras se deslocavam com muita facilidade. As vezes mais baixava, deslizando, do que conseguía subir com minhas passadas. Era exaustivo. Mesmo no último dia a travessia aprontava estas surpresas.

 

Cheguei por último no topo. Perto do colo uma suave rampa em diagonal parecía um passeio numa rambla de tão confortável. No colo uma vista soberba. Estavamos a 2.000 metros. O lago Nahuel Huapi tomando nosso horizonte ao Norte, Bariloche a Leste, o Tronador a Oeste-SO, o braço Tristeza do lago Nahuel Huapi a Noroeste.

 

Uma tênue camada de nuvens cor marrom cubria as montanhas ao Norte, do outro lado do lago. Eram as cinzas do Puyehue flutuando no ar, o que possivelmente está deixando o aeroporto de Bariloche inoperante.

 

Jerome, já comentei que tinha uma boa máquina fotográfica, se animou para ir ao pico Turista, um dos picos do cerro López, mais ao norte da torre principal. De lá aproveitou uma estrutura de ferro para apoiar sua máquina e tirar fotos. Eu e Haendel estávamos tão cansados que preferimos ficar deitados, descansando, comendo e olhando a vista.

 

Partimos para a etapa final, a descida para o refúgio López. Uma primeira surpresa foi passar numa passarela de neve que ligava o pico do cerro López a um pico secundário mais baixo. De um lado e de outro desta passarela uma ladeira de neve com inclinação de 45º. O da direita era bem extenso e parava num glaciar lá embaixo. Era necessário um certo cuidado nesta passagem. Era esta passarela de neve cuja foto aparece no livro "Trekking in the Patagonian Andes", do LP. Da passarela pulamos para as pedras e daí descemos penosamente por várias prateleiras de pedra até que avistamos o refúgio. Agora era a vez dos joelhos reclamarem. Que descida chata!

 

Passamos pela lagunita La Hoya (a folha), bonita e pequena laguna que captava a água do glaciar que comentei acima. Uma série de tubos plásticos flexíveis a beira da lagoa indicavam que a captação de água do refúgio era naquele ponto.

 

Notamos também cercas de pedra. Algumas pessoas preferiam acampar ali. Não demoramos porque estávamos loucos para chegar no refúgio. Mais meia hora de descida e pronto! Largamos a mochila no terraço do refúgio. Só havia uma pessoa que esperava a refugiera, que foi buscar uma mochila de suprimentos no estacionamento de automóveis meia hora de caminhada montanha abaixo, onde os automóveis conseguiam chegar.

 

Esperamos comendo lanche de trilha. Conversamos com o argentino, que era motorista da empresa de ônibus Chevallier. Teria um dia de folga e pretendia fazer o roteiro inverso ao nosso, indo ao refúgio Segre e, em seguida, baixar até Colônia Suiza pelo arroyo Goye. Algo puxado.

 

Finalmente chegou a refugiera, que se chamava Natali (a outra era Natália). Não era tão bonita quanto a outra. Mas muito simpática, nos permitiu tomar banho numa piscina de captação de água, inclusive com sabão, pedido do Jerome. Aquela água provavelmente só serviria para dar descarga nas latrinas. Foi o banho mais quente da jornada.

 

De Colônia Suiza para Bariloche só haviam três ônibus diários: 7 horas, meio-dia e 17 horas. A refugiera me disse que a descida a pé levaria uma hora e meia. Assim, se desejasse pegar o de sete horas, deveria partir as cinco da madrugada. Decidi pegar este primeiro ônibus. Estava com bastante saudade da família e queria chegar mais cedo no último dia do ano, para encontrar-los ainda no hotel, antes de sairem para um tour. Portanto resolvi dormir no refúgio, algo que nunca fiz antes.  Eu suspeito um pouco da higiene destes locais. 

 

Li um relato de uma japonesa que pegou sarna no Caminho de Santiago. Provavelmente num refúgio. Mas se ficasse no abrigo não teria que desarmar a tenda. Se fosse dormir na barraca teria de acordar mais cedo ainda, ao menos meia hora antes, cerca de 04:30, e desarma-la no escuro.

 

Nesta noite eu e Jerome também resolvemos jantar no refúgio (60 pesos) pois estava cansado. O prato era uma paella de mariscos. Uau, que cardápio para um refúgio de montanha! Descobrimos que se tratava de um prato pré-cozido, embalado a vácuo numa embalagem de alumínio. Bastava colocar a embalagem na água fervendo. Foi uma paella meio insossa.

 

Conversamos e me despedi de Jerome e Haendel. Eles iriam num ônibus mais tarde. Trocamos os e-mails. Pedi a Jerome para me enviar depois as fotos do vulcão e fotos a partir do cerro Bailey Willis, quando minha máquina ficou sem bateria. Dei o cartucho de gás para o Haendel, já que de nada me serviria e não poderia embarcá-lo no avião em Neuquen. Também passei-lhe uma fotocópia do roteiro Colônia Suiza - Pampa Linda, que era meu plano B, caso não pudesse fazer a travessia.

 

Fui deitar já de roupa, para adiantar o lado amanhã cedo. Os colchões tinham umas manchas suspeitas.  Mas estava vestido e preguei rápido no sono.

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