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Mãe Catira – Farinha Seca: A Super travessia que virou Circuito

Quem desce a Estrada da Graciosa, famosa vereda de paralelepípedos graníticos q interliga o planalto curitibano ao litoral, não deixa de se encantar com o enorme e verdejante cadeia montanhosa q ladeia a sinuosa estrada desde seu inicio. Falamos da Serra da Farinha Seca, q embora na carta surja agregada a Serra da Graciosa, na verdade é um único acidente geográfico q recebeu dois nomes por confundir-se com a estrada homônima. Independentemente disso, formam uma única e majestosa cumeada de 10kms q se espicha a partir do Morro Mãe Catira e finda no Morro da Balança.

 

Mesmo próxima de serras mais notórias, a visitação da Farinha Seca é rara, senão inexistente para além do conhecido Morro do Sete. Os motivos vão desde terreno bastante acidentado e muita “quiçaça” no caminho, isto é, vegetação ruim, agreste, suja e espinhenta. Não bastasse isso, suas cristas e cumes não são descampados rochosos e sim cobertos de “macega”, mata arbustiva rija, espessa e compacta. Mas o q gera desinteresse a uns é decerto colírio pra outros. Foi assim q nasceu o desejo de realizar a “Longa Travessia da Farinha Seca”, desafio este cujo maior obstáculo era o pioneirismo duma linha de cristas totalmente selvagens, virgens e inexploradas.

 

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O projeto era ambicioso e o tempo disponível do feriado, apertado. Há tempos q ouvia falar da Travessia da Farinha Seca e a tempos q vinha “me oferecendo” pra integrar a expedição q Julio Fiori (altamontanha.com) vinha organizando à região. São contadas nos dedos da mão as pessoas q já enfrentaram essas montanhas e de tds apenas as trupes do Giancarlo Castanharo (mais conhecido como Cover) a mais de uma década atrás e mais recentemente os NNM (Nas Nuvens montanhismo) conseguiram rasgar a serra de cabo a rabo, entretanto, sua rota desconsiderou o Balança, q tb integra a crista inicial ao sul. Portanto, a travessia completa pela crista da Farinha Seca era algo completamente inédito e pioneiro. Será q vamos conseguir? Vejamos...

Pois bem, após uma madrugada mal dormida de viagem embalada em fina garoa, chegamos à Estrada da Graciosa naquela fria e enevoada manhã de quinta eu, Mamute, Vivi e Fabio, as 7:30. Estacionamos então na pastelaria logo após o portal, meio q descontentes por conta da mesma não estar aberta a fim de nos providenciar um revigorante desjejum. Se bem q quiçá nem houvesse tempo pra isso, pois não demorou pro resto dos integrantes daquela supertrip darem o ar da graça, saídos de 3 carros q chegaram quase q consecutivamente.

 

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Do primeiro veículo saíram os veteranos Fiori e Moisés, q dispensam apresentações, além da “lenda viva” Elcio Douglas Ferreira e a belezura-pau-pra-td-obra Bárbara Pereira, a Báh; do segundo surgiram nada menos q o presidente da Fepam; o Natan e sua esposa Michele, ambos do “Nas Nuvens Montanhismo”, o Otaviano e sua esposa Carol e finalmente o Pedro Hauck do terceiro, estes últimos montanhistas de garbo do site altamontanha.com, acumulando as funções de programador e editor, respectivamente. Francamente, nunca havia visto tanta gente de renome junta a não ser na “Adventure Fair”. E o melhor, prontos pra ação! Olha, me senti pequeno diante de td aquela galera, uma vez q minhas credenciais se limitam apenas a trilheiro de final-de-semana e pretenso articulista-amador nas horas vagas.

Após as devidas apresentações imediatamente embarcamos rumo nossos respectivos destinos. Ué, como assim destinos distintos? Sim, com tempo apertado para uma empreitada deste porte precisariamos, além de muita mão-de-obra pra abrir passagem diante dos obstáculos q se apresentariam, logística bem diferenciada. E a idéia previa dois grupos começando nos extremos opostos da pernada de modo a otimizar o avanço e assim, das chances de conclusão plena da travessia. Os dois casais acompanhados pelo Pedro e do Jurandir Constantino que aguardava em Porto de Cima iniciariam a caminhada pelo Morro da Balança enquanto os demais fariam a investida pelo Morro Mãe Catira para reencontrar-se no meio da travessia. Simples e aparentemente eficaz, afinal a “união faz a força”.

 

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Assim, nosso intrépido quarteto paulista acompanhou então o veiculo do Fiori enqto o resto do pessoal, em tese, foi direto pro Balança na outra extremidade da pernada. Não rodamos nem alguns poucos kms Graciosa abaixo q logo adentramos numa precária estrada de chão, à direita. Serpenteando devagarzinho pela mesma não demorou a estacionar em definitivo num local chamado Casa Garber (ou Casa de Pedra, tanto q tem as ruínas de uma bem do lado). Fomos recebidos por um velho e roliço senhor, q tem o pitoresco apelido de “Espalha Brasa” e autorizou a permanência dos veículos. Falador como ele só, estava com a barba recém-feita, sinal q naquele dia visitaria “as primas” na cidade.

Enqto ajustávamos as cargueiras nos ombros o tempo à nossa volta apenas tendia a piorar. As brumas agora davam lugar a um céu cor-de-chumbo com direito a garoa engrossando cada vez mais, sem dar sinais de melhora. O Elcio cogitou a possibilidade de abortar a trip diante daquelas condições climáticas, mas vendo q nós - paulistas retados - estávamos resolutos a pernar do jeito q fosse, não cedeu a seu impulso fazendo jus a fama de perrengueiro-sob-qq-cirscunstância q o precede. Apesar de estarmos ao sopé do Mãe Catira, sua cumeada aqui encontra-se totalmente invisível à nossos olhos, engolida por completo pelos tons opacos do mal tempo. O Mãe Catira, por sua vez, recebeu este nome devido a uma escrava alforiada que no sec. XVIII fixou residência nas margens do rio do mesmo nome, às margens da Graciosa.

 

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Começamos a pernada oficialmente um pouco depois das 8:30, qdo a garoa enfim deu trégua, tomando uma picada próxima do casa do seu pançudo proprietário. Óbvia, bem batida e sinalizada de fitas, a trilha sobe o Mãe Catira progressivamente pela sua encosta forrada de mata, q por sua vez fornece as raízes necessárias q aqui servem de degraus. O ritmo é ágil e não tarda pra Báh, Moises e Élcio, a quem apelidei de “Trio Ligeirinho”, dispararem na dianteira distanciando-se bastante da gente. Eu e o resto preferimos subir sem pressa, obedecendo nosso ritmo e desfrutando da pernada. A piramba então embica forte, fazendo o suor escorrer em bicas pelo meu rosto e a umidade embaçar os óculos.

Após uma breve parada num pequeno curso d’água q refresca a goela e enche alguns cantis, a pernada prossegue no mesmo compasso anterior, sempre atentando pras marcações de plástico na vegetação. Mas é aqui q reparo q o bravo e decidido Mamute estranhamente vai ficando pra trás. Pergunto do q se trata e ele apenas responde que padece de uma inconveniente dor nas “partes baixas”, fruto de uma antiga infecção mal tratada, estar prejudicando sua ascensão normal. Ele bem q tenta prosseguir, mas no final entrega os ptos e decide sabiamente retornar. Era a primeira baixa da trip.

 

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Após me despedir do Mamute apresso o ritmo de subida até emergir nos primeiros campos de altitude, onde reencontro o resto do pessoal as 10:10, q aqui descansa apreciando o visual ao redor, já q as brumas haviam parcialmente se dissipado. Estamos numa encosta próximos da bifurcação q, em menos de meia hr, leva ao alto dos 1457m do Mãe Catira e, numa hora, aos 1339m do cume do Morro Sete, q recebe este nome por ostentar este número cravado num paredão. Fiori me dá a opção de visitar estes cumes, mas abro mão dela por não querer atrasar o ritmo do grupo, até pq eu já via os pontinhos coloridos do “Trio Ligeirinho” já na montanha ao lado! O Mãe Catira é o pto culminante de td Serra da Farinha Seca, mas apesar de não visitar seu topo dali já se tem um bom vislumbre do entorno: ao norte avista-se a silhueta de td cadeia do Ibitiraquire, com o PP espetando majestosamente as nuvens; e ao sul notamos uma serie de elevações sucessivas q correspondem ao Popoaçu Mirim, Casfrei, Esporão do Vita e Tapapuí.

Após bordejar os campos arbustivos do Mãe Catira começamos a descida ao vale q dá acesso à montanha sgte, isto é, ao Popoaçu Mirim q tb é conhecido como Pequeno Polegar. Mergulhamos então novamente na mata, equilibrando-nos sobre as raízes e firmando no tronco das arvores em volta. A desescalaminhada íngreme lembra bastante à do Corcovado de Ubatuba e num piscar de olhos pisávamos no leito pedregoso de um pequeno córrego no selado entre as montanhas. Sem perder de vista as benditas fitas amarelas no arvoredo, a jornada outra vez embica forte montanha acima acompanhando pela esquerda um enorme paredão rochoso da encosta do Popoaçu Mirim. Ao emergir novamente nos campos de altitude, aqui tomados por caratuvas q dançam ao vento, o brumado toma conta dos 1382m do estreito cume do Pequeno Polegar, tomado de espessa macega. Eventuais janelas apenas permitem vislumbre dos impressionantes penhascos verticais do Morro Sete, bem do lado, assim como do “Trio Ligeirinho” subindo a encosta do Casfrei, a próxima montanha da cadeia.

 

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Despencamos então pela grota oposta novamente, sempre atentos às marcações, agarrados ao tronco e raízes aéreas das arvores feito macacos. E tome mais desescalaminhada onde td cuidado é pouco, afinal, o perigo está justamente ao se apoiar em pedras soltas ou galhos podres. Frestas na vegetação permitem avistar nosso destino, bem ao lado. Após uma descida longa e acidentada, no fundo do vale nos brindamos com uma breve parada pra beliscar alguma coisa, ao meio-dia, protegidos da neblina gelada por enormes rochas verticais q parecem nos emparedar naquele exíguo espaço. Os fumantes tb tem a sua vez de relaxar naquele meio de nada e lugar nenhum, com Fiori puxando seu indefectível charuto e Vivi seu cigarrinho amassado.

Retomamos a pernada contornando um espesso bambuzal pra em seguida passar p/ subida propriamente dita do baixo Casfrei. A ascensão é curta, íngreme e praticamente em linha reta piramba acima, sendo assim num piscar de olhas galgamos seu cume coberto de vegetação lenhosa e dura q vai até a altura do quadril. Pra variar, do alto víamos nitidamente a trinca de ptos coloridos destoando da encosta verde do alto da montanha sgte do trajeto, o Esporão do Vita e logo atrás com brumas encobrindo sua cumeada, o imponente Tapapuí.

A marcha prosseguiu no mesmo compasso anterior, isto é, com uma nova e íngreme descida em direção ao colo sgte q nos separava da base do Esporão do Vita, a sudoeste. Após atravessar um espesso bambuzal no vale, passamos a ganhar altitude através duma encosta suavemente inclinada tomada por bromélias gigantes. Desviando a td momento de suas longas e afiadas espadas se cruzando à nossa frente, emergimos enfim no alto do Esporão do Vita, as 14:15, onde o “Trio Ligeirinho” nos aguardava. Da sua cumeada coberta de macega e alguns outros arbustos menos lenhosos q alcançavam à altura da barriga tivemos uma boa panorâmica do q havíamos percorrido e do q ainda faltava.

 

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O vento soprando do mar rapidamente dispersava as brumas a oeste deixando o céu claro e a atmosfera transparente, dando ânimo redobrado á empreitada. As nuvens q não se diluíam com as demais eram represadas pelos altos paredões serranos, a leste, deixando á vista um belo e maravilhoso tapete alvo ocupando td horizonte. Foi aqui onde uma enorme caranguejeira “saltou” na camiseta da Vivi, deixando-a apavorada. Seu grito pode ser ouvido em Paranaguá há 80km de distância. No entanto, a guria foi tranqüilizada pela Báhzita q não pode ver nenhum bicho peçonhento q já quer imediatamente pegar na mão. “Ai q linda! Ela não é venenosa não, Vivi! Deixa ela comigo!”, emendou a galega no mesmo instante em q segurou a enorme aranha cabeluda como se fosse um ursinho de pelúcia.

Pois bem, as marcações e fitas amarelas anteriormente deixadas q indicavam o “caminho” chegavam apenas até aqui. Caminho é apenas modo de dizer, pois a “trilha” nada mais era q um pequeno espaço de mato abaixado no peito q possibilitava a passagem de apenas uma pessoa. Daqui em diante o avanço seria na raça, conforme disse! E lá foram o Fiori, Élcio e Moises na dianteira, rasgando mato no peito, enqto o resto arregaçavam mais o mato pros retardatários. Foi já logo neste trecho q rasguei fundo o dedo numa taquara espinhenta q ricocheteou com força ao ser afastada bruscamente. Pra estancar o sangue não me restou opção senão improvisar um band-aid com a própria fita adesiva com q vínhamos sinalizando o caminho ate então. E diga-se de passagem, quase td mundo fez uso dela pra remendar cortes, perfurações e dilacerações, inevitáveis em td jornada. Percorríamos visivelmente uma crista em suave declive sentido sudoeste, q depois ascenderia um pouco ate encontrar a base do enorme e abaulado Tapapuí, q por sua vez desvia da crista principal quebrando pra noroeste. Em tempo, o Tapapuí detém dois cumes: o principal no extremo noroeste da montanha, de 1438m e outro, mais próximo da crista principal, chamado de 00B por corresponder supostamente a este azimute.

 

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Contudo, ao percorrer dois terços de crista resolvemos cortar caminho descendo a encosta rumo o pto mais alto do vale q divide o Esporão das encostas mais próximas do Tapapuí. Deixamos os campos de macega pra mergulhar outra vez na mata fechada, onde transitar entre arvores retorcidas e as bromélias era relativamente mais fácil. Após chafurdar alguns brejos e cruzar poças de água parada fomos atraídos pelo som inconfundível do precioso liquido correndo em meio a um leito de pedras e lajotas ensaboadas de limo. E assim chegamos nas nascentes do Rio Taquari sendo recebidos por uma pequena cachoeirinha q refrescou nossos rostos suados. De agora em diante bastava apenas seguir rio acima, saltando as pedras de uma margem à outra ou escalaminhando as encostas mais íngremes sem gde dificuldade.

Após um tanto abandonamos o riacho e passamos a escalaminhar o ultimo trecho em meio a quiçaça lenhosa e muita bromélia, pra então emergir nos 1438m no topo do 00B, já no Tapapui, por volta das 17:30. Não deu nem tempo de descansar direito em meio à mata arbustiva ressequida, apenas pra apreciar o belo visual do mar de nuvens q cobria td ao nosso redor deixando apenas visíveis os cumes próximos, tanto da crista percorrida como do q ainda faltava. Por esparsas brechas nas nuvens vislumbramos as magníficas paredes do Morro Sete, as encostas do Pequeno Polegar e do Farinha Seca na vertente oposta. Sem mto esforço, avistavam-se neste “marzão” tb as “ilhas” do Ibitiraquire e do Marumbi, respectivamente ao norte e ao sul. Uma pequena clareira em meio à espessa vegetação parecia ser o único lugar decente pra pernoite no topo. No entanto um forte e frio vento começou a castigar o cume, ameaçando nos varrer dali. Isso bastou pra desestimular td e qq idéia de pernoite com bivake por ali. Sim, ninguém carregava barraca a não ser a Vi e o Fabio! Decidimos então prosseguir adiante rumo ao selado entre o Tapapui e Farinha Seca, por sinal bem mais protegido e confortável.

 

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Com o sol rapidamente se pondo no horizonte mergulhamos outra vez na mata fechada, onde perdemos altura considerável no q parecia ser a íngreme encosta sul do Tapapuí. Com a luminosidade esvaindo-se e o olhar ainda não habituado à penumbra redobramos o cuidado no avanço, tateando bem o terreno antes de estender o braço ou de esticar a perna, nos firmando bem na vegetação em volta. Breve pausa pra colocar as headlamps ao atingir as nascentes do Rio do Meio, já no escuro, pois vagalumes já pipocavam naquele negrume anunciado. No entanto, eu, Vivi e Fabio não contávamos q haveria caminhada noturna, deixando as lanternas (e pilhas) nos fundos da mochila. Resultado: fomos sendo “guiados” pelo prestativo e paciente Moises, q iluminava o restante do caminho pra gente. Báh & Elcio pra variar despirocaram na dianteira. Verdade seja dita: é dureza acompanhar o ritmo do Elcio, e não é a toa q é considerado um dos maiores montanhistas do país.

Se descer rios já é algo perigoso de dia imagine então à noite no escuro, sob fachos de lanterna? Pois é, e não havia escolha, pois agora teríamos q acompanhar o curso d’água rio abaixo até a altura do selado, onde o terreno da encosta suavizava na base do Farinha Seca. Olha, essa descida de rio foi tensa e nervosa não somente pelo fato de ser quase q às cegas - sob risco de fratura num piscar de olhos, despencando, escorregando ou apenas pisando numa pedra solta – mas foi tb mto desgastante devido ao cansaço acumulado. Lembrar q Vivi e Fabio ao menos dormiram enqto eu permaneci acordado pra manter o Mamute atento ao volante durante td viagem madrugada adentro. A falta de sono decente somado à pernada daquele dia tava cobrando seu pesado tributo e eu não via a hora daquele perrengue angustiante terminar pra desabar no meu saco de dormir. Nessas horas fico na minha, concentrado e não falo com ninguém, apenas me focando no q to fazendo. E ai de alguém se me encher o saco q solto imediatamente os cachorros pra cima do infeliz.

 

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Depois de uma meia hr rio abaixo q pareceu interminável, tateando o chão q parecia mais firme, alcançamos um trecho onde coletamos água pro pernoite. Na seqüência, subindo um pouco a encosta e desviando do arvoredo no caminho, em quase 10min alcançamos então o tal lugar de pernoite. O local era pequeno, mas era o único trecho plano da encosta, entre o Tapapuí e o Farinha Seca. Não q isso fosse problema. O inconveniente era q ali tava repleto de um cipózinho infernal apropriadamente chamado de “unha-de-gato”, pois alem de flexível dilacera e perfura a pele com facilidade, alem de agarrar em qq saliência sem mta dificuldade. Logicamente q tivemos q abrir espaço na raça pra td mundo se espremer naquele exíguo local, uma vez q a Báh e o Elcio já haviam se apropriado dos “melhores” espaços pra bivake. Resultado: eu, Moisés e Fiori acomodamos nossos sacos-de-dormir no chão, mocozados do jeito q deu, enqto a Vivi e Fabio se espremeram de modo a montar a única barraca no espaço q sobrou, as 19:30.

Na seqüência os fogareiros ronronaram anunciando uma fartura de comilanças. Sopas, salames, queijos, risoto e até uma feijuca esteve à disposição em nosso buffet improvisado, comida esta q nunca esteve tão deliciosa. Teve até uma garrafinha de pinga providenciada pela Vivi, que ajudou a relaxar legal! Eu apenas me limitei a engolir o suficiente pra matar a larica com tiros de trezoitão, pois o cansaço tava pegando com força total e assim afundei no meu saco-de-dormir pra não arredar pé dele ate a manha sgte. O povo até tentou contato com a galera no outro extremo da travessia pra saber do progresso no avanço. Nada. O sinal de celular era precário, senão nulo, mas ainda assim confiávamos no cacife da tigrada.

 

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Mas ao q parece não fui o único acabado, uma vez q a barulheira só perdurou ate uma hora depois pra finalmente um silencio sepulcral tomar conta da Serra da Farinha Seca. A noite, por sua vez, nos brindou com zilhões de estrelas cintilando no céu, brilho este q iluminava parcialmente nosso local de pernoite, filtrado maravilhosamente pela copa do arvoredo. A mata remexendo constantemente em virtude das fortes rajadas de vento cunhara de razão nossa decisão de não pernoitar no cume do Tapapuí. E assim tivemos uma agradável e revigorante noite de sono profundo.

A manha sgte irrompeu conforme nossas previsões, isto é, a atmosfera transparente indicava q o dia seria esplendido. Sentia o corpo td dolorido e ralado do dia anterior, mas nada q cartelas de Dorflex não resolvessem. Pois bem, embora tivéssemos a mto despertos, o friozinho matinal nos segurou aos nossos casulos por mais tempo, ate mais precisamente as 7:30. Tomamos um desjejum reforçado e beeem demorado, com direito até a cappuccino por parte do Moises. Pra variar, o “Trio Ligeirinho” disparou na frente enqto ainda nem terminávamos de mastigar as bolachas q trazia a tiracolo. “Deixa eles irem primeiro, Jorge!”, disse o Fiori, “Assim eles vão abrindo caminho pra gente!”. De fato, a partir daqui o terreno era desconhecido e incerto. Então vamos lá.

 

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Com cargueiras novamente nas costas, iniciamos a pernada daquele dia ganhando as íngremes encostas do Farinha Seca, onde ainda dava pra transitar em meio ao arvoredo. A passagem do “Trio Ligeirinho” era visível pela “trilha” formada pela mata abaixada no caminho, devidamente demarcada com fitas amarelas pela Vivi, feliz da vida com a sua nova função. Mas assim q a piramba apertou o bosque deu lugar a td tipo de vegetação agreste. A picada morro acima nos brindou com muita taquara, quiçaça, bambuzinhos, unha-de-gato e bromélias imensas foi nos dando passagem até despontarmos numa pequena clareira forrada de capim na extremidade norte da crista q abriga o cume. Uma vista fantástica do Tapapuí e dos imensos precipícios q despencam em direção da centenária Estrada da Graciosa serpenteando mil metros abaixo foi merecedora de vários cliques. O tapete alvo de nuvens represado pela serra tomando conta de td quadrante leste idem.

Prosseguimos pela crista ascendente abrindo penosamente um rasgo na macega densa, dura, retorcida e ressequida até reencontrar o “Trio Ligeirinho” descansando no alto dos 1372m do Farinha Seca, as 10:30. Em tempo, Farinha-seca é uma árvore da família das Leguminosas (Mimosaceae) e seu nome científico é Albizia polycephala. Em suma, é a tal macega q aqui abunda no cume. Mas após prosseguir arduamente quiçaça adentro pro outro lado da encosta da montanha desembocamos num pequeno descampado onde nos empoleiramos no capim, maravilhados pela visão q se descortinou à nossa frente, as 12hrs. A atmosfera transparente daquela manha radiante nos proporcionou uma vista incrível de td quadrante sul, isto é, de td q nos restava da travessia: um íngreme e fundo vale nos separava do Morro dos Macacos, cuja crista se perdia nos 3 cumes do Mojuel e Jurapê. O Balança surgia minúsculo como um imponente domo rochoso de 1116m verticalizado no outro extremo da cadeia, onde supostamente o resto do povo deveria estar. E ao sul, emergindo num mar de nuvens, reluzia a crista azulada do Marumbi.

 

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Pois bem, ao mesmo tempo incrível e amedrontadora, aquela paisagem colocou em cheque nossas intenções de travessia. Foi ali q tivemos uma verdadeira noção das nossas audaciosas pretensões. Chegar ate ali já havia sido um sufoco e ainda faltava muuuuito ate o Balança. Portanto, tínhamos q torcer pra galera avançando pela outra extremidade ter progredido consideravelmente de modo a no dia sgte nos encontrar, e findar a pernada dentro do prazo.

Tentamos contato novamente por celular e foi ai, com sinal, q ficamos sabendo q o Natan, Michele, Otaviano e Carol nem chegaram a base do Balança. Haviam batido o carro na Estrada da Graciosa logo após nosso encontro pela manhã, felizmente nada de grave. “Fudeu! A travessia já era!”, pensei. De fato, mão-de-obra pra rasgar mato era fundamental pra terminar a pernada proposta dentro do prazo. Sem isso, pelos nossos cálculos de avanço ate aquele lugar terminaríamos a pernada somente dentro de 3 ou 4 dias avulsos, tempo q não dispúnhamos. Sem contar com provisões e da nossa responsa de labuta na segunda-feira. Foi ai q decidimos em comum acordo abortar a travessia, sob protestos do decidido Elcio, q jurava de pé junto q dava pra terminá-la dentro do prazo. Mas foi voto vencido, claro. Tínhamos q ser bem realistas, repensando os objetivos e sacrifícios daquele dia.

 

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Após descansar ao sol nas encostas do Farinha Seca, brincar com mais aranhas cabeludas q as meninas encontraram e almoçar sandubas, frutas e salgados entre goles de suco, iniciamos o caminho de volta. Voltaríamos pelo Rio do Meio e dali desceríamos o curso d’água ate a Velha Graciosa, embora o Elcio (sim, sempre ele!) esbravejasse para voltar ate o Mãe Catira pelo mesmo caminho. Foi voto vencido novamente.

Mochilas novamente nas costas, voltamos então pelo caminho aberto td q havíamos percorrido naquela manhã ate alcançar o local onde pernoitamos. Era incrível reparar o quão fácil era transitar pela trilha, agora aberta, q nos dera tanto trabalho na ida. Penetramos então na floresta morro abaixo e num piscar de olhos caímos nas nascentes do Rio do Meio, as 13hrs, q ganha este nome por se situar entre os rios Taquari e o Capivari-Mirim. Ali encontramos uma enorme bosta fresquinha q gerou algumas acusações entre integrantes do grupo qto ao esfíncter de sua origem, mas nada indicava como humana a sua procedência.

Agora tinha inicio uma legitima descida de rio, inicialmente foi bem tranqüila, pois bastava pular de pedra em pedra cuidadosamente, de modo a não patinar nos trechos besuntados de limo liso. E assim fomos avançando aos poucos, descendo o rio suavemente e às vezes desviando da mata tombada no caminho. Mas de repente a declividade apertou, as 14hrs, anunciando a bonita Cachu dos Degraus, onde tivemos uma breve parada pra cliques e descanso. A queda nada mais é uma sucessão de blocos verticais de pedras sobrepostos por onde o rio despeja sua água em vários níveis. Isso iluminado pelo sol da tarde filtrado pela vegetação confere ao local um quê de místico.

 

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Reiniciamos a descida de rio e desta vez com declividade bem mais acentuada no q pareceu ser um cânion com a particularidade de ter visível apenas a parede vertical esquerda. Começou então uma tensa desescalaminhada de rio, o q por si já é bem adrenante. Mãos e pés são igualmente solicitados assim como atenção redobrada na busca de ptos de apoio secos, evitando rochas sebosas. Isso exige demais dos joelhos e com freqüência se usa o “quinto” apoio. Isso somado as pesadas cargueiras é realmente bem desgastante, mas por sorte nosso avanço era constante e ágil. Sem contar o empenho em desviar de enormes arvores tombadas e atravessar emaranhados de tranqueira arrastada pelas cabeças d’água. Às vezes não tinha jeito e a única forma de avançar era tendo q agachar ou nos espremer entre os troncos de arvores e o rio de modo a passar por baixo do obstáculo em questão, o q não raramente nos encharcava ate a cintura. No caminho, muitos afluentes à esquerda e a direita, ilhas pluviais e corredeiras. Nosso rosto, claro, vivia encharcado de suor, mas bastava apenas se abaixar pra refrescá-lo com água límpida e revigorante.

Após mais um breve pit-stop noutro bucólico lugar contemplado por uma bela cachu e uma laje a beira de um belo poço, as 15:20, retomamos a pernada agora por terreno mais suave e repleto de remansos fluviais. A vegetação aumenta em porte anunciando estarmos quase no sopé da montanha, e era hora de deixar o rio, ate pq no meio da mata sempre escurece mais cedo. Mas é justamente o q fazemos as 16:40, saindo através de uma íngreme encosta ate ganhar um terreno mais plano adiante.

 

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Varamos um pouco de mato ate dar numa precária estrada de terra, repleta de atoleiros enlameados. Mais um pouco e emergimos num descampado gramado, onde havia q desviar a td hora das bostas de búfalos, cada vez nos afastando mais do murmúrio das águas do Rio do Meio, q agora corre mansamente. Ganhando uma estrada secundária repleta de araucárias não demorou a alcançar a pacata Comunidade do Rio do Meio e, as 17:50, desembocar na Velha Graciosa com a penumbra no nosso encalço. De longe conseguíamos avistar a silhueta dos maciços percorridos e pensar já com alguma saudade, “Ainda voltaremos lá!”.

Sob fina garoa aguardamos pacientemente nosso resgatista, ninguém menos q o filho do Moises, e após pegar os veículos rumamos pra sua casa onde comemoramos com 3 deliciosas pizzas, um revigorante banho quente e muita conversa fiada do perrengue pelo qual havíamos passado. Ali, com sinal de celular, ficamos sabendo q somente o Pedro Hauck e o Jurandir Constantino haviam encarado subir o Balança de modo a nos encontrar. Mas mesmo assim fora insuficiente. Uma frente fria estava chegando naquela mesma noite desabando em temporal pelos próximos dias, o q fez a corajosa dupla também retornar no dia sgte depois de uma noite bem úmida. Pois é, a Travessia da Farinha Seca não era pra ser mesmo naquela ocasião e ainda há de ser feita. Stand by, por assim dizer. Mas ate ali a aventurinha pra mim já havia valido a pena, pois aquela era uma serra q desconhecia e promete vindouras pernadas.

 

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O próprio Fiori já havia dito em mais de uma ocasião, coberto de razão diga-se de passagem, q o filé mignon da serras paranaenses, isto é, Marumbi e Ibitiraquire, já estava feito e agora é pura carne de pescoço. Puro osso! Sendo assim restavam as pernadas obscuras, longe dos holofotes da mídia e q ninguém conhece. Estas são de fato as melhores travessias. E a da Serra da Farinha Seca certamente há de ser uma delas, q ainda está aguardando o momento propicio de ser realizada. É uma serra q até agora ninguém se atreveu a enfrentar suas cristas e aquela linha é totalmente desconhecida. Quem sabe no próximo inverno. Mato, campo, frio, calor, solidão, quiçaça, macega, unha-de-gato e muita aventura num lugar onde poucos conseguem ir. Eis uma travessia q com suas variantes rio abaixo resgata o melhor estilo do montanhismo brasileiro.

  • Membros de Honra
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Grande Jorge, realmente a travessia da Farinha Seca é para poucos e obstinados, carne de pescoço mesmo. Parabéns a todos os aventureiros.

E o Balança dizem que é pior ainda, pelo que li no relato do Fiori no Altamontanha. Concluir a travessia completa não será nada fácil.

  • Membros de Honra
Postado

Grande Jorge!

 

Belo relato como sempre! Perrengue dos bons! Carne de pescoço é apelido, a Serra da Farinha Seca como você disse é puro osso! Montanhas hostis, trilhas pouco conhecidas, mata quase intocada, pirambeiras mil, enfim, combinação perfeita para uma boa aventura. Por isso desperta tanta adrenalina. ::hahaha::

 

E que galera prá essa pernada, hein!? Só gente boa e experiente meu! E tu sempre modesto na parte que lhe toca... Grande virtude!

 

Fizeram no feriadão de Corpus Christi? Pena não ter sido possível concluírem a travessia. Como já sentiram o gostinho da coisa agora é só agendar uma nova data para a façanha.

 

É uma trip para poucos como demonstram as estatísticas. Gente de montanha do calibre do Cover, Canidia, Tavinho e Lauro, que em 1998 depois de 8 investidas em mais de um ano e meio de pauleira conseguiram cruzar esta serra (vejam o relato aqui), feito repetido somente anos depois pelos intrépidos membros dos Nas Nuvens Montanhismo... Agora, como você disse, com o cume do Balança na rota da travessia, será um feito inédito.

 

Desejo sucesso na conclusão da empreita. Parabéns a todos os membros do grupo pela jornada.

 

Grande abraço,

  • 1 ano depois...
  • Membros
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Excelente ler o relato! Procurava por fotos da Serra da Farinha seca e uma das fotos da postagem me chamou atenção especial. Abri e caí no relato, muito emocionante ler a narrativa dessa travessia que, assim como muitas outras pessoas, planejei durante um bom tempo mas não cheguei a realizar. Ainda pretendo fazê-la!

 

Grande prazer realmente. Parabéns pela empreitada!!!!!

  • Membros de Honra
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Olá Danihabib!

 

 

Aproveita que a trilha agora está mais "tranquila", mais aberta, já que tem mais gente fazendo. Quando esse relato foi feito ela ainda estava sendo desbravada!

 

Abraço!

  • Membros de Honra
Postado
Local de rara beleza. Realmente o Getulio tem razão, rs, tivemos a honra de fazê-la (mesmo que incompleta) enquando estava fechada, rsrsrsrsrsrsrs.

 

Oi Vivi!

 

Não que a trilha esteja aberta, na verdade ela continua fechada depois do Mãe Catira, mas está mais "transitável" por assim dizer dado o número de pessoas que recentemente tem andado por ali. Pelo menos se consegue seguir a trilha, coisa que antes, quando vocês fizeram, praticamente nem existia. Esta travessia tem tudo para se tornar um clássico aqui no PR justamente pela beleza da região e pela vista privilegiada da Serra do Marumbi.

 

Abraço!

  • Membros
Postado

rs, eu entendi o que quis dizer Getulio, brinquei com o assunto :)

Nossa, mas realmente, quando estivemos por lá eram 1001 "obstaculos intransponiveis", huahuahua, hoje não deve estar aberta claro, mas certamente deve haver um rastro da trilha facil de ser farejado :)

  • Membros de Honra
Postado
... quando estivemos por lá eram 1001 "obstaculos intransponiveis ...

 

Haha! Devem restar então uns 899... :wink:::hahaha::

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