Membros de Honra ogum777 Postado Março 13, 2008 Membros de Honra Postado Março 13, 2008 não é exatamente uma notícia, ma sum artigo de jornal, publicado hj, na folha de são paulo, no caderno "ilustrada". é do contardo calligaris, e é o artigo mais mochilieor que já li na folha..... CONTARDO CALLIGARIS É proibido viajar A modernidade, que começou com a livre circulação, acaba proibindo a viagem NO EPISÓDIO dos jovens pesquisadores brasileiros barrados em Madri, as autoridades espanholas agiram como se o cônsul-geral do Brasil contasse lorotas para facilitar o trânsito de imigrantes ilegais. O desrespeito justifica a "retaliação" brasileira. No mais, a cada dia, as fronteiras do mundo (não só do primeiro) barram alguém que tenta viajar, sobretudo se for jovem, solteiro e sem as aparências de uma "vida feita". Ao atravessar uma fronteira, o passaporte prova que estamos em paz com a Justiça de nosso país. As outras nações devem decidir se somos hóspedes desejáveis. Nas últimas décadas, as "condições" para ser desejável se multiplicaram. Hoje, no caso da Espanha: 1) 70 por dia de permanência planejada; 2) passagem de volta marcada; 3) reserva de hotel, já pago; 4) para quem se hospedar com parentes, formulário preenchido pelos mesmos; 5) quem se desloca para trabalhar deve dispor de um contrato assinado. Normas muito parecidas valem na maioria dos países. O escândalo é que essas condições podem nos parecer "aceitáveis". Afinal, qualquer Estado quer proteger o emprego de seus cidadãos impedindo a chegada de imigrantes não-autorizados, não é? Pois é, Michel Foucault é mesmo o pensador para os nossos tempos: o sistema social e produtivo dominante ordena nossas vidas furtivamente, convencendo-nos de que não há opressão, mas apenas necessidades "racionais". Se achamos essas regras "aceitáveis", é porque já adotamos a idéia de que, no nosso mundo, só é legítimo ter moradia fixa e profissão estável. As pessoas com moradia fixa podem, quando elas dispõem dos meios necessários, adquirir uma passagem de ida e volta e sair de seu lar seguindo um programa pré-estabelecido -ou seja, podem ser, ocasionalmente, turistas. Escárnio: prefere-se que os turistas sejam otários, pagando de antemão. Há uma pousada melhor da que estava prevista? Você quer encurtar a viagem? Pena, você já pagou. Mas isso é o de menos. Importa o seguinte. A modernidade, que começou com a circulação (livre ou forçada) de todos os agentes econômicos, acaba parindo, nem mais nem menos, a proibição da viagem. Como assim? Pois é, viajar não tem nada a ver com férias num resort ou com ser transportado de cidade em cidade para que os cicerones nos mostrem as coisas "memoráveis". Para começar, viajar é usar uma passagem só de ida. - Quanto tempo você vai ficar? - Não faço a menor idéia. Um dia? Três meses? Um ano? - E você vai para onde? - Não sei. Talvez eu curta uma pequena enseada, alugue um quarto numa casa de pescadores e fique comendo caranguejos com os pés na areia. Talvez, já no avião ou pelas ruas de Barcelona, eu me apaixone por uma holandesa, um russo ou uma argelina e os siga até o país deles, por uma semana ou um mês. Se a paixão durar, ficarei por lá. - E o dinheiro? - Não sei, meu amigo. Toco violão, posso ganhar um trocado numa esquina ou no metrô. Também posso lavar pratos, ajudar na colheita, cortar lenha, lavar carros e vender pulôveres. E, se a coisa apertar, tenho endereços de parentes e conhecidos que nem sabem que estou viajando, mas não me recusarão uma sopa e um banho quente. Além disso, em Paris, quando fecha o mercado da rua Saint Antoine, sobram na calçada as frutas e as saladas que não foram vendidas; em São Paulo, Londres e Nova York, conheço dezenas de igrejas que oferecem um pão com manteiga; em Varanasi, ao meio dia, distribuem riso com curry e carne aos peregrinos. Cem anos depois da invenção do passaporte com fotografia, chegamos nisto: uma ordem que só permite se movimentar para consumir férias ou para se relocar segundo os imperativos da produção. As regras que barram o viajante expressam nossa própria miséria coletiva: perdemos de vez o sentimento de que a vida é uma aventura. Preferimos a vida feita à vida para fazer. Para quem quiser ler sobre a história da documentação de viagem, uma sugestão: "Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State" (invenção do passaporte: vigilância, cidadania e o Estado), de Torpey, Chanuk e Arup (Cambridge University Press). Para quem quiser viajar, outra sugestão: a mentira, num mundo opressivo, é uma forma aceitável de resistência. -------------------------------------------------------------------------------- ccalligari@uol.com.br
Membros de Honra Sandro Postado Março 13, 2008 Membros de Honra Postado Março 13, 2008 (editado) Ou seja: Definitivamente ser mochileiro é uma condição mrginal. Belíssima crônica! Editado Março 14, 2008 por Visitante
Membros lucas_mb Postado Março 14, 2008 Membros Postado Março 14, 2008 Bom esse dialogo na fronteira foi bem parecido com o que eu encontrei na Bolivia.. aheOAIehae pena que nao é mais assim no resto do mundo
Membros de Honra Jorge Soto Postado Março 14, 2008 Membros de Honra Postado Março 14, 2008 O texto é bonito e tal, mas peca por carecer de uma analise + profunda dos "porquês" q levaram a tal situacao q as coisas se encontram, limitando-se apenas a tomar dores de compatriotas de maneira pouco imparcial. Contardo Calligaris é um desses q (como ele mesmo define) ta com a vida feita, Lula idem; raramente viajarao atras de aventura, tem visto americano e nunca passarao qq especie de vexame.. portanto qq desabafo nesse sentido nao passa de arroubo ufanista oportuno, pq amanha esquecerao facilmetne do q disseram hj. Lula q o diga.. Entao q tal parar de ficar olhando pro proprio umbigo? A mesma sugestao proposta (no ultimo paragrafo) c/ aparente desconehcimento já é utilizada ha seculos por td sorte de "turistas" daqui, legitimos ou nao, q apenas sublinha nossa má-fama lá fora. Sugerir ilegalidade e contravencao, sendo q essa é um dos motivos q nos discriminam nao parece ser boa saída. Ou quiça seja + comodo assim, afinal, um fator cultural (o jeitinho, a propina, o abuso, etc) nao se muda do noite pro dia. Seja aqui ou la fora.
Membros de Honra ogum777 Postado Março 14, 2008 Autor Membros de Honra Postado Março 14, 2008 jorge, será q vc tb não tá partindo do pressuposto que só é aceitável que se tenha moradia fixa e emprego estável? infelizmente são duas coisas desaparecendo no mundo. ou talvez nunca tenham existido efetivamente. qualquer "manual" de carreiras profisisonais manda o cidadão abandonar a idéia de emprego estável. no jornal da globo toda semana aparece alguma reportagem do tipo "mapa do emprego" mandando o brasileiro ir trabalhar por 400 reais em alguma cidade muito distante. e só não se cruza fronteiras pra isso pq o brasil é um país muito grande, podemos rodar milhares de kms sem cruzar uma fronteira. mas quem tá perto de fronteiras as cruza, como muitos gaúchos que vão fazer bicos em punta del leste no verão, ou bolivianos que acertam os esquemas pra virem serem explorados numa confecção qualquer aqui no bom retiro, mas acertam lá em la paz, em santa cruz, vêem lá os anúncios manuscritos pregados em portas de algumas "agências" de viagens/empregos... eu mesmo tenho um emprego a 400 kms de minha casa, viajo toda semana, passo metade da semana longe de onde moro.... e sim, a esfera amorosa interfere... assim como o boliviano acaba casando com uma nordestina que é costureira na oficina do lado ali no bom retiro, como o português que há 500 anos atrás veio só pra ganhar uns trocos explorando pau-brasil e acabou tendo filhos com alguma índia e ficou por aqui (e seus descendentes são os ditos "quatrocentões" paulistas). o ser humano é nômade. é biologicamente nômade. por isso colonizou o planeta inteiro. nossa biologia tem 50.000 mil anos de nomadismo, nossa cultura (que herdamos dos homo erectus) tem 1.700.000 anos de nomadismo. esse troço de sedentarismo é novidade. esse negócio de fronteira fixa é mais novidade ainda (a europa mal fixou suas fronteiras há 60 anos, e já tempaís novo surgindo, vide o caso kosovo - eu mesmo tenho um bisavô que nasceu num país que não existe mais e eu simplesmente não sei como classificá-lo "nacionalmente"). não adianta fecharmos os olhos. não há fronteira fechada, por mais que endureçam o controle, alguém vai passar. a gente, eu, vc, outros deste fóruns, temos a vida feita tb, então nós não nos submetemos a atravessar deserto a pé de noite, ou nos apertarmos dentro de um container num navio. mas os ferrados na vida, que nasceram em governador valladares, que cresceram ouvindo e vendo "histórias de sucesso" de quem foi lavar pratos em boston, vão dar o sangue "pra correr atrás de seus sonhos", que é lavar pratos nos fundos de algum restarante no texas.... furando a muralha americana, muralha que custa bilhões de dólares por ano para eles manterem-se enxugando gelo, permanentemente. o ser humano é nômade. uns tem que viajar muito pra trampar, dando-se a eles o nome que qusierem: dekassegui, imigrante, executivo de carreira internacional, hobo traveller... outros, como nós tb o somos, apenas sublimamos o nosso nomadismo com as nossas mochiladas por aí, e outros com pacotes da CVC.
Membros de Honra Jorge Soto Postado Março 14, 2008 Membros de Honra Postado Março 14, 2008 Q nada, Ogum..tb parto do pressuposto q o mundo mudou bastante estes ultimos 30 anos, q o espirito "outsider" foi pro saco faz tempo, ate pq o homem ja nao tem + o q colonizar ou desbravar num planeta entupido de gente, se pegando por qq coisa. O 11/9 jogou apenas a pá de cal q faltava nesse nômadismo poetico. Vida moderna em sociedade (globalizacao) implica em normas e regras, q variam de país a país, e querendo ou nao devem ser respeitadas. E o homem nômade deve se adaptar a esse novo mundo, de preferencia por vias legais pra ir atras de seus sonhos. Mas ciente das consequencias qdo seguir por meios alternativos.
Membros de Honra Sandro Postado Março 16, 2008 Membros de Honra Postado Março 16, 2008 ... o ser humano é nômade. é biologicamente nômade. por isso colonizou o planeta inteiro. nossa biologia tem 50.000 mil anos de nomadismo, nossa cultura (que herdamos dos homo erectus) tem 1.700.000 anos de nomadismo... Sim sim... É verdade... Claro que os milhares de anos que antecederam o advento da agricultura e o princípio de seleção natural darwiniana nos empurraram a este nomadismo. Mas o “espírito” mochileiro está acima das conjecturas científicas. Nem todas as muralhas, leis e armas conseguirão destruir nossa autonomia, porque a autonomia é o princípio da vida, sem ela ninguém pode dizer que está vivo. E para aprender isso não precisei me formar em nenhuma universidade, foi lendo Júlio Verne aos quatorze anos que eu entendi. O que antes era um comportamento natural hoje se transforma numa atitude de resistência... As condições mudam a gênese permanece.
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