Membros de Honra DIVANEI Postado Outubro 11 Membros de Honra Postado Outubro 11 Divanei Goes de Paula 11/10/2024 15:48 Editar TRAVESSIA PAREDÃO: Guapé X Itaci . Uma travessia ainda pouco explorada no LADO C da Serra da Canastra. Um paraíso perdido a meio caminho de lugar nenhum, no Cerrado Mineiro. Trekking Canionismo Acampamento Relato Fotos Rox 0 0 TRAVESSIA PAREDÃO O nome CANASTRA já carrega um poder avassalador para quem é do mundo da aventura, mesmo que a maioria só se entregue aos prazeres do turismo normal, o que já não é pouca coisa diante da beleza desse bioma. E quando a Canastra é acompanhada do LADO B , aí chega ser covardia e colocá-lo entre os lugares mais encantadores do país, não será nenhum exagero, mas há um lado dessa querida serra mineira, cercada de cerrado por todos os lados, que poucos conhecem ou se deram conta da sua GRANDIOSIDADE , é o lado negro da serra, longe das burocracias do Parque Nacional, onde não é preciso se esgueirar na clandestinidade para viver uma aventura autentica , legítima e verdadeira e a esse lado da serra, chamamos aqui de LADO C DA CANASTRA , onde o turismo de massa simplesmente inexiste e do qual será narrado nessa travessia incrível. Eu estava às voltas com a montagem da minha mochila para mais uma travessia selvagem na Serra do Mar Paulista, quando recebo uma mensagem dos integrantes da expedição, dizendo que estavam pensando em trocar o roteiro por causa de uma possível virada de tempo no litoral norte. Confesso que aquela notícia do “arregamento” me deixou muito puto, ainda mais porque a quantidade de chuvas não passaria de míseros 7 milímetros, muito pouco para uma desistência repentina. Mas como o grupo foi se desintegrando, fui obrigado a enfiar o rabo entre as pernas e ouvir a proposta que nos foi jogado à mesa. Quando me sopraram que estavam direcionando nosso radar para a Serra da Canastra, já protestei, não pelo lugar, mas pela grande distância da serra, sendo que teríamos apenas 3 dias. Mas logo que apareceu o roteiro e vi que não se tratava do Parque Nacional e sim de arredores distantes e poucos explorados, fui me animando, ainda mais quando me lembrei de que parte do roteiro já havia nos sido apresentado pelo amigo Hortenciano, uma década atrás e nos restava agora transformar o roteiro numa grande travessia, daquelas aventuras autênticas, era nos debruçarmos sobre os mapas e fazer o que deveria ser feito. O roteiro foi traçado a 5 mãos e foram discussões acaloradas até chegarmos no projeto final e num piscar de olhos, numa sexta-feira à noite, já estavam todos reunimos na minha casa, no interior Paulista, tomando aquele café reforçado antes de partirmos em definitivo para a minúscula cidade de Guapé, nos confins das Minas Gerais a bordo no super 4x4 do Alan Florido. A EQUIPE ( Potenza, Fernandinho, Divanei , Flórido e Morato) A viagem varou quase a noite toda e seguindo as indicações do gps, acabamos nos enfiando num caminho de corno, uma estrada destruída, no meio das montanhas e só passamos porque estávamos de jeep. E o caminho ruim nos deixou na portaria do PARQUE ECOLÓGICO DO PAREDÃO, já depois das 3 da manhã e como a portaria estava fechada, nos jogamos ao chão para tentarmos dormir um pouco até que ele abrisse. O guardião da portaria nos acordou com um copo de café e já nos conquistou com a hospitalidade mineira, mas eu mesmo nem vi a cor do café, já que me mantive deitado por mais algum tempo e só fui acordar com uma lambida do Paulão, o cachorro xodó do parque. O parque abriu as 8 da manhã, mas não foi nem preciso passar pela porteira para nos darmos conta que estávamos num lugar especial, uma espécie de fortaleza cercada por paredões de mais de uma centena de metros. Estacionamos o carro lá dentro e nos dirigimos para o restaurante, onde é feito o pagamento para adentrar o parque. O cobrador chegou, e antes de dar bom dia, já anunciou que teríamos que morrer com 20 reais apenas, o que já nos deixou bem feliz pelo valor irrisório. Mas acontece que nem ficaríamos no parque, apenas usaríamos para entrar, já que nesse primeiro dia, a intenção era subirmos todo o Córrego do Paredão até as suas nascentes, onde acamparíamos. Só que ficamos meio perdidos entre contar o nosso projeto, já que só voltaríamos em 3 dias e corrermos o risco de sermos barrados e acabarmos com nossa travessia antes mesmo de começar. Bom, como nos apresentamos com as cargueiras e munidos dos nossos capacetes e ninguém nos questionou nada, imaginamos que eles estariam acostumados com essas atividades partindo do parque, então botamos as mochilas nas costas e partimos em busca de aventura. As trilha para as cachoeiras do parque , partem atrás do restaurante, levemente para a direita, mas nós nem nos demos conta disso, já caímos no leito rochoso do rio e fomos subindo, pulando de pedra em pedra até tropeçarmos em um cabo de aço que é usado para atravessar o rio para sua esquerda, mas antes disso, somos apresentados à sua Cachoeira principal, a CACHOEIRA DO PAREDÃO, que por estarmos a mais de 100 dias sem chuvas, estava com pouca água, diferentemente do seu POÇÃO, um espetáculo aquático ,mas como ainda não passa das nove da manhã, não achamos que seria a hora de nos atiramos para dentro dele e deixamos para apreciá-lo apenas na volta da travessia. Abandonamos a primeira cachoeira, atravessamos o rio para a esquerda e ganhamos a trilha que vai subir sem dó, até atingir outro patamar, onde somos apresentados a SEGUNDA QUEDA, igualmente com pouca água, mas assim mesmo muito bonita. Continuando a subida, ainda pela esquerda, em mais 10 minutos estamos no topo da Cachoeira, onde o rio agora se nivela e de onde podemos apreciar todo o esplendor dos paredões que nomeiam o parque. Agora é hora de atravessarmos para o lado direito, ganharmos um arremedo de trilha e em 2 minutos, estamos dentro do rio novamente, o grande desnível ficou para trás, ainda que hajam outros pela frente. Agora, praticamente, o Parque Ecológico, deixa de existir, pelo menos com acesso aos turistas. Pela frente um mundo ainda desconhecido para nós, porque não achamos nenhum roteiro que tenha rasgado todo o cânion, que teremos pela frente, ainda que grupos frequentem essa parte inacessível aos turistas, nos faltou informações, já que muitos acessam só parte do rio, vindo por cima e indo até sua metade e retornando, por isso da nossa preocupação, inclusive essa pergunta ficou no ar: POR QUE NÃO DESCEM OU SOBEM OS CÂNIONS? O que haveria no meio dessa travessia que faz com que parte dos aventureiros recuem? Fomos atrás de respostas, fomos atrás de aventura. Nesse primeiro momento, nosso caminho segue pela margem esquerda. Vamos desfilando e apreciando os poços transparentes que vão nos sendo apresentado, mas por ser cedo ainda, cada qual vai tentando escapar das águas geladas dessa manhã de final de inverno, até que meia hora depois, as paredes se abrem dos dois lados e um descampado vai surgindo, onde uma estradinha aparece do outro lado do rio. Pensamos em andar pela estradinha, ganhar terreno, mas ainda sem nos darmos conta que o nosso caminho era sempre por dentro do rio. Nesse novo trecho, chegamos a ficar surpresos com a planura do rio e a facilidade que ele nos oferecia para podermos avançar, pulando pedras aqui e ali, usando a sua margem como caminho fácil e desimpedido, mas por volta da 10 da manhã, um grande poço com águas sensacionais, nos obriga a uma outra parada, onde alguns mais corajosos se livram das mochilas e se jogam para inaugurarem o primeiro banho do dia. Aquele poço era realmente lindo, mas nem se compara com o trecho a seguir, onde as paredes voltam a se fechar e o rio se espalha sobre o lajeado esculpido pela água, onde formações rochosas vão dando o tom e aí nos sentimos entrando em definitivo nos cânions, sabendo que agora não tem mais volta, é o abraço do rio que nos espreme e nos convida para entrarmos num mundo de sonhos, nos desafiando pelo resto do dia, no estilo pague para entrar, reze para sair. Pelos próximos 15 minutos, o rio nos espremeu e eu e o Fernandinho tentávamos a qualquer custo escapar das águas fria da manhã, enquanto outros já se meteram nos poços profundos e passaram nadando. As margens são um convite para quem quer se desafiar na arte da escalada, com pedras escarpadas, que faz a gente ir achando uma solução para nos mantermos seco, mas é claro, quando alguém erra um movimento, é atirado pela força da gravidade para dentro dos poços, para delírio dos que já estão molhados, que ficam torcendo para você despencar. Mais uma cachoeirinha em forma de escada é transposta, mas não sem antes atravessarmos poços incrivelmente transparentes. E à frente mais lajeados, tão bonitos que fica impossível andar 5 minutos sem sacar uma foto, até que às 10:30, somos obrigados a nos determos mais uma vez para apreciarmos um outa cachoeirinha e seu poço. Não é possível, é muita beleza num só lugar, e que cor de água é aquela? Nossa travessia está apenas no começo, mas estamos encantados com o rio, com a beleza daquele lugar, para onde você olha, a natureza explode em tons de cores diversas. O fundo do rio brilha feito ouro e logo que escalamos a cachoeirinha, fomo jogados para o pé do paredão, onde um poço extremamente verde, nos confundia os sentidos e para esculachar com a nossa capacidade de admirar aquele mundo aquático, logo à frente mais 2 poços se juntaram para derrubar nos queixos ao chão. Outra sequência de lajeados é cruzada, até que somos obrigados a nos jogarmos para dentro de poços profundos, que apesar de estarmos com uma temperatura acima de 30 graus, a água gelada ainda faz com que eu e o Fernandinho soframos muito. É sempre um tormento para nós dois, desprovidos de gordura para aguentar baixas temperaturas. Enquanto o Flórido, o Morato e o Potenza se divertem nas passagens aquáticas, nós dois tentamos a todo custo ganhar terreno na base da escalada lateral, mas chega uma hora que as paredes se fecham de vez, aí a gente se atira no rio e nada o mais rápido que conseguir e quando chega ao outro lado, somos dois homens atormentados pela nossa incapacidade de conseguir gerar calor, a sorte é que temos muito sol para nos trazer de volta à vida. O rio volta a ficar tranquilo por um instante, até que perto do meio dia, demos de cara com uma outra cachoeirinha, com um poço de tirar o fôlego, precedido por uma prainha de pedras brancas, aí não teve jeito, foi hora de estacionar, jogar as mochilas ao chão e fazer uma longa parada para o almoço e um mergulho mais que refrescante e aproveitarmos para analisar a sequência do caminho, que de antemão, não vislumbramos nenhuma possibilidade. Estamos envoltos num cânion largo, com paredes afastadas, mas muito altas. Enquanto a galera se diverte no poço, eu e o Potenza tomamos a lateral esquerda e fomos analisar como subiríamos aquela cachoeira: Era uma altura irrisória, talvez apenas uns 4 metros de altura, mas de um lado ao outro do rio e não havia nenhuma possibilidade se escalá-la, mas encontramos uma corda amarrada num arbusto, que descia da parte alta até o chão. Era uma cordinha bem mequetrefe, posicionada numa parede negativa, sem chances de subir por ela apoiando os pés na parede. Ficamos vendidos, era claro que aquela cordinha havia sido instalada para descer e não para subir. Se houvesse como subir, certamente não seria por ali, teríamos que tomar o caminho da parede da direita, subi-la e achar uma passagem descendo na diagonal. Eu achei que num esforço sub-humano, eu poderia até subir a corda no braço, caso ela aguentasse e depois instalar umas fitas para o resto da galera subir, mas talvez alguns não conseguisse subir nem com esse recurso, então fomos à procura de novos caminhos e como não achamos nenhum nome para sinalizar essa queda d’água, vou usar o óbvio e chama-la de CACHOEIRA DA CORDA, apenas como referência. O Flórido tomou à frente e eu segui na rabeira. Nos afastamos uns 20 metros da cachoeira e ganhamos o barranco da direita e ascendemos ao alto da parede, até que o terreno estabilizou um pouco e conseguimos andar em nível para a esquerda, com quem vai em direção a própria cachoeira e quando nos posicionamos quase encima dela, o Flórido resolveu recuar, achou que não compensava nos expormos nos abismos. Assim que os outros 3 se aproximaram, a gente se juntou para tentar um plano, mas o Flórido não queria nem saber, foi procurar outro caminho, mas quase convicto que não existiria outro, a parede era abrupta, intransponível. De onde estávamos, a visão nos abismos era prejudicada. Me aproximei, segurei-me numa árvore e identifiquei uma possível descida, mas sem a certeza de que, após conseguir descer, eu poderia avançar para um outro patamar, mesmo assim, o Potenza montou a segurança com as fitas e a cordinha que carregávamos e consegui baixar. Me livrei da corda e fui até o próximo vão e me pus a analisar, mas sem a certeza de que poderia chegar ao chão com a corda que dispúnhamos. Voltei e solicitei que alguém descesse para me ajudar a analisar e chegamos à conclusão de que poderia ser possível sim ganharmos o rio, então o Potenza desceu todo mundo no primeiro lance, retirou a corda e ficamos todos, num patamar no meio da parede, torcendo para dar certo. Me lancei no vazio, com a proteção de Nossa Senhora dos Abismos, mas logo percebi que haviam muitos degraus na parede, o que me fez ir descendo lentamente até que ganhei o chão e anunciei que o plano tinha sido um sucesso. Um a um foram se jogando no buraco até que todos nós, nos vimos a salvos no topo da cachoeira e foi assim que descobrimos que provavelmente ninguém sobe aquela rota, mais uma vez havíamos feito história naquela travessia incrível. Nessa operação de tentar transpor a cachoeira da corda, acabamos perdendo quase uma hora, então apertamos o passo para ganharmos tempo e alguns minutos de caminhada já nos levou ao encontro de paredões magníficos, de onde brotavam paredes íngremes, que iam fechando a rio e nos apresentando piscinas e poços cada vez mais incríveis com águas de tons esverdeados e quando onde éramos obrigados a nadar até que os paredões se afastaram um pouco e o rio se transformou novamente em lajeados onde escadas e tobogãs naturais , iam surgindo pelo caminho, um ode a diversão. E tome mais poços, mais piscinas naturais, mais lagos incríveis nos fechando a passagem, alguns a gente conseguia evitar, mas outros tínhamos que nos jogar e nadar, nadar sem parar, principalmente eu e o Fernandinho, que já nos encontrávamos em quase hipotérmicos. Eu tentava o máximo possível me valer das minhas habilidades na escalada e por vezes virava alvo dos amigos que torciam para que eu despencasse da parede e fosse jogado no fundo dos lagos pela força da gravidade. Numa dessas paredes, eles se sentaram para assistir ao espetáculo, queriam ver até onde eu iria, já que as apostas eram que eu cairia em pouco tempo. Me segurei na borda da parede. Eu não queria cair, não porque queria contraria a torcida, mas porque eu estava extremamente com frio, em um estado já muito preocupante. Fiquei procurando as micros agarras, mas não é fácil se segurar com bota de caminhada, ao invés de sapatilha de escalada. A mochila vai pendendo para o lado e a minha vontade de não cair, pendendo para o outro. Estico a perna, mas não alcanço um degrau mais à frente, enquanto isso, a plateia vai ao delírio, já preveem a minha derrota e é nesse momento que meu orgulho se torna maior que a força da gravidade. Com um dedinho dentro de uma cavidade minúscula, seguro meu corpo até as últimas energias, mas a queda parece inevitável, e realmente foi. Despenco feito jaca madura, mas antes de ganhar as profundezas das águas geladas, me jogo para um patamar mais abaixo, já meio metro dentro da água e alcanço um outro degrau, enquanto a plateia de filhos da puta vai ao delírio, pensando que eu tinha caído, muito porque, fiquei escondido na curva da parede e quando ressurgi, ficaram surpresos e decepcionados com a minha audácia. Eu sobrevivi a queda, mas foi completamente inútil, porque mais à frente o vale simplesmente se fechou, as paredes se juntaram depois que atravessamos por mais 2 poços profundos, onde o pessoal nadou, mas eu cortei pelas laterais. O cânion afunilou e nos espremeu entre torres de pedras gigantes. A passagem não tinha mais que um metro de largura , era como uma porta aberta para o além, um caminho para um outro mundo, que de onde estávamos, conseguíamos ver apenas uma grande escadaria de água, que parecia nos levar para o céu. Eu ainda estava molhado, ainda com muito frio e fiquei ali, parado, desolado com a possibilidade de ter que nadar, mas totalmente absorvido com a beleza daquele lugar. Um a um, os meninos foram saltando para dentro do cânion estreito e foram nadando, graciosamente, como se fossem “bailarinas aquáticas” e era bonito de ver eles passando pelo portal de pedra, uma cena que não sai da minha cabeça e quando chegou a minha vez e a do Fernandinho, nadamos feito galinhas d’água, o mais rápido que a gente podia, o mais veloz que conseguíamos, querendo nos livrar a qualquer custo da água gelada e quando emergimos vivos aos pés da CACHOEIRA DO FUNIL, reencontramos nossos amigos aventureiros, cada qual absorvido em suas emoções diante de um cenário deslumbrante, agradecidos pela oportunidade que a vida nos deu. De cima da cachoeira em forma de escadaria, porque obviamente o nome Funil, provem da passagem estreita do cânion, partimos para o final da nossa jornada naquele dia, já que nos aproximávamos da 3 da tarde. E o caminho não fugiu dos deslumbramentos anteriores, as águas pareciam saídas de um conto de fadas, os poços iam surgindo às dezenas, coloridos, transparentes, por vezes pareciam uma paleta de cores, uma aquarela de sonhos. Mas eu continuava com frio, ainda mais quando éramos obrigados a passar por grandes poços nadando, mas quando nos vimos caminhado sobre lajeados escorregadios, eu sucumbi de vez , bobeei, perdi a concentração e num pulo mal dado, fui parar com a fuça no fundo do rio raso e para não quebrar a cara, me protegi com as mãos, que deslizou por uma pedra afiada e o sangue velho ( mas não tão velho assim) jorrou com vontade, o dedo mindinho saiu com uma luxação e um corte profundo, fora a vergonha passada pelo tombo cinematográfico. Por minha causa, o grupo parou, foi obrigado a interromper a caminhada para que eu pudesse ser socorrido, porque o sangue não parava de correr. Paulo Potenza fez as vezes de socorrista e se encarregou de fazer o curativo. Mas não era só isso, não era só eu quem sofria com as baixas temperaturas da água, apesar de estar um tempo quente e com sol. Fernandinho já estava em ponto de sucumbir também, então tentamos achar uma saída para aquele problema, inclusive vislumbrando até uma saída estratégica do rio, ganhando a altura dos paredões, mas no fim, nem foi viável e ainda bem porque iríamos perder o espetáculo que viria pela frente. Passamos por mais uma cachoeirinha lindíssima, com as águas transparentes e logo à frente, o rio simplesmente que para a esquerda junto a um afluente. Nesse afluente estava marcado no nosso traklog a presença de uma cascatinha, mas eu e o Fernandinho já não estávamos mais em condições para nos desviarmos do nosso caminho e aproveitamos para nos sentarmos ao sol e nos aquecermos, enquanto o Morato, o Flórido e o Potenza, foram lá conhecer a queda d’água do afluente. Voltaram falando que a queda não era nada de mais, só que o Marcelo Morato acabou escorregando e sofrendo uma queda e por pouco não fraturou o cóccix. Partimos do afluente às 16 horas, já loucos para chegarmos na área que escolhemos para acampar, mas antes teríamos que enfrentar a passagem pelos paredões abruptos, que surgiram como fortalezas de quase uma centena de altura, espremendo a gente num mundo de formações rochosas, onde algumas se assemelhavam com catedrais, num dos cenários mais lindos de todo esse lado selvagem da Serra da Canastra. Nós ficamos absolutamente sem palavras, já nos faltavam adjetivos para elogiar o rio e agora ficamos viúvos de elogios para dedicarmos aos cânions. Aquele lugar, cercado de rocha e água era tão fascinante que a gente caminhava tão lentamente a ponto de parecer que não sairíamos mais dele e nem as águas geladas mais nos importavam, quando era preciso nadar, nadávamos, quando era preciso nos jogar nos poços exprimidos pelas paredes, nos jogávamos com um sorriso no rosto. A gente estava feliz, radiantes e quando finalmente tropeçamos na CACHOEIRA DO SUMIDOURO, nos sentamos por alguns minutos, precisávamos baixar a adrenalina, havia sido um dia de intensas aventuras e era preciso parar um pouco, desacelerar, estudar o caminho a seguir. A cachoeira era linda, como tudo naquele lugar, mas estava claro que o caminho não era mais por dentro do rio e pela primeira vez, abandonamos a água em favor de uma trilha que subia nitidamente no barranco da direita, escalava um terreno cheio de cascalho solto e ganhava o alto e uma trilha bem batida que nos levaria em uns 15 ou 20 minutos até o final da nossa jornada naquele dia. De cima da parede, avistávamos mais 2 grandes poços rio acima, mas se quiséssemos, poderíamos ir conhece-lo no dia seguinte, já com o acampamento montado. A trilha praticamente se torna uma estrada para 4 x 4, vira à esquerda e desce definitivamente para a área de acampamento, marcado no nosso mapa como ACAMPAMENTO DO CHAPADÃO, hora de largar as mochilas ao chão e dar por encerrado esse DIA GLORIOSO DE caminhada. O acampamento fica no fim da estrada, antes de descer uma curta trilha que nos levaria de volta ao rio. Ali, já deslumbramos o grande lajeado, onde poderíamos montar nossas barracas, mas o Potenza e o Morato resolveram subir o rio por mais um minuto e acampar quase dentro do leito , acima da cachoeira, enquanto eu , o Fernandinho e o Flórido, resolvemos nos arrumar por ali mesmo. Os meninos da cabeceira da cachoeira, montaram suas barracas individuais, enquanto o Flórido e o Fernandinho dividiram outra barraca e eu apenas resolvi construir um BIVAC, mas não era um bivac qualquer, simplesmente construí um bem elaborado, aproveitando que dispunha de uma infinidade de pedras para fechar meu toldo. Montado o acampamento, fomos cuidar da janta, colocar roupas secas e limpas e nos dedicar ao ócio, ver as estrelas cruzarem o céu, numa noite estrelada e de sonhos. É nessas horas que a gente se dá conta, que a vida está sendo vivida como se deve, ficamos ali, batendo papo, conversando sobre o dia incrível que tivemos, sobre a nossa jornada através daquele rio que nos faltavam palavras e adjetivos para descrevê-lo, sobre a vida e sobe aventuras passadas e sobre os planejamentos de aventuras futuras. Estávamos surpresos de encontrar um lugar como aquele, ainda longe das multidões barulhentas, onde ainda se pode cultivar a paz e o sossego, coisa rara e escassa no mundo de hoje. Cansados, dormimos até que o sol viesse nos despertar para mais um dia de deslumbramentos e enquanto a água do café fervia, descemos a trilha para sermos arrebatados pela grandiosidade do cenário. Um poço fascinante, seguido por uma cachoeira em forma de escada, que poderia muito bem ser a rota para o paraíso. A CACHOIERA DO CHAPADÃO é uma graça, faz os olhos sorrirem e a gente parece não querer arredar pé daquele lugar, faz bem para alma ficar olhando para ela. Mas como não é possível ser feliz para sempre, desmontamos nosso acampamento, tomamos café e partimos atrás de mais felicidade. Nossas pernas a partir de agora irão caminhar para sudoeste, abandonando definitivamente o Córrego do Paredão, se lançando para a calha de outro rio, que irá correr no sentido contrário, indo em direção a grande represa que já faz parte do gigante RIO GRANDE, aliás, todas as águas dessa região pertencem a bacia hidrográfica desse rio, um dos maiores que se juntará ao Parnaíba para formar o também grandioso Rio Paraná. Tomando, portanto, a estradinha que chegamos, uns três minutos acima dela, a abandonamos em favor de uma trilha que corre no sentido que desejamos. No início é só um arremedo de caminho, mas depois ela se torna bem consolidada pela passagem das motos. Logo à frente iremos subir o morro, quase arrastando a língua no chão de tão íngreme e cascalhado e ao ganhar o alto, o terreno se estabiliza e a paisagem muda para o cerrado clássico, ainda que um pouco machucado por mais de 150 dias sem chuvas consideráveis. Mesmo assim é uma paisagem lindíssima, pontuada por várias formações rochosas e plantas que ainda florescem e vão pintando um quadro quase surreal. Passamos por alguns bons pontos de água, onde alguém achou que poderia escapar do mundo e se enterrar num isolamento desolador, mas os casebres que lá foram construídos, hoje jaz no abandono. Uns 5 km de andanças e quase 2 horas depois, machucados pelo sol inclemente da manhã, fizemos a curva para a esquerda, ganhamos uma estradinha que não comporta nem 4 x 4 e descemos em definitivo ao vale escavado pelo rio que acabamos de cruzar uns minutos antes, tropeçando de vez na sensacional CACHOEIRA SETE SETE , com pouca água por causa das secas recentes, mas com um poço incrivelmente verde, deslumbrante, onde uma família preparava um churrasco fora da sua prainha. Esse córrego é mais um achado nessas paragens distantes e por hoje, será o nosso objetivo até quase atingirmos o seu final, mas antes, uma pausa nessa cachoeira para um lanche mais reforçado, um banho gelado e para uma contemplação mais demorada. Aos poucos, vamos recebendo mais companhia, principalmente da galera das bicicletas, mas está na cara que essa linda cachoeira é um pequeno point para os moradores ali da região, justamente por ser de acesso mais fácil, mesmo assim, só alguns gatos pingados. Os mais corajosos, se jogam de cima de uma árvore, onde foi instalado uma corda, mas eu mesmo ainda não me curei da quase hipotermia do dia anterior, prefiro ficar na areia fazendo castelinho e admirando as cores intensas daquele poço translúcido, até que resolvemos abandoná-lo e continuar com nossa travessia. Pegamos uma trilha que sai a direita e se afasta um pouco do rio, mais em cinco minutos vamos cruzá-lo novamente, passar encima de uma afluente e ganhar uma trilha que vai descer meio paralela ao rio, evitando que a gente tenha que descer por dentro dele, até que uns 15 minutos de andanças, interceptamos um novo afluente, que iremos descer com todo cuidado até voltarmos novamente para o rio, bem encima da CACHOIERA DO TROVÃO. Essa cachoeira se enfia num vale profundo e só seria possível descer com uma grande corda, coisa que não temos, muito porque, não viemos preparados para cânioning. Então apenas nos contentamos em vê-la de cima e batemos em retirada, voltando pelo mesmo caminho que chegamos, até reencontrarmos a trilha, virar para a direita e continuar caminhando pela vegetação aberta, mas dessa vez, andando quase uns 500 metros afastados do rio. Claro, poderíamos optar por tentar descer por dentro do rio, assim que nos livrássemos dos cânions do Trovão, mas certamente isso tomaria mais um dia, coisa que não tínhamos, então optamos por ir direto conhecer outra cachoeira. O sol não dava trégua e as vezes, não havia uma só árvore para refrescar a moringa. Por umas 2 horas a gente se arrastou num calor insuportável, no horizonte a grande represa do Rio Grande nos alegra a alma e sonhamos com um mergulho refrescante, até que paramos num outro afluente, onde analisando, vimos que era por ele que deveríamos descer de volta para o rio. Um lajeado gostoso de andar, em forma de escadaria, que aos poucos foi se enfiando dentro de um cânion, até que finalmente reencontramos o rio depois de desescalarmos umas paredes altas e cairmos diretamente dentro de um poço. Estamos dentro de um cânion fechado, parede dos 2 lados. Subindo o rio, uma cachoeirinha nos fecha a passagem e eu e o Flórido nos dirigimos até ela, passando com a água até o a cintura, num rio tão transparente que fica difícil descrevê-lo. Já os outros meninos optam por descer o rio por 2 minutos até se depararem com uma joia em forma de poço, que se destaca com várias cores de tons verdes, enfim somos apresentados ao POÇO DO CALAFRIO, um poço padrão Canastra, nem sei se merecíamos tanto. Imediatamente, já fica decretado que faremos uma pausa de 1 hora e ninguém tem mesmo pressa de ir embora, na verdade, a vontade é de ficar para sempre. Enquanto uns resolvem comer, outros já se jogam para dentro do poço profundo e permanecem por lá, nadando até descolar a pele do corpo. Confesso que a água está fria, mas mesmo assim, achei que não poderia sair de lá sem dar um mergulho e ao saltar de cima da parede, meu corpo explode na água e ao emergir, me pergunto se ainda continuo vivo. A Canastra no verão sempre tem águas quentes, mas nesse final de inverno, ainda continua fria, pelo menos para gente como eu, desprovida de proteção adiposa. Nado o mais rápido possível e alcanço o outro lado, onde o calor do sol reina absoluto e fico ali, parado, emocionado com a beleza daquele lugar mágico e único e com a certeza que ali, são bem poucos que conseguem conhecer, devido à dificuldade de acesso. Esse é um lugar exclusivo, como tantos outros que tivemos a felicidade de conhecer nessa vida de aventuras insanas. Esse rio, como o Córrego do Paredão, é simplesmente encantador e vai seguir se jogando nos cânions até desaguar no braço do Rio Grande. A gente poderia continuar descendo e finalizar nossa travessia perto da cidade de Itací e de lá tentar voltar para Guapé, mas ainda teríamos que conseguir alguém para nos levar de volta à portaria do parque, onde deixamos nossos veículos estacionados, uma logística de merda, então resolvemos abandonar esse rio e voltar para o parque cruzando os chapadões e como o dia já vai muito além da sua metade, temos 3 horas de sol para retornarmos até as nascentes do próprio córrego do Paredão, onde pretendemos acampar hoje. O caminho é o mesmo pelo qual chegamos, subindo por dentro do grande afluente até interceptarmos novamente a trilha que chegamos até ele. Mas agora viraremos para a direita e vamos começar a subir para valer até atingirmos no alto, uma plantação de pequenos pés de café, de onde parte um final de estrada que irá curvar para o norte/nordeste, em direção às nascentes do Córrego do Paredão. É uma estradinha cascalhada por restos de pedras tipo São Tomé, que vai cruzar chapadões por quase 4 km até interceptar uma estrada maior, mas é um fim de mundo perdido no meio do nada e os poucos sinais de civilização, são um ou outro casebres abandonados. Por 500 metros, vamos nos arrastando nesse caminho mais largo, um calor dos infernos que faz o próprio sol já ir abandonando o dia e sem perceber, já ganhamos outro caminho menor e vamos desce-lo por quase 2 km em direção a calha do rio que tanto almejamos, até que lá chegamos e sem pensar muito, jogamos as mochilas ao chão e iniciamos a montagem do nosso acampamento. Estamos nas cabeceiras do Córrego do Paredão, que nasce um pouco mais acima, na Serra da Rapadura. Aqui chamaremos o local de ACAMPAMENTO CHAPADÃO DE CIMA para não confundir com o outro acampamento que também consta como acampamento do chapadão. E é um lugar fascinante, lajes planas à beira do córrego e como não temos qualquer previsão de chuvas, iremos montar nossas barracas praticamente acima no nível da água. Cada qual escolheu seu lugar, conforme as suas convicções, mas eu tive que me virar para montar meu BIVAC, já que agora não contava mais com a farta distribuição de pedra para poder deixar minha casa em pé, o que levou meus companheiros de aventura a zombarem da minha cara, dizendo que agora eu tinha me lascado. Mas aí é que entra a arte do improviso e então me pus a fazer a transferência de um punhado de areia para outro local, a fim de melhorar minha habitação, quebrei 2 pequenos galhos de um arbusto e a minha tenda se armou, como num passe de mágica, o primitivo nasceu, o raiz tomou conta do lugar, chupa seus trouxas….( rsrsrsrsrsr) Lá pelas sete da noite fomos jantar sobre a luz do luar, num lugar isolado, totalmente desconectados do mundo, absorvidos pela solidão de uma noite quente num final de inverno. Ali éramos homens primitivos, vivendo com quase nada, se comparado ao mundo moderno e quando um novo dia nasceu e a luz do sol acendeu nosso amor pela aventura, foi que nos demos conta do lugar onde estávamos, parecíamos saídos de um comercial dos anos 80, como se vivêssemos no mundo de Malboro. Nossa jornada por esse último dia, começa por voltar um pouco e pegar uma trilha para a direita, que vai descer quase paralelo ao rio, mas não tão perto e vamos percorrê-lo por uns 2 km, até voltarmos definitivamente ao rio e cruzá-lo para o outro lado e abandoná-lo de vez ao acessarmos uma estrada mais larga e tomar em definitivo a parte alta dos chapadões. Cerca de de 1,5 quilômetros de andanças, após cruzarmos o rio, viramos a esquerda num final de estrada, que virou quase trilha e 500 metros depois, vamos virar à direita e subir um caminho íngreme até que estacionamos num mirante para um gole de água e um lanche. Por mais 1,5 km vamos passar por várias formações rochosas enormes, avistarmos o outro lado da represa e ao nos depararmos com um morrote isolado à esquerda, varamos o cerrado por uns 5 minutos até interceptarmos uma outra estrada, na qual desceremos sem dó, andando por um caminho cascalhado, interceptar uma porteira e despencar rumo a estrada principal. Estamos perto do meio dia, o sol queima tudo que pode. Passamos por umas casas de fazenda, cruzamos o próprio córrego do Paredão e tropeçamos na estrada do parque, agora em definitivo. Quando estávamos subindo a estrada, uns 300 metros antes da portaria, tropeçamos com os caras do parque. Nesse momento a gente pensou: “ Viche, estamos ferrados, os caras vão vir para cima da gente feito um búfalo com cólica de rim”. Pararam o carro e a primeira coisa que disseram, foi: “Graças a Deus, seis tão bem”. Falaram que estavam preocupados e já tinham acionado a polícia sobre o desaparecimento, inclusive, já tinham puxado a placa do carro e já estavam com a capivara do Flórido no celular e quando nos mostraram, caímos na gargalhada e a apreensão se tornou alivio para todos. Pedimos desculpas pelo ocorrido e eles já avisaram a polícia que tudo estava bem. Aproveitei a generosidade dos mineiros e já combinei com eles o almoço, haveríamos de recompensá-los, gastando algo no restaurante deles e enquanto preparavam um banquete, subimos novamente às cachoeiras para um último banho, o derradeiro daquela travessia memorável. Saímos atrás de novas aventuras, em busca de novos lugares, afim de transformar um roteiro turístico, numa verdadeira expedição, traçando nossa própria rota. Esse lado C da Serra da Canastra teve o poder de nos arrebatar com suas belezas naturais, nos desconcertou com seu isolamento e com o seu poder de nos cooptar com a grandiosidade das suas paisagens ainda selvagens. E o Brasil está mesmo cheio de lugares incríveis. Saímos para ver o mundo e vendo que ele era muito maior que a nossa capacidade de enxergá-lo e compreendê-lo, voltamos mais cego do que fomos. Divanei, setembro/2024 Divanei Goes de Paula Citar
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