Membros andejovadio Postado Maio 14, 2011 Membros Compartilhar Postado Maio 14, 2011 Olá a todos. Este relato é a descrição de um trekking que fiz nas montanhas pertencentes à Cordilheira dos Andes, nos limites da cidade de El Bolson, na Patagônia Argentina. É bastante longo, mas tenham certeza de que ocultei vários detalhes importantes e para mim inesquecíveis para tentar deixar este relato um pouco mais conciso. Também está editado de um modo diferente, com fotos e vídeos que exemplificam a história. Sugiro que leiam com tempo. Vejam este relato com fotos e outros relatos de meus primeiros 17 meses de viagem em: O Andejo Vadio - http://andejovadio.blogspot.com/ Um Abraço, Andejo. *** Terça-Feira. Trajeto decidido. Clube de Montanha avisado. Previsão do tempo: Céu azul até sábado. Mochila pronta, deixarei mais da metade de minhas coisas no camping, impossível subir com toda a mochila. Enfim meu primeiro verdadeiro trekking. A partir de amanhã passarei 3 dias nas montanhas de El Bolson, caminhando sozinho pela Cordilheira dos Andes. Pego os mapas e estudo um pouco melhor o caminho antes de ir dormir. Deixo tudo bem empacotado e torço para que estejam da mesma forma quando eu voltar. Tudo pronto, acho que já posso ir dormir, novamente em cima da mesa, com meu saco de dormir. Desejo boa noite ao céu estrelado. Acordo com um barulhinho gostoso. O que pode ser? Chuva, que droga. São 4 da manhã, ainda está escuro, então volto a dormir. Agora são 8 horas da manhã, segue noite, segue chovendo. Por isso acordava todos os dias tão tarde no hostel em Bariloche, aqui o dia não amanhece antes das oito, ainda bem que já passei da minha época de escola. Planos cancelados. Não vou subir por trilhas desconhecidas com chuva e frio, muito frio. Vou esperar até meio dia, horário limite para começar a subida de 6 horas até o refúgio Hielo Azul. Nada feito, a chuva continua. Deixo pra amanhã ou cancelo a subida?Caramba, seis da tarde e o céu começa a limpar. Sim ou não? Sim, e agora. Agarrei minha mochila e comecei a andar, vou acampar ao pé da trilha para poupar tempo amanhã, quero começar a subir antes de amanhecer. Caminhei e caminhei, ruas de terra e subidas implacáveis e as primeiras paisagens começaram a aparecer, como a árvore amarela que se destaca sobre o rosa das nuvens iluminadas pelo sol ao entardecer ou leito do rio Azul visto pela primeira vez em todo seu explendor. Noite. Sigo caminhando sem nenhuma visibilidade. Noite sem lua, a lanterna é necessária. Enfim chego ao camping que buscava, sabia que estava fechado, mas tinha esperança de poder cruzar por dentro dele para não me perder no bosque durante a noite, e recebi um belo não como resposta. Após pedir, argumentar e quase implorar, achei o argumento correto, 12 pesos. Depois de oferecer propina ao responsável pelo camping ele me deixou cruzá-lo, dando-me instruções claras para não dormir dentro da propriedade já que era proibido. Mas eu paguei, não? Com uma névoa bastante fechada, que refletia a luz da lanterna e não me deixava ver a mais de 3 metros, decidi acampar essa noite abaixo do telhado do prédio da administração. Cozinhei um delicioso arroz com atum e me preparei para dormir. O trekking já começou. Novamente oito da manhã, novamente escuro. Preocupo-me, afinal não vejo as estrelas. Frio cortante, minhas mão doem, muito. Tenho até certa dificuldade de desarmar a barraca por isso. Quando termino tudo, o dia amanhece e descubro que minha preocupação procedia, o dia estava completamente nublado. Entretanto havia caminhado duas horas e meia até ali e não estava disposto a voltar atrás. Caminhei por uma trilha rápida até uma ponte que tentava me convencer a não seguir a diante, não conseguiu, às oito e meia da manhã comecei a trilha. Lembro-me do meu “primeiro” dia de viagem, quando subi o Monte Olimpo, no parque Marumbi. Parece que a subida será semelhante. Poucos passos depois percebi que por mais que não estivesse chovendo, a trilha estava muito molhada e escorregadia. Quebrei um galho para usar como bastão de caminhada. Desliguei o celular para economizar bateria e segui caminhando e depois de uma curta, mas difícil, subida cheguei a uma parte plana e aí sentei para guardar todo o equipamento de frio que tinha tirado depois de aquecer o corpo - que alívio por minhas mãos não estarem mais congelando. Infelizmente a parte plana não durou muito e comecei novamente a subir, dessa vez por mais tempo, mas com uma inclinação menor. Caminhei por muito tempo e tive uma incrível surpresa quando comecei a ver o céu. Eu estava dentro das nuvens. Subi um pouco mais e quando já tinha ultrapassado as nuvens e tinha somente um céu azul sobre mim, parei para comer, feliz de não ter desistido quando vi o tempo fechado. Devo estar próximo do destino. Quando ligo o celular, a surpresa: apenas duas horas. Então, de acordo o cara do clube de montanha, ainda tenho quatro horas de caminhada pela frente, que desanimo! Sigo subindo e logo encontro outra surpresa, a água empoçada no chão estava congelada, melhor eu não molhar os pés! Encontro um riacho e lavo o rosto e a água estupidamente fria que fazia seu caminho morro abaixo e isso renovou meu espírito e contente segui morro acima até encontrar o Mallín de Palos. Nada mais era que um riacho pantanoso com cerca de 20 centímetros de profundidade, entre barro e água, que eu teria que atravessar para continuar. O fato é que a água estava congelada e o caminho a seguir era caminhando por troncos cobertos de gelo e extremamente escorregadios. Apoiando-me em meus bastões de caminhada segui cuidadosamente e feliz encontrei uma placa avisando que o refúgio estava a 2 horas e meia dali, ou seja, na realidade me faltava muito menos que as 4 horas que estava imaginando! A paisagem já estava mudando e o denso bosque dava lugar a uma floresta de árvores grossas e altas. Riachos em grande quantidade exigiam que eu saltasse todo o tempo por pedras para não molhar os pés, o que seria muito incômodo levando em consideração a temperatura da água e do dia. O caminho estava relativamente bem sinalizado até chegar a três grandes árvores caídas onde nenhum caminho era aparente, e para ajudar não via a sinalização que deveria estar ali em algum lugar. Após muito procurar, encontrei a continuidade da trilha, e após segui-la por mais alguns minutos, novamente a paisagem começou mudar. Um bosque congelado de árvores sem folhas estava ao outro lado do pequeno riacho e ao caminhar por pouco tempo com esse bosque à minha direita, visualizei a atrativa casa de madeira que soltava fumaça pela chaminé. Cheguei ao refúgio Hielo Azul após 4 horas e 20 minutos e com um dia lindo e ensolarado preparei meu primeiro almoço a montanha e comi um delicioso arroz com atum (sim, de novo). Conversei com Luciano, o Refugiero, e me explicou que eu teria uma caminhada de 3 horas, ida e volta, até o pequeno glaciarHielo Azul, que fica a 1700 metros de altitude, 400 a mais que o refúgio de mesmo nome, e sem demorar, continuei a caminhar. Subida muito difícil, ao menos para mim. O chão era composto somente por pedras soltas, ora grandes, ora quase como terra, transformando o terreno em armadilhas naturais que tentam te fazer escorregar e torcer o tornozelo, sem contar a inclinação que me fazia sentir a sensação que não poderia subir sem escorregar até lá embaixo novamente. E, finalmente, neve. Meu primeiro contato com o desconhecido estado da água foi primeiro com pequenas porções que conforme eu subia aumentavam gradativamente até que afundava meu pé até quase a altura do joelho. A inexperiência com a neve me fez escolher caminhos bastante difíceis para desviá-la que me levaram a perigosas rochas cobertas de gelo que tive que escalar para chegar ao glaciar, mas a primeira visão valeu a pena. O lago de um azul esverdeado formado pelo glaciar de gelo azul formava uma piscina perfeitamente localizada dentro de um poço na montanha nevada. Não pude escapar, para chegar à margem tive que passar por grandes trechos de neve, e o medo do desconhecido passou rapidamente a fascínio e desci esquiando com minhas botas pela neve endurecida. Depois de novamente lavar o rosto com a água congelante subi correndo,temendo que inesperadamente meu pé afundasse vários centímetros e acabasse me machucando, mas felizmente isso não aconteceu. Agora, como um expert em neve, desci escorregando por todo o caminho, o que facilitou, e muito, minha volta ao refúgio. Acampar, 15 pesos, sem direito a banho, ou usar o aconchegante refúgio. Dormir em uma cama no refúgio com direito a banho quente e desfrutar de todas as comodidades que isso incluía – usar a cozinha e a parte interna do refúgio constantemente aquecida – 50 pesos. A diferença não era muita e com muita dor no coração escolhi... Acampar. Estou em constante contenção de despesas, especialmente depois do tanto que gastei em Bariloche! Negociei e consegui dormir no quincho por 20 pesos – não sei uma palavra equivalente em português, mas seria o equivalente a churrasqueira, ou uma área externa coberta destinada ao lazer. Neste caso, área coberta e fechada. Tentei sem sucesso acender a lareira, as madeiras que encontrei estavam completamente molhadas, e sem algo pra começar um fogo que fosse suficiente para secá-las, tive que torcer para que todas minhas roupas somadas ao saco de dormir fossem suficientes para passar a noite. Foram, e no outro dia continuei a trilha que terminaria em outro refúgio chamado Cajón Azul. Passei novamente pelo bosque de árvores secas congeladas e logo de cara encontrei um obstáculo digno de ser comentado: uma ponte congelada sobre um rio profundo o suficiente para não poder atravessá-lo. Essa ponte nada mais era que um tronco com um corrimão feito de troncos finos, seguido de dois pedaços de madeira sem corrimão algum. Temeroso, provei o tronco para ver quão escorregadio estava e verifiquei que seria difícil ficar de pé nele. Subi e desci pela margem do rio buscando algum outro ponto de travessia e descobri que as poucas pedras que permitiriam a travessia estavam também congeladas e ainda mais perigosas que o tronco. Sem escolha para seguir segurei firme com as mãos sem luvas o corrimão coberto de gelo e vagarosamente cruzei o rio. Ainda na metade do tronco minhas mãos doíam com o frio, mas em nenhum instante me atrevi a soltar minha única esperança de permanecer em pé. Superado outro desafio, seguiu-se uma trilha bastante íngreme e escorregadia, entretanto curta e rápida que me levou a um refúgio intermediário chamado Natación. Essa trilha, por mais que curta, esconde lindas paisagens como bosques, lagos e campos verdejantes que pareciam tão cuidados quanto campos de futebol. Entretanto nenhuma dessas paisagens é comparável à do refúgio às margens do lago de mesmo nome e foi aí que tive o prazer de cozinhar meu simples almoço.Inesquecível, assim como indescritível. Não havia alcançado ainda meu objetivo nesse dia e depois de desfrutar macarrão com sopa “Quick”, segui o mapa que descrevia o próximo trecho como “Bajada Pronunciada”. Nunca senti tanto medo em minha vida. O caminho não era tão bem sinalizado quanto antes, e a todo o momento tinha a impressão de estar perdido. A trilha cada vez mais fechada e com espinhos raspava meus braços, pernas e mochila até que cheguei até a parte mais difícil. O caminho era estreito, muito íngreme e escorregadio – o degelo da montanha transformou a trilha em um pequeno riacho. Grandes pedras cobertas de gelo e água que descia montanha a baixo tinham que ser escaladas e o fato de estar sozinho com uma mochila de aproximadamente 15 quilos complicava ainda mais a situação. Por diversos momentos rezei ao acaso para que a trilha não se complicasse ainda mais, porque não sabia se seria capaz de voltar pelo mesmo, e único, caminho. Por outros, duvidava que estivesse no caminho certo não acreditando na dificuldade deste trecho. Para ajudar, torci levemente o joelho direito e a dor que incomodava, dificultava ainda mais as coisas. Devagar e seriamente temendo por minha vida – um escorregão poderia ser fatal visto que seria uma queda bastante grande, e caso não fosse, dificilmente seria encontrado, visto que estava só e ninguém saberia a localização exata de meu desaparecimento –superei esse trecho agarrado à baixa e densa vegetação dessa parte das montanhas, muitas vezes compostas por plantas cheias de espinhos. Aliviado e cheio de adrenalina, logo após completar esse trecho e o caminho voltar a ser um pouco mais simples, sentei-me por cerca de quinze minutos esperando o coração voltar a bater em seu ritmo natural. A razão e a emoção brigavam entre si com uma mistura de incredulidade e felicidade por haver realizado tal façanha, que pode ser ridiculamente fácil para alguns, e pensava até que ponto nós corremos riscos em busca de superar nossos limites. Acreditando que havia sido demasiado lento apertei o passo no resto da caminhada até Cajón Azul. Cansado, em certo momento me desequilibrei com o peso da mochila e tive que me jogar no chão para não cair de outro lugar com desnível considerável. Mas, para minha surpresa fiz o caminho em 2 horas e 20 minutos, tempo menor que o previsto que variava entre 3 e 4 horas, em que passei por lindas paisagens, entre elas as águas claras do rio Azul. Esse refúgio era impressionante e tinha uma estrutura bastante completa. Seu dono vivia ali com a família há 30 anos e com muito trabalho construiu uma fazenda no meio das montanhas, completamente isolado da civilização. Fui muito bem recebido, entretanto decidi novamente dormir no quincho para economizar mais alguns pesos – o problema era que esse era aberto. Felizmente dessa vez fui capaz de fazer fogo que durou toda a noite e me aqueceu de forma intensa e contínua. Nesse lugar creio que tive a mais linda visão do céu. A noite escura e sem lua, sem uma nuvem ou neblina somada à falta de luz da fazenda sem eletricidade, fazia com que o céu ficasse congestionado, e quase podia perceber as estrelas se empurrando em busca de espaço. E escutando apenas o crepitar do fogo que me iluminava e me fazia superar a temperatura de aproximadamente 6° negativos, dormi completamente fechado em meu saco de dormir. O mais difícil já havia passado e meu último dia nas montanhas foi tranquilo. Mesmo sentindo um pouco meu joelho fiz uma curta trilha até o nascimento do Cajón, que era um local onde o plano e raso rio de cerca de 30 metros de largura passava todo por um espaço de um metro e meio e com força esculpiu as rochas formando em seu caminho dois paredões de 40 metros de altura. Antes de começar o caminho de volta fui presenteado com um pão com linguiça e depois do almoço, comecei a volta a El Bolson. Cantarolava feliz “eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou, pararatibum, pararatibum” e caminhava rápido e despreocupado. As trilhas não eram difíceis e ainda passei em dois refúgios pelo caminho, La Tronconada e La Playita, ambos muito lindos e em perfeita harmonia com a natureza. Após cruzar mais quatro pontes suspensas, todas em péssimo estado, escorregadias e balançando muito, cheguei a última e longa subida até o povoado de MallínAhogado, a 13 km de El Bolson. Decidi não esperar o ônibus, voltei caminhando torcendo para conseguir uma carona, e assim aconteceu. Uma mulher, com suas duas filhas, me levou em sua caminhonete até a pequena cidade, que sem dúvida ficará marcada para sempre em minhas lembranças, como palco de uma aventura de superação contínua, reflexão, descobertas e interação com a natureza. Um grande abraço a todos e até o Fim do Mundo. Andejo. Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
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