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TRAVESSIA SERRA DOS CAPIVARÍS – PR

 

Nessa última década, o montanhismo no Brasil acabou por se popularizar de uma forma avassaladora, muito devido a consolidação do acesso à internet e consequentemente também do acesso as informações. O certo é que subir montanhas serviu como muleta para uma exposição exagerada nas mídias sociais e não que isso seja de todo um problema, democratizar o acesso às áreas naturais deveria ser um dever do Estado, fazer com que o homem se volte mais para a natureza, é bom para o indivíduo e para sociedade. Mas o grande problema, é que o Estado não cumpre esse papel, principalmente em São Paulo, onde montanhista é tratado como bandido pelo poder público, que só faz proibir e restringir suas áreas naturais e o resultado dessa política, é que as montanhas que sobram, acabam ficando entupidas de gente, ficando saturadas. Temos como exemplo o Pico dos Marins na Mantiqueira, onde centenas de pessoas se aglomeram na montanha, deixando um rastro de bosta em todas ás áreas de acampamento, contaminando solo e água.

 

Muitas das proibições de São Paulo, acabam por empurrar muitos Paulistas para as Serras Paranaenses, onde a entrada é sempre livre de burocracias cretinas e eu realmente acabei aderindo a essas montanhas incríveis, inclusive lá está o Pico Paraná, a montanha mais alta do sul do país. Mas chega uma hora, que a gente cansa de frequentar as mesmas montanhas e eu mesmo, praticamente não consigo ficar repetindo rotas, verdade mesmo, que o simples fato de ir e voltar pelo mesmo caminho, já me enche o saco, ainda mais hoje, com as montanhas lotadas de gente, quando uma grande parte ainda não se deu conta da filosofia do montanhismo e querem levar os seus vícios urbanos para cima das grandes serras, muita bebedeira, muito barulho, gritaria acima do suportável. Tudo isso dito, nesses últimos anos acabo por preferir explorar montanhas selvagens ou simplesmente me abster de frequentar montanhas populares em feriados.

 

Quando frequentava as montanhas do CONJUNTO IBITIRAQUIRI, que são essas montanhas perto de Curitiba, onde está o Pico Paraná, sempre que retornava para casa, me chamava a atenção um outro conjunto de montanhas rochosas à beira da Régis Bitencourt, exatamente perto da divisa entre os dois Estados. No início dos anos 2.000, sem mapas de satélites e acesso a cartas topográficas, eu não fazia a menor ideia do nome daquela serra, mas uma década depois, acabei por localizá-las, mas com tantas outras montanhas gigantes para subir no Ibitiraquiri, acabei por desprezá-las. Uns 5 anos atrás, já tendo subido quase todas as montanhas que me interessava, acabei voltando meus olhos novamente para elas, que agora ganharam nome e localização. Na verdade, tratava-se do CONJUNTO DOS CAPIVARÍS, três setores isolados uns dos outros que se distribuía da seguinte maneira:

 

SETOR DO CAPIVARÍ GRANDE: que era constituído do CAPIVARI MENOR, que é onde ficam as antenas, a PEDRA DA BIGORNA e o próprio CAPIVARÍ GRANDE.

 

SETOR DO CAPIVARÍ MIRIM: que é onde está o CAPIVARÍ MÉDIO e o próprio CAPIVARÍ MIRIM, esse o mais popular de todas as montanhas ali naquela região.

 

SETOR DO CAPIVARÍ IV: que é onde se encontra o próprio CAPIVARÍ IV, o CAPIVARÍ V e alguns morros isolados paralelo a crista entre um e outro.

 

Sempre que olhava para aquelas montanhas, ficava me perguntando porque não haviam aberto trilhas que ligassem um setor ao outro, perfazendo assim , uma grande travessia que pudesse valer a pena a gente sair de tão longe para ir lá naquele fim de mundo isolado, então eu mesmo resolvi traçar um caminho, fazer uma rota que eu pudesse ir um dia lá e varar mato e ligar de vez aquelas montanhas, claro, se já não houvessem feito isso, já que a galera do Paraná é bem descolada quando se trata desse negócio de abrir trilhas de uma montanha à outra , já que eles tem a seu favor o fato de poder entrar e sair da Serra do Mar Paranaense, sem serem tratados como bandidos invasores.

 

Pois bem, riscado a trilha, o esboço da travessia, guardei no meu computador e nunca mais me lembrei do projeto, até que esse ano, me valendo de uma previsão impecável, resolvi voltar a pesquisar sobre essas montanhas e descobri que essa travessia realmente já existia e me valendo de um TRAKLOG (caminho feito com um gps) que encontrei na internet, resolvi convidar a galera paulista para finalmente riscar esse roteiro da minha lista. Feito o convite, qual não foi a minha surpresa ao descobri que a imensa maioria não tinha a menor ideia do que eu estava falando, aí me dei conta de que se tratava realmente de um ROTEIRO ESQUECIDO, UMA SERRA DESPREZADA, ofuscada pelo gigantismo da serra ao lado.

 

Convite feito, e os planos jogados sobre a mesa, somente 3 montanhistas toparam o projeto de pegar um ônibus para Curitiba e saltar 30 km depois da divisa de Estado, no meio de uma madrugada fria e caminhar ainda quase 2 km à beira da BR 116 até interceptarmos a estradinha do Morro das Antenas, que parte justamente ao lado do POSTO ALPINO 1, na pista norte da Régis Bitencourt.

 

 

 

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( Potenza , Divanei , Verônica e Dema )

 

E lá vamos nós, EU, DEMA, POTENZA e sua digníssima senhora, VERÔNICA. Já subimos carregados com cargueira e munidos de 2 litros de água por pessoa, contando que poderíamos voltar a nos abastecer quando fôssemos cruzar o vale entre o Grande e o Capivari Médio, mas certeza mesmo, não tínhamos nenhuma.

 

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Pela estradinha calçada e ignorando algumas saídas laterais, que vão dar em alguma propriedade particular, vamos subindo sem pressa e em uma hora, depois do ziguezague final, chegamos as antenas, que no mapa também consta como CAPIVARI MENOR (1.272 m). Lá encontramos 2 barraquinhas montadas, da galera que sobe para ver a alvorada e realmente é um bom lugar para acampar para quem chegou ali no fim de tarde e gostaria de acampar logo.

 

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Logo se junta a nós um grupo de turistas que pretendem subir somente até o GRANDE. Ainda pouco passa das 8 da manhã e enquanto os meninos tomam um fôlego, subo algumas pedras espalhadas para apreciar o visual , mas logo eles resolvem partir e como os 4 turistas tomam à frente, nem nos preocupamos em saber sobre a direção da trilha, simplesmente nos deixamos levar por eles, crentes que eles conheciam o caminho, mas não demorou muito e se perderam, arrastando a gente junto. Aí toca o Dema passar à frente e varar capim alto mais para a direita e reencontrar a trilha aberta e batida que vai em direção ao primeiro morrote do caminho.

 

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Depois de subir uns 100 metros de desnível em direção ao sul, a trilha da uma leve guinada para o leste e minutos depois volta para sua direção original e uma meia hora depois que deixamos as antenas, chegamos ao topo do primeiro morro e em outra meia hora chegamos a entrada da trilha que de agora em diante vai entrar dentro da floresta em direção ao cume do Capivari Grande, mas antes de adentrarmos na mata, iremos desviar nosso caminho para outra atração desse conjunto. Alguns metros antes da trilha entrar na mata, temos 2 áreas de ACAMPAMENTO (A 1). Da primeira clareira de camping sai uma trilha a esquerda, que vai descer a montanha por campo aberto e que irá nos levar até a Pedra da Bigorna.

 

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Pegando portando, essa trilha que vai para leste, assim que chegamos nos arbustos que fica a nossa direita, escondemos nossas cargueiras, afinal de contas, teremos que voltar pelo mesmo caminho então não tem porque sofrer com mochila nas costas. O caminho é lindo e o visual é aberto e desimpedido. O chão está forrado de pequenas plantas carnívoras e a gente vai descendo vagarosamente, sabendo que tempo é que teremos de sobra. A distância entre a clareira de acampamento até a pedra não passa de uns 700 metros e vamos gastar uns 20 minutos de caminhada. E realmente é de se estranhar que pouca gente se anime a sair do caminho para vir visitar essa formação rochosa, já que a PEDRA DA BIGORNA é realmente sensacional, com um visual de tirar o folego. Aliás, eu não imaginava que o conjunto Ibitiraquiri estaria tão perto da gente, com o PICO PARANÁ abrindo uma paisagem com uma vista assombrosa dessa cadeia de montanhas.

 

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Para subir na PEDRA DA BIGORNA, é necessário um pequeno lance de escalaminhada, nada de mais , mas talvez possa assustar os turistas desacostumados a esse tipo de lance, pior ainda para voltar, onde é preciso que uma mão amiga de um apoio para os mais medrosos. A foto à beira do abismo vale muito a pena e o visual do próprio Capivari Grande, que iremos subir logo mais, também é muito bonito, onde nasce um vale coberto de floresta, onde ouvimos agua correr e pássaros cantar.

 

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Menos de meia hora de subida, nos leva novamente para as clareiras de acampamento, onde vamos no enfiar mata adentro. A trilha está extremamente visível e as marcações com fitas coloridas dispensa o uso do gps, é preciso somente ficar atento com algumas saídas laterais que servem apenas para alguns mirantes. Uns 10 minutos na mata, temos que descer num arremedo de corda, passar entre uma fenda estreita e outros 15 minutos vamos tropeças num grande matacão, onde instalaram outra corda, mas essa muito providencial. Subindo essa corda, pensamos estar no cume, mas a trilha continua em meio aos arbustos até desembocar definitivamente onde está instalado o livro de cume, que evidentemente não é o ponto mais alto, que já ficou para trás, mas fica num lugar mais abrigado com vistas para o Ibitiraquiri e também para o nosso próximo destino.

 

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Estamos a 1664 metros de altitude, que marca o ponto mais alto dessa nossa travessia. O CAPIVARÍ GRANDE não tem uma área plana para acampar e o camping oficial é justamente onde narrei, antes de entrar na mata, mas a grande maioria que aqui chega, ou vem num bate e volta ou acampa nas antenas e sobe leve. Surpreendentemente não há lixo em lugar nenhum e muito menos aquele odor de fezes que virou característica das montanhas turística.

 

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Quando chegamos ao cume, encontramos uma dúzia de pessoas e nenhuma delas já havia feito a TRAVESSIA que estávamos fazendo, por isso mesmo me preocupou o fato de podermos encontrar a trilha que liga uma montanha à outra totalmente obstruída, ainda mais porque a Verônica não estava muito bem, talvez uma queda de pressão. O certo é que discutimos até a possibilidade de descermos somente ao vale e encontrando a água, acabarmos acampando para que ela pudesse se recuperar, mas ainda era cedo pra isso, tínhamos tempo suficiente, então enquanto ela tirava um cochilo, ficamos de bobeira aproveitando as largas vistas e planejando o nosso futuro.

 

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Assinei o LIVRO DE CUME DO CAPIVARÍ GRANDE e sem conseguir segurar a ansiedade, tratei de procurar a trilha que ligaria o GRANDE com o MÉDIO. E ela estava lá, bem à direita do livro cume, sinalizada por uma fita amarela. No começo parecia um pouco fechada, mas adentrando nos arbustos, vi logo que era bem aberta e a percorri por uns 5 minutos, até que ela se lançou vale abaixo e eu retornei novamente para o cume, a fim de avisar o resto do grupo que o caminho era bem promissor.

 

Ao vermos que a Verônica já estava totalmente recuperada, nos despedimos da galera que ainda estava no cume e sobre seus olhares incrédulos, abandonamos aquele porto seguro e nos lançamos montanha abaixo e fomos nos perder naquele mar de floresta com o objetivo de atingirmos o próximo cume antes do anoitecer. A TRILHA desce um degrau, mas se estabiliza e por alguns minutos iremos andar em nível. Surpreendentemente ela está bem sinalizada, com fitas praticamente no caminho todo e os caras do Paraná fizeram um trabalho incrível, desobstruindo a passagem com facão, coisa quase que inimaginável para a gente que mora em São Paulo, já que raramente ou nunca usamos facões para abrir algum caminho, haja visto que ser pego com um facão em São Paulo, é pedir para ganhar uma multa astronômica. Logo a trilha muda de direção radicalmente, vira para a esquerda e se lança de vez em direção ao fundo do vale e vamos despencar para valer, sempre atentos na esperança de encontrar algum ponto de água.

 

Ao nos aproximarmos do fundo do vale, que obviamente separa uma cadeia de montanha da outra, ouvimos o barulho de um pequeno riacho despencando do lado esquerdo, mas por estarmos um pouco longe da trilha e por sabermos que haveria outro ponto, ignoramos e passamos batidos, mas uns 5 metros antes da parte mais profunda do vale, um arremedo de trilha a direita é o nosso caminho para o precioso líquido. Levaremos até a água menos de 10 minutos, mas há de se tomar cuidado com buracos escondidos no chão, verdadeiras armadilhas quebra pernas. Mesmo estando com o inverno batendo a nossa porta, há água em abundância, então reabastecemos uns 3 litros por pessoa, o suficiente para cozinharmos e passarmos uma noite com conforto, já que a próxima água somente no vale que liga o Capivari Médio e o Mirim com o Capivari IV.

 

Voltando, portanto, à trilha principal, cruzamos o vale com um pouco de lama e imediatamente já ganhamos a subida que vai em direção a nova crista. A tarde já vai pela metade e a gente estava preocupado com essa longa subida, mas a trilha surpreendentemente vai ziguezagueando de leve, o que acaba por tornar essa subida bem confortável, muito porque, fizeram um excelente trabalho, que além de uma sinalização muito boa, ainda cortaram muitos bambus. Vencida a primeira metade, saímos no aberto, onde uma enorme PEDRA marca um ponto importante de referência, já que é possível avistá-la mesmo de cima do Capivari Grande. É um grande monólito, quase um ovo rochoso e é claro que essa parada estratégica serviria para que a gente largasse nossas mochilas e nos lançássemos na arte da escalada.

 

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O Dema já se posicionou em baixo do Matacão e quando agarrou nas bordas de uma pedra sobreposta encima da grande rocha, ela simplesmente se mexeu, como se fosse despencar, então firmou os pés e tirou o peso, se elevou com as forças das pernas e ganhou o cume. Eu e o Potenza viemos logo atrás mas realmente é um lance desconfortável, saber que de uma hora para outra corre o risco de despencar junto com uma pedra de uma tonelada. Mas a vista lá de cima é realmente soberba, o vento batendo no rosto e aquela sensação de liberdade. Descer é ainda pior que subir, já que não se consegue ver muito bem onde se coloca os pés e apoiar a mão na pedra solta nos causa um calafrio, aquele medo de despencar com rocha e tudo.

 

 

 

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Pouco depois das 14:30, essa foi a hora que deixamos a grande rocha e nos pomos a caminhar na tentativa de atingir a crista da serra. Gastamos uns 40 minutos mais para lá chegar, aí a trilha vira para a direita e vamos galgar toda a extinção da crista que liga esse sub-cume até que em mais uns 40 minutos ascendemos de vez ao CUME DO CAPIVARÍ MÉDIO (1.588 m), onde uma rocha exposta e uma caixa de livro, nos diz que esse é o ponto mais alto.

 

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O cume do CAPIVARÍ MÉDIO, é coberto por pequenos arbustos e somente essa rocha exposta é que temos vistas desimpedidas, mas nem seria necessário, já que a visão é de 360 graus, um espetáculos para os olhos e daqui de cima é que a gente tem a noção do tamanho da montanha que acabamos de descer e consequentemente da encosta que subimos, além de já avistarmos a sequência do caminho que nos espera e obviamente estarmos mais perto ainda da Serra do Ibitiraquiri e seus picos gigantes.

 

Mas o dia já vai terminando, o Capivari Médio não tem área para se montar uma única barraca e a próxima área de acampamento ainda dista quase uma hora de caminhada. Eu estava meio frustrado porque pensava em acampar justamente ali e fugir de eventuais muvucas no próximo pico, que é o mais turístico dessa travessia. Uma coisa que eu não gosto, é ficar forçando as pessoas a fazer algo que talvez não queira, então deixei que os meninos, principalmente o Potenza e a Verônica, decidissem o que seria melhor. E o Potenza ficou indeciso, sem saber que rumo tomar, se partíamos para mais uma hora de caminhada, chegando no escuro ou se tentávamos um bivac (acampamento que consiste em apenas esticar o isolante num lugar qualquer). Mas quando saímos do cume e andamos nem 30 metros, ao nos depararmos com uma trilha plana e bem abrigada, o Potenza já chamou para dormirmos ali mesmo e nesse momento, eu já estava era limpando meu lugar e arrumando a “minha cama”.

 

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Aquele era um abrigo sensacional, enquanto as barraquinhas montadas na outra montanha balançavam no vendaval, a gente cozinhava nossa janta numa boa. Cada qual escolheu um pedaço da trilha para dormir, mas a Verônica, coitada, deu azar, porque o seu pedaço de cama também era parte da casa de um ratinho da montanha, um roedor bonitinho e bicudo que habitam essas paragens. Ao avistar o morador, a menina definhou e desabou a chorar e sumiu do lugar. Enquanto minha janta cozinhava lentamente, voltei ao cume para apreciar a vista de final de tarde, mas quando lá cheguei, encontrei a Verônica se desmanchando de tanto chorar. Aquela cena cortou o meu coração (mentira, eu também desabei, mas a dar risada da situação e voltei para minha janta, rsrsrsrsrsrsrsrsrsr).

 

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De madruga o vento varreu o cume da montanha e demos graças por ter escolhido bivacar ali. Foi uma noite sensacional, a Veronica se recuperou e aceitou a hospedagem na toca do rato e de manhã estávamos todos recuperados, já que dormimos quase 12 horas seguidas. O Potenza ainda acordou mais cedo para ver o sol nascer, mas eu e o Dema achamos que já havíamos visto alvoradas suficientes na vida.

 

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Desmontamos tudo e partimos pouco depois das nove. A trilha sai dos arbustos e em um minuto nos deixa ver o rochoso da próxima montanha e parte da Represa do Capivari.

 

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Começa a descer para o fundo do vale, passa por um lance ou outro de corda e quando passa pelo selado, uns 20 minutos depois que saímos, já interceptamos a trilha que na volta irá nos levar para a sequência da nossa travessia, mas antes vamos subir por mais uns 15 minutos, em campo aberto e vegetação rasteira até nos vermos encima da crista do CAPIVARÍ MIRIM.

 

O Capivari Mirim é uma bela montanha, com espaço para dezenas de barraca e por isso mesmo e por ter um acesso mais fácil subindo da BR, é a mais popular dos três conjuntos. Quando lá chegamos, não encontramos ninguém e até as 2 barraquinhas que avistamos do Capivari Médio, já não estavam mais lá. Lixo não encontramos praticamente nenhum e muito menos aquele característico cheiro de merda que se espalham pelos acampamentos das montanhas turísticas do Brasil, sinal de que apesar de receber visitantes com frequência, a farofada ainda não chegou até lá.

 

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A trilha que vem lá do Médio, atingi o Mirim um pouco abaixo de onde está instalado a caixa de livro de cume e antes de irmos até ela, pegamos para a direita e fomos subir um amontoado de pedras um pouco mais abaixo, um lugar bacana para umas boas fotos da REPRESA DO CAPIVARÍ. Aproveitando o sol da manhã, a galera resolveu se espalhar pela vegetação rala ou simplesmente deitar-se em alguma pedra.

 

 

 

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Chega uma hora que é preciso retomar a caminhada, mas antes de voltarmos pela mesma trilha que chegamos, subimos um pouco mais e fomos até onde estaria o LIVRO DE CUME DO CAPIVARÍ MIRIM (1.552 m). Infelizmente dentro da caixa não havia mais livro, então batemos algumas fotos do mirante e voltamos novamente, interceptamos a trilha e em alguns minutos, descemos novamente ao fundo do vale que separa o Mirim do Médio. Agora a nossa direita, não tão nítida como as outras trilhas, mas ainda assim bem sinalizada, essa trilha será o nosso caminho para a próxima montanha, um pico mais isolado e que parece recebe poucas pessoas.

 

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A trilha vai descer por uma mata mais espaçada e uns 15 minutos depois, já vamos ficando espertos, tentando localizar um ponto de água marcado no nosso mapa, mas nada encontramos, então tivemos que nos separar e procurar algum veio de água. De tanto procurar, escutamos agua correndo no subsolo e subindo um pouco, descobrindo ela aflorando debaixo de uma rocha, estava lá, fresquinha e cristalina, mas para quem não encontrar, um pouco mais à frente voltamos a encontrar no meio da trilha uma água que pode servir para uma emergência, claro que com um pouco mais de dificuldade para captar, já que não é tão abundante como a anterior, pelo menos no inverno.

 

Logo a trilha passa por uma gruta, mas segui pela direita, sobe um pouco e desce ao fundo do vale, um pouco empapado pela lama e corre alguns metros em nível até somos agraciados com um mirante do próximo cume.

 

O caminho se lança de vez para o alto, caindo mais para a direita e os últimos metros são vencidos com uma certa inclinação até que nos damos conta de que chegamos ao cume, ou pelo menos onde instalaram a caixa de LIVRO DE CUME DO PICO DO CAPIVARÍ IV (1.552 M). O livro está instalado numa grande rocha com um belo visual da Represa do Capivari e enquanto aproveitávamos para tomar um fôlego antes de prosseguir, resolvemos beliscar alguma coisa, mas o vento está implacável, além do mais já passava das duas e meia da tarde e era preciso que nos adiantássemos.

 

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Alguns metros à frente da pedra que marca o cume, já localizamos a trilha que vai descer a encosta do Capivari IV e é realmente a parte mais íngreme de toda essa travessia, um lance vertiginoso que mereceria uma cordinha para ajudar os mais iniciantes, mas com cuidado é possível descer se apoiando nos arbustos. Nessa parte da travessia é possível notar que praticamente pouca gente frequenta, porque a trilha some a todo momento e as fitas que outrora foram abundantes, agora praticamente desapareceram.

 

A gente tomou alguns perdidos nesse trecho, mas sabíamos que nosso caminho natural era a crista que liga o Capivari IV ao outro cume. O caminho vai bordejar pela direita da crista, vez ou outra beirando uns abismos. É um cenário lindo para caminhar, cheio de lajes expostas e clima típico de montanha. O vento uiva, o céu sem uma nuvem sequer e a nossa frente um cenário de sonhos com a represa gigante a nos servir de inspiração.

 

 

 

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Assim que nos aproximamos do próximo cume rochoso, ficamos perdidos sem saber por onde subir, mas optamos pelo que nos pareceu mais óbvio, que era subir pela esquerda e ganhar um selado de mata e assim que passamos pelo curto trecho de árvores retorcidas, chegamos ao alto do CAPIVARÍ V (1.431 m). Verdade mesmo, que até então não sabíamos como chamar essa montanha rochosa e começamos a chama-la de Capivari 5, mas depois me deparei com um texto na internet onde outros também o chamavam por esse nome, então por hora, será assim que chamaremos até que alguém nos sopre algum outro nome, caso ele tenha.

 

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A chegada ao cume do Capivari V, marca um momento de incerteza nessa nossa travessia. Já havíamos chegado as 4 da tarde e tínhamos que decidir se continuávamos descendo ou se acampávamos ali mesmo. Eu por mim teria dado um jeito de acampar, mas estava difícil achar uma área boa até para bivacar com um certo conforto. O Potenza não se decidia, fica naquela de acampo, não acampo, muito porque, a gente ficou com medo de termos que enfrentar o resto da descida da montanha a noite. Mas depois de uma decisão em grupo, resolvemos tocar, acelerar o passo e tentar chegar na BR ainda naquele dia.

 

Aqui é preciso fazer um parêntese: Até aqui a travessia tinha transcorrido numa normalidade esperada e mesmo que a trilha depois do Capivari IV esteja bem ruim, ainda assim há um arremedo de caminho para se seguir. Mas não dá para negar que pouquíssimas pessoas saem do tradicional para enfrentar essa travessia completa. Mas o pior ainda estava por vir, depois do Capivari V, TRILHA NÃO MAIS EXISTE e dali para frente é um eterno vara capim.

 

Resolvidos seguir na travessia, nos pomos a caminhar rapidamente, seguindo pela crista, contornando pedras e escalaminhando outras, num caminho sempre confuso. Vamos cruzando por outras lajes expostas, perdendo altitude e tentando nos manter na crista, mas uma hora o caminho natural desce para um vale, um selado entre um morrote e outro, onde tivemos que varar um mato repleto de espinhos e capim cortante, até ao chegar ao fundo , resolvemos pegar mais pela direita, mas fomos dar com os burros n’água e tivemos que retornar para a crista novamente.

 

O caminho começou a ficar penoso e vimos o dia começar a escorregar pelos dedos. Estávamos a cerca de 1.150 metros de altitude e surpreendentemente avistamos um telhado azul que se descortinou no meio da floresta. Ora bolas, se há uma casa, é possível que também haja uma estrada, então decidimos apontar nossa bussola para ela e começamos a escorregar pela direita da crista, tentando empreender uma diagonal que pudesse nos levar direto para a habitação, mas logo o Potenza nos avisa que estamos no direcionando para uma parede rochosa que parece despencar no vazio por dezenas de metros. Então o Dema, que ia à frente, corrigiu o rumo, mas nos levou para uma quiçaça dos infernos.

 

Assim que começamos a varar mato, já notamos que era caminho sem volta e olha que até tentei persuadir o grupo a escalar uma parede de uns 10 metros para voltarmos para a crista, mas o nosso destino já estava traçado. Fomos amassando mato no peito e mal percebemos quando o Dema escorregou pedra abaixo, se transformou em passageiro do destino e foi parar uns 20 metros no pé de uma parede, onde conseguiu parar sua queda numa vegetação intermediária. Sem ter outro caminho e outra opção, nós mesmos nos lançamos no tobogã natural e nos pomos a escorregar , usando nossa bunda como freio e fomos nos juntar ao Dema. Agora dentro da mata, rodopiamos para lá e para cá, tentando escapar de bambus espinhudos, corrigindo a direção quando era preciso, até que de supetão, trombamos de frente com a referida habitação.

 

Vagarosamente e sem fazer muito barulho, nos aproximamos da casa sorrateiramente a fim de evitar chamar a atenção, tanto de possíveis moradores, quanto de algum cão raivoso, mas por sorte era uma casa ainda em construção.

 

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A nossa jornada pelas montanhas havia chegado ao fim, mas ainda tínhamos que resolver como voltar para casa. Pensamos na possibilidade de acampar por ali mesmo, já que o dia já estava prestes a findar, mas não queríamos ser surpreendidos por um possível dono da construção, então tomamos a estradinha de terra que morria ali na casa e fomos descendo em direção a BR. A estradinha vai descendo, passa por várias casas e foi aí que notamos que ali não era uma estrada pública e sim privada e mesmo meio constrangidos, fomos pedindo licença para alguns moradores e tropeçamos de vez num grande portão e por sorte, o portãozinho lateral estava com o cadeado aberto, abrimos e na escuridão da noite, ganhamos a rua em definitivo.

 

A vida nas montanhas às vezes nos leva à desfechos inesperados. Naquele início de noite, saindo da escuridão, vindo de um lugar qualquer, arrastando chinelo à beira da perigosa Régis Bitencourt, uma mulher com um bebê no colo e uma criancinha de poucos anos, acaba por cruzar nosso caminho. Nós mesmo nos vemos meio que perdidos, sem saber como voltar para casa, naquele fim de mundo, a meio caminho de lugar nenhum.

 

- Boa noite senhora, como fazemos para voltar para Curitiba ou pelo menos achar algum lugar para podermos nos alimentar?

 

Ela nos olhou, quis saber de onde vínhamos e como viemos parar naquele lugar insólito. Respondido todas as perguntas, ela nos conta que por hora não teremos como voltar quase 80 km, não naquela noite, mas que ela poderia nos fazer um arroz e dividir conosco 3 ovos que tinha para se alimentar e alimentar seus 3 filhos. Ao recursarmos a oferta, ela ainda insistiu:

 

- Então aceitem um pedaço desse pão caseiro que acabei de ganhar.

 

A gente foi desmoronando e quando ela disse que poderia ver se um amigo dela teria condições de nos levar de carro para Curitiba, resolvemos aceitar o convite para ir até a casa dela para tomar um café.

 

Por um caminho escuro, subimos um barranco escorregadio, enquanto ela nos contava que havia sido abandonado pelo marido e quando adentramos na casa ainda por terminar, a miséria nos saltou aos olhos de uma tal maneira que ficamos desconcertados.

 

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Ela conseguiu ligar e acertamos o transporte para Curitiba e enquanto esperávamos, tomamos o café com o pão que ela repartiu com a gente. As emoções de cada um foi aflorando, ninguém disse nada, mas cada qual parecia querer assimilar aquele golpe de emoções, procurando entender porque gente tão miserável se dispunha a repartir o pouco que tinha com gente estranha.

 

Já passava das sete da noite quando nosso transporte para Curitiba chegou, claro que para a gente poderia ser mais fácil partir de onde estávamos direto para São Paulo, mas infelizmente ônibus partindo da capital Paranaense, não param à beira do caminho. Antes de nos despedirmos da senhora que nos acolheu, repartimos o pouco que tínhamos com ela, não era muito financeiramente falando, mas era uma retribuição merecida, um agradecimento pelo acolhimento. No caminho para Curitiba, fomos ouvindo histórias do nosso motorista que se dizia um dos maiores fãs de Lobisomens do Brasil e quando lá chegamos, depois de pouco mais de uma hora de viagem, fomos comemorar o sucesso da nossa travessia, comendo, já que a nossa fome também estava monstruosa e antes mesmo da meia noite, já estávamos voltando para casa, o Potenza e a Veronica para a capital Paulista e eu e o Dema para nossa aldeia no interior de São Paulo.

 

Essa travessia pelas SERRA DOS CAPIVARÍS, nos apresentou novas montanhas, novos caminhos e em certas partes nos surpreendeu por encontrarmos cristas de montanhas ainda pouco frequentadas, como é a parte depois do Capivari IV, sinal de que mesmo os montanhistas paranaenses comuns, parecem ainda não terem descoberto esses caminhos pouco dantes navegados. E quanto aos meus conterrâneos Paulistas, deixo aqui esse relato de mais uma alternativa às burocracias cretinas no nosso Estado e faço saber que em outros lugares, montanhistas serão sempre bem-vindos, basta usarmos com responsabilidade que as portas nunca se fecharão para a gente.

 

Divanei Goes de Paula – JUNHO/2023

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