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GOLFINHOS, FORRÓ E FISCALIZACAO CERRADA NA ILHA DO CARDOSO

Minha relação com a Ilha do Cardoso data há mais de uma década e tem sido bem tumultuada, pois sempre surgia algum empecilho pra realizar sua visitação plena e completa. Recordo-me ter ficado uma madrugada inteira com uma colega na portaria da Usp esperando a caravana de carros que iria pra lá; infelizmente a viagem havia sido cancelada em cima da hora e ninguém nos informara. Faz 5 anos retomei esta empreitada frustada e passei a me informar da melhor maneira de fazê-lo sozinho. Este parque é protegido por lei e é sujeito a leis um tanto rigorosas. Informei-me com o próprio núcleo e, para minha surpresa, era tudo extremamente caro, não havendo a possibilidade de realizar nada por conta própria, somente com guias, monitores e autorização expressa do parque. Isso me desanimou e arquivei a idéia. O tempo passou, cheguei até a fazer a Travessia do Superagui um tempo atrás, mas ainda faltava o trecho mais complicado, o trecho proibido q ia do Nucleo Perequê à capital da ilha, Marujá . Esse era o meu destino naquela ocasião.

 

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Recentemente, relendo uma matéria do Sergio Beck – montanhista conhecido q influenciou a geração atual de andarilhos - numa extinta publicação especializada detalhando parte da caminhada q tencionava realizar, reacendeu esta vontade e agora pra valer. Entrei em contato com o dito cujo e, indagando das dificuldades burocráticas impostas pelo parque, ele simplesmente respondeu: "Vá e faça! a Ilha não é feudo de ninguém!" Pronto, tava ai o pontapé inicial desta estimulante trip. O gosto de fazer algo proibido dava um sabor especial à empreitada, pois o trecho Perequê-Marujá é justamente o trecho que o pessoal de travessias costuma omitir pelos motivos acima expostos, sendo que é a parte mais selvagem da Cananéia. Tava aí mais um desafio.

A Ilha do Cardoso despertou meu interesse justamente por ser a parte mais representativa do Projeto Lagamar, uma região delimitada por uma intrincada rede de canais, e por ser o único local no Brasil a reunir 4 ecossistemas num ponto só: dunas, restinga, mangue e florestas atlântica. Por conta disso, reúne uma biodiversidade enorme de bichos, alem de uma cultura tradicional caiçara e foi transformado em Parque Estadual protegido por lei e sujeito a todo tipo de burocracias para visitação, que evidentemente estariamos negligenciando e fazendo por conta e risco. E seja o que Deus quiser.

 

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Cheguei atrasado encontrar a única pessoa q topou me acompanhar nessa roubada, uma amiga carioca doida pra conhecer a Cananéia, a Ciça, no metrô Barra Funda, as 8:45hrs. Não tardou e exatamente 15min partiamos rumo Cananéia, no extremo litoral sul paulista. Conversamos bastante enquanto o busão descia a serra lentamente, já que havia um pouco de transito habitual de feriado. Grande amiga, havíamos combinado viajar noutras ocasiões, sem sucesso. Desta vez era a ocasião para colocar a fofoca e tudo mais em dia, alem de colocá-la suscintamente a par do que nos aguardava.

As 11:30 foi nossa primeira parada em Miracatu, uma pequenina cidade onde a colisão entre um ônibus e um trator trazia um pouco de novidade e agitação a seus pacatos habitantes. Em seguida passamos por Juquiá , Registro, Pariqueira-Açu. E exatamente 14:30 atravessávamos um portal lindamente ornamentado nos dando as boas-vindas com "Cananéia - Primeira cidade histórica do Brasil", o que indicava finalmente nosso destino. De fato, a cidade já assume este titulo uma vez que Martim Afonso de Souza parou aqui antes de seguir rumo São Vicente.

 

INICIO DE JORNADA

Cananéia é bem tranquila, detém um conjunto arquitetônico composto de casas térreas e sobrados com fachadas de pedra bem no estilo colonial. Boa parte delas data do século retrasado, infelizmente em má estado de conservação. Curiosamente, a lateral dos telhados tem "ondinhas", chamada de "eira"e "beira", onde telhas de barro, moldadas na coxa dos escravos, já estão arqueadas pelo tempo. Ao dar uma rápida volta pela minúscula cidade, constatamos que haveria uma festa, pois víamos a população colorindo as ruas com serragens nas mais diversas formas. Passamos rapidamente na Igreja São João Batista, bem simples e que além de templo religioso servia tb de forte para defesa da cidade. Preserva as seteiras, aberturas laterais das quais se atirava contra invasores. Isso sem falar na Pça Martim Afonso de Souza, na qual os canhões ao lado do pelourinho ajudavam igualmente contra invasores. O cais ainda preserva os "argolões” presos nas rochas, nos quais eram firmes as naus e caravelas.

Garantimos nossas passagens de volta e fomos à cata de um meio para atravessar o Canal Pequeno, e que nos deixasse o mais próximo da ilha. Nos agregamos com mais uma galera que seguia rumo Marujá e acertamos um preço camarada com um pescador na sua lancha rápida (aqui chamadas de "voadeiras"), já que a balsa tradicional havia partido pela manhã. A Ciça é ótima negociadora, tem uma lábia magnífica em se tratando de pechichar e conseguiu um preço-de-mãe para nós. O dia começava a se nublar, o que nos deixou de certa maneira bastante apreenssivos.

 

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Partimos meia hora depois, deixando Cananéia para trás, acompanhados pela margem esquerda pela Ilha Comprida. Este canal, pertencente à enorme Bahia de Trepandé é detentor de águas calmas e salubras, também dava sinais já de uma típica tradição caiçara da região. Varias cercas de madeira dispostas em locais estratégicos nas margens são resquícios da cultura caiçara dali, um tipo de pesca artesanal com cerca fixa, onde os peixes passam por um labirinto de bambus. O vento do mar soprava nossos rostos estasiados ao ver a margem se aproximando onde as várias aves marinhas pareciam nos dar boas-vindas. Não deu nem quinze minutos de viajem e já pisávamos na Ilha do Cardoso, sentindo-nos os legítimos colonizadores mochilados ao descer na praia deserta. Nos despedimos do pessoal da voadeira e prometemos encontrá-los em Maruja, dentro de dois dias caso tudo ocorresse conforme o planejado. Uma placa indicava que estávamos na praia de Itacuruça, ao lado do Núcleo Pereque e a praia do Pereirinha.

Pronto, ajeitamos nossas mochilas nas costas, colocamos calçado adequado e iniciamos nossa caminhada rumo extremo sul da ilha. De preferência bem longe das vistas do Núcleo Perequê, sede operacional do parque e base de toda sorte de burocracias existentes. A praia estava desertissima, e ao longe, no horizonte delimitado pelo mar, viam-se somente pequenas embarcações de pescadores, nada mais. Éramos apenas nos e Deus ali, donos absolutos daquele pedaço.

Assim sendo, tomamos rumo mar aberto pela praia enorme de terra batida e areia branquíssima e fina, seguidos de um lado pela restinga, e do outro, do mar - ainda calmo - com vista privilegiada ainda da verdejante Ilha Comprida, ao longe. A restinga é um ecossistema que se estende ao longo das praias, costões arenosos e planícies costeiras, cuja vegetação consiste basicamente em bromélias, gramíneas, ingás, cactos, pitangueiras e samambaias de baixo porte devido a ação dos ventos constantes. Aqui, ela é bem extensa , separando a praia da floresta tropical. Por sua vez a praia de Itacuruçá é bem extensa e larga, fruto das marés. É tentador andar descalço na areia dura e úmida. Minha amiga o faz, porem eu prefiro ainda seguir de calçado mesmo, afim de adaptar meus pés e me poupar de uma eventual bolha por falta de costume. Alias, a caminhada seria longa e uma bolha seria bem inconveniente. No caminho procuro ajudar minha colega - pouco habituada a pesadas mochilas - carregando algo. Ela recusa, claro, apenas dando uma ajeitadinha de acolchoar os ombros.

 

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O tempo estava nublado ameçando chuviscar, mas felizmente são apenas respingos vagos que não comprometem nossa trip e muito menos nosso ânimo. Mais um pouco, e aos poucos vamos deixando a ponta da Ilha Comprida para trás, entramos numa enseada a direita e finalmente temos diante da gente o Oceano Atlântico e suas águas um pouco mais agitadas. Felizmente, a brisa marítima refresca nossos corpos. Sinais de vida animal se tornam evidentes: gaivotas e quero-queros reclamam nossa intromissão; gaviões nos observam atentamente de troncos secos nos limites do costão arenoso que acompanha a extensa praia, e pequenos sirizinhos eventualmente dão as caras de seus buraquinhos borbulhantes na praia, principalmente quando a água torna ao mar.

Nossa caminhada encontra seu primeiro obstáculo um pouco mais adiante, porem de fácil contorno. São diversos troncos claros de fina grossura espalhados pela praia, ainda de pé sustentados pela raiz, e que mais parece uma floresta fina petrificada. Na verdade é um mangue seco, exposto - felizmente - pela maré baixa. A vista é bonita e ate surreal, pois parecem pequenos espetos emergindo da horizontalidade da praia. Algumas redes, cordas e apetrechos de pesca pendendo nos galhos lembram a passagem humana nessa região. A sensação de desolamento é total. Na areia, minúsculas conchinhas furadas nos despertam a atenção, era só passar um barbante e obtia-se instantaneamente um belo colar!

De repente, nosso obstáculo seguinte vinha ao longe, de bicicleta e trajando uma camiseta do parque: um fiscal. Putamerda! Nos pergunta pra onde iamos, nos diz que não é permitido estar ali e tudo mais. Invento rapidamente a desculpa de que nos deixaram ali e que seguiriamos a pé rumo o camping Ipanema, na praia seguinte. Se acreditou ou não francamente não sei, mas ele nos indica da forma mais natural o rumo do camping em questão, mas é reticente em frisar que não pode acampar na praia. E vai embora. Ufaaaa! Os caras fiscalizam aquela imensidão mesmo! Ainda bem que nossa trip não terminou logo de inicio!

 

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Passado este trecho segue-se novamente a praia e ao longe, o final dela culminando num pequeno morro com rochedos na base. Dentro da ilha pode-se ver a exuberante mata atlântica forrar os morros internos com um verde escuro denso. Um pequeno e fino curso d'gua e uma casinha abandonada (provelmente de pescadores) marca o final da praia. Decidimos se pernoitamos ali ou não e resolvemos seguir adiante, ruma a praia seguinte. Tomamos uma pequena trilha e seguimos mata adentro com uma vegetação um pouco mais espessa, para logo depois desembocar no inicio da praia seguinte, a Praia de Ipanema.

Já era final de tarde e a noite logo cairia sobre nos, o mar agitado deixava uma leve bruma na extensa praia e nem sinal do camping que supostamente haveria ali. Eu fiquei preocupado diante da possibilidade de termos que armar barraca no escuro. Andamos pela praia e nenhum sinal, placa ou qualquer indicativo do maldito camping. Finalmente chegamos ao final da praia, quase próximo de outro riacho maior que servia de ponto de encontro de inúmeras gaivotas e maçaricos. Decidi acamparmos ali mesmo, dane-se, porem não na praia e sim no inicio da restinga dali, numa região plana e arenosa. E longe de qualquer vista do fiscal e de uma eventual maré alta, claro! Armei rapidamente a barraca pois os mosquitos e pernilongos decidiram jantar antes de nós. Eram 18hrs e já escurecera. Dentro da barraca, "jantamos" uma suculenta sopa instantânea de frango e macarrão picado (pollo com fideos), que engrossamos com algumas torradas. Delicia! Aproveitei e tomei uma lata de cerveja. Quente. Claro que o preparo requereu uma certa dose de equilíbrio, de maneira a não incendiar a volátil estrutura da nossa tenda! Bem, ali já não havia mais nada a se fazer e uma hora depois fomos deitar, ao som de toda sorte de ruídos na mata, oriundos principalmente de sapos e patos do mar, logo na laguna ao lado. Friorenta como ela só, cedo meu isolante à Ciça pois creio que ela faça uso melhor que eu, que optei dormir sobre meu saco de dormir mesmo, e mais nada.

Acordei no meio da madrugada com vento soprando em meu corpo, pois não fechara inteiramente o zíper da entrada da barraca. Antes de fechá-la, dei uma espiadela pra fora e estava completamente escuro, bréu este apenas quebrado por pequenos pontos luminosos mar adentro, quiçá embarcações retornando a seus cais. O céu estava parcialmente nublado, deixando entrever milhares de estrelas faiscando o manto negro da noite. Por volta das 3hrs da madruga minha colega tb acordara e ficamos tagarelando - principalmente sobre filmes estrangeiros - enquanto o sono não voltava. A lua semi-cheia iluminou de vez a noite quando as nuvens se dispersavam lentamente ao vento.

 

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PRESOS EM IPANEMA

No dia seguinte levantamos as 6:30hrs. O dia estava limpissimo e o sol já se assomava lentamente sobre as encostas da ilha. Tomamos um cappucino com sucrilhos e levantamos acampamento, afinal não queríamos que o fiscal nos flagrasse comentendo “delito”. De repente, minha colega vê um cachorro-do-mato bem próximo, do outro lado do riacho. Bem esquisito, por sinal, porem cinza e bem peludo. Não nos havia visto ainda. A Ciça se assusta e trato de chamar a atenção do bicho, deixando-a mais assustada ainda. Ao me ver, o bicho sai em disparada pela praia. Pois bem, ao desarmar a barraca constato minha primeira baixa: uma das varetas de sustentação que já estava desgastada quebra de vez, paciência. Apesar de estar com as costas castigadas devido à imperfeições do terreno a noite, minha amiga não reclama nem desanima de maneira alguma. Essa mulher é retada!

Pé na estrada novamente, ou melhor, na areia. Cruzamos o riachinho, ponto de encontro de gaivotas e fragatas, e começamos a nos embrenhar nas pedras, um extenso e largo costão rochoso. Ôpa, pegadas e marcas de bicicleta frescas na areia! Seria aquele fiscal chato??? Já de cara um pequeno riachinho reabastece nossos cantis e molha nossa goela. Seguimos cautelosamente pelas pedras, alias, este costão é bem simpático. Ora de pedras roliças que mais parecem ovos, ora de grandes blocos e prateleiras, pelos quais vamos pulando cuidadosamente. Nas encostas varias cordas e garrafas trazidas pela maré alta, resquícios do lixo dos marés. Não deu nem meia hora andando ali, e na hora que paramos para descansar, adivinha quem vem se aproximando atrás da gente, pulando de pedra em pedra? Pois é, o fiscal. Ai, meu Deus...

- Olha quem vem aí! - falei pra minha amiga, disfarçando.

- Xiiiiiiii... - ela me responde, avaliando umas marcas na perna dela.

 

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O cara nos perguntou o que fazíamos ali e tudo mais, reiterando novamente o que nos dissera o dia anterior. Falou que havia encontrado outros rapazes tentando fazer o mesmo e nos vira de longe. Nos advertiu do perigoso que era cruzar aqueles rochedos, em tom de sermão. Bem que minha colega tentou argumentar, mas não teve jeito. Mandou-nos retornar à praia, ao camping, e esperar alguma “carona” pra próxima praia, após os rochedos. Assim retornamos, a contragosto. Ai nos indicou onde era o maldito camping que procuramos sem sucesso, era uma pequena trilha que seguia da praia em direção mata adentro, algo que nunca imaginamos tendo em consideração que não havia nenhuma sinalização.

Adentramos na trilha e chegamos ao camping, que não era nada mais que uma casa rústica de um caiçara com um espaço razoável à sombra de uma árvore de porte considerável. Lá estavam tb os dois rapazes que o guarda tb barrara antes de nós. Eles eram de Votorantim e estavam lá esperando o dono da casa voltar da pesca e dar carona de barca à praia sgte. Ou seja, não havia ninguém naquela casa e sabe-se lá quanto haveria de esperar, visto que havia uma tal de “Festa da Tainha” na região e a probabilidade do cara nem aparecer era bem real. Resolvemos esperar tb e ficamos na praia, descansando ao sol forte daquela manha. E o fiscal? Ele simplesmente nos deixou ali e sumiu na praia, sabe-se lá pra onde.

Conversamos bastante naquelas loooongas horas de espera, deitados na praia e acoitados eventualmente por rajadas de vento do Atlântico. Notando o tempo passar, resolvemos torná-lo produtivo explorando os arredores dali. Primeiro seguimos rumo ao Morro do Itacuruçá, no começo da praia, onde é possível observar o Marco de Itacuruçá, registro histórico da demarcação do famoso Tratado de Tordesilhas, que dividia o pais entre espanhóis e portugueses. Subimos o pequeno morro afim de ter uma perspectiva melhor daquela bela praia, ao longe vendo os outros dois rapazes tb andando, igualmente na tentativa de matar o tempo a tiros de trintaoitão. Andamos pela praia pra cima e pra baixo, e nada da nossa “carona” chegar. Diante da praia, pode-se ver a pequena e rochosa Ilha do Bom Abrigo, onde um pequeno farol destaca-se como sentinela.

 

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Adentramos na Mata Atlântica adentro tb, exuberante e densa, seguindo uma trilha rente a casa do caiçara que levava a um simpático curso cristalino de água. Os rapazes nos informaram de uma tal Cachoeira de Ipanema por ali, pequena porem com poços apropriados para banho. O tempo foi passando e, lentamente, a idéia de pernoitar ali outra vez ganhava mais consistência. Resolvemos então tomar banho pra nos refrescar no riachinho que desaguava no final da praia, àquele onde acampáramos na noite anterior ao lado. Banho muito bom este, apenas fazendo ressalvas às constantes e bruscas mudanças de temperatura de suas águas devido a pequenas correntes. Ah, e sempre observados pelos minúsculos peixinhos que nadavam em suas águas meio salubras porém cristalinas. Aqui, repelente é fundamental, já que há um mosquitinho parecido com o borrachudo que deixa grandes vergões na pele, o “pólvora”. A minha então ficou empolada feito pastel de feira.

Após comermos uma gororoba na praia - caldo de feijão engrossado com pão - que nunca esteve tão deliciosa, fomos nos estabelecer de vez no camping ao lado da barraca dos rapazes de Votorantim. Armar a barraca foi meio complicado com uma vareta quebrada, mas consegui fazer uma gambearra pra mantê-la de pé. Já escurecera e rapidamente a temperatura caiu, e eles providenciaram uma bem-vinda e acolhedora fogueira. E lá ficamos nós, conversando e procurando decidir o que fazer o dia seguinte, já que não adiantava perder tempo ali aguardando uma carona que quiçá não viesse. Os rapazes tb estavam fazendo a mesma travessia que nós, porem mais longa.. mas eles já consideravam seu feriado perdido com esse percalço e retornariam no dia sgte. Nós não, ainda tínhamos dois dias pois estávamos até adiantados, já que nosso ritmo havia sido bom. Conversei com a Ciça e decidimos, no dia seguinte bem cedo, levantar acampamento e continuar além do trecho onde o fiscal nos barrara. Na marra e dane-se! Como diria o segurança de festa infantil Van Damme: “Retroceder nunca, render-se jamais..”

 

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Esta mata é bem fechada, composta de ipês, caixetas, jequitibás, palmeiras, canelas, entre outras, e fico imaginando toda sorte de bichos que devam haver aqui, papagaios-de-cara-roxa, veados-mateiros, jaguatiricas, suçuaranas, mico-leão-de-cara-preta, jararacas, tucanos-de-bico-preto, jacutingas, bugios, monocarvoeiros, tiés-sangue, cobra-coral, lontras, jacaré-de-papo-amarelo, além de uma espécie de morcego catalogada somente aqui.. enfim, não era a toa que a região ganhou o titulo de Reserva da Biosfera, pela Unesco. Cerca de 90% do território é Mata Atlântica intocada, com muitas especies vegetais. E nos ai, bem naquele miolo selvagem, no meio de nada e lugar nenhum!

A noite finalmente lançou sobre a gente seu manto negro e providenciamos um lanchinho simples - pão com atum, regado a um suco de laranja bem doce – onde continuamos conversando com os rapazes por um tempo, enquanto estes fumavam sua "canabis" básica. O engraçado é que tínhamos bastante mantimento e brigávamos pra ver o que consumir, afim de aliviar peso nas mochilas! A densa folhagem das arvores dali impedia ver o céu noturno e fomos pra praia, apreciá-lo melhor. Ventava um pouco, mas a visão realmente encanta. O céu estava tão transparente que mesmo a escuridão entre uma estrela e outra é matizada por uma fina poeira estelar. A manto negro salpicado de estrelas é quebrado somente com a débil luz de barquinhos, ao longe no horizonte. Alguns satélites e estrelas cadentes singram o firmamento, dando um pouco de mobilidade à cena aparentemente estática em sua beleza. Retornamos para deitar, satisfeitos. O dia fora basicamente reservado para descanso e amanha iríamos seguir diretamente à Maruja num passo forçado. Dormimos alem das 21hrs, e, diferentemente da madrugada anterior, não acordamos nem um momento para ficar divagando de nada. O sono dos justos desta vez fora muito bom. Durante a noite, noto a Ciça tiritando de frio apesar de estar mto mais agasalhada que eu e estar literalmente enfiada dentro do saco de dormir. Como sou bem mais calorento, proponho a velha tática utilizada pelos pingüins, ou seja, dormirmos coladinhos, de maneira à troca de calor ser favorável a ela e não haver perda da mesma por convecção, rente o chão. Ela topa no ato e assim passamos o resto daquela fria noite.

 

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ENFIM, MARUJÁ!

As 7hrs da manha já estávamos em pé, arrumamos rapidamente nossas coisas e nem tomamos café. Nem sinal dos outros rapazes, que provavelmente retornaram pra Cananéia bem cedo; nós não, seguiríamos em frente conforme o previsto. Pé na areia novamente, olhamos cautelosamente aos lados afim de ver se o fiscal estava por ai, à espreita e nada. Barra limpa, seguimos rumo aos rochedos pela água, afim de não deixar pegadas na areia. Refizemos o trajeto da manhã do dia anterior tranqüilamente, sem nenhum percalço. Sempre olhávamos para trás, atentos se o fiscal não estivesse no nosso encalço.

O mar desta vez estava agitado e a maré um pouco mais alta. As ondas estouravam furiosamente nos paredões de rocha, e procurávamos caminhar bem distante delas. Ainda assim, minha colega não pode evitar de levar um banho de uma onda marota numa região onde havia que transpôr um alto rochedo de cara com o mar. Algumas pedras estavam escorregadias, apesar de estarem repletas de pequenos marisquinhos pretos que serviam como aderência. Chegamos, enfim, a mais um obstáculo naquela região rocosa: um enorme penhasco vertical impossível de transpôr nas condições daquele dia, se a maré estivesse baixa tudo bem, seguia-se por baixo; não era o caso, não tinhamos corda ou "pontes" para pular ao rochedo seguinte. O jeito era por cima contornando o pequeno morro, igualmente ingreme. Pedi pra minha colega esperar e eu fui verificar a possivel trilha a seguir. Com dificuldade, escalei o morro em questão, avaliando as possibilidades da Ciça tb transpor aquilo ai. Não dava. O terreno era íngreme demais para subir com peso avulso, e no morro a mata era bem mais fechada, forrado com trocentas bromélias espetando com seus fortes e grossos espinhos. Isso sem falar nos formigueiros, que quase me deixam louco.

 

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Relutante e meio a contragosto, decido não prosseguirmos. Preferi zelar pelo bom senso e pela segurança de minha amiga, alias, não queria expô-la a riscos desnecessários, embora se tivesse optado seguir estou certo que ela topava. Até pq até aquele momento ela não reclamara em nenhuma ocasião nem tampouco mostrou-se inconveniente conforme previra, pelo contrario. Mas não era o caso. Segurança em primeiro lugar. Frustrados, voltamos pra maldita praia, que parecia nos mantinha presos de alguma maneira a ela. Antes, porem, resolvemos tomar nosso desjejum nos rochedos - precisamente suco e pão com Polenguinho - e decidir pra onde seguir dali. Foi ai que vimos uma pequena embarcação se aproximar da praia. Eram pescadores!!! Nossa alegria foi tanta que mais parecíamos náufragos sendo resgatados! Fui correndo de encontro a eles já tentar negociar uma carona.

- Deiz real! - o cara responde, na lata.

Ate ai preço não importava, o que queríamos era sair dali. Aceitamos sem pestanejar, porem tínhamos que aguardar ele voltar, pois estava indo pra Cananéia deixar peixes e buscar gelo, procedimento normal dos pescadores dali. Ótimo! Ao menos já tínhamos como transpôr os rochedos e não voltaríamos à estaca zero. Enfim, estávamos bem contentes pois vimos que nossa travessia teria continuidade. Realmente, pra este trecho mais acidentado de travessia é fundamental saber a tabela das marés pra não ficar ilhado como a gente ficou, e não perder tempo. Tem quem faca de bike mas ai é mais arriscado.

Na praia, o pescador deixara outros caiçaras para fazer um trabalho típico de maré baixa. Eles ficam andando pela beira da água, à procura de moluscos enterrados na areia - os "corruptos" - que extraem com suas bombas manuais e que servem de isca. Além deles, o pescador deixara um casal de meia idade de curitibanos que tb estava fazendo a mesma travessia, só que sentido contrario! Detalhe: o cara havia sido recém-operado de hérnia e estava fazendo a travessia. Isso já é demais! Se um cara com hérnia tava fazendo, era mais que obrigação nossa conclui-la! Eles eram um grupo maior, apenas eles haviam pego carona ate ali, e o restante estava vindo pelos rochedos, com muita dificuldade pelo visto. Conversamos com eles diante das dificuldades que nós tivéramos no rochedo, mas decididamente eles estavam bem melhor equipados do que nós. Nos despedimos deles e aguardamos o nosso barqueiro salvador na areia, acompanhados de longe de dois urubus imóveis na areia. Seria mau pressagio?

 

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Exatamente 11:30 o cara aparece. Bom horário. Minha colega parte pra pechinchar preço, sua habilidade nata. Ao ver que somente vamos apenas pra praia seguinte, o cara acaba nos levando de graça. Perfeito! Embarcamos na voadeira juntamente com os demais caiçaras e o fruto de sua coleta pra adentramos no mar. É emocionante andar nestes barquinhos motorizados, eles tem uma técnica apurada pra enfrentar diretamente as ondas, reduzindo consideravelmente a velocidade e deixando o barco cair com tudo na água! Pura emoção que não deve em nada ao Playcenter! Depois de cruzar as ondas e estar em mar calmo, seguimos rumo a praia seguinte, paralelamente aos rochedos que por duas vezes nos impediram de prosseguir. Vistos do mar, eles parecem de fato intransponíveis, ainda mais com maré alta. Os pescadores confirmam isso e nos dizem que são poucos os que de fato atravessam ali na raça, alem deles, claro!

Assim sendo, passamos os rochedos, o Rio Cambriú que deságua na praia e finalmente 3km depois chegamos na bonita, calma e extensa Praia Cambriú, com algumas casinhas caiçaras parecendo palafitas e enormes canoas de tronco dispostas perpendicularmente na areia. Somos recebidos por duas garotinhas, que ficam tagarelando com minha colega que as presenteia com balas enquanto eu bato algumas fotos. Nos despedimos e agradecemos os pescadores, que em sua simplicidade nos oferecem hospedagem e tudo mais. Não seria má idéia, mas ainda tínhamos muito a andar ainda.

Tomamos uma trilhazinha antes da ultima casa ate deixar pra trás a simpática praia. Atravessamos um pequeno morro com vegetação baixa arbustiva e logo chegamos na minúscula praia de Folinho, ou Fole Pequeno, onde batemos fotos de uma pequena ilhota bem na frente, a Ilha de Cambriú. Transpomos então mais uma lombada, sempre seguidos pelas típicas e onipresentes bromélias. Alias, bromélia é o que mais há na ilha, de toda sorte de tonalidade variantes de rosa! Pelo que sei, há 41 tipos dela, além de 118 de orquídeas!

 

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Chegamos à Praia de Foles, maior e com outro sossegado (e discreto) povoado caiçara. Atravessamos a praia rumo à lombadinha seguinte que nos joga na longa Praia de Lages, com 7km intermináveis de comprimento. Aqui, minha segunda baixa se traduz no estouro de minha sandália-papete. Felizmente agora andaríamos na areia úmida da praia. Este trajeto foi tranquilissimo. O sol já nos castigava pelo lado direito mas ainda assim seguimos adiante, andando sem pressa alguma, eventualmente parando pra examinar as diversas conchinhas, bolachas-do-mar e qualquer coisa interessante que cruzasse conosco à beira dágua. Teve uma hora que o sol se fez sentir e procuramos uma sombra acolhedora, sem sucesso. A vegetação da restinga aqui não ultrapassava o joelho! Paramos mesmo assim por um instante, degustamos umas bolachas com granola e seguimos em frente, cruzando ate com um casal em sentido contrario, primeiro sinal de vida após um bom tempo! Como já disse anteriormente, parar perto da mata é pedir para os mosquitos virem almoçar vc, ou melhor, ser "vampirizado", como observou minha colega. Pior é que depois de picado, coça e muito! Depois ficamos sabendo que ultrapassáramos uma trilha que levava a umas piscinas de Lages, mas isso não importava agora, nosso destino era mesmo Marujá.

Ao fim da praia, 1hrs depois, via-se um pouco mais de movimento de jovens. Tomamos uma trilha que subia o Morro da Tapera por dentro da mata fechada, nos proporcionando uma agradavel e refrescante sombra em todo trajeto. Aqui, as raízes embaralhadas e expostas da densa vegetação já servem de degraus durante o trajeto ingreme, porem mesmo assim toma-se cuidado para não escorregar, já que o chão é bem úmido. Companheira formidável, Ciça não esconde o cansaço neste pedaço, razão pela qual paramos pra descansar mais de uma vez. Após subidas e descidas pelo morro, cruzamos alguns rios secos, o som de arrebentação próximo nos indica que estamos já chegando novamente à praia, apressando nosso paso. Segue-se uma descida bastante escorregadia e finalmente chegamos a Praia de Maruja, onde uma bem-vinda bica nos fornece o liquido vital suficiente pra saciar nossa sede. Minha colega aproveita pra remover uns espinhos na mão, obtidos ao se segurar num arbusto pra não escorregar. Eram apenas 15:40 da tarde.

 

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A Praia de Maruja é enorme, quase 16km intermináveis, agora é so seguir em frente ate a vila propriamente dito. Assim andamos pela larga faixa de areia entre a mata e o mar, satisfeitos por concluir nossa jornada. Aqui nota-se mais movimentado, gente indo e vindo, e uma hora e pouco depois tomamos uma trilhinha pela direita entrando na restinga e notamos já sinais de civilização, ou seja, casas simples, antenas, pousadinhas e tudo mais. Tudo emoldurado por um belo e enorme gramado, que permite vc andar descalço sem nenhum problema!

Maruja é uma graça de povoado: casas esparsas bem distantes uma das outras sem cercas ou muros ao redor; uma "rua de areia principal" bem estreitinha atravessando a restinga; não há eletricidade, apenas em painéis solares ou geradores a diesel, e um único telefone comunitário disputado pelas quase 300 pessoas que lá habitam de maneira bem simples e tranqüila. O acesso aqui é apenas por trilha ou por lanchas, voadeiras e uma balsa pouco regular, que utilizam o enorme Canal de Ararapira como avenida, logo atrás da restinga, espremendo o povoado numa tripa extensa de terra. Os moradores daqui já adaptaram suas casas para receber e hospedar turistas de maneira bem acolhedora. O sol ia lentamente caindo trás os morrotes faiscando com seus últimos raios as calmas águas do Canal de Ararapira, onde via-se pescadores retornando de seus vários afazeres.

 

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Mal chegamos e buscamos local pra montar nossa barraca. Acertamos com Dna Laura e seu Zé Roberto e acampamos no quintal da pequena pousada deles por uma taxa módica. Bem, ficamos perto dos galos e gansos dela, torcendo para que não nos incomodem com a barulheira com que nos receberam.. Ciça estava faminta e providenciei imediatamente um suculento miojão com sardinha. Nada especial, mas raramente o lanche nos pareceu tão cheio de sabor, temperado com a consciência do dever cumprido. Esperamos seu Zé Roberto ligar o gerador e tomamos um merecido banho. Escurecera e as luzes começavam a pipocar aqui e ali no vilarejo.

Seu Zé nos contou que ninguém ali pode cultivar nada para seu sustento (feijão, arroz, palmito, mandioca, etc) como antigamente, pois apenas a mata nativa é preservada; em compensação o governo trouxe melhorias palpáveis pra eles, como energia solar, escola, igreja e instigou o turismo na região, do qual vive quase todo mundo, alem da pesca, claro. É incrível como eles falam de voadeiras e canoas como se fossem carros, já que precisavam delas pra visitar os filhos em Ariri, ao longo do canal.

Não eram nem 19hrs e a agitada noite nem começara. No camping encontramos a mesma galera que viera conosco no barco dois dias antes e ficamos conversando um pouco. Depois disso, fomos dar uma voltinha pelo povoado, devidamente munidos de uma lanterna, claro! A distância entre uma casa e outra era um bréu só! Fomos para um barzinho tb onde saia um belo dum rock, sinal de que a noite ali seria uma ferveção só.. alias, agora começava a se ver varios jovens e moçadinha pronta pra night de Marujá, a maioria de Curitiba. O barzinho-restaurante era bem simpático, com paredes de bambu e vários penduricalhos com motivos ecológicos na parede. Eu, particularmente, estava com uma leve enxaqueca, sabe-se lá pq.. e fui deitar um pouco. Minha colega, cansada, foi comigo e lá ficamos o suficiente pra repôr as energias.

 

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Acordei ao som de um agitado e ruidoso forró que vinha do barzinho e resolvi dar uma checada. Minha colega dormia feito pedra e não quis importuná-la. A dor-de-cabeça fora embora e vi que o bar estava entupido de gente! Turistas e locais se misturavam ao som de uma banda local, "Banda Cataia", que alias é o nome da cachaça local, curtida numa planta que dá um sabor adocicado à bebida. O som estava bom mesmo, e resolvi embalar uns etílicos dali. O bom era que sempre havia algum moleque bêbado te oferecendo cerveja, que eu não recusava, claro! Alias, o que mais havia era pirralhada e adolescente; adultos maiores eram raros. Engraçado tb era ver os caiçaras bebendo a custa dos turistas, uma atrás da outra.

Quando meu quadril raramente começa a remexer sozinho é sinal que a coisa ta boa! Não titubiei e resolvi retirar minha colega do aconchego da barraca, pra acompanhar na dança este que vos fala. A principio reluta em sair, mas depois acaba cedendo. Ainda naquele estado q beira o sono e a vigilia, ela me encontra um pouco depois no barzinho. Meio altinho, logo tiro ela pra remexer e chacoalhar o esqueleto, embora eu não seja lá um forrozeiro costumaz mas ao menos não passo vexame. O tempo foi passando, a seqüência de danças idem. Embalado com os etílicos e no animado compasso do dois-pra-lá a noite passou num piscar de olhos. Continuamos dançando mais um pouco e fomos deitar somente la pelas uma da manhã, bem mais q cansados mesmo. E o forró? O forró seguiu noite adentro..

 

A VOLTA PELO ARARAPIRA

O domingo seguinte acordou preguiçoso e nublado. Eu levanto bem cedo e fico enrolando enquanto minha colega dorme profundamente. Levanto e decido preparar o desjejum, com torradinhas e uma marmelada de amora chilena. Ciça levanta e antes das 9hrs já temos arrumadas nossas coisas, deixando-as na mão de Dna Laura. Somos quase que os únicos em pé, e resolvemos conhecer Maruja com luz desta vez. Alem do mais, deveríamos acertar nossa volta em algum pescador, já que com a balsa (trajeto de 3hrs), não chegaríamos a tempo de tomar nosso busao em Cananéia. Ah, ali constato minha terceira baixa: meu cartão de crédito partira ao meio durante a noite, provavelmente com meu peso, claro!

Vamos ao Centro de Visitantes, repleto de informações turísticas e cientificas sobre a região, alem de vender souvenires ecologicamente corretos. Lá temos uma surpresa. Vemos que o seu Zé Roberto (de onde estávamos hospedados) é bem famoso na região, conhecido pela agitação das festas locais (e tradicionais) ao som de fandango, com instrumentos típicos como a rabeca e a viola. Pois e, o tiozinho esconde o ouro. Havia a programação de ir a uma tal de Cachoeira Grande, no meio da mata depois de um tempo em barco, mas um dos rapazes com quem falamos comentou que a cachu "não era tão grande assim.."

 

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A seguir vamos dar uma voltinha pela praia enorme, seguindo desta vez sentido sul, ou seja, que culmina na Enseada da Baleia e no Pontal do Leste, final da ilha e encontro das águas do canal com as do mar. Há pouco movimento na praia, que no horizonte se perde ao longe de tão grande que é e q já conheço da ocasião da travessia do Superagui. Descontraidamente, saímos a cata de conchas ou qualquer resquício que a maré haja deixado na areia enquanto conversamos sobre vários assuntos. Subitamente, encontro o esqueleto de um peixe maçudo, pesado e cheio de espinhos, parecido com o "baiacu". Peguei com cuidado e guardei pra levar pra casa. Às 11hrs resolvemos voltar pela praia novamente, não chegando ao extremo da ilha, o tempo passava rápido. Antes, porem, paramos estrategicamente para descansar do sol num quiosquinho fechado. Aproveitei para dar uma lavada no meu "souvenir" espinhento no mar. Mas ai tive minha quarta baixa: enquanto lavava, uma ondinha um pouco mais forte veio e o roubou de minhas mãos! Tentei busca-lo, porem meu pequeno troféu acabou desaparecendo no mar misturando-se à água, espuma e areia. Fiquei com cara de tacho! Busquei e busquei, sem sucesso. Pois é, o peixe morto voltava ao mar que o chamava...

Retornamos ao povoado e acertamos com um pescador zarpar as 13:30. Antes disso, fomos tomar um banho frio no camping e nos despedirmos da gentileza e hospitaliddade dele e de Dna Laura. Eles são bastante faladores e sempre te puxam para uma tostão de prosa. Nos contaram que não deixariam ali por nada, e que esperavam dos netos q alem de tocar a pousada deles mantivessem tb viva as velhas tradições e memorias caiçaras que seu Zé tanto prezava em manter. Isso é compreensível, já que o envelhecimento da população e a massificação dos motores estão trazendo aos poucos a civilização, minando as tradições e costumes preservadas justamente pelo antes isolamento geográfico. As novas gerações dali visivelmente seguem outro estilo de vida. Espero estar equivocado.

 

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Vamos para o barzinho comer algo antes da viagem. Eu não to com fome mas tomo uma lata de cerveja a um preço tão salgado quanto as águas do canal, quase 4 pilas! Minha colega ta faminta e devora sem pensar um pf.. Uma especialidade dali era o cuzcuz de tainha, mas não me apeteceu prová-lo. Aos poucos notamos jovens andando dqui pra lá com mochilas, sinalizando que não somos os únicos a deixar este belo e calmo local naquele inicio de tarde de domingo. Comemoramos o sucesso de nossa empreitada, e fico agradecido quando minha colega me presenteia com uma camiseta dali.

13:30 pontualmente embarcamos na voadeira do Zezinho, juntamente com mais dois casais conhecidos. Se para chegar a Maruja fomos pela costa atlântica da ilha, desta vez voltaríamos à Cananéia pelo outro lado, ou seja, pelos intrincados canais da região, contornando a ilha propriamente dito. Esta viagem realmente vale a pena mesmo! Aos poucos deixamos Maruja lá atrás, minúscula, no meio da vegetação circundante e adentramos nos sinuosos canais de água salubra, rodeados de uma extensa e rica vegetação tropical nativa, principalmente de mangue. Alias, dezenas de quilômetros de mangue que compõem um ecossistema riquíssimo e de rara beleza. As raízes expostas das arvores aqui trazem as marcas e denunciam o regime das marés nesta área alagada e pantanosa.

Fragatas, garças e outras aves ninhos ou estão apenas paradas nos galhos das arvores na margem ou na orla, levantando vôo ao menor barulho, num belo espetáculo visual. Era divertido ver pequenos caranguejos andarem horizontalmente nas margens, são os "chama-maré", com uma patinha maior que a outra. No caminho tb, vemos nas encostas dos manguezais os tais sambaquis, pequenos montes de cascas de ostras (casqueiros). Estes são sítios arqueológicos milenares, pois serviam de habitação e cemiterio para antigos índios carijós que lá habitaram, sendo encontrados artefatos de pedra e ossos.

Uma hora depois, o estreito canal vai se abrindo mais e mais, estamos novamente chegando à ampla Bahia de Trepandé, pelo continente. De longe, vemos à praia na qual desembarcáramos 3 dias antes. Aí, Zezinho pára de repente sua lancha e não entendo qual a razão. Aí ele nos diz que há golfinhos (aqui golfinhos e botos são a mesma coisa) próximos. Eu olho ao redor e não vejo nada, mas ele aponta para um monte de gaivotas sobrevoando uma região calma do canal.

- Elas ficam voando, esperando os cardumes subirem pq tem boto nadando aí! - diz ele, na condição de quem entende bem do assunto.

 

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Dito e feito, não tardou muito e vários dorsos cinzas aparecem cortando as águas azuis do mar. Os bichos parecem não se intimidar e aproximam-se bastante do lancha, agora em movimento. Geralmente são mães e filhotes cercando cardumes, e a grande incidência destes bichos aqui apelidou este trecho de Baia dos Golfinhos. Nos acompanham por um bom trecho ate sumirem de vez, infelizmente. Zezinho diz que os barqueiros aqui devem ter cuidado para não atropelar estes dóceis mamíferos.

Lentamente, deixamos Cardoso para trás e Cananéia vai surgindo a nossa frente, juntamente com a civilização, carros, barulho e comercio. São 15hrs da tarde. Pena, mas nosso retorno esta garantido, certamente. Fomos deixar nossas mochilas na "rodoviária" e ficamos enrolando na pequena cidade. Andamos pela costa, onde a advertência de Zezinho tomava forma (vimos um golfinho morto no cais), visitamos lojas e fomos comer algo numa festa local que estava rolando por lá, a Festa do Mar. Fizemos tudo meio que correndo, a festa estava bem animada, mas nos limitamos a ser breves mesmo: eu comi um suculento pastel de tainha com ova e minha colega devorou um pedaço de bolo, formiga do jeito que ela é. Simpática à sua maneira, Cananéia vive exclusivamente do turismo, pesca e do cultivo de ostras..e um pouco de agricultura.

 

Voltamos correndo para o busão as 16hrs da tarde e embarcamos rumo sampa. Não fosse por um filme bem impróprio para a ocasião - repleto de acidentes de estrada, enquanto viajávamos pela perigosa Regis Bittencourt - a viagem fora um sossego só. O cansaço destes dias de aventura era transferido aos poucos para os confortáveis bancos reclináveis do latão. Chegamos em Sampa as 21hrs da noite, onde me despeço calorosamente de minha grande amiga q logo tomaria bus rumo sua Cidade Maravilhosa, com uma pontinha de saudade antecipada. Picadas de mosquito, roupa encardida, cansaço, fadiga muscular e pele bem tostada pelo sol eram pequenas seqüelas aceitáveis e permissíveis, um pequeno tributo pago pra ter tido esta experiencia rústica e ousada na parte mais selvagem e proibida da Ilha do Cardoso, a apenas 250km de Sampa. Espero um dia lá retornar e ainda encontrar tudo igual, torcendo para que tanto as tradições e encantos naturais desta ilha remota sigam sendo preservados não somente pelo excelente trabalho dos órgãos responsáveis, mas também pela simpática gente que lá habita confiando as transformações iminentes a seus deuses caiçaras.

 

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  • Membros de Honra
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Grande Jorge Soto!

 

Como sempre um relato impecável de uma trip de primeira... ::otemo::

 

Taí uma coisa que me chamou a atenção: os guardas-parque fiscalizam severamente todo mundo "de fora", mas os caiçaras fazem o que querem. Concordo que eles tenham algumas "regalias" mas aprecio mais o princípio da isonomia. Já estive na Ilha do Cardoso em três ocasiões e também fui vítima da aporrinhação dos fiscais apesar de não estar fazendo grandes mochiladas. Numa delas (no Marujá) vi uma cena absurda, de um caiçara limpando uma área de restinga com facão e depois ateando fogo... Um absurdo total. Concordo em manter um rigor elevado para intimidar os mal intencionados, até porque não são todos que pensam em preservação e mínimo impacto e tem muita gente desmiolada neste mundo, mas a fiscalização também deve ser rígida com os locais.

 

Pelo visto pegaram um tempo bom. Quando foram? Não se animaram a descer mais ao sul da Vila de Marujá (Enseada das Baleias, Pontal do Leste)?

 

Abraço,

  • Membros de Honra
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Quem sabe alguem responde ?

Também há fiscalização na praia de Marujá, no pedaço que vai até a ilha de Superagui, dificultando assim a travessia para Paranaguá ou neste caminho a passagem é tranquila e livre, sem aporrinhações da fiscalização ?

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  • Membros de Honra
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Salve Divanei!

 

Pelo que sei existe fiscalização também neste trecho sim, mas parece ser menos intensa que mais ao norte. Fiz uma pernada cruzando de Superagui até Marujá, mas já tem uns anos e me lembro de ter sido abordado em apenas um momento por fiscais. Meu pai fez o mesmo trecho há dois anos mas não relatou ter sido abordado por ninguém, então é por isso que acho que seja menos rigorosa na porção meridional da ilha. Sei que nos feriados a fiscalização se intensifica pois já ouvi muitos relatos de conhecidos que foram caminhar na ilha dizendo terem sido bastante incomodados pelos fiscais, sempre em feriados prolongados. Coincidentemente, ou não, o pessoal que vai lá fora dos feriados relata menos "encontros" com a fiscalização.

 

E as fotos? Esteve lá quando? Que trecho fez?

 

Abraço,

  • Membros de Honra
Postado

Gvogetta,

Fiz a travessia da Ilha em solo , em 2007. Não tive nenhum problema com a fiscalização. Ao passar pelo costão o bicho foi feio, pois a maré estava muito alta. A ilha é realmene espetacular, mas a fiscalização encima de quem anda pelas praias é realmente ridícula, coisa de orgão ambiental totalmente miope.

 

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  • Membros de Honra
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Olá Divanei!

 

Concordo parcialmente contigo. Apesar de não gostar de ser "fiscalizado" é a meu ver um mal necessário para coibir alguns abusos que ocorrem por visitantes despreparados, infelizmente a maioria. Creio que se não houvesse fiscalização aquele ambiente já estaria bem mais deteriorado graças à idiotice do povão... Infelizmente. ::quilpish::

 

Abs,

  • Membros
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Parabéns Jorge, pelo relato da travessia. Conheci Perequê e, em Marujá já estive por duas vezes, sendo que numa delas fiz a caminhada que leva à Piscina da Lage (ida e volta de Marujá -25 km), que foi num dia ensolarado e muirto cansativo, sendo que na ida fomos pelo costão rochoso e na volta subinos o Morro da Tapera como vcs.

Ao relatar sobre a comunidade de Cambriú, vc. me fez lembrar de um rapaz que, durante a semana é pescador e trabalha como monitor ambiental nos finais de semana. Eles levam uma vida muito humilde. Pois como vc. mesmo disse, eles não podem plantar e nem ter nenhum tipo de criação para a sobrevivência.

Tanto é que Marujá da 1ª vez que conheci há 5 anos, não havia quase nada de infra estrutura turística. Mal havia uma pousada que comportava uma excursão e quando voltei no ano passado, a comunidade havia mudado muito. A maioria das casas de nativos, foram transformadas em pequenas pousadas ou os quintais, em campings, um meio de sustentabilidade local.

Gostei do seu relato, pois sempre tive a curiosidade de saber como seria o lado Atlântico entre Perequê e Lage.

Da próxima vez que retornar à comunidade Marujá, pretendo locar uma bicicleta e conhecer a Enseada da Baleia que está quase desaparecendo, o Pontal do Leste e de barco, conhecer o distrito de Ariri que fica no continente.

  • Colaboradores
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Jorgito!!!

 

Impecável seu relato, só me fez reviver essa experiência (já longínqua, né? ehehe) que combinou

tanta natureza exuberante e uma cultura caiçara tão rica... Saudades da minha disposição! eheh

Valeuuuuuuu muito a companhia, a bússola e a solidariedade! Além dos conhecimentos astronômicos,

claro. Quando falo que o cèu mais estrelado que vi foi em São Paulo (e olha que vi muitos), ninguém

acredita! ehehe

Abraço gordo,

Ciça

  • 5 anos depois...
  • 5 anos depois...
  • Membros
Postado

Pessoal fiz essa trilha em 2020 solo!

 

Seguindo todo esse excelente relato do Jorge soto. Não conseguiria descrever de melhor forma. 

 

A viagem é incrível. Mas uma informação de EXTREMA IMPORTÂNCIA!

 

vejam como esta a Maré, fui em um dia de mar agitado e garoando, no costão rochoso foi punk, em determinado ponto tive que contornar pela mata (densa, relevo ingreme, punk).

 

Em outro ponto não tive a mesma sorte, era me jogar nas pedras com o mar arrebentando, fui de cara em uma kraca, mas isso foi no dia seguinte

 

Basicamente eu passei a noite inteira em uma pedra..... olhando o mar. Experiência de vida, mas não recomendo a ninguém. 

 

 

  • Amei! 1

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