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Poesias do poeta potiguar João Felinto Neto


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BIOGRAFIA

 

O poeta potiguar João Felinto Neto publica em junho de 2003 seu primeiro livro, Cabaz - Com frutos do meu delírio, e em apenas sete anos de extrema dedicação à caneta, em Abril de 2010 o Trigésimo quinto, Livro Negro- Exaltação à morte é publicado.

Nascido aos 04 de outubro de 1966, em Apodi, Rio Grande do Norte, filho de Maria Dália e Francisco Felinto, ingressa no serviço publico aos dezenove anos e aos vinte e cinco anos torna-se bacharel em Ciências Econômicas pela UERN.

Casado, pai de dois filhos, somente aos trinta e quatro anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.

 

 

 

POR TRÁS DA MÁSCARA

 

Seja perdoado, o culpado,

Pela indiferença do inocente.

A necessidade do indigente

É a penitência do que é dado.

 

Na benevolência do presente,

Sinto a intolerância do passado.

 

Troque a salvação do condenado

Pela redenção do indulgente.

A lição que deixa o penitente,

É que acredita no pecado.

 

Na benevolência do presente,

Sinto a intolerância do passado.

 

Que o louco seja relevado,

Pelo seu estado de demente.

Aquele que vive plenamente,

Deve ser no mínimo, respeitado.

 

Na benevolência do presente,

Sinto a intolerância do passado.

 

 

UM AMOR

 

Tenho um amor que fere

E cura o próprio corte.

Um amor que em mim não morre,

Mesmo sob desventura.

 

Um amor que levarei à sepultura,

Por ser forte.

Que talvez, eu não suporte

E ele me leve à loucura.

 

Um amor nascido sob a jura

De um eterno casamento

Que se desfez com o tempo

Pela falta de cordura.

 

Lembro desse amor cada momento,

Em um breve pensamento

De ternura.

 

 

APELO À MISÉRIA

 

Quem me dera, miséria,

eu fosse parte

de um baluarte de sonho e de quimera.

Pela boca mantém-se assim o povo,

a lavagem é a comida que a si, dera.

Na vergonha de reconhecer-se porco,

ter o rosto metido na sujeira,

enlameado atrás de uma porteira

seu anseio é mantido na espera.

 

Quem me dera, miséria,

eu me calasse

e ocultasse o meu rosto na janela.

Meus princípios mantêm-me assim exposto.

Sou mau gosto travado na goela.

Quem engole as palavras que eu digo

traz de volta a vontade de lutar,

elas tocam a ferida no umbigo

que o conformismo já ia cicatrizar.

 

Quem me dera, miséria,

quem me dera,

que de ti eu pudesse me livrar.

 

 

BARRACÃO

 

Estou bêbado;

Mas consigo divisar o ambiente.

Nenhum deles, à minha frente,

Compreende

A minha observação.

Desconhecem um poeta em ação

E a força de expressão

Que tem seus dedos.

Meus apelos

São em vão,

Mas em minha solidão,

Em desespero,

A caneta tão sem zelo,

Aconchega-se à minha mão.

Lentamente, eu descrevo

Tudo que vem à visão:

Uma moça de joelhos,

Acordando um ancião

Que de tão bêbado,

Só lhe diz: - Não, não, não...

Um rapaz de rosto feio,

Grita para seu irmão

Que está cheio

Daquela situação.

Vejo por trás do balcão,

Um senhor de enorme queixo;

Seu desleixo,

Dá até má impressão.

De repente, do banheiro

Sai um negro

Bonachão,

Que se gaba por ainda ser solteiro.

Um modesto cavalheiro

Tem a mesma opinião.

Chama minha atenção

Um outro, alheio,

Que parece ser eu mesmo,

Refletido no espelho

Do salão.

 

 

 

 

PERSONAGENS INFANTIS

 

Será que o lobo é tão mal.

O lobo ama também.

Ele protege os filhotes que tem.

Caçar, para ele é natural.

 

A chapeuzinho, talvez,

quando crescer seja outra.

Se torne uma megera

que não gosta de criança

e perca toda a esperança

de voltar ao que era.

 

O caçador, o herói tão valente

que salvou a vovozinha,

costuma matar friamente a fêmea,

deixando a cria sozinha.

Ele acabou sendo preso

por caçar ilegalmente.

 

A vovozinha morreu.

Pois, a idade a levou.

Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente.

Isso prova que a bondade e a maldade,

na verdade,

são apenas uma história diferente.

 

 

CANTO DE SEREIA

 

Como um canto de sereia

de belíssima harmonia,

letra correta, verdadeira poesia

e melodia

que eterniza nossa alma.

Por onde anda

a sereia encantada

nas profundezas desse mar de ignorância?

Letra incorreta com falta de concordância

e melodia

que nos faz perder a calma.

Só na lembrança,

o teu canto nos enleva

na emoção que tua voz nos faz sentir

e na saudade, o nosso coração desperta

pra realidade,

não há nada mais pra ouvir.

O POEMA QUE EU DEIXEI DE ESCREVER

 

O poema que eu deixei de escrever,

Falaria de você,

De nosso tempo,

De angústia, de tormento,

De alegria e de prazer.

Iria contradizer

Cada palavra

Que as nossas falas

Tinham pouco a dizer.

 

O poema que eu deixei de escrever,

Seria na verdade,

Uma ameaça.

Calaria minha boca,

Qual mordaça.

Não seria uma desgraça,

Por não ser.

Os meus versos,

Talvez fossem sem querer,

Uma ofensa

A sua crença,

Que eu acreditava

Ter.

 

O poema que eu deixei de escrever,

Não seria

De valia.

Sem valia,

O deixei de escrever.

 

PEDESTAL DE BARRO

 

Revogo silêncio

ante palavra e voz.

Reato os nós

que me prendem ao medo.

Reavivo memórias

em busca de segredos

que já não interessam mais.

Reclamo por paz

em meio a intensa guerra.

Replanto a erva

que não nasce mais.

Relato as dores

de males e fome.

Repito o meu nome,

antes de dormir.

Reato os laços

que me prendem aqui,

ao pedestal de barro.

TORRE DE BABEL

 

O juiz do supremo,

Jeová,

se irrita e sai do sério,

quando seu filho Jesus

vai à noite, ao cemitério.

 

No boteco do Davi,

onde quem manda

é o Golias,

não há funda,

quem afunda

na cachaça, é o Isaías.

 

No salão do senhor Sansão,

quem faz o cabelo

é sua mulher Dalila.

 

As mulheres de Salomão,

o cafetão lá da vila,

choram e sentem solidão

quando estão de barriga.

 

Lúcifer anda arrasado,

o seu mundo virou trevas,

por ter visto abraçados,

Adão e a senhora Eva.

 

Noé, o velho barqueiro,

não gosta de animais.

No entanto, adora um peixe-frito

no barzinho lá do cais.

 

Essa torre de Babel

é o mundo em que vivemos,

onde não há inocência.

Se algum nome ou fato ofender,

é mera coincidência.

 

 

A MULHER DA MINHA VIDA

 

A mulher da minha vida,

Sempre é lida em meus versos,

De uma forma ou de outra.

É a sua voz que ecoa

Reclamando meu regresso.

É bem mais que uma amante,

Que uma amiga e companheira.

Necessária como a fonte

No deserto de areia.

A mulher da minha vida,

Entre linhas abstratas,

Põe em mim, doces palavras

E expressão de alegria.

A resumo em poesia,

Tal qual em cartas,

A saudade que nos mata

Se envia.

A mulher da minha vida

É a graça

Que um devoto em desgraça,

Alcançaria.

 

 

SEPULTAMENTO

 

Os meus olhos pregados

no infinito

como os pregos nas tábuas

cravejados,

e de pontas viradas,

redobrados,

sustentados e fixos

numa curva.

No aconchego da madeira macia,

minhas costas

nos ossos da bacia

consolam meu corpo

tão curvado.

Pelo tempo que tenho acumulado,

a ferrugem do mundo

me comeu,

e a tampa que pregam

me prendeu

para sempre num rito consumado.

Por debaixo da terra

condenado

a ser parte da mesma

e não ser eu.

 

 

O LABIRINTO

 

Pelas ruas infinitas,

Não encontro meu destino.

Endereço repentino;

Então, me pára.

Não é nada;

Sigo em frente, o meu caminho.

 

A mim mesmo, ainda minto:

- Logo chegarei em casa.

 

Em calçadas,

Eu percorro o labirinto

(Cruzamentos, sinais verdes e paradas).

 

O suor não pára o tempo;

Lágrimas, enxuga o vento;

E um triste pensamento

Não se afasta.

 

A cidade, assim, se fecha em semelhança.

A lembrança,

À realidade, não se adapta.

Eu confundo o momento

E me perco no silêncio

De um triste monumento

Que me agrada.

 

Minha calma é necessária

Para espantar o medo,

Desvendar todo o segredo

Que o labirinto encerra.

Os meus pés seguem por terra,

Minha alma por promessa,

O meu corpo por saudade.

Edifícios, tais quais pedras,

Alicerçam a cidade;

Conduzindo minha mocidade

Eterna,

De encontro ao passado.

Eu me torno um condenado

Num presente adulterado,

Que me enterra.

 

Observo as vidraças

Das janelas,

Onde o sol ofusca a vista

Com a luz que é minha guia

Na escuridão tardia

Do passado.

 

Cada praça

Me congraça,

Tal um templo

Erigido como um marco à memória.

Cada uma conta a história

De seu tempo,

De sorriso e sofrimento,

De conquistas e derrotas.

 

Novamente, me encontro sem saída,

Apesar de tanta via planejada.

Já não reconheço nada

Do que havia,

Já não reconheço nada.

 

Alimento meu silêncio,

O tempo passa,

Onde pombos batem asas

Sem voar.

Não consigo encontrar

O meu caminho;

O meu ninho

Não encontro em meu lugar.

Continuo a me enganar,

Ainda minto,

Preso a esse labirinto

A me fechar.

 

 

À DERIVA

 

Posso até perder o brilho dos meus olhos,

Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza.

No esbanjar de pratos sobre minha mesa,

Vejo a fome refletida nos teus olhos.

 

O que faço se estou preso ao sistema

Onde a indiferença

Sobrepõe a caridade,

Onde a verdade

É varrida

Pra debaixo da mentira

E onde a vida

É um barco à deriva

Sem ações de piedade?

 

 

UM POUCO MAIS

 

Percebo

A minha vida esvaindo-se entre meus dedos

Em minha mão aberta

A dar adeus ao mundo

Pela janela.

A minha juventude

Em quietude eterna,

Silencia os meus dias.

As velhas alegrias

São lembranças tristes.

Os sonhos não resistem

Aos carinhos da morte.

E que meu sono suporte

Os meus pesadelos,

Já que meus apelos

Ao que me resta de força

Não me sustenta.

Talvez, o mundo não entenda

Esses meus ais.

Não tenho medo de morrer.

Eu só queria era viver

Um pouco mais.

 

 

O GRANDE DIA

 

Ai de nós se não fosse o profeta

Para converter o nosso coração.

Do contrário, Deus feriria a terra

Com terrível maldição.

 

Com o Senhor não há perdão.

Seu grande e terrível dia

Não será de alegria

E sim de destruição.

 

O poder de sua mão

É extremamente acintoso.

Deus é um ser ambicioso,

Quer de todos,

Atenção.

 

Não importa a condição,

Será imposto

Sofrimento e desgosto

Por qualquer contravenção.

 

Deus não quer nos dá lição,

Quer aniquilar a todos

Pelo caráter odioso

Que passou à criação.

EPITÁFIO XIV

 

Ela se aproxima

Sorrateira e linda,

Com seu manto escuro,

Sua mão suada.

Não nos pede nada,

Mas nos toma tudo.

Deixa então, de luto,

A pessoa amada.

 

Ela não se importa

Com aquele que fica.

Pois só se dedica

Ao que se despede.

Sorrateira, impede

Que a gente viva.

E sutil se infiltra

Sob nossa pele.

 

Ela só se afasta

Quando mata a alma

E deixa o corpo inerte.

 

 

ETERNA SOLIDÃO

 

O que eu tive na vida

Além da data esquecida,

Da dor no peito, contida,

E da perdida ilusão?

 

O que mantenho na mão,

Já na forma cadavérica,

Senão,

A luta sem trégua

Com os germes que a terra

Colocou em meu caixão?

 

Os meus feitos,

Foram em vão.

Meus defeitos,

Exaltados.

Não sou de Deus nem do Diabo.

Sou um louco condenado

A eterna solidão.

 

 

 

 

 

 

ESPANTALHO MORIBUNDO

 

Minha alma sempre está

Num silêncio tão profundo,

Que eu chego a duvidar

Que ainda estou no mundo.

 

Espantalho moribundo,

Onde a morte vem pousar.

Talvez para lhe falar:

Sinto muito! Sinto muito!

 

Num milésimo de segundo,

Volta o corpo a respirar.

Espantalho vagabundo,

Fecha os braços para o mar,

Abre os olhos para o mundo.

 

 

FRUTO SEM CASCA

 

Espalhando letras

Sobre velhas páginas,

Semeei palavras

Que insatisfeitas

Deram-me em colheita

Uma grande safra

De um fruto sem casca,

A minha tristeza.

 

Uma fruta fresca,

Presa pela boca

Em que uma ou outra

Tenta mordiscar,

Murcha sem parar;

Se tornando feia,

Seca na areia

Quando o vento dá.

 

Versos pelo ar,

Lágrimas e poeira,

Solidão na mesa

Onde o fruto está

Exposto, sem par,

Sem mostrar beleza,

É minha tristeza

A me alimentar.

 

 

 

 

 

HOMENS DE FUMAÇA

 

No arrastar de minhas sandálias

Pela casa,

Tenho as lembranças arranhadas

E esquecidas.

Por onde andam as conversas conduzidas

Pelos homens de fumaça?

 

Se desfizeram com o tempo,

Nas costas de um tênue vento,

Pela janela escancarada.

 

O velho barco na distância, ainda aguarda

Pela tripulação dispersa,

Numa espera

Que parece eternizada.

 

Em meio a tralhas,

Depuseram suas velas.

Em meio a elas,

O seu capitão se apaga.

 

 

SE FOSSEM SÃOS

 

A rima

É mera aflição

Dos versos que me espelham

Naquilo que são.

 

De forma nenhuma dirão

Do que são feitos.

 

Meus versos

Seriam perfeitos

Se fossem sãos.

Mas nada são,

Senão

Defeitos.

O FRACASSO

 

Eu sei que a vida me leva em trapos.

Caldeirões de barro

De bruxos modernos.

Favelas de inferno,

Diversos buracos.

 

São armas de ferro.

São balas de aço.

Sou eu, o fracasso

De um programa sem sucesso.

 

Eu sei que a morte me olha de perto;

Que chego a sentir o seu frio abraço.

Eu fumo, eu prego

Minha mão no maço

De notas sem eco.

 

São barras de ferro.

Algemas de aço.

Eu sei que sou o fracasso

De um programa sem sucesso.

 

Eu sei que caminham lado a lado,

O errado e o certo,

A ira de Deus

E a fama do diabo,

Senhores e servos,

Patrões e empregados,

Progresso e atraso.

 

São os mãos-de-ferro

Em torres de aço.

Sendo eu, o fracasso

De um programa sem sucesso.

 

 

OLHOS DE AZULÃO

 

O que busca essa mulher

Pela qual minto,

Senão

A mesma solidão

Que sinto

Quando longe de seus olhos de azulão?

 

Os mesmos olhos

Que me olham da gaiola

Quando eu abro a porta

E eles vêem a imensidão.

 

 

QUANDO CHORO

 

Onde andam os meus olhos

Quando choro,

Se não consigo encontrar

As minhas lágrimas?

Nas migalhas,

Além de meus remorsos?

Nos meus ossos,

Aquém de minha alma?

 

 

A FANTASIA

 

Amo você

Com o mesmo ardor da juventude,

Na quietude

De minha atual idade.

Amo-a na ausência

Como num dia de saudade,

Detenho-me a cada ínfima lembrança,

Com a mesma paz

Que traz

Aquela esperança

Após uma guerra.

Amo-a em terra

Com a cabeça pelas nuvens.

Amo atitudes

Que jamais seriam minhas,

Como entre linhas,

Leio uma poesia.

Amo como se ama o alvorecer

De cada dia,

Como o sorriso

Na inocente alegria

De um bebê.

E ter você,

Ainda parece utopia.

Mas, quis a vida

Que eu vivesse a fantasia

De meu ser,

Que é para sempre,

Você.

 

 

MINHA GERAÇÃO

 

Essa amargura

Que me faz um homem rude,

É mera atitude

De defesa.

Odeio a pobreza

Que aos pés de Deus se ilude;

Enquanto a juventude,

Nada almeja.

Desprezo a mania de grandeza

Que o rico tem com tudo.

Não sou um carrancudo

Por frieza;

Somente faço uso

Da tristeza

De um sisudo,

Por ser fruto

De uma geração que aceita.

 

 

SONETO DA VITRINE

(Sombras & espelhos)

 

A vidraça estilhaçada,

Não desfaz a minha imagem,

Não subtrai da cidade,

A luz do sol ofuscada.

 

De pé, fiquei na calçada

Com minha mão estendida.

Exorcizei minha vida

Na pedra que arremessara.

 

Por um instante, escutara

O som de ossos quebrados

Da montra fragmentada.

 

Meu corpo feito estilhaços

Que os passantes pisavam

Entre espanto e gargalhadas.

 

 

POETAS

(Sombras & espelhos)

 

São tantos os poetas

Quanto estrelas,

Dispersos em bandeiras

Pelo mundo.

Eternos e profundos

Pelas letras,

Em digressões soberbas,

Em dimensões sem fundo.

São tantos os poetas

Que o planeta,

Em tinta de caneta,

É resumo.

Enorme rascunho

Em línguas estrangeiras.

A tradução perfeita

Das emoções do mundo.

 

 

MOSAICO

(Sombras & espelhos)

 

Em minha mão,

Mil pedaços.

Antigo quadro,

Uma mesa,

Alguém que come calado

Com discrição ou tristeza.

E lado a lado

Na mais extrema destreza,

Enfileirado

Sob a antiga nobreza,

Assenta-se o mosaico.

Sob os meus pés, o passado

Em um quadrado,

Pintado

Nesse retalho do tempo.

Breve momento

Guardado

No mais antigo mosaico

Preso à calçada,

Ao tempo.

 

SÓ EM TE AMAR

(Sombras & espelhos)

 

Só em teus lábios,

Eu encontro meus gemidos.

Só em meus gritos,

Eu consigo te encontrar.

Como enganar

A emoção de estar aflito.

Eu te preciso

Como a noite, do luar.

Só em teus passos,

Eu caminho decidido.

Surpreendido,

Tento não justificar.

Sem teus abraços,

Os meus beijos são sofridos

Como os feridos

Que não podem se curar.

Só em te amar

É que eu encontro o sentido

De tudo aquilo

Que consigo imaginar.

 

 

NUMERAL UM

(Sombras & espelhos)

 

Eu atribuo

Minhas palavras ao poeta.

Uma espera

Numa tarde em jejum.

Nós como dois,

Dividimos.

No que dera?

Apenas um.

Eu me situo

Nas medidas de uma régua.

A mais complexa

Ou talvez a mais comum.

Sou menos um,

Minha conta se completa

Com menos um.

Eu me anulo

Numa soma que me zera.

Um dois que nega

A existência de mais um.

Sou incomum,

Tabuada que ainda preza,

Numeral um.

 

 

CONTRACEPTIVO

(Tríptico)

 

Eu não sei se é o desespero

que me leva à loucura

quando o sexo estupra

a minha alma,

ou a calma

que advém do meu tormento

pelo tempo

que passou em minha palma.

Movimento anormal

de penetração moral

em sua saia,

e no cheiro da indecência,

feromônio da ciência

em uma jaula.

Uma fera excitante

que no último instante, ofegante,

cospe a vida

no seu couro de borracha.

Não há luta, nem corrida;

há uma triste despedida

de um suposto vencedor

que foi fruto de um amor

e se enforcou

com a própria cauda.

 

 

DISLATE

(tríptico)

 

Talvez minhas palavras sejam tolas,

minhas ações, inconseqüentes;

as minhas brincadeiras, ironia;

eu próprio seja falho e negligente.

O meu discurso seja sátira;

minha seriedade, uma piada.

O meu humor seja mau gosto;

o meu dislate, permanente.

Meu riso entre dentes, atimia;

a minha faina seja ociosa;

meu pranto, uma lição jocosa

e o jeito infantil, idiotia.

Talvez a minha vida seja um fracasso;

meus versos, um engodo imoral.

Em epítome, sou um gracejo nefasto.

Meu desejo, um esboço abnormal.

SONHOS

(Tríptico)

 

Os meus sonhos

são apenas fragmentos de memória,

pequenos focos de luz

como cristais dispersados

num caleidoscópio de pensamentos,

distorções esdrúxulas da realidade.

Rumores, amores e momentos,

abertos numa gaveta destrancada.

Minhas pálpebras fechadas

num caixão de quase nada.

Um quase definido como os sonhos

que são versos que componho

numa noite agitada.

Movimento involuntário dos meus olhos,

que entre risos, ainda choro

por apenas acreditar sofrer.

Entre cartas mal escritas e seladas,

vem a calma ao chegar o amanhecer.

Vem enfim, o esquecimento

desse quase fingimento

que é sonhar.

 

 

TURGESCÊNCIA

(Sob meus calcanhares)

 

Eu sinto os teus cabelos

entre meus dedos,

teus lábios comprimidos

ao meu desejo,

o arfar de teu cansaço

entre meus braços

e ouço teus gemidos.

Vejo teus olhos tolhidos

fitar meu medo

de não tê-la satisfeito ainda.

Tenho todos os sentidos

na extensão do meu leito.

E no auge da turgescência,

me torno uma larva imersa

em teus fluidos.

EM DEMASIA

(Tríptico)

 

Eu sou demasiado triste,

pelos versos que componho.

Eu sou demasiado louco,

pelo pouco

que proponho.

Não deveria o mundo ser assim,

em demasia.

Talvez não seja o mundo,

seja enfim,

minha poesia

Demasiada em meu tédio,

sem remédio,

em grafia;

em longas noites mal dormidas;

nos insultos

que eu ouvia.

Não caberia em minha mão,

toda a visão

que em mim cabia.

Eu sou demasiado em tudo,

que ironia,

demasiado em meu luto

por ser fruto

de utopia.

Em demasia são os dias

que me escapam entre os dedos

como uma teia

que é lânguida e esguia.

O mais sublime pensamento

que perde tempo

em demasia.

Demasiado, meu tormento,

pelo tanto

que eu não via.

Demasiadamente eterno,

meu inferno em agonia.

Em demasia sou

quem sou,

um astronauta que acordou

num mundo estranho

em demasia.

 

 

 

 

 

 

 

O RAMO

(Sob meus calcanhares)

 

Onde está minha alma,

que não encontro?

Onde está meu encanto,

minha calma?

São perguntas que faço,

ainda em pranto,

ao meu eu freudiano

que me cala.

Onde está este anjo

que me fala?

Um quebranto

que minha mãe me pôs.

Ouço a antiga canção

que ela compôs

em minha rede embalada.

Vejo um ramo na árvore desfolhada,

resistir ao vento,

envergado.

Nesse instante me sinto

envergonhado

pelo meu triste pranto.

Minhas lágrimas

são simplesmente água

que faz falta ao ramo.

 

 

O DIÁLOGO

(Reticências desfeitas)

 

- Dou-te a palavra

para principiares o diálogo.

- Fico muito grata

por ceder-me o favor.

És muito amável.

Vou falar de amor,

sentimento imensurável

que é tão natural

quanto o desabrochar da flor.

- Já vou interpor.

O que tu estás dizendo?

O amor é um invento

cultural e sem valor.

- Estou espantada.

És um homem insensível.

O amor é indizível.

É nosso maior legado.

- É soma sem resultado.

O amor não é normal.

É estóico, irracional,

nos mantêm aprisionados.

- És um homem insuportável.

Mas o que dizes é refutável.

De que vale a liberdade,

sem motivo para a saudade.

- És uma eterna sonhadora.

De que vale um sentimento

que só nos provoca medo,

fraqueza e sofrimento.

- O amor é imortal.

A mais pura poesia.

Nos fere, é natural.

Mas compensa com alegria.

- É uma simples utopia.

Inconstante, passageiro.

Quem se entrega por inteiro,

viverá em agonia.

- Vou deixar por encerrado

o nosso breve diálogo

em tua cética pessoa.

Mas eu sei

não é à toa

que nós dois somos casados.

 

 

 

 

 

ELA

(Quadrilátero)

 

Ela me leva,

me engana

e ainda me desafia.

Levou meu corpo

para a cama,

enquanto me distraía.

Deu-me o fruto do pecado,

enquanto Eva,

e compensou com redenção,

quando Maria.

Em Joana D'arc

foi Vitória,

também rainha.

Já foi de todos

e só minha.

Ela é pouco e é demais.

Como Helena,

ela foi guerra.

Como Tereza,

ela foi paz.

 

 

INDECENTE

(Quadrilátero)

 

Não sou um cavaleiro imaginário,

apenas um vassalo

que caminha.

Pela realidade,

um escravo

que tem a ilusão

que é livre ainda.

Não sou nenhum beato,

nem um cão.

Eu não uso sermão

e nem batina.

Meu rosto

é palidez,

enquanto expiro.

Meu sexo

sem estilo,

estupidez.

 

 

 

 

 

 

MUNDO FICTÍCIO

(Pax-vóbis)

 

Uma criança brincava

Com a comida, na mesa.

Corria de pés descalços,

Sem ninguém a seu encalço,

Pela ruazinha estreita.

Não enxergava a sujeira,

No seu mundo fictício,

Do real desconhecido;

Tudo era brincadeira.

Contudo, era tão bonito

Ver o mundo d’aquela maneira:

Sem ter ódio,

Ser ter vício,

Sem sombra de sacrifício,

Sem pecado

E sem tristeza.

 

 

SOMBRA DE NANQUIM

(Pax-vóbis)

 

Que a vida,

Mesmo frágil, continue.

Que perdure

Meu amor, além de mim.

Que não tenham fim,

Meus passos pela rua.

Que dissipe sob a lua,

Minha sombra de nanquim.

 

 

A PEQUENA D’ARC

(Olhos de guri)

 

A guria

não gostava de pia,

de casinha ou fogão.

Para ela,

tudo era opressão.

Ela ouvira

sua mãe reclamar

que a mulher tende a trabalhar

só com água e sabão.

Por que não

brincaria de guerra,

de doutora,

de terra na mão?

A guria,

parecia antever

que seu mundo seria

uma doce ilusão.

 

 

A SOMBRA

(Olhos de guri)

 

Minha sombra

que se perde no escuro,

salta o muro

quando o sol

no céu desponta.

Se arrasta no chão duro,

se encolhe,

se estica,

passa rente a dobradiça

e se perde pela casa.

Mas à noite,

minha sombra cria asa,

voa quando saio a rua.

Pela luz que vem da lua,

minha sombra me abraça.

Me divirto e acho graça

quando atravessa a fogueira.

Minha sombra, não sou eu,

mas é minha companheira.

 

 

TAMBÉM SOU

(Letras, ...)

 

O louco

é apenas mal ouvido.

Seu riso,

tenebrosa gargalhada.

Sua fé,

um constante, eu duvido.

Sua mente,

uma porta escancarada.

Seu pedido de ajuda

é um grito.

Seu gemido incontido,

uma dor.

Seu amor,

um abraço emotivo.

Sem motivo,

eis que louco

também sou.

 

 

A GRAÇA

(Letras, ...)

 

Deus me deu o fardo

para eu achar pesado

o termo ser livre.

Deus me deu o espelho

para ver se aceito

esse meu rosto triste.

Deus me deu o segredo

para pensar, eu mesmo,

o que é ser tolice.

Deus me deu a culpa

para eu pedir desculpa

por qualquer deslize.

Deus me deu a dor

para eu sentir pavor

do seu dedo em riste.

Deus não me deu nada,

eu que faço a graça

crendo que ele existe.

 

 

VERSÃO REFRATADA

(Letras, ...)

 

Quantas vezes eu tive

que mergulhar no sorriso

para fugir do abismo

que é o existencialismo

de mim mesmo.

Quantos pueris desejos

entre prosaicas conversas.

Quando nada interessa,

meu mundo me dá medo.

Eu sou apenas ensejo

que o acaso consagra.

Uma versão refratada

na ilusão do que vejo.

Quando não me percebo,

é sinal de que eu mesmo

sou a soma do nada.

 

 

QUEM SOU EU

(De versos, ...)

 

Sou um jovem ateu

Que entra na igreja

Para tomar cerveja

E beber café.

Desconheço a fé,

Mesmo na ressaca.

Rio quando a graça

É de um milagre

De ser eu, um padre

Que toma conhaque

Num cálice de vinho

E vive sozinho

Pensando que sonha

Em ser um demônio

Que se sente Deus,

Ser o próprio Deus

Se sentindo humano,

Ser um santo insano

A brincar de ateu.

 

 

DESESPERANÇA

(De versos, ...)

 

Quem é essa

Que me tira o sono,

Que arrebata o dono

De uma humilde casa?

Quem é essa

Louca, desvairada,

Que ao seio me prende

Sem saber se sente

A dor que a outro causa?

Lábios que procuram vida

Carne apodrecida

No envelhecimento.

Quem é essa

Que corrói por dentro

Como um veneno

Sem nenhum antídoto?

Eu sou outro,

Sou um homem dito,

Dito morto

Pela agonia.

Quem é essa

Musa e tirania,

Mistura que havia

Desde minha infância?

Quem é essa

Triste companhia?

Talvez seja a morte,

A desesperança.

 

 

O MATUTO

(Cálice)

 

O matuto está triste,

cabisbaixo e pensativo.

Não encontra um só motivo

para saber se existe.

Tal canário sem alpiste,

preso a uma velha gaiola,

vendo longe a aurora,

sem ter ânimo pra cantar.

Com vontade de voar

para longe, ao horizonte;

a saudade o consome

antes mesmo de partir.

O matuto fica ali,

a pensar no que seria

sem a única companhia,

a choupana em que vive.

Tal amor só visto em versos,

o matuto é regresso

de um lugar que não existe.

 

 

SEM CONDIÇÃO

(Cálice)

 

Seus ombros à amostra,

me deixam insinuado.

Seu corpo ainda agora,

me deixa provocado.

Seus seios contornados

pela blusa,

me fazem sinal da curva

do seu corpo ondulado.

Seu jeito comportado

não me mantém à distância.

Na sua tolerância,

encontro o meu pecado.

Seus olhos não perturbam minha paz,

além do mais,

recebem meu recado.

Seu pare, deixa disso, mais cuidado,

só fazem aumentar o meu querer.

A dúvida faz crescer

minha ilusão,

que eu terei nas mãos

a chance de fazê-la entender.

Amar é mais que ter.

É aceitar querer

sem condição.

 

 

CONVÉS

(Cálice)

 

Foste meu caminho sem regresso

em um verso.

Minha poesia mais bonita.

Entre as estrelas,

rabisquei um só desenho,

o seu rosto,

como eu bem queria.

Foste a derradeira flor

perdida no deserto.

Em meu universo,

um farol de guia.

Arrancaste o aviso que dizia:

“Uma saudade”.

O vazio da idade,

preenchias.

Foste o colorido

de uma tela que eu pintava.

A mão que segurava o meu filho.

O espírito de um cético

que chorava.

A paz esperada

por um homem aturdido.

Foste o barco rijo

que sustenta a onda em fúria.

O pescador que nada

à procura de si mesmo.

Para mim,

a mais incrível criatura.

A doce loucura

do desejo.

Foste na verdade,

o meu mundo.

Hoje, na saudade,

apenas és

um velho convés

com o qual afundo.

 

 

GRAMATICAL

(Cabaz)

 

Só em letras imprimo minha alma.

Mais do que texto

sou contexto indecifrável.

Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.

Um sujeito indefinido

que é objeto de um erro

gramatical.

Entre modos e tempos,

triste verbo

que ecoa na forma nominal.

Orações que são subordinadas

aos meus vícios de linguagem.

Um início em letras ordenadas

e um fim

numa expressão oral.

 

 

AFLORA UM POETA

(Cabaz)

 

Assim se fez um poeta.

Como talhe na madeira

esculpi minha poesia.

De uma maneira fria

infundi minha alma no papel.

Nas costas de um corcel

cavalguei por entre versos;

muitas vezes sem regresso,

o poema, me tornei.

De um sono despertei

enquanto escrevia,

da caneta então fluía

as idéias que sonhei.

Quem sabe se eu errei?

Foram mais de trinta anos,

foram tantos desenganos

que poeta, me tornei.

 

 

INGÊNITO

(Cabaz)

 

Seguir os passos

a um lugar perdido na distância;

entrar na dança

de um ritual de acasalamento;

sentir nas mãos

o instintivo dom

que vem de dentro;

ouvir o som

de vozes ecoadas;

e nas entonações

das poesias declamadas,

revelar-se poeta.

 

 

LIAME

(Cabaz)

 

Sou livro

intitulado.

Um desabafo.

Sou todo

em parte.

Um lacre violado.

Sou tudo

num nada

dissipado.

És flor

dissecada

na mão aberta

em palma.

És colo e calma

na casa onde cresci;

moeda encontrada

que perdi;

o berço

em que nasceu

minh'alma.

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