Membros João Felinto Neto Postado Abril 5, 2011 Membros Postado Abril 5, 2011 BIOGRAFIA O poeta potiguar João Felinto Neto publica em junho de 2003 seu primeiro livro, Cabaz - Com frutos do meu delírio, e em apenas sete anos de extrema dedicação à caneta, em Abril de 2010 o Trigésimo quinto, Livro Negro- Exaltação à morte é publicado. Nascido aos 04 de outubro de 1966, em Apodi, Rio Grande do Norte, filho de Maria Dália e Francisco Felinto, ingressa no serviço publico aos dezenove anos e aos vinte e cinco anos torna-se bacharel em Ciências Econômicas pela UERN. Casado, pai de dois filhos, somente aos trinta e quatro anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento. POR TRÁS DA MÁSCARA Seja perdoado, o culpado, Pela indiferença do inocente. A necessidade do indigente É a penitência do que é dado. Na benevolência do presente, Sinto a intolerância do passado. Troque a salvação do condenado Pela redenção do indulgente. A lição que deixa o penitente, É que acredita no pecado. Na benevolência do presente, Sinto a intolerância do passado. Que o louco seja relevado, Pelo seu estado de demente. Aquele que vive plenamente, Deve ser no mínimo, respeitado. Na benevolência do presente, Sinto a intolerância do passado. UM AMOR Tenho um amor que fere E cura o próprio corte. Um amor que em mim não morre, Mesmo sob desventura. Um amor que levarei à sepultura, Por ser forte. Que talvez, eu não suporte E ele me leve à loucura. Um amor nascido sob a jura De um eterno casamento Que se desfez com o tempo Pela falta de cordura. Lembro desse amor cada momento, Em um breve pensamento De ternura. APELO À MISÉRIA Quem me dera, miséria, eu fosse parte de um baluarte de sonho e de quimera. Pela boca mantém-se assim o povo, a lavagem é a comida que a si, dera. Na vergonha de reconhecer-se porco, ter o rosto metido na sujeira, enlameado atrás de uma porteira seu anseio é mantido na espera. Quem me dera, miséria, eu me calasse e ocultasse o meu rosto na janela. Meus princípios mantêm-me assim exposto. Sou mau gosto travado na goela. Quem engole as palavras que eu digo traz de volta a vontade de lutar, elas tocam a ferida no umbigo que o conformismo já ia cicatrizar. Quem me dera, miséria, quem me dera, que de ti eu pudesse me livrar. BARRACÃO Estou bêbado; Mas consigo divisar o ambiente. Nenhum deles, à minha frente, Compreende A minha observação. Desconhecem um poeta em ação E a força de expressão Que tem seus dedos. Meus apelos São em vão, Mas em minha solidão, Em desespero, A caneta tão sem zelo, Aconchega-se à minha mão. Lentamente, eu descrevo Tudo que vem à visão: Uma moça de joelhos, Acordando um ancião Que de tão bêbado, Só lhe diz: - Não, não, não... Um rapaz de rosto feio, Grita para seu irmão Que está cheio Daquela situação. Vejo por trás do balcão, Um senhor de enorme queixo; Seu desleixo, Dá até má impressão. De repente, do banheiro Sai um negro Bonachão, Que se gaba por ainda ser solteiro. Um modesto cavalheiro Tem a mesma opinião. Chama minha atenção Um outro, alheio, Que parece ser eu mesmo, Refletido no espelho Do salão. PERSONAGENS INFANTIS Será que o lobo é tão mal. O lobo ama também. Ele protege os filhotes que tem. Caçar, para ele é natural. A chapeuzinho, talvez, quando crescer seja outra. Se torne uma megera que não gosta de criança e perca toda a esperança de voltar ao que era. O caçador, o herói tão valente que salvou a vovozinha, costuma matar friamente a fêmea, deixando a cria sozinha. Ele acabou sendo preso por caçar ilegalmente. A vovozinha morreu. Pois, a idade a levou. Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente. Isso prova que a bondade e a maldade, na verdade, são apenas uma história diferente. CANTO DE SEREIA Como um canto de sereia de belíssima harmonia, letra correta, verdadeira poesia e melodia que eterniza nossa alma. Por onde anda a sereia encantada nas profundezas desse mar de ignorância? Letra incorreta com falta de concordância e melodia que nos faz perder a calma. Só na lembrança, o teu canto nos enleva na emoção que tua voz nos faz sentir e na saudade, o nosso coração desperta pra realidade, não há nada mais pra ouvir. O POEMA QUE EU DEIXEI DE ESCREVER O poema que eu deixei de escrever, Falaria de você, De nosso tempo, De angústia, de tormento, De alegria e de prazer. Iria contradizer Cada palavra Que as nossas falas Tinham pouco a dizer. O poema que eu deixei de escrever, Seria na verdade, Uma ameaça. Calaria minha boca, Qual mordaça. Não seria uma desgraça, Por não ser. Os meus versos, Talvez fossem sem querer, Uma ofensa A sua crença, Que eu acreditava Ter. O poema que eu deixei de escrever, Não seria De valia. Sem valia, O deixei de escrever. PEDESTAL DE BARRO Revogo silêncio ante palavra e voz. Reato os nós que me prendem ao medo. Reavivo memórias em busca de segredos que já não interessam mais. Reclamo por paz em meio a intensa guerra. Replanto a erva que não nasce mais. Relato as dores de males e fome. Repito o meu nome, antes de dormir. Reato os laços que me prendem aqui, ao pedestal de barro. TORRE DE BABEL O juiz do supremo, Jeová, se irrita e sai do sério, quando seu filho Jesus vai à noite, ao cemitério. No boteco do Davi, onde quem manda é o Golias, não há funda, quem afunda na cachaça, é o Isaías. No salão do senhor Sansão, quem faz o cabelo é sua mulher Dalila. As mulheres de Salomão, o cafetão lá da vila, choram e sentem solidão quando estão de barriga. Lúcifer anda arrasado, o seu mundo virou trevas, por ter visto abraçados, Adão e a senhora Eva. Noé, o velho barqueiro, não gosta de animais. No entanto, adora um peixe-frito no barzinho lá do cais. Essa torre de Babel é o mundo em que vivemos, onde não há inocência. Se algum nome ou fato ofender, é mera coincidência. A MULHER DA MINHA VIDA A mulher da minha vida, Sempre é lida em meus versos, De uma forma ou de outra. É a sua voz que ecoa Reclamando meu regresso. É bem mais que uma amante, Que uma amiga e companheira. Necessária como a fonte No deserto de areia. A mulher da minha vida, Entre linhas abstratas, Põe em mim, doces palavras E expressão de alegria. A resumo em poesia, Tal qual em cartas, A saudade que nos mata Se envia. A mulher da minha vida É a graça Que um devoto em desgraça, Alcançaria. SEPULTAMENTO Os meus olhos pregados no infinito como os pregos nas tábuas cravejados, e de pontas viradas, redobrados, sustentados e fixos numa curva. No aconchego da madeira macia, minhas costas nos ossos da bacia consolam meu corpo tão curvado. Pelo tempo que tenho acumulado, a ferrugem do mundo me comeu, e a tampa que pregam me prendeu para sempre num rito consumado. Por debaixo da terra condenado a ser parte da mesma e não ser eu. O LABIRINTO Pelas ruas infinitas, Não encontro meu destino. Endereço repentino; Então, me pára. Não é nada; Sigo em frente, o meu caminho. A mim mesmo, ainda minto: - Logo chegarei em casa. Em calçadas, Eu percorro o labirinto (Cruzamentos, sinais verdes e paradas). O suor não pára o tempo; Lágrimas, enxuga o vento; E um triste pensamento Não se afasta. A cidade, assim, se fecha em semelhança. A lembrança, À realidade, não se adapta. Eu confundo o momento E me perco no silêncio De um triste monumento Que me agrada. Minha calma é necessária Para espantar o medo, Desvendar todo o segredo Que o labirinto encerra. Os meus pés seguem por terra, Minha alma por promessa, O meu corpo por saudade. Edifícios, tais quais pedras, Alicerçam a cidade; Conduzindo minha mocidade Eterna, De encontro ao passado. Eu me torno um condenado Num presente adulterado, Que me enterra. Observo as vidraças Das janelas, Onde o sol ofusca a vista Com a luz que é minha guia Na escuridão tardia Do passado. Cada praça Me congraça, Tal um templo Erigido como um marco à memória. Cada uma conta a história De seu tempo, De sorriso e sofrimento, De conquistas e derrotas. Novamente, me encontro sem saída, Apesar de tanta via planejada. Já não reconheço nada Do que havia, Já não reconheço nada. Alimento meu silêncio, O tempo passa, Onde pombos batem asas Sem voar. Não consigo encontrar O meu caminho; O meu ninho Não encontro em meu lugar. Continuo a me enganar, Ainda minto, Preso a esse labirinto A me fechar. À DERIVA Posso até perder o brilho dos meus olhos, Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza. No esbanjar de pratos sobre minha mesa, Vejo a fome refletida nos teus olhos. O que faço se estou preso ao sistema Onde a indiferença Sobrepõe a caridade, Onde a verdade É varrida Pra debaixo da mentira E onde a vida É um barco à deriva Sem ações de piedade? UM POUCO MAIS Percebo A minha vida esvaindo-se entre meus dedos Em minha mão aberta A dar adeus ao mundo Pela janela. A minha juventude Em quietude eterna, Silencia os meus dias. As velhas alegrias São lembranças tristes. Os sonhos não resistem Aos carinhos da morte. E que meu sono suporte Os meus pesadelos, Já que meus apelos Ao que me resta de força Não me sustenta. Talvez, o mundo não entenda Esses meus ais. Não tenho medo de morrer. Eu só queria era viver Um pouco mais. O GRANDE DIA Ai de nós se não fosse o profeta Para converter o nosso coração. Do contrário, Deus feriria a terra Com terrível maldição. Com o Senhor não há perdão. Seu grande e terrível dia Não será de alegria E sim de destruição. O poder de sua mão É extremamente acintoso. Deus é um ser ambicioso, Quer de todos, Atenção. Não importa a condição, Será imposto Sofrimento e desgosto Por qualquer contravenção. Deus não quer nos dá lição, Quer aniquilar a todos Pelo caráter odioso Que passou à criação. EPITÁFIO XIV Ela se aproxima Sorrateira e linda, Com seu manto escuro, Sua mão suada. Não nos pede nada, Mas nos toma tudo. Deixa então, de luto, A pessoa amada. Ela não se importa Com aquele que fica. Pois só se dedica Ao que se despede. Sorrateira, impede Que a gente viva. E sutil se infiltra Sob nossa pele. Ela só se afasta Quando mata a alma E deixa o corpo inerte. ETERNA SOLIDÃO O que eu tive na vida Além da data esquecida, Da dor no peito, contida, E da perdida ilusão? O que mantenho na mão, Já na forma cadavérica, Senão, A luta sem trégua Com os germes que a terra Colocou em meu caixão? Os meus feitos, Foram em vão. Meus defeitos, Exaltados. Não sou de Deus nem do Diabo. Sou um louco condenado A eterna solidão. ESPANTALHO MORIBUNDO Minha alma sempre está Num silêncio tão profundo, Que eu chego a duvidar Que ainda estou no mundo. Espantalho moribundo, Onde a morte vem pousar. Talvez para lhe falar: Sinto muito! Sinto muito! Num milésimo de segundo, Volta o corpo a respirar. Espantalho vagabundo, Fecha os braços para o mar, Abre os olhos para o mundo. FRUTO SEM CASCA Espalhando letras Sobre velhas páginas, Semeei palavras Que insatisfeitas Deram-me em colheita Uma grande safra De um fruto sem casca, A minha tristeza. Uma fruta fresca, Presa pela boca Em que uma ou outra Tenta mordiscar, Murcha sem parar; Se tornando feia, Seca na areia Quando o vento dá. Versos pelo ar, Lágrimas e poeira, Solidão na mesa Onde o fruto está Exposto, sem par, Sem mostrar beleza, É minha tristeza A me alimentar. HOMENS DE FUMAÇA No arrastar de minhas sandálias Pela casa, Tenho as lembranças arranhadas E esquecidas. Por onde andam as conversas conduzidas Pelos homens de fumaça? Se desfizeram com o tempo, Nas costas de um tênue vento, Pela janela escancarada. O velho barco na distância, ainda aguarda Pela tripulação dispersa, Numa espera Que parece eternizada. Em meio a tralhas, Depuseram suas velas. Em meio a elas, O seu capitão se apaga. SE FOSSEM SÃOS A rima É mera aflição Dos versos que me espelham Naquilo que são. De forma nenhuma dirão Do que são feitos. Meus versos Seriam perfeitos Se fossem sãos. Mas nada são, Senão Defeitos. O FRACASSO Eu sei que a vida me leva em trapos. Caldeirões de barro De bruxos modernos. Favelas de inferno, Diversos buracos. São armas de ferro. São balas de aço. Sou eu, o fracasso De um programa sem sucesso. Eu sei que a morte me olha de perto; Que chego a sentir o seu frio abraço. Eu fumo, eu prego Minha mão no maço De notas sem eco. São barras de ferro. Algemas de aço. Eu sei que sou o fracasso De um programa sem sucesso. Eu sei que caminham lado a lado, O errado e o certo, A ira de Deus E a fama do diabo, Senhores e servos, Patrões e empregados, Progresso e atraso. São os mãos-de-ferro Em torres de aço. Sendo eu, o fracasso De um programa sem sucesso. OLHOS DE AZULÃO O que busca essa mulher Pela qual minto, Senão A mesma solidão Que sinto Quando longe de seus olhos de azulão? Os mesmos olhos Que me olham da gaiola Quando eu abro a porta E eles vêem a imensidão. QUANDO CHORO Onde andam os meus olhos Quando choro, Se não consigo encontrar As minhas lágrimas? Nas migalhas, Além de meus remorsos? Nos meus ossos, Aquém de minha alma? A FANTASIA Amo você Com o mesmo ardor da juventude, Na quietude De minha atual idade. Amo-a na ausência Como num dia de saudade, Detenho-me a cada ínfima lembrança, Com a mesma paz Que traz Aquela esperança Após uma guerra. Amo-a em terra Com a cabeça pelas nuvens. Amo atitudes Que jamais seriam minhas, Como entre linhas, Leio uma poesia. Amo como se ama o alvorecer De cada dia, Como o sorriso Na inocente alegria De um bebê. E ter você, Ainda parece utopia. Mas, quis a vida Que eu vivesse a fantasia De meu ser, Que é para sempre, Você. MINHA GERAÇÃO Essa amargura Que me faz um homem rude, É mera atitude De defesa. Odeio a pobreza Que aos pés de Deus se ilude; Enquanto a juventude, Nada almeja. Desprezo a mania de grandeza Que o rico tem com tudo. Não sou um carrancudo Por frieza; Somente faço uso Da tristeza De um sisudo, Por ser fruto De uma geração que aceita. SONETO DA VITRINE (Sombras & espelhos) A vidraça estilhaçada, Não desfaz a minha imagem, Não subtrai da cidade, A luz do sol ofuscada. De pé, fiquei na calçada Com minha mão estendida. Exorcizei minha vida Na pedra que arremessara. Por um instante, escutara O som de ossos quebrados Da montra fragmentada. Meu corpo feito estilhaços Que os passantes pisavam Entre espanto e gargalhadas. POETAS (Sombras & espelhos) São tantos os poetas Quanto estrelas, Dispersos em bandeiras Pelo mundo. Eternos e profundos Pelas letras, Em digressões soberbas, Em dimensões sem fundo. São tantos os poetas Que o planeta, Em tinta de caneta, É resumo. Enorme rascunho Em línguas estrangeiras. A tradução perfeita Das emoções do mundo. MOSAICO (Sombras & espelhos) Em minha mão, Mil pedaços. Antigo quadro, Uma mesa, Alguém que come calado Com discrição ou tristeza. E lado a lado Na mais extrema destreza, Enfileirado Sob a antiga nobreza, Assenta-se o mosaico. Sob os meus pés, o passado Em um quadrado, Pintado Nesse retalho do tempo. Breve momento Guardado No mais antigo mosaico Preso à calçada, Ao tempo. SÓ EM TE AMAR (Sombras & espelhos) Só em teus lábios, Eu encontro meus gemidos. Só em meus gritos, Eu consigo te encontrar. Como enganar A emoção de estar aflito. Eu te preciso Como a noite, do luar. Só em teus passos, Eu caminho decidido. Surpreendido, Tento não justificar. Sem teus abraços, Os meus beijos são sofridos Como os feridos Que não podem se curar. Só em te amar É que eu encontro o sentido De tudo aquilo Que consigo imaginar. NUMERAL UM (Sombras & espelhos) Eu atribuo Minhas palavras ao poeta. Uma espera Numa tarde em jejum. Nós como dois, Dividimos. No que dera? Apenas um. Eu me situo Nas medidas de uma régua. A mais complexa Ou talvez a mais comum. Sou menos um, Minha conta se completa Com menos um. Eu me anulo Numa soma que me zera. Um dois que nega A existência de mais um. Sou incomum, Tabuada que ainda preza, Numeral um. CONTRACEPTIVO (Tríptico) Eu não sei se é o desespero que me leva à loucura quando o sexo estupra a minha alma, ou a calma que advém do meu tormento pelo tempo que passou em minha palma. Movimento anormal de penetração moral em sua saia, e no cheiro da indecência, feromônio da ciência em uma jaula. Uma fera excitante que no último instante, ofegante, cospe a vida no seu couro de borracha. Não há luta, nem corrida; há uma triste despedida de um suposto vencedor que foi fruto de um amor e se enforcou com a própria cauda. DISLATE (tríptico) Talvez minhas palavras sejam tolas, minhas ações, inconseqüentes; as minhas brincadeiras, ironia; eu próprio seja falho e negligente. O meu discurso seja sátira; minha seriedade, uma piada. O meu humor seja mau gosto; o meu dislate, permanente. Meu riso entre dentes, atimia; a minha faina seja ociosa; meu pranto, uma lição jocosa e o jeito infantil, idiotia. Talvez a minha vida seja um fracasso; meus versos, um engodo imoral. Em epítome, sou um gracejo nefasto. Meu desejo, um esboço abnormal. SONHOS (Tríptico) Os meus sonhos são apenas fragmentos de memória, pequenos focos de luz como cristais dispersados num caleidoscópio de pensamentos, distorções esdrúxulas da realidade. Rumores, amores e momentos, abertos numa gaveta destrancada. Minhas pálpebras fechadas num caixão de quase nada. Um quase definido como os sonhos que são versos que componho numa noite agitada. Movimento involuntário dos meus olhos, que entre risos, ainda choro por apenas acreditar sofrer. Entre cartas mal escritas e seladas, vem a calma ao chegar o amanhecer. Vem enfim, o esquecimento desse quase fingimento que é sonhar. TURGESCÊNCIA (Sob meus calcanhares) Eu sinto os teus cabelos entre meus dedos, teus lábios comprimidos ao meu desejo, o arfar de teu cansaço entre meus braços e ouço teus gemidos. Vejo teus olhos tolhidos fitar meu medo de não tê-la satisfeito ainda. Tenho todos os sentidos na extensão do meu leito. E no auge da turgescência, me torno uma larva imersa em teus fluidos. EM DEMASIA (Tríptico) Eu sou demasiado triste, pelos versos que componho. Eu sou demasiado louco, pelo pouco que proponho. Não deveria o mundo ser assim, em demasia. Talvez não seja o mundo, seja enfim, minha poesia Demasiada em meu tédio, sem remédio, em grafia; em longas noites mal dormidas; nos insultos que eu ouvia. Não caberia em minha mão, toda a visão que em mim cabia. Eu sou demasiado em tudo, que ironia, demasiado em meu luto por ser fruto de utopia. Em demasia são os dias que me escapam entre os dedos como uma teia que é lânguida e esguia. O mais sublime pensamento que perde tempo em demasia. Demasiado, meu tormento, pelo tanto que eu não via. Demasiadamente eterno, meu inferno em agonia. Em demasia sou quem sou, um astronauta que acordou num mundo estranho em demasia. O RAMO (Sob meus calcanhares) Onde está minha alma, que não encontro? Onde está meu encanto, minha calma? São perguntas que faço, ainda em pranto, ao meu eu freudiano que me cala. Onde está este anjo que me fala? Um quebranto que minha mãe me pôs. Ouço a antiga canção que ela compôs em minha rede embalada. Vejo um ramo na árvore desfolhada, resistir ao vento, envergado. Nesse instante me sinto envergonhado pelo meu triste pranto. Minhas lágrimas são simplesmente água que faz falta ao ramo. O DIÁLOGO (Reticências desfeitas) - Dou-te a palavra para principiares o diálogo. - Fico muito grata por ceder-me o favor. És muito amável. Vou falar de amor, sentimento imensurável que é tão natural quanto o desabrochar da flor. - Já vou interpor. O que tu estás dizendo? O amor é um invento cultural e sem valor. - Estou espantada. És um homem insensível. O amor é indizível. É nosso maior legado. - É soma sem resultado. O amor não é normal. É estóico, irracional, nos mantêm aprisionados. - És um homem insuportável. Mas o que dizes é refutável. De que vale a liberdade, sem motivo para a saudade. - És uma eterna sonhadora. De que vale um sentimento que só nos provoca medo, fraqueza e sofrimento. - O amor é imortal. A mais pura poesia. Nos fere, é natural. Mas compensa com alegria. - É uma simples utopia. Inconstante, passageiro. Quem se entrega por inteiro, viverá em agonia. - Vou deixar por encerrado o nosso breve diálogo em tua cética pessoa. Mas eu sei não é à toa que nós dois somos casados. ELA (Quadrilátero) Ela me leva, me engana e ainda me desafia. Levou meu corpo para a cama, enquanto me distraía. Deu-me o fruto do pecado, enquanto Eva, e compensou com redenção, quando Maria. Em Joana D'arc foi Vitória, também rainha. Já foi de todos e só minha. Ela é pouco e é demais. Como Helena, ela foi guerra. Como Tereza, ela foi paz. INDECENTE (Quadrilátero) Não sou um cavaleiro imaginário, apenas um vassalo que caminha. Pela realidade, um escravo que tem a ilusão que é livre ainda. Não sou nenhum beato, nem um cão. Eu não uso sermão e nem batina. Meu rosto é palidez, enquanto expiro. Meu sexo sem estilo, estupidez. MUNDO FICTÍCIO (Pax-vóbis) Uma criança brincava Com a comida, na mesa. Corria de pés descalços, Sem ninguém a seu encalço, Pela ruazinha estreita. Não enxergava a sujeira, No seu mundo fictício, Do real desconhecido; Tudo era brincadeira. Contudo, era tão bonito Ver o mundo d’aquela maneira: Sem ter ódio, Ser ter vício, Sem sombra de sacrifício, Sem pecado E sem tristeza. SOMBRA DE NANQUIM (Pax-vóbis) Que a vida, Mesmo frágil, continue. Que perdure Meu amor, além de mim. Que não tenham fim, Meus passos pela rua. Que dissipe sob a lua, Minha sombra de nanquim. A PEQUENA D’ARC (Olhos de guri) A guria não gostava de pia, de casinha ou fogão. Para ela, tudo era opressão. Ela ouvira sua mãe reclamar que a mulher tende a trabalhar só com água e sabão. Por que não brincaria de guerra, de doutora, de terra na mão? A guria, parecia antever que seu mundo seria uma doce ilusão. A SOMBRA (Olhos de guri) Minha sombra que se perde no escuro, salta o muro quando o sol no céu desponta. Se arrasta no chão duro, se encolhe, se estica, passa rente a dobradiça e se perde pela casa. Mas à noite, minha sombra cria asa, voa quando saio a rua. Pela luz que vem da lua, minha sombra me abraça. Me divirto e acho graça quando atravessa a fogueira. Minha sombra, não sou eu, mas é minha companheira. TAMBÉM SOU (Letras, ...) O louco é apenas mal ouvido. Seu riso, tenebrosa gargalhada. Sua fé, um constante, eu duvido. Sua mente, uma porta escancarada. Seu pedido de ajuda é um grito. Seu gemido incontido, uma dor. Seu amor, um abraço emotivo. Sem motivo, eis que louco também sou. A GRAÇA (Letras, ...) Deus me deu o fardo para eu achar pesado o termo ser livre. Deus me deu o espelho para ver se aceito esse meu rosto triste. Deus me deu o segredo para pensar, eu mesmo, o que é ser tolice. Deus me deu a culpa para eu pedir desculpa por qualquer deslize. Deus me deu a dor para eu sentir pavor do seu dedo em riste. Deus não me deu nada, eu que faço a graça crendo que ele existe. VERSÃO REFRATADA (Letras, ...) Quantas vezes eu tive que mergulhar no sorriso para fugir do abismo que é o existencialismo de mim mesmo. Quantos pueris desejos entre prosaicas conversas. Quando nada interessa, meu mundo me dá medo. Eu sou apenas ensejo que o acaso consagra. Uma versão refratada na ilusão do que vejo. Quando não me percebo, é sinal de que eu mesmo sou a soma do nada. QUEM SOU EU (De versos, ...) Sou um jovem ateu Que entra na igreja Para tomar cerveja E beber café. Desconheço a fé, Mesmo na ressaca. Rio quando a graça É de um milagre De ser eu, um padre Que toma conhaque Num cálice de vinho E vive sozinho Pensando que sonha Em ser um demônio Que se sente Deus, Ser o próprio Deus Se sentindo humano, Ser um santo insano A brincar de ateu. DESESPERANÇA (De versos, ...) Quem é essa Que me tira o sono, Que arrebata o dono De uma humilde casa? Quem é essa Louca, desvairada, Que ao seio me prende Sem saber se sente A dor que a outro causa? Lábios que procuram vida Carne apodrecida No envelhecimento. Quem é essa Que corrói por dentro Como um veneno Sem nenhum antídoto? Eu sou outro, Sou um homem dito, Dito morto Pela agonia. Quem é essa Musa e tirania, Mistura que havia Desde minha infância? Quem é essa Triste companhia? Talvez seja a morte, A desesperança. O MATUTO (Cálice) O matuto está triste, cabisbaixo e pensativo. Não encontra um só motivo para saber se existe. Tal canário sem alpiste, preso a uma velha gaiola, vendo longe a aurora, sem ter ânimo pra cantar. Com vontade de voar para longe, ao horizonte; a saudade o consome antes mesmo de partir. O matuto fica ali, a pensar no que seria sem a única companhia, a choupana em que vive. Tal amor só visto em versos, o matuto é regresso de um lugar que não existe. SEM CONDIÇÃO (Cálice) Seus ombros à amostra, me deixam insinuado. Seu corpo ainda agora, me deixa provocado. Seus seios contornados pela blusa, me fazem sinal da curva do seu corpo ondulado. Seu jeito comportado não me mantém à distância. Na sua tolerância, encontro o meu pecado. Seus olhos não perturbam minha paz, além do mais, recebem meu recado. Seu pare, deixa disso, mais cuidado, só fazem aumentar o meu querer. A dúvida faz crescer minha ilusão, que eu terei nas mãos a chance de fazê-la entender. Amar é mais que ter. É aceitar querer sem condição. CONVÉS (Cálice) Foste meu caminho sem regresso em um verso. Minha poesia mais bonita. Entre as estrelas, rabisquei um só desenho, o seu rosto, como eu bem queria. Foste a derradeira flor perdida no deserto. Em meu universo, um farol de guia. Arrancaste o aviso que dizia: “Uma saudade”. O vazio da idade, preenchias. Foste o colorido de uma tela que eu pintava. A mão que segurava o meu filho. O espírito de um cético que chorava. A paz esperada por um homem aturdido. Foste o barco rijo que sustenta a onda em fúria. O pescador que nada à procura de si mesmo. Para mim, a mais incrível criatura. A doce loucura do desejo. Foste na verdade, o meu mundo. Hoje, na saudade, apenas és um velho convés com o qual afundo. GRAMATICAL (Cabaz) Só em letras imprimo minha alma. Mais do que texto sou contexto indecifrável. Meu sinônimo é antônimo de si mesmo. Um sujeito indefinido que é objeto de um erro gramatical. Entre modos e tempos, triste verbo que ecoa na forma nominal. Orações que são subordinadas aos meus vícios de linguagem. Um início em letras ordenadas e um fim numa expressão oral. AFLORA UM POETA (Cabaz) Assim se fez um poeta. Como talhe na madeira esculpi minha poesia. De uma maneira fria infundi minha alma no papel. Nas costas de um corcel cavalguei por entre versos; muitas vezes sem regresso, o poema, me tornei. De um sono despertei enquanto escrevia, da caneta então fluía as idéias que sonhei. Quem sabe se eu errei? Foram mais de trinta anos, foram tantos desenganos que poeta, me tornei. INGÊNITO (Cabaz) Seguir os passos a um lugar perdido na distância; entrar na dança de um ritual de acasalamento; sentir nas mãos o instintivo dom que vem de dentro; ouvir o som de vozes ecoadas; e nas entonações das poesias declamadas, revelar-se poeta. LIAME (Cabaz) Sou livro intitulado. Um desabafo. Sou todo em parte. Um lacre violado. Sou tudo num nada dissipado. És flor dissecada na mão aberta em palma. És colo e calma na casa onde cresci; moeda encontrada que perdi; o berço em que nasceu minh'alma.
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