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A MONTANHA

 

era 1960, e john steinbeck saiu a rodar pelos e.u.a. na companhia de seu poodle em um trailer. tinha 58 anos, e desta viagem resultou um livro chamado “travels with charley” (charley era o poodle). em 1962 ele viria a ganhar o prêmio nobel de literatura por sua obra (não por esse livreto), mas nesse livro ele faz uma série de considerações sobre viagens... uma delas acrescentei à minha assinatura no fórum www.mochileiros.com: “we don´t take a trip, the trip takes us”. esta semana comprovei a realidade desta sentença.

 

estava eu picado pelo bichinho da inquietação estradeira/aventureira há meses. sempre viajo a trabalho, mas necessitava de outro tipo de viagem. semana passada, resolvi, de sopetão, fazer a travessia petrópolis-teresópolis, talvez a mais clássica das trilhas brasileiras, na serra dos órgãos, no rio de janeiro. caminho de mais de 30 kms, que os ultra-preparados conseguem fazer em um dia, correndo muito, e os trekkers normalmente fazem em 3 dias, e sedentários podem fazê-lo em quatro. eu me preparei para fazê-la em quatro dias, embora minha intenção fosse fazê-la em três, mas o preparo para quatro dias me daria folga no cronograma para um eventual descanço ou mesmo para me perder lá pela serra.... a serra dos órgãos é um dos mais belos locais do brasil, com montanhas lindas e vistas fantásticas, quando se tem tempo bom. mas quando o tempo está ruim, as tempestades nos picos são horrorosas: ventos muito fortes (já li relatos de barracas que saíram voando, ou tiveram o sobreteto arrancado pelos ventos e chuva), chuva intensa, frio, e sobretudo raios. sim, há até um cruzeiro em homenagem a um grupo de pessoas que certa vez foram mortas por um raio naquele local. assim, a época boa é a metade do ano, estação seca, pois não há chuva, neblina, ventos, raios... e esta semana a previsão de tempo indicava tempo bom até a metade da quinta feira. se eu começasse a travessia na terça, teria toda a quarta-feira para cruzar o trecho açu-sino, local onde muitos se perdem, e pegaria apenas talvez um pouco de chuva no trecho final, o mais fácil sob o ponto de vista da orientação geográfica.

 

então montei a mochila, com tudo o que precisava caso desse tudo certo e também se desse tudo errado. ou seja, acabei levando comida em excesso. roupas também havia em certa demasia. assim, minha mochila estava muito pesada. muito pesada mesmo. havia eu esquecido que, em dias de esforço intenso, eu como menos do que nos dias normais, quando a gula é muito maior do que a fome... afinal, não é à toa que não sou exatamente esbelto...

 

na noite do dia 9 de julho de 2007 eu embarquei no ônibus rumo a petrópolis. dentro do ônibus eu rememorava todos os detalhes dos mapas que tinha estudado, detalhando o trecho mais confuso, entre o morro do açu e a pedra do sino. é o trecho onde muitos se perdem, pois se caminha sobre rochas, e, portando, não há trilha marcada. ora, quase não dormi na viagem... portando, no dia seguinte, eu estava cansado. chegando a petrópolis, esperei por um ônibus para o terminal corrêias e chegando a este, procurei um dos dois ônibus que poderiam me levar até a porta do parque. o ônibus que me deixaria mais próximo demoraria a passar, portanto peguei outro cujo ponto final era um pouco mais distante. ou seja, comecei andando bastante e subindo, já fora do parque. com a mochila pesada, com sono e meio gripado, entre o ponto final do ônibus e a entrada do parque eu levei quase uma hora caminhando. e, como diz o ditado, o corpo paga pelas falhas de inteligência...

 

 

eram 9:34 da manhã quando eu comecei efetivamente a trilha, na portaria do parque, após ter pago por três pernoites (para ter a liberdade de me perder e poder perder um dia). subindo a trilha eu fui ultrapassado por um grupo de bombeiros que também iria fazer a trilha como parte de um treinamento. ali eu percebi o quanto estava eu lento. mas não precisava correr, pois, como diz um antigo ditado beduíno, a formiga tem passos curtos mas atravessa a montanha. nas diversas vezes em que fiz longos trajetos pedalando (falo de trajetos superiores a 150 kms em um dia), aprendi que o ritmo era importante: quanto mais constante, e não necessariamente rápido, melhor. e fui aos poucos subindo. afinal, a montanha não fugiria de mim.

 

mas aquele sobe-sobe por uma trilha tão bem demarcada estava meio monótono... um pouco antes da pedra do queijo a sentença do john steinbeck se confirmou: havia uma pequena bifurcação, à direita o caminho normal da trilha, à esquerda uma trilha visivelmente menos utilizada descendente... e, longinquamente, o barulho de água. resolvi descer por ali, apenas para ver onde daria... iria até a margem do rio? a alguma cachoeira? mal sabia eu que estava começando a trilha que leva ao topo do morro do alicate, uma trilha árdua que poucos fazem, pois é árdua, um tanto perigosa, e muito ruim de se fazer com uma cargueira. o morro do alicate é um maciço rochoso em que se chega por trilha de um lado, e por outro se pode escalar, havendo ali uma via de escalada. claro, tudo isso eu soube apenas depois, pois quando comecei aquele caminho eu não tinha idéia de onde iria parar.

 

a trilha descia, e de repente passava a descer mais abrutamente, sempre escorregando no barro. havia degraus de mais de um metro de altura com espaço para se apoiar apenas meio pé, sucedendo-se um ao outro. e eu com a cargueira pesadona... e, claro, um outro detalhe que iria piorar mais a minha vida depois: eu havia, por falta de espaço do lado de dentro da mochila (na verdade, era apenas uma questão de arrumação), prendido as armações da minha barraca do lado de fora. ou seja, havia criado duas pontas, dois ganchos para me embaraçar na vegetação e ter que,em alguns momentos fazer força em demasia. novamente a sentença se confirma: o corpo paga pela preguiça cerebral.

 

mas eu descia, escorregava, sentava, descia sentado, apoiava, rolava por cima do bastão de caminhar, e como pra baixo todo santo ajuda, em não muito tempo eu cheguei a beira de um riacho. muito bonito, por sinal. descansei um bom tempo. era então cerca de uma da tarde. peguei mais água (eu estava com um cantil flexível e duas garrafinhas de 600ml, com água com gás: as garrafas de água com gás costumam ser mais resistentes...), completei minha capacidade de carregar água e comecei a ascenção, do outro lado do riacho, pois a trilha continuava, ao lado de um marco: três pedras empilhadas. alguém havia também amarrado uma fina fita de plástico numa árvore, mas isso eu só vi no dia seguinte.

 

essa segunda ascenção pode ser considerada um caminho de burilamento espiritual... pois o que se sofre nela não tá no gibi. ainda mais quando se é meio tapado, pois se está meio gripado, com uma cargueira muito pesada que possui duas pontas pra enganchar em qualquer lugar. e, pra ajudar bastante, a trilha é repleta de pontos em que taquarais caíram pra cima da passagem. e eu estava sem facão, pois não se deve entrar nesse parque com facão. mas alguém já havia feito isso, pois em diversos locais vi taquaras cortadas.

 

levei horas fazendo essa subida, no mais das vezes tendo que agachar e me arrastar pelo chão para passar com a mochila, ou mesmo me arrastar arrastando a mochila. a essa hora eu nem pensava em voltar, mas apenas achar um local levemente espaçoso e claro pra montar a barraca. mas a mata era fechada, e eu me extenuava naquela subida, fazendo muitas vezes uma força descomunal para atravessar a rede de bambuzinhos que fechava a trilha em diversos pontos. apenas um detalhe: era muito ruim na trilha, mas muito pior fora dela... a essa altura do campeonato eu já estava desfiando todo um rosário de palavrões, isso quando tinha ar para tanto. mas apesar de tudo, a trilha estava razoavelmente bem marcada. em nenhum momento eu precisei mais de 2 segundos pra saber qual caminho tomar.

 

e fui subindo, xingando e tomando água. subindo, xingando e tomando água... eram cerca de três e meia da tarde quando percebi que a trilha, repentimanete, deu uma clareada: havia mais sol, a vegetação era um pouco mais rala e subitamente eu vi uma pedra e nada atrás dela. subi a pedra e tive uma bela vista do vale do bonfim...

 

a pedra tinha um marco em cima. embaixo do marco eu vi uma sacola plástica embrulhando algum volume. fui lá, mexi e descobri uma caixa de alumínio contendo uma caderneta, ou melhor, um livro de cume.... e assim eu soube que eu tinha subido o morro do alicate, que, de um lado, tem uma via de escalada (eu depois descobri os dois grampos P fixados na pedra), e, de outro, se chega por uma das trilhas mais pentelhas do PNSO, ainda mais quando se faz gripado, com sono e com uma cargueira pesada....

 

descansei deitado na pedra uns 20 minutos e então pensei no que fazer. simplesmente voltar estava fora de questão por causa do horário e eu não achei outra trilha saindo dali, e mesmo por que atrás do morro havia um gigantesco vale e então o paredão do macico que liga o morro do açu ao morro da luva... ou seja, mesmo que houvesse algum caminho que me levasse a interceptar o caminho da travessia, demoraria muito a chegar lá. e esse caminho não existia, pelo menos eu não o achei. olhei meu suprimento de água, e vi que tinha algo um pouco superior a um litro. resolvi passar a noite ali e retornar no dia seguinte. fiz uma sopinha de miojo (pra aproveitar toda a água) e comi tudo o que podia, até para baixar o peso do meu estoque de comida...

 

a barraca eu armei em cima do platô do cume. orgulhei-me, naquele momento, de ser o proprietário de uma manaslu. se fosse como as barracas normalmente encontradas no mercado brasileiro, o piso seria de uma espécie de plástico grosso. as manaslu usam tecido de nylon resinado no fundo, muito mais resistente a furos, e a pedra onde acampei era daquelas de transformar em peneira qualquer plástico com um pouco de peso em cima. mas mesmo assim, montar a barraca não foi fácil. pois a pedra não tinha um espaço suficientemente plano para montar a barraca de modo que os seis pontos em que a armação toca o chão estivessem apoiados. e, na impossibilidade de fixar os espeques, ela foi ancorada de um lado graças a cordeletes amarrados a arbustos situados numa das laterais da pedra, e, do outro lado, com pedras pesadas. decididamente um peso carregado de modo necessário foi o cordelete que levei enrolado num dos bolsos da mochila, que me permitiram amarrar bem a barraca.

 

montei a barraca de costas para a direção em que ventava naquele momento. isso não impediu um razoável teste de ventos sobre a barraca, pois durante a noite sofri com rajadas vindas de todos os lados. sim, 360 graus de variação de vento. o vento dava uma leve chacoalhada na barraca, e às vezes eu acordava. mas, salvo umas três ou quatro breves acordadas durante a noite, seja pelo vento, seja por eu escorregar em direção ao fundo da barraca, eu dormi das 18:15 até 6:30 da manhã seguinte, quando o despertador do celular tocou.

 

por falar em celular, um registro. durante boa parte do percurso eu estava sem sinal no celular. mas eu o havia esquecido ligado no bolso. assim que cheguei ao cume do morro do alicate, ele recuperou sinal e tocou: era o coordenador de um dos cursos onde dou aulas, querendo discutir detalhes do horário de aulas para o segundo semestre.... imaginem a situação insólita: eu, deitado na pedra, meio que recuperando o fôlego, olhando uma vista linda e discutindo dias para dar aulas... contei a ele onde eu estava, tentei explicar o que estava fazendo, mas não sei se ele entendeu direito não...

 

no dia seguinte acordei cedo, tirei umas boas fotos e tirei mais um cochilo. o fato é que comecei o retorno apenas às 9:10 da matina, após comer todo o pão e bolachas que aguentei comer, e tomar uma caneca de café com leite. três sachês de nescafé, pra dar uma acordada. ainda me restavam cerca de 200 ml de água, que ficou numa garrafa no bolso superior da mochila, pra dificultar o acesso e só tomá-la se fosse realmente necessário. mas o fato é que em apenas uma hora eu estava na beira do riacho que havia cruzado antes, ou seja, na volta, fiz o mesmo trecho em duas horas a menos.... acho que isso dá uma boa medida da dificuldade enfrentada na véspera. nesse riacho me abasteci de água (o corpo e os cantis), comi mais alguma coisa, fiquei parado cerca de 30 minutos. até por que minhas pernas não estavam lá essas coisas, depois do esforço do dia anterior. mas a descida fora rápida, inclusive por que a trilha estava mais limpa, depois da minha passagem no dia anterior e, desta vez, eu não deixara as armações do lado de fora da mochila... é bom usar o cérebro de vez em quando, pra não criar teias de aranha. por falar em teias de aranha, é incrível a rapidez com que se formam! caminhos que cruzei num dia estavam repletos de teias no dia seguinte!

 

após o intervalo hídrico comecei a subida íngreme até a interceptação da trilha da travessia. este segundo trecho é o mais íngreme, com aqueles altos e estreitos degraus... o fato é que subi, mas não sem antes rolar algumas vezes com a cargueira nas costas... esse trecho é uma verdadeira escalaminhada, onde utilizamos o corpo inteiro pra andar/subir: pés, mãos, joelhos, cotovelos... por sinal, é trilha pra se fazer de bota mesmo, das boas, que agarram bem o chão em pedras, barro ou o que for, e que proteja be o tornozelo de pancadas e torções.

 

e então cheguei à trilha da travessia. eram cerca de meio dia. acompanhei dois trekkers que estavam começando a travessia naquele dia. paulistas como eu, estavam fazendo pela sexta vez caminho. haviam terminado duas vezes, das cinco anteriores. e a última apenas um mês atrás, e retornavam assim proximamente para gravar bem o caminho no trecho açu-sino. chamavam-se marcelo e ed, convidaram-me a acompanhá-los, mas fui até a pedra do queijo apenas, para bater umas fotos. estava (e ainda estou) com algumas dores na perna direita, em razão de um dos tombos que tomara no dia anterior.

 

aguardei mais um pouco ali no queijo, depois que eles continuaram o caminho, e então chegou um grupo de uns seis ou sete adolescentes e um adulto. os rapazes com mochilas menores, o adulto com um mochilão imenso. eles logo conversaram comigo, menos o adulto, que se mantinha mais reservado. este só se aproximou da conversa quando eu estava mostrando aos rapazes onde eu tinha passado a noite anterior. no começo não acreditou muito que eu tivesse passado a noite lá, e tinha levado a cargueira. mas eu comecei a descrever o perrengue que era a trilha, principalmente no trecho final cheio de taquaras, quando um dos rapazes perguntou a ele se era difícil fazer um desvio por lá. o guia imediatamente dissuadiu o rapaz, dizendo que a trilha era difícil, fechada, e que, certa vez, uma taquarinha lá perfurara-lhe o tímpano...

 

conversando comigo ele me falava que o comum é fazer aquela trilha em um dia, saindo muito cedo e retornando no mesmo dia, para poder passar pelo caminho, levando máximo uma pequena mochila de ataque. o que confirmava as informações que vi no livro de cume. e que não se deve fazê-la sem um facão. e então apresentou-se, era o luciano, mateiro, sempre encontrado por lá. ficou meio surpreso de eu ter feito o alicate no primeiro dia no parque, ainda mais com aquela tralha nas costas. mas eu, sinceramente, acho que qualquer um com um bom preparo físico faz aquela trilha melhor do que eu, desde que saiba ler os sinais que indicam onde está a trilha (sim, o caminho onde se pisa está coberto de folhas, plantas, e etc, e se não prestarmos atenção saímos da trilha).

 

o guia passou a me dar dicas depois de locais a explorar, outras trilhas pra fazer por ali, já que eu ia sem guia mesmo...

 

resolvi descer do queijo rapidamente, queria estar na portaria de petrópolis no máximo às duas da tarde. não sei direito o porquê, mas havia estabelecido para mim esse horário de saída. fui descendo, descendo, cruzei com mais dois caminhantes, depois na bifurcação entre o caminho do açu e o véu de noiva cruzei com mais um grupo que parecia apenas estar subindo até o açu (todos de bermudas e camisetas, além de mochilas, onde se via o isolante pendurado do lado de fora – sinal que se pretende passar a noite por lá). e quando me aproximava da portaria do parque, vi no céu os sinais da mudança de tempo.

 

o fato é que, quando chegeui na portaria, os últimos resquícios de sol sumiam. e então percebi que eu conseguira usar todos os minutos de sol disponíveis no parque. se não fizera a travessia, tinha feito outro passeio, e me livrara de, no segundo dia, no trecho açu-sino, ter que enfrentar neblina... isto por que previsão do tempo informava que haveria tempo bom pelo menos até a metade da quinta-feira, mas já na quarta a chuva chegava. a viagem me conduzira, mais do que eu a tentara conduzir.

 

e a útima prova disso foi o fato de eu chegar a tempo de ser informado de que tinha o tempo exato de descer andando para pegar o ônibus no ponto, no horário correto. de fato, não esperei mais de cinco minutos pelo ônibus que me levou até o terminal correias.

 

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AS TRÊS FADAS

 

no ônibus que me levou do bonfim ao terminal corrêias uma senhora começou a conversar comigo. era mãe de um guia local, e já havia feito a travessia, dizendo orgulhosamente que havia carregado a própria mochila, com suas roupas. barraca, comida, etc, o filho levara. ressaltou mais de uma vez que fiho era guia, e não mula. e claro, começou a contar como são os negócios por lá.

 

percebi rapidamente que lá já vigora o padrão-negócio que hoje há no himalaia. o que é passeio pra uns é trabalho para outros. por isso vige o sistema de desinformação, e mesmo no curto trecho que percorri vi que as placas indicativas de caminho ou foram arrancadas, ou tiveram os nomes “travessia” ou “açu” retirados, riscados, apagados. é uma estratégia besta, pois o PNSO não é o himalaia, e não é necessário ter conhecimentos sobrenaturais para se virar por lá. basta bom senso, estudar os mapas antes, ficar atento às condições de tempo, saber usar uma bússola, etc. mas as pessoas passam batido por isso. não se informam, não se equipam adequadamente (o equipamento bom não necerriamente é caro, e muita coisa pode-se fazer mesmo em casa...), mas apenas compram pacotes. ou seja, aquilo que seria uma boa experiência, vira uma relação de consumo. e numa relação de consumo, quem compra quer ser bem servido. há quem ache que cabe ao guia dar um jeito em condições de tempo... ou na falta de preparo físico...

 

mas ser arrebatado por uma experiência diferente numa viagem é outra coisa. eu pensava nessas coisas parado no terminal corrêias quando achei melhor não voltar pra são paulo no mesmo dia, mas passar a noite num albergue, tomar um belo banho, comer, ter uma boa noite de sono e então, no dia seguinte, dependendo de como estivese a minha perna, dar uma volta pela cidade, que não conhecia, ou mesmo voltar a são paulo via rio de janeiro.

 

peguei um ônibus para o centro, após desistir de procurar alguém que me informasse onde estava esse albergue, ali no terminal correias. não havia listas telefônicas por ali.... peguei um ônibus que me deixou na rua paulo barbosa, próximo à antiga rodoviária, e numa galeria ali próxima achei uma lan house para entrar na net e achar o albergue. estava com a página do mapa de localização do albergue quitandinha quando percebi um grupo de 3 garotas visivelmente estrangeiras (loiras, olhos muito azuis, e o indefectível mochilão às costas) com o computador na mesma página perguntando a um funcionário da lan house como chegar naquele local. interferi na conversa e expliquei que ia pro mesmo lugar, e elas me perguntaram primeiro se eu poderia explicar como chegar lá e a menor delas, ante olhares das duas outras, perguntou se poderiam ir comigo. ficaram bem alegres ao serem informadas que eu iria de ônibus e poderiam, sim, ir comigo... um brasileiro pediria rapidamente pra ir junto.

 

enquanto esperávamos o bumba notei que a menor delas, justamente que levava a maior mochila (uma grande lowe alpine de uns 70 litros, grande pra ela, pequenininha), em pé com aquele peso nas costas se equilibrava fazendo força sendo que as tiras de equilíbrio da mochila estavam soltas. pedi licença pra mexer na mochla, e diante do olhar curioso das três coloque as fitas no lugar e dei um forte puxão, fazendo a mochila colar no corpo da menina, momento em que ela começou a falar rapidamente pra outra que a mochila tinha ficado muito mais leve... e então as outras também fizeram o mesmo...

 

eram 3 irlandesas, da república da irlanda, rodando o brasil. estavam vindo de belo horizonte, ficariam em petrópolis um dia e pensavam em ir para teresópolis fazer alguns passeios em montanhas. estavam muito decepcionadas com a mudança de tempo, e ainda mais ao perceber que por ali, a neblina é forte, impedindo as vistas belas....

 

éramos estranhos, conversamos pouco àquela hora. estavam mais simpáticas chegando ao albergue mas eu fui dormir cedo, cansado, enquanto elas tagarelavam no chalezinho ao lado. no dia seguinte eu tomava café enquanto as três corriam pelas ruas no entorno do albergue. acabamos saindo no mesmo horário e, enquanto esperávamos o ônibus descobri que eram estudantes: duas faziam medicina, outra estudava sei lá o quê que não entendi. ficaram meio espantadas ao saber que eu era professor universitário. afinal, na europa, isso tem algum status, mas aqui estamos no terceiro mundo. é engraçado, normalmente, as pessoas normalmente se impressionam mais com o fato de eu ser advogado do que pelo fato de dar aulas de direito. para advogar é necessário apenas o bacharelado em direito e a aprovação no exame da ordem, enquanto para ser professor (salvo em alguma faculdade xexelenta) é necessário isso e mais um mestrado, doutorado ou livre-docência... distorções de um país de terceiro mundo.

 

mas no ônibus descobriram que meus planos eram achar um guarda-volumes no centro, dar uma volta pela cidade e depois ir embora. pensavam em fazer o mesmo, e de novo, a pergunta: poderiam ir até o guarda-volumes comigo? expliquei que poderíamos ver a cidade juntos também, se isso não as incomodasse... no guarda-volumes (que fica na rua atrás da rodoviária antiga de petrópolis, ao lado de um boteco chamado “amarelinho”) duas cenas engraçadas. primeiro, um gordão que trabalhava lá tentando explicar pra elas onde ficava o banco do brasil. brasileiro acha que um gringo vai entender português se falar abrindo bem a boca e fazendo gestos bem exagerados. elas prestavam bem atenção enquanto ele dizia, falando bem alto, lentamente, abrindo a boa pra cacete, e mexendo bem os braços:

 

- tu segue nessa calçada colada na parede, daí tu vira pra direita e vai toda a vida, toda a vida, to-da-a-vida em frente que tu vai ver na direita a placa: banco do brasil! ban-co-do-bra-sil! sacou?

 

as três olharam pra mim de olhos arregalados depois, e uma soltou, timidamente:

 

i don´t understand...

 

quando saímos dali deu pra ouvir o gordão gritando pra outro funcionário local:

 

- caraca mermão, olha o peso da mochila da baixinha, aquela baixinha é forte pra cacete!

 

é incrível como as pessoas ignoram que uma boa cargueira joga todo o peso pra bacia...

 

guiei-as primeiro ao banco do brasil, e, como lá, as máquinas não aceitavam visa, rumamos ao hsbc. na saída do hsbc a inquieta judith já estava na rua com a página do seu lonely planet aberta procurando encontrar-se no mapa quando uma moça ofereceu-nos ajuda. explicou-nos onde ficava o museu imperial e recomendou-nos ir também à catedral.

 

o museu imperial vale ser visitado. muito bem montado, dá uma boa visão do cotidiano da família real brasileira no segundo reinado. e vale também pela visão das coroas, das jóias, mobiliários... claro que tentar patinar com aquelas pantufas é uma tentação e tomamos bronca por tentar uma corridinha escorregando...

 

visitamos a catedral, e depois rumamos à casa do santos dumont. já estávamos filosofando sobre o brasil, a proclamação da república, os pobres tucanos que tiveram as penas do papo arrancadas para o manto imperial, etc.

 

adoraram a casa do santos dumont. aquelas escadas são interessantes, e elas divertiram-se ao saber que, além do avião, ele inventou pra si um chuveiro quente e também o relógio de pulso... he was a freak, como disse judith diante do jirau onde ele dormia...

 

tagarelamos na volta, entre a casa do santos dumont e o palácio de cristal, e, dalí, em retorno ao guarda-volumes. a tarde já se ía, com longas conversas sobre expressões em português ou inglês, sobre o gaélico, sobre leprechauns e sacis (ahá, eu aprendi a pronunciar “leprechaun”, e não é “le-pre-xáun” como costumamos dizer...)

 

as três se mataram de rir ao ouvir a minha explicação sobre a diferença entre o sotaque americano e o britânico: americanos falam com um capim no canto da boca, ingleses com uma batata... depois uma delas perguntou seriamente se eu achava que ela falava com uma batata na boca...

 

numa frutaria perto da rodoviária antiga elas fuçaram as frutas, sendo compradas uma manga, uma fruta do conde, uma caixa de figos e duas carambolas. estavam extasiadas com as frutas, sendo que uma delas descobriu apenas após o segundo figo ingerido que não precisava comê-lo inteiro, inclusive o cabo...

 

no bumba até a rodoviária me fizeram explicar a diferença de pronúncia dos diversos ch ou rr do hebraico ou o porquê de são paulo ter uma das maiores concentrações de japoneses fora do japão, no mundo, entre outras trivialidades. na rodoviária pegamos um ônibus que nos levou ao rio de janeiro, mas não sem antes elas exprimentarem o sugar-cane juice, o nosso caldo de cana.

 

despedi-me das três fadinhas irlandesas e peguei meu ônibus pra são paulo.

 

 

THE TRIP TAKES US

 

eu saí de são paulo pra fazer uma coisa e fiz outra. algumas (muitas!) coisas eu tirei desses 3 dias:

 

- eu preciso baixar o peso que carrego. vou repensar o uso daquele confortável mas pesado isolante inflável. a mochila teve um pequeno rasgo, mas no ônibus, no trajeto sp-petrô. fora isso, revelou-se fenomenal: é uma mont blanc alpinist 60. confortabilíssima. mesmo começando a trilha com o rasgo, e sendo arrastada por galhos, pedras, etc, o rasgo não aumentou de tamanho. decididamente, nem tudo precisa ser de cordura. mas tem que ser resistente. mas preciso baixar o peso do equipamento mais essencial: o corpo.

 

- arrumar a mochila adequadamente é preciso, sempre.

 

- a manaslu discovery light se mostrou uma excelente barraca. mesmo mal ancorada resistiu a ventos rodopiantes, rajadas repentinas, e etc. e olha que eu nem ancorei os 8 pontos normais, o que dirá os sobressalentes...

 

- não adianta levar coisas pra comer enquanto se anda e deixar no bolso da mochila.

 

- sachezinho de nescafé e leite condensado em bisnaga. mistura boa, nem precisa tacar açúcar...

 

- sempre vale à pena explorar um caminho menos trilhados pelos outros.

 

- o bastão de carbono da azteq resistiu bravamente. tá todo arranhando, rolou comigo ribanceira abaixo. agora, a sua ponteira de borracha... furou e está uns 2 cm acima de onde deveria...

 

- albergues são um bom lugar para arranjar companhia pros passeios. e não se deve ter vergonha de tentar falar em inglês. os gringos sabem que nós não falamos inglês...

 

- mochileiros são mochileiros. a sub-espécie humana que é o futuro da espécie.

 

- a serra dos órgãos continua lá. ela que me aguarde....

 

- trekking solo não é ruim não... o problema é o peso. pois em dois pode-se dividir barraca, fogareiro, panela.

 

- light and fast é pra quem pode. por enquanto eu tô mais pra slow & heavy.

  • 3 semanas depois...
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  • Membros de Honra
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Brother,

 

EXCELENTE relato!

 

tô mto a fim de fazer o trekking na Serra dos Órgãos, ainda não fui em razão dos dias de folga da minha namor...

 

mandou bem mesmo no relato, parabéns!

 

tomara que mais brazucas dêem uma olhada e vejam nossas maravilhas aqui tb...

 

abraços,

Taka

  • Membros
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Olá brow... Eu sou novo aqui e li não só seu relato como todo o tópico sobre a travessia Petropólis-Teresópolis e tô muito encucado com algumas coisas pois estou querendo muito fazer a travessia então vamos lá:

 

1. Uma Deuter ACT Lite 40+10 seria uma boa escolha de mochila para esta travessia?

 

2. Botas são necessárias ? Ou um bom tênis timberland resolve?

 

3. Você levou roupas de frio ? Que tipo ? Aliás qual exatamente foi o seu uso das roupas? Incluindo luvas, meias, etc.

 

4. Minha barraca pesa em média 3.8 Kg. Você acha muito pesada pra este tipo de travessia? É uma Lafuma Summertime 2/3.

 

5. Você acha que uma pessoa que só fez a trilha Vila do Abraão - Dois Rios - Caxadaço - Vila do Abraão, totalizando 22 Km aprox. em 9 horas estaria preparado pra esta travessia ?

  • Membros de Honra
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Sosa, em que época está pensando em ir?

 

Eu e minha namorada temos vontade de fazer, mas nosso problema agora é tempo porque o ideal é num feriado de 04 dias...

 

mas vi que tb pretende fazer algo meio rápido (ou me equivoquei?), aí de repente rola de eu ir tb...

 

abraços

  • Membros
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Olá André,

 

Claro !!! Estamos marcando de ir ou no fim de agosto ou no feríado de 7 de setembro. Provavelmente em setembro seja o mais indicado. Nunca fiz esta travessia então devemos contratar um guia. Até agora somos 3 pessoas e se voces forem seremos 5. A idéia é ir de ônibus mesmo (bem mais prático que ir de carro neste caso) e fazer a trilha em 3 dias mas com 4 dias se a gente não aguentar o ritmo. Vamos trocando uma idéia até lá. Outra idéia que tenho é de fazer uma preparação no mês de Agosto aqui no Rio mesmo nos picos conhecidos.

  • Membros de Honra
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sosa,

 

vamos lá. passando infos a partir do que percebi, embora, conforme o relato, eu não tenha feito a travessia. fiz outro passeio. mas conversando bastante com gente q tava fazendo a travessia pela segunda, terceira vez, e guias, e etc.

 

1. preparo físico. sem muito preparo, 3 dias. sedentários. 4. 2 e mesmo 1 dia pra ultra preparados, sistema fast an light.

 

2. peso. quanto mais dias, mais comida. comida pesa. seria bom reduzir o peso em outras áreas. se sua barraca vai ser usada por mais de uma pessoa, divida o peso. um carrega as armações, outro o teto, e assim vai.

 

3. calçados. vi gente fazendo a travessia até de all star. mas o calçado depende do preparo físico e das condições de tempo. o terreno é ruim. índio faz aquilo descalço, eu faria de novo com minha bota pesada. minha bota agarra bem no chão, e é impermeável. lá pode haver repentinas mudanças de tempo, e a última coisa que eu quero é pé molhado.

 

4. agasalho. levei roupa um pouco em excesso, numa próxima vez, além da roupa do corpo, um fleece, luvas, gorro, e meias grossas. frio à noite se passa dentro do saco de dormir... e claro, capa de chuva.

 

5. mochila. será que com 40+10 vc leva a tralha toda mais comida? eu não consigo. leve comida pra 4 dias.

 

6. guia. luciano lopes, o mateiro, é bem conceituado. é o cara com quem conversei na pedra do queijo. www.travessiamateiro.v10.com.br - eu não contrataria pq prefiro fazer sozinho, sem guia - metade do meu prazer é achar o caminho. mas isso vai de gosto. mas ele sempre tem grupos montados, então acho q pode se encaixar em algum grupo.

 

7. essa travessia q vc fez não conheço. não tenho como te dar um parâmetro do teu preparo. mas dá pra fazer. o psicológico é o principal. em qualquer atividade de longa duração, é o principal, sempre. tem neguim q é medrosão, e desmonta o psicológico fácil, fácil.

 

8. bastão de caminhada. necessário. pode fazer como dois que vi por lá, usavam cabos de vassoura como bastão. o bastão permite vc distribuir o peso e ter um terceiro apoio, quebra um galho danado. essa não é uma caminhada na praia, tem trechos de "escacalaminhada".

 

9. fogareiro de preferência com o cartucho tekgás, que é melhor pra frio. vc pode pegar uma noite bem fria por lá.

 

naum sei se ajudei, mas posta aí q se eu consigo entrar no site, eu respondo! hehehe

  • Membros de Honra
Postado

hehe, não fica triste não Ogum, eu tb li tudo viu? hehe

Gostei especialmente da parte das "fadas"! rs... mas tá faltando as fotos, senão fica parecendo história de pescador, ops, de mochileiro! :-)

 

Sosa, eu acho que mochila de 50lts é pequena. Fui com 2 amigos ano passado e a menor era a minha (75lts), mesmo dividindo os materiais entre todas as mochilas (inclusive uma de 90l) tivemos que pensar muito bem no que levaríamos.

 

É uma trilha que não pode ser considerada leve ou mesmo moderada, porque tem muito desnível e o peso da mochila faz muita diferença. Eu recomendaria ir de bota, pq aguenta mais o tranco e principalmente dá um reforço nos tornozelos. Se for impermeável, melhor ainda.

 

Em tempo: nunca passei tanto frio na vida! E olha que eu já acampei em muita montanha por aí, peguei geada brava em Itatitiaia e dormi no chão da Casa de Pedra no Pico da Bandeira... e na Travessia eu estava bem preparado, com underwear, fleeces, e tudo mais. Fez frio pra caramba!!! Tava mais frio no Abrigo 4 que no Açu. Foi ruim até pra ferver a água pro rango.

 

Dizem que o Mateiro é um excelente guia, e eu não recomendo de forma alguma fazer a trilha sem alguem que a conheça bem, seja ele um amigo ou um guia.

 

O resto das informações vc encontra nos tópicos já abertos sobre a Travessia!

 

Abs e boa sorte!

  • Membros de Honra
Postado

samuel, não foi vc q fez um videozinho há algum tempo?

 

cê tava com problema com o fogareiro? q gás tavam usando? vcs aqueceram o cartucho de gás?

 

e cara, 90 lts eu não aguento não... heheheh, vou fazer meu equipo ficar mais leve, pq naquele sobe e desce o joelho vai pro espaço facilmente.

 

as fotos eu posto amanhã, com calma, de casa. as fadinhas são apenas isso, fadinhas, não vai ficando muito entusiasmado não... heheheheh

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