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  1. A Caranga velha cruzou a cidade do Rio de Janeiro em direção à Barra da Tijuca, mas no caminho, desviou seu rumo em direção à PEDRA BONITA, subindo uma estradinha estreita e pouco antes de chegar na rampa de voo livre, estacionou em um lugar qualquer, que passados quase 25 anos, nem me lembro mais. Eram anos difíceis e jovens ainda, sem grana no bolso, viajávamos com o mínimo do mínimo, não tínhamos recursos para pagar camping ou qualquer outra hospedagem, não tínhamos barracas e nossa casa de dormir se resumia a um plástico de colchão, que ancorávamos em um pé de pau qualquer. Nosso fogareiro era uma lata de sardinha vazia, donde a gente abastecia com álcool e foi com esses apetrechos que acampamos ali no alto da Pedra, numa noite nevoenta, num frio de lascar, um acampamento miserável, mas era o que tínhamos, era o que podíamos tirar da vida naquele momento. Da Pedra Bonita, partimos numa trilha meio intuitiva, que achamos que poderia nos levar até a Pedra da Gávea e sem saber nem qual era o caminho, ascendemos ao cume, mas com o tempo ruim, não conseguimos enxergar um palmo à frente do nariz. Eu nunca fui um escalador, na verdade, nunca fui um escalador que prestasse, não por falta de habilidades técnicas, mas por falta de dedicação ao esporte, muito porque, escalar requer aprimoramento, treinamento, reciclagem e minha paixão pelas caminhadas, montanhismo e outros vários esportes de aventuras, não me deixa focar numa coisa só, então costumo dizer que sou apenas um bom carregador de cordas e mesmo assim, mesmo eu me colocando como um mero coadjuvante , sou obrigado a ficar ouvindo bobagens e cagações de regras de quem parece não compreender minha posição no esporte e não adianta o que eu diga, basta escrever um relato contando nossa aventuras nas grandes escaladas pelo Brasil, que já aparecem gente de tudo quanto é lugar para apontar o dedo, caçando falhas que nem existem, quase sempre, por quem não faz a metade que nós. Fazia um ano que eu não escalava e a última vez que me vi enfiado numa enrascada, foi justamente na epopeia do PICO MAIOR DE NOVA FRIBURGO-RJ, um demônio de uma parede de quase 700 metros, que nos tomou quase 2 dias, subindo com uma cargueira nas costas e tendo que acampar sentado dentro de uma fenda em pleno inverno, numa escalada exposta e por isso mesmo, eu fiz o Alexandre Alves me prometer que nunca mais me chamaria para essas escaladas no Rio de Janeiro, lugar de gente insana e sem amor à vida( rsrsrsrsrsr) - Divanei, deixa eu te falar, fechou escalar a Pedra da Gávea no domingo? - Como assim Alexandre? Eu te falei que sonhava um dia escalar aquela pedra, mas não assim, do nada, sem treinar, totalmente desatualizado, cara, nem sei se eu dou conta da empreitada. - Então Diva, não aceito um NÃO como resposta, saímos no sábado à noite de Campinas no ônibus das 22 horas, chegamos no Rio de manhã, escalamos e voltamos no mesmo dia, vai arregar? Uma logística de merda, como todas as outras, com quase 8 horas de viagem, mas é aquela oportunidade única, que talvez a gente não tenha outra, então toquei logo o foda-se e fui viver mais uma aventura com um amigo do qual eu já estava acostumado a me meter em encrencas. Ainda meio sonolentos, somos deixados pelo ônibus, que beira a clandestinidade, junto à praia de Botafogo, quase aos pés do Pão de Açúcar. E como é linda essa cidade, ultima capital do império brasileiro, ainda faz jus ao nome de cidade maravilhosa. Tomamos café reforçado numa padaria e quando nosso Uber chegou, rumamos para a Pedra da Gávea, admirando toda a paisagem, que tinha como cenário ao nosso lado o famoso Morro do Corcovado, pontuado com a estátua famosa do Cristo Redentor. Logo a própria Gávea nos aparece no radar, assombrando tudo ao nosso redor. Chegamos muito cedo na portaria do Parque Nacional da Tijuca, uma entrada pequena e malcuidada, se levarmos em conta a grandiosidade da atração natural que se esconde depois dela. Mas isso pouco importa e quando o relógio marcou 8 horas em ponto, anotamos nossos nomes numa planilha e sem nos perguntarem nada, sem que precisássemos dar satisfação do que iríamos fazer, entramos com nossos equipamentos de escalada pendurados ao corpo e nos pomos a caminhar. No começo nem é trilha e sim um calçamento, mas logo o caminho se estreita e vai subindo em ziguezagues, passa por uma saidinha que leva a uma cachoeira, do qual vamos ignorar e continuar à esquerda. No caminho ultrapassamos um grupo que provavelmente usou alguma entrada clandestina vindo sei lá de onde, assim como alguns grupos que estavam descendo depois de acampar no cume, proibido obviamente. Quarenta minutos de caminhada desde a portaria, nos deparamos com um lance de via ferrata, que são lances preparados com uma corrente e alguns vergalhões de ferro tipo um estribo, mas é uma laje tão ridícula, que eu simplesmente subi usando a aderência do meu tênis. Essa via ferrata já nos leva direto para a PEDRA DO NAVIO, uma bonita formação rochosa que forma uma espécie de abrigo natural e a sequência do caminho é justamente passando por baixo desse abrigo, que vai nos jogar direto para um leito de um córrego que faz a gente titubear um pouco, sem saber para onde ir. Nesse lance, falta uma placa, uma indicação para onde seguir e a tendência é ir subindo escalando as pedras, mas logo quando se chega ao alto, conseguimos perceber que o caminho é subindo pela esquerda, abandonando o leito do córrego e passando para o outro lado, mas antes, não faça como a gente, abasteça seu cantil, porque essa parece ser a última água disponível até o cume. Voltando à trilha, logo nos deparamos com uma passagem em um pequeno vale, nada de mais , mas a turistada costuma enroscar ali e 01:15 minutos de caminhada, já chegamos na PRAÇA, que não passa de uma área aberta, onde várias trilhas se encontram, um bom lugar para uma parada mais demorada, mas nós passamos reto, ou melhor, chegando nesse descampado, viramos à direita e agora vamos subir para valer até nos depararmos com a silhueta gigante da CABEÇA DO IMPERADOR, a própria face da Gávea, onde logo mais pretendemos estar escalando. Dez ou quinze minutos adiantando passo, já nos aproximamos da famosa CARRASQUEIRA ( dela falamos na volta), mas uns 50 metros antes de lá chegar, várias trilhinha se bifurcam, mas quase todas vão sair no mesmo lugar e nós pegamos uma subindo à esquerda que em pouco mais de um minuto, nos leva direto para a grande parede da Pedra da Gávea, bem onde começa nossa via de escalada, fim da linha para a gente, pelo menos caminhando, agora é hora de desgrudar do chão, porque a aventura está posta à mesa. A PASSAGEM DOS OLHOS, é considerada por muitos, a clássica das clássicas do Rio de Janeiro, não é uma via com um grau elevado (4° IV C E2 D2 145 m), mas por ser na sua grande parte, uma travessia na horizontal, o que não é tão comum, isso causa uma grande exposição, que nesse caso não poupa nem o escalador que vai guiando e muito menos o “segui”, é uma escalada bem democrática, se fode todo mundo. Enquanto o Alexandre vai desenrolando a corda, já localizo, uns 4 metros acima da nossa cabeça, uma chapeleta, a primeira dessa via. Ao nosso redor a paisagem já é grandiosa e é possível deslumbrar tanto com as paisagens em direção ao centro, com os morros DOIS IRMÃOS, o Corcovado e também a Barra da Tijuca e seus quilômetros de praias. Mas apressamos os movimentos e fomos nos clipando, agora com o olhar atento de uma multidão que se aglomera na Carrasqueira e por sermos os únicos a estar ali para subir escalando, viramos a atração do lugar. Essa primeira enfiada (lance) e serão no total cinco, é a única que será escalada na vertical. O Alexandre calça a sapatilha, eu instalo o freio ATC e quando estamos prontos, nos cumprimentamos, como a desejar boa sorte na escalada e o Alexandre desgruda do chão e parte para cima, hora de nos concentrarmos porque agora é valendo. Como eu disse, são uns 4 metros até atingir a primeira chapeleta e como é um lance um pouco exposto, fico atento caso aconteça uma queda. Olhando de baixo parece bem fácil, mas é um lance esquisito, demora até que o Alexandre faça a leitura correta e consiga achar uma mão boa, para aí sim, se segurar firme e dar o bote final até poder passar a corda com as costuras e se pôr em posição de segurança. Para o Alexandre, que é um exímio escalador, alcançar essa primeira chapeleta é brincadeira de criança, mas achei ele um pouco inseguro, talvez estivesse cansado por causa da trilha. Ele parou lá e ficou analisando a sequência consultando o croqui, ameaçava ir, mas não ia, tentava sair da rocha, mas não avançava. Enquanto isso, eu lá de baixo analisava seus movimentos, atento para os seus próximos passos, dava palpites, pedindo para que ele tentasse pegar em oposição ao diedro ( parte côncava da rocha ou parede de escalada, semelhante em formato à uma fenda, porém de maior dimensão, em ângulo ele é formado pelo encontro de duas Rochas sendo seu inverso a aresta), uma espécie de pedra com uma grande borda encima da parede, mas ele simplesmente parecia estar bloqueado, faltava-lhe energias, vibração para vencer a inércia. O certo é que o Alexandre sambou encima da pedra e não foi e perguntou se eu não queria tentar. Claro que a minha resposta foi um grande e redondo NÃO. Imagina, eu já estava há um ano sem escalar e é claro que não ia me meter a guiar, ainda mais no Rio de Janeiro. O Alexandre não se abalou com a minha resposta, porque já era mais que esperada, então ele pediu para descer e aí eu comecei a ficar desconfiado. Ao chegar de volta ao chão, a primeira coisa que ele fez foi retirar a sapatilha. Eu não estava entendendo nada, ainda mais por ser aquela enfiada toda até a próxima parada, algo tecnicamente fácil para escaladores do seu gabarito. - Divanei, tenta lá, tô um pouco cansado! Normalmente eu iria bater o pé, espernear, fazer beicinho e o Alexandre Iria dar o contragolpe, tentando me convencer a guiar e ficaríamos no lengalenga, mas dessa vez não retruquei, muito porque, o Alexandre iria acabar me persuadindo a guiar e para não ficar me desgastando logo no início, apenas retirei o freio da corda, entreguei a ele, passei a outra ponta da corda na cadeirinha e me entreguei a total resiliência, me grudando à rocha com a mesma alegria que um boi vai ao matadouro, pelo medo de não dar conta da empreitada. Cheguei à primeira chapeleta, analisei o croqui e já me desgrudei imediatamente da rocha e subi determinado a cumprir a parte que me cabia naquela escalada. Acima de mim, a monstruosidade de um ícone do montanhismo nacional. Agarrei no diedro e fui meio que em oposição, me elevando aos poucos até atingir a outra chapeleta (peça metálica que vai presa ao grampo de expansão. Possui um orifício para engate de um mosquetão. Uma chapa (anel) de metal presa na rocha através de um pino de aço para proteção em uma via de escalada), passei a costura, a corda e me pus em segurança. Não sei, a partir dali eu estava muito confiante, seguro, decidido, dali para frente, fui ganhando lance a lance até que tive que parar na última chapeleta antes da parada, que é o local onde obrigatoriamente a gente tem que puxar o escalador que está nos dando a segurança lá embaixo. Não era um lance difícil, mas exposto. Uma passagem chata e perigosa caso acontecesse uma queda. Pedi para o Alexandre liberar um pouco de corda e me elevei, achei um bom lugar para apoiar o pé, mas cadê a coragem para me elevar mais um pouco e me desgrudar do meu porto seguro. Aí você fica ali, parado, tentando tomar coragem para sair do lugar e não toma, até que o pé começar a queimar dentro da sapatilha e sem tem mais nenhuma outra opção, grudei o corpo na rocha e joguei a mão numa aderência e me elevei lentamente, vagarosamente, torcendo para o atrito não me decepcionar, até que novamente me pus de pé, alcancei as duas chapeletas da parada, passei os dois mosquetões, fechei e me clipei no mosquetão mãe com minha solteira, além de outros procedimentos de segurança. Montei o sistema de freios e fiz subir o Alexandre, que também deu uma enroscada no lance final, mas assim que chegou à parada (P1), tratou logo de assumir o comando da escalada, mas antes de seguirmos para próxima, fizemos uma pausa para apreciar a paisagem, afinal de contas, não é todo dia que se tem uma das paisagens mais bonitas à beira mar , do mundo , aos seus pés. A continuação agora é sempre na horizontal, mas primeiros temos que cruzar uma língua de mato, um capim alto, mas antes é preciso andar para a esquerda numa parte meio exposta, não que seja difícil, mas para quem vem de segundo é ainda pior do que para quem está guiado, porque se houver uma queda por descuido, o “segundo” vai fazer um pendulo monstro ao ser jogado no abismo. O Alexandre chegou na parada (p2) e me chamou. Depois que cruza o trecho de mato, é preciso descer um pouco e toda desescalada é vai ser sempre exposto , mas há boas mão e pés, então com de atenção, me juntei a ele e agora estaremos bem nos rosto da pedra, na cara do imperador. O seguimento partindo da P2, sempre na horizontal, vai começar a dobrar a esquina e o cenário vai ficando cada vez mais grandioso, com o Morro Dois Irmão na nossa mira. Há alguns lances um pouco chatos e no meio do caminho passamos por uma plaquinha comemorativa e quando a gente alcança a (p3), estamos bem embaixo do OLHO ESQUERDO da pedra. Há uma linha que talvez de para ir até dentro da cavidade, mas nós preferimos optar por descansar na próxima parada, onde é muito mais confortável. A saída da p3 para a p4 para quem está fazendo o segui é um terror, caso a pessoa seja como eu, com pernas mais curtas, é necessário desescalar, mas pra isso tem que tirar a costura e ficar livre, sem nenhuma proteção, tentando alcançar o pé mais abaixo, praticamente sem mão nenhuma. Eu suei nesse lance, passei um bom veneno, daqueles que a gente não gosta de passar, mas essa enfiada é sem dúvida uma das mais bonitas e quando o Alexandre dobrou mais uma esquina de pedra, fui obrigado a pedir que ele estacionasse por um tempo até eu sacar minha câmera da mochila e tirasse uma foto sensacional, com a PRAIA DE SÃO CONRRADO aos nossos pés. A quarta parada (p4) é simplesmente extraordinária porque fica dentro do OLHO DIREITO, uma cavidade que daria até para montar uma barraca nela de tão grande. Ali há outra placa comemorativa e como estávamos com tempo de sobra, resolvemos fazer uma longa pausa para apreciar a paisagem e fazer um bom lanche. E olha só onde viemos parar, o tempo está perfeito e a gente pendurado centenas de metros do chão, dentro de uma cavidade rochosa cercada de mistério, talvez a pedra que carregue o maior número de histórias místicas em todo pais, que passa por visitas dos povos Fenícios, até entrada misteriosa para outras civilizações que habitam as entranhas da Terra. Inclusive, a própria face da Pedra da Gávea, o rosto do Imperador, teria sido escavada por esses povos, mas é fácil notar que isso não passa de uma grande idiotice, um monte de bobagem mística que já foi desmentida veementemente pela ciência, mas qualquer tolo, com um mínimo de discernimento já nota que aquela cavidade, que nos encontramos agora, foi esculpida pelos elementos naturais, como a água, o vento, a umidade e outras intempéries. Para voltar à escalada, agora temos que atingir o CABO DE AÇO que está mais abaixo da gente, na verdade, se quiséssemos, nem tem teríamos subido até o olho e já teríamos nos conectado ao cabo, mas agora teremos que fazer um pequeno rapel de uns 3 ou 4 metros até a parada mais abaixo e o Alexandre nem perde muito tempo, já instala os equipamentos e faz a descida e vou logo atrás. Estando os dois na parada, que antecede o lance do cabo de aço, na verdade no início deles, é preciso que se defina claramente tudo que vai rolar dali para a frente, porque uma vez que se faça a curva em mais uma esquina da rocha, é IMPOSSÍVEL qualquer comunicação. Há opção de fazer uma parada antes da virada, mas como não havia vento algum, decidimos que o Alexandre tocaria até o final, mas mesmo assim quase deu ruim. O Alexandre fez a curva e sumiu da minha visão e por mais que eu gritasse com todas as forças do meu pulmão, nada dele me ouvir e acabei ficando vendido, sem saber se ele já havia chegado ou não na parada (P5). Se passaram “três dias” até que percebi que a corda havia acabado, então entendi que ele já havia chegado e que eu poderia começar a escalar. Agora a escalada muda de figura e ainda na corda com proteção, teremos que usar duas solteiras ou dois rabos de vaca, que na verdade, são duas fitas grudadas na cadeirinha, com um mosquetão em cada ponta. Os dois mosquetões são clicados ao cabo de aço na horizontal e aí vamos progredindo segurando com as duas mãos no cabo e com os pés apoiados na parede, caminhando de lado. É um esforço descomunal porque é preciso quase que aguentar todo seu peso na força dos braços e quando um cabo de aço é interrompido por uma proteção que o fixa a parede, é preciso se segurar com uma só mão, abrir um dos mosquetões e passar para o outro lado, depois abrir o outro e fazer o mesmo processo até poder continuar caminhando com os pés na parede. Mas, para piorar, esse cabo de aço chega uma hora que ele começa a descer e aí desgraça de vez, porque a força nos braços dobra de intensidade e por vezes acontece dos 2 mosquetões acabar por atropelar a sua mão, quase esmagando seus dedos no cabo ou nas junções. Antes de virmos ao Rio, a gente viu a informação de que as associações de montanha estavam se programando par trocar os cabos da Gávea e até aconselhavam a não fazer mais essa travessia enquanto isso não fosse feito, por isso mesmo é que não abandonamos a proteção das cordas em tempo algum e ao passarmos por uma emenda dos cabos, notamos que realmente o coisa está feia. Há um cabo que está bem rompido, todo desfiado e é questão de tempo para ele se quebrar de vez, inclusive há de se tomar muito cuidado para não machucar as mãos no cabo desfiado e uma luva seria mais do que recomendável. Quando o cabo acaba de descer, aí ele começa a subir sem dó e a gente não tem um só minuto de sossego e quando eu chego junto ao Alexandre na (P5), estou acabado, esbaforido, com os pulmões destroçados de tanto fazer força, mas aí já é o final, a escalada chega ao fim, mas a jornada ainda está longe de acabar. Portanto a escalada termina uns 30 metros abaixo da ORELHA DA PEDRA, uma gruta bem simpática, um abrigo perfeito para passar a noite caso fosse permitido, inclusive tem até uma água não muito confiável, mas que daria para usar numa emergência Passamos pela gruta e adentramos numa trilha que sai a esquerda dela. Logo a trilha, sempre subindo, acaba numa fenda, onde é preciso se enfiar dentro dela e ir ganhando terreno, quase uma escalada sem cordas que acaba por aterrorizar os turistas desacostumado com esse tipo de exposição. Acabado a fenda, voltamos para trilha que agora vai subir de vez, deixando atrás de nós uma paisagem grandiosa, daquelas que a gente não consegue parar de olhar. As trilhas vão se bifurcando, mas porco importa qual se pegue, todas vão levar a TRILHA PRINCIPAL, que vai de um lado ao outro do grande platô, mas esse não é o topo da Gávea. Na trilha principal, pegamos para a direita e vamos em direção as rochas empilhadas que marcam o cume da montanha. Uns cinco minutos de caminhada já nos levam a uma grande fenda, onde é preciso se pendurar numa corrente bem meia boca, que inclusive não chega ne até ao chão e é preciso pular, dificultando a vida da turistada que acaba ficando travada ali. Uma vez no fundo do vale , é preciso voltar a subir novamente e atingir um lance de pedras meio abuladas e um tanto lisas. E aí faço uma ressalva : Essa é uma montanha turística, onde em vários lugares colocaram proteções como correntes e degraus de vergalhões para facilitar a subida e proteger contra algum acidente, mas justamente no lugar onde deveriam ter feito isso, deixarão a desejar. Não que seja um lance tão difícil, mas com certeza é o lugar com mais potencial para um acidente, onde você não tem uma mão boa para se agarrar e tem que ariscar dar o bote numa rocha lisa e se escorregar a mão, vai ser lançado para trás e se machucar feio. O Alexandre já estava meio cansado e se recusava a subir aquele trecho, achou que era esforço desnecessário, já que nosso objetivo principal naquela montanha já havia sido concluído, mas eu fiz questão, lembrei de 1997 quando estive no cume e não vi exatamente nada, era uma questão de honra ascender ao cume, ainda mais com aquele tempo maravilhoso, então persuadi o Alexandre a me acompanhar. E realmente dei uma suada para encontrar um jeito de subir esse trecho final e acabei me jogando com corpo e tudo na pedra completamente molhada e quando subi, puxei o Alexandre. Contornamos mais uma grande rocha pela esquerda até atingirmos o que nos pareceu ser o cume, mas não era. Meia dúzia de pessoas estavam por ali, o que prova a dificuldade daquele lance, pois a turistada parece nem se importar em ir ao topo verdadeiro da montanha e ficam lá no platô, se contentam em tirar boas fotos para suas redes sociais. Mas nós não, temos que manter a nossa chama de montanhistas sempre acesa e dessa vez, não tive dúvidas, ao ver uma GRANDE ROCHA que marcava o ponto mais alto, me atirei pra cima dela, agarrei numa pequena fenda e escalei em aderência, puxei o Alexandre, até que finalmente nos vimos no CUME DA PEDRA DA GÁVEA (842 m) , o maior monólito a beira mar de todo o planeta, com uma das cidades mais bonitas de todo o mundo ao nossos pés, indescritível, fantástico, arrebatador. A vontade é morara ali , mas chega uma hora que é preciso descer ao mundo dos homens comuns, então botamos nossa mochilinha nas costas e partimos e se é uma merda subir aquele lance mequetrefe antes do cume, descer não é melhor, mas dessa vez pegamos nossas fitas longas e nos protegemos , subimos o lance da corrente e andamos pela trilha principal até interceptarmos a trilha de descida, só que agora do nosso lado direito. Poderíamos ir até o final daquele platô, no lugar onde os turistas adoram ficar, mas achamos que o dia já estava ganho, apenas despencamos trilha abaixo. A trilha vai contornando toda a pedra, que agora está a nossa direita, vai desembestando montanha a baixo até que somos obrigados a parar junto à uma multidão, que se acumula bem na descida da famosa CARRASQUEIRA. A Carrasqueira é um lance de uns 30 metros, não mais do que isso, uma descida um tanto exposta que faz o terror da galera que sobe a Gávea, mas que não tem nada de mais, porque é possível descer ou subir se valendo de grandes fendas, fissuras largas na rocha onde a pessoa vai quase que andando por dentro delas. Mas por que há inúmeros acidentes nesse trecho ? A resposta é bem simples, não é a montanha, são as pessoas, o tipo de gente que resolve subir ali, gente que nunca subiu nem num pé de goiaba na vida, gente que jamais pulou um muro se quer, pessoas totalmente desacostumadas com ambientes naturais, que do nada resolve que vai subir a Gávea sem levar uma mísera cordinha que lhe de ao menos uma segurança psicológica, aí no meio da subida, passa mal com um pouco de altura, cai e acaba levando outros tantos que estão subindo ou descendo juntos, fazendo um efeito de boliche. E afirmo aqui, não há nenhum segredo par se passar por esse trecho se a pessoa já está acostumada com escalaminhadas e nem de corda precisa, mas se a pessoas não tem experiência nenhuma , melhor contratar um guia ou simplesmente levar uma grana para descer ou subir na corda de alguns guias que ficam estacionados ali para fazer esse servido e cobram uns 20 reais para subir ou para descer ou ao menos que vá com alguém mais descolado que possa subir com uma cordinha de 30 metros e fixar para o grupo. Quando chegamos no lance da carrasqueira tinha uma multidão descendo, então o Alexandre achou melhor botar nossa corda para poder escapar da multidão, sair da linha humana, que faz parecer aqueles garimpeiros descendo nas minas da Serra Pelada na década de 80. Mas nossa corda estava toda embolada e quando terminamos de desenrolar, a fila já tinha acabado, mesmo assim tocamos para baixo pendurados nela e em um minuto nos livramos desse lance e metemos marcha, a fim de terminar a caminhada antes das 17 horas. Engraçado, em todo o percurso, fomos passando por muitos grupos e quase todos acabaram nos reconhecendo, pois é, nem sabíamos que éramos tão famosos no Rio de Janeiro, muito pelos relatos de aventuras e vídeos de escaladas memoráveis no Estado, mas não podemos deixar de citar: Esses cariocas são muito gente boa, um povo que sabem mesmo aproveitar a vida e de uma coisa eu não posso reclamar, todas as vezes que estivemos no Rio, fomos sempre muito bem tratados pelos nativos. Às 16:30 tropeçamos de volta na portaria do Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Nos despedimos dos nossos amigos cariocas e encostamos mais abaixo para beber um refrigerante gelado e degustar uma boa coxinha, até que o nosso Uber viesse nos buscar para nos levar para a rodoviário do Rio, onde tivemos tempo de jantar tranquilamente até pegarmos nosso ônibus às nove da noite, para os confins do interior Paulista, chegando pouco antes do sol nascer. E essa foi mais uma aventura alucinante, daquelas para entrar na galeria de feitos sensacionais, não pela dificuldade da empreitada, mas pela disposição de tomar decisões rápidas, não deixar passar a oportunidade que a vida nos ofereceu, agarrar firme as chances de fazer história, não a história da escalada, mas a nossa história como escaladores e mesmo que não sejamos lá grande coisa, as simples lembranças desse dia passados em um dos ícones do montanhismo nacional, já nos basta , é mais um lindo capitulo para acrescentarmos no livro da vida. Divanei Goes de Paula
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