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Namorar grandes Morros, Pedras, Picos e seus cumes é algo normal para quem se identifica com esportes ao ar livre. Cada qual em sua modalidade acredita saber o quanto lhe faz bem a prática frequente da atividade que gosta. Onde a paz de espírito é alcançada quando lhes vem aos olhos novidades que os fazem se sentir bem consigo mesmo. E, particularmente, é em cima desses pensamentos que venho mantendo minhas raízes fixas e fortes no mundo do trekking (creio que com meus companheiros não é diferente). Não para me adequar aos padrões de federações, grupos e blogs de renome, ou coisas do tipo. Buscar pela novidade é algo que venho executando há algum tempo com o único e exclusivo intuito: SUPERAR EU MESMO. Já fazia algum tempo que eu vinha almejando o cume do Pico São Sebastião - ponto mais alto de Ilhabela, com seus 1.375 metros de altitude. Junto a vontade de alcançar tal objetivo estava a intenção de ascender o Pico Baepi (1.048 mts), o famosinho que guarda as portas de entrada da cadeia montanhosa do arquipélago. Quem chega na ilha, mesmo sem saber quem é ele, logo o identifica quando sai do continente. Mas, nesta ocasião, o anfitrião ficou em segundo plano. A gana era Um pouquinho maior rumo ao "teto." Chegamos em Ilhabela (Adilson Silva, Rafael S. Lima, Silvester Natan e Eu) às 8h30 da manhã do sábado, 11 de Junho de 2017, e fomos caçar algo para acalmar as lombrigas que já estavam alvoroçadas. Paramos no supermercado mais próximo da balsa, escolhemos alguns comes e bebes para acrescentar nosso menu, tomamos o café da manhã e partimos rumo ao início de nosso martírio. Tocamos para o sul da Ilha, e um pouco perto da praia da feiticeira saímos da via principal para adentrar um condomínio residencial onde tive que "jogar um verde" no porteiro que abre a cancela, dizendo que estaríamos indo visitar as cachoeiras. Não sei como não houve suspeitas. Pois eramos quatro marmanjos vestindo as mais espessas roupas de frio, usando toucas, e querendo visitar quedas d'água àquela hora da manhã. rs. Estacionei o carro no final da estrada/início da trilha, arrumamos nossas cargueiras e começamos a pernada. Com menos de 250 metros de caminhada já estávamos fotografando a primeira e única cachoeira que oferece uma piscina natural para banho, sendo a mais bela dentre as três pequenas quedas do conjunto que iríamos encontrar pelo caminho. No quesito beleza, a segunda cachoeira não agrada em hipótese alguma, não chega a medir 2 metros de altura, não possui poço nem para enfiar as mãos e coletar um gole d'água. Sendo assim, acaba deixando tal consideração para a próxima pancada d'água, que não oferece piscina para banho mas permite o desfrute de uma ducha de aproximadamente 6 metros direto na cachola. Até alí não foram nem 400 metros percorridos e tudo era passeio no parque - pique Turistão mesmo. Já estive ali outras vezes, e estava ciente de que até uma pessoa da terceira idade chega ali sem dificuldades, bastava meus amigos conhecerem. Quando viramos para esquerda após o terceiro tombo para ver o que nos aguardava..., nooossa... dava medo só de olhar a inclinação da trilha. Um forte aclive em meio a vegetação, característica de Mata Atlântica, repleta de raízes, troncos e árvores que iam servindo de agarras e/ou degraus conforme íamos subindo. Era como se estivéssemos rastejando em pé sob um esforço demasiado que fez um amiguinho do grupo colocar seu dejejum goela a fora. O que facilitou o nosso avanço nesse trecho foi ver que a trilha passou por uma recente manutenção e estava completamente roçada pelos moradores locais que captam água para abastecer o condomínio. Claro que não teríamos aquela "avenida" aberta por muito tempo! Uma hora iria se estreitar feito um corredor, e a mamata iria acabar. Os moradores não sairiam abrindo caminho até o topo para deixar tudo bonitinho para os caminhantes que por ali se aventuram. "Cada qual que lasque para melhorar aquilo que escolheu para ter como lazer." rs Após passarmos por um lindo mirante na cabeceira de uma cachoeira, ainda seguindo os canos de captação, um pouco desatentos, olhamos sem dar atenção para uma picada bem aberta que segue subindo para a esquerda e acabamos saindo fora do caminho que deveríamos seguir, mas acabamos encontrando um quinto e último ponto de água com fácil acesso para abastecer nossas garrafas. Voltamos ao caminho correto para enfrentarmos mais um lance de forte aclive, a partir dalí fomos obrigados a ligar o radar, limpar as narébas e farejar a trilha que sumia com frequência diante nossos pés. Mesmo com essa e outras adversidades pelo caminho fomos tocando em um ritmo de poucas pausas, na verdade quase nenhuma. A lentidão só começou dar as caras quando apareceu o primeiro obstáculo de respeito: um emaranhado de bambus que barrava nossa passagem e impossibilita qualquer tipo de contorno por ambos os lados. A única solução foi arrancar as mochilas das costas, tacar o peito no chão e rastejar feito lagarto sob o baixo túnel que os bambus ofereciam. Nessa hora a tensão despertou nossa atenção, pois seria fácil encontrar alguma cobra camuflada entre as folhagens no solo já que a região é cheia delas, e se isso acontecesse nosso final não seria dos melhores. O céu estava aberto com o sol à pino, ideal para esquentar o sangue dos répteis. A inclinação não dava trégua por um segundo se quer, e aliada com a Mata, que ora vinha fechada, ora se mostrava aberta, deixava a via dispersa complicando a navegação. Por conta de tanta luta entre a caminhada com pouco ganho de altitude, vendo o suor gotejar das barbas do Rafa, com duas horas de pernada em 2,5 km decidimos parar por uns minutos e descansar. Pois acreditávamos que alí seria a metade do caminho, e na parte restante teríamos dificuldades semelhantes com as que passamos até alí e gostaríamos o mesmo gasto de tempo para concluir a subida. Coitadinhos de nós, puro engano. rs Depois de mordiscar algumas frutas e tomar breves goles de água, sem deixar o sangue esfriar, já retomamos a peleja em um terreno que ficava cada vez mais íngreme, mais acidentado e com a Mata mais confusa. Só nos restava impor um ritmo favorável à situação para que não houvesse desgaste em demasia, tampouco paradas sucessivas. Com 1h20 após o descanso já chegamos na primeira área de acampamento sob uma grande rocha de corte diagonal onde é possível, com jeitinho, armar de 3 a 4 barracas para um pernoite. E olhando no GPS, sabendo o quanto faltava até o cume, nos precipitamos com duas observações: 1 - alí seria um ótimo lugar para passar a noite. Mas não compensaria por saber que existe outra área de acampamento mais a frente (mesmo sem saber sobre o espaço). 2 - com um curto trecho restante (+ou- 1,7 km), levaríamos pouco tempo para concluir a trilha. Estimamos 1 hora, mas não foi bem assim. O que aparentava ser breve de concluir, na verdade, foi nosso maior calvário. Tudo aquilo que deixamos para trás achando que era forte aclive se tornou quase um planalto se comparado ao que vinha surgindo aos nossos olhos, e para intensificar a brincadeira o obstáculo/bambuzal que tinha dado as caras apenas uma vez, decidiu marcar presença e mostrar que aquele era seu território. Era hora de comer bambu. Novos emaranhados de bambus entrelaçados escondiam o caminho e pelas laterais, onde fica mais espesso, não foi possível contornar. O que restou? - cair de cabeça mais uma vez nas grandes gaiolas para ver o quão complicado seria vencer tudo aquilo. Arrancamos as mochilas das costas mais uma vez e partimos para mais uma batalha com sessões de agachamento e rala peito. O mais alto que conseguimos avançar foi engatinhando feito vira-latas, e rolar para os lados se fez necessário para esquivar de bambus que tinham espinhos ferozes feito unhas de gato. O desgaste muscular era ferrenho, e uma nova pausa se fez necessária quando a cãibra começou a contorcer as pernas do Rafa enquanto estávamos engaiolados. E assim fomos conquistando nosso objetivo: ganhando arranhões pelo rosto, testa e pescoço, e sentindo o sangue e o suor escorrer pela pele. Quanto mais próximo do fim pensávamos estar, maior parecia o caminho, e quando pensávamos não existir mais inclinação, mais escalaminhadas eram expostas às nossas caras. Estava sendo UM VERDADEIRO TESTE DE RESISTÊNCIA física e psicológica que transformava o sofrimento em uma súplica que almejava o término de tudo aquilo. O único pensamento que ainda nos confortava um pouco era o de estarmos fazendo a subida sob a "baixa temperatura" de inverno, por que fazer uma subida dessa com as altas temperaturas que faz no verão seria como perambular pelo inferno. Graças à Deus por nenhum castigo dura para sempre, e entre magros e feridos conseguimos vencer aquela maldita vegetação. Ou melhor, achávamos que sim. Chegando no segundo acampamento, lugar que nos disseram restar 15 minutinhos de subida até o topo para aqueles que passam a noite alí, vimos que na realidade a subida perdura por mais 40 minutinhos (pelo menos para nós) numa vegetação mais dura e trabalhosa que as anteriores. Estávamos prestes a tirar a dúvida: o ponto mais alto de Ilhabela possui ou não possui amplo visual? A única referência que tínhamos quanto a isso era uma foto, tirada dois anos antes, na qual Vivi Mar (que muito nos ajudou com infos e tracklog) está sentada à beira de uma pedra de frente para o canal de São Sebastião. Ao chegarmos na parte alta do Pico, às 15h30, deixamos nossas mochilas na área de acampamento e fomos às pressas subir a rocha que detém o ponto culminante de todas as ilhas do Brasil, onde foi revelado aos nossos olhos um mirante ESPETACULAR com 360 graus de puro visual sobre a Ilha e toda a extensão da Serra do Mar Paulista, desde a Jureia - extremo sul do litoral, até os limites de Ubatuba com Parati, e se prolongando até a Ilha Grande/RJ. A euforia foi instantânea, pois, graças ao tempo de céu aberto conseguimos visualizar grande parte da Serra da Mantiqueira e, também, a Serra da Cantareira. Ao leste fazíamos reverências às ilhas em alto mar que nossos olhos alcançavam: Montão de Trigo, Búzios, Alcatrazes... Faltou ver a África rs. Aquele cenário estava fazendo valer todo e qualquer sofrimento que tivemos com o desnível acumulado e o bambuzal que cruzamos pelo caminho. Cada corte na pele, cada dor pelo corpo, o sangue e o suor derramado já não eram mais lembrados, apenas satisfação e alegria estavam estampados no rosto de cada um do grupo. E a sessão de privilégios estava apenas começando. Encantados com o lugar, ficamos presos ao cume até o pôr do sol chegar. E observa-lo fazendo seu espetáculo diário, se deitando por trás da Pedra da Boraceia e colorindo o céu de um tom alaranjado que puxa o crepúsculo e a escuridão da noite, foi gratificante demais. Antes de escurecer por completo descemos para armar nossas barracas e fazer o jantar. No decorrer desses afazeres, entre as copas das árvores, conseguimos ver a lua cheia numa coloração avermelhada surreal emergir do horizonte, e quando voltamos ao cume para observar o teto estrelado novamente fomos surpreendidos pela beleza das cidades locais iluminadas por uma infinidade de lâmpadas enquanto a lua dava seu show refletindo sua imagem no oceano. Passamos algumas horas lá em cima vivenciando cada minuto e tremendo de frio. Nosso gran finale ficou por conta de um bom vinho tinto suave e muitas risada entre amigos. No amanhecer fomos presenteados por um nascer do sol incrível, que banhou de luz os picos locais e os que tanto já palmilhamos no continente. Aquela manhã estava favorável para mais uma longa sessão de fotos. O que não deixou aflorar nenhuma vontade de desmontar acampamento e descer montanha abaixo. Nos prolongamos o quanto quisemos mas tínhamos que voltar à realidade, e, por pura coincidência ao dia anterior, às 9h30 batemos em retirada. Era certo que não iríamos gastar 6 horas para vencer o mesmo caminho (na descida todo santo ajuda). Tiramos o pé do freio e descemos em ritmo forte, e se não fosse pelos VÁRIOS PERDIDOS que a trilha nos dava quando sumia diante nossos narizes, teríamos gasto menos do que as 4 horas para finalizar a descida. E como estava cedo, ainda nos restou tempo para uns tibuns na Praia Grande de Ilhabela. Particularmente, sai de lá extasiado por ter vivido um episódio ímpar e tão completo num único lugar, onde eu só estava acostumado apenas com praias e cachoeiras. Sem sombra de dúvidas o Pico São Sebastião ofereceu o mais incrível mirante que meus olhos já viram! E tudo que foi me apresentando fez despertar minhas atenções aos demais picos da ilha. Os quais estão isolados, sabe-se lá quanto tempo, esperando que alguém lhes deem a honra, ou o desprazer de uma visita. Espero que nosso retorno não demore, pois preciso buscar meus pensamentos que ficaram aprisionados em cada cume da Ilha mais bela de SP. FIM.
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