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  1. TRAVESSIA PINDAMONHANGABA X CAMPOS DO JORDÃO Já passava das cinco da tarde, quando joguei minha mochila às costas e sai quase sorrateiramente sem que minha filha percebesse, provavelmente teria que escutar seu choro querendo ir junto, e eu teria o maior prazer em levá-la comigo, se tivesse mais idade. Quando desembarco em Campinas neste quinze de julho, apesar de não ser feriado, não encontro mais passagem para Pindamonhangaba, e nem para qualquer outra cidade do vale do Paraíba, a solução foi ir para capital, onde consegui com muito custo uma passagem até Taubaté. Já é meia noite quando finalmente o ônibus da Pássaro Marrom encosta na rodoviária nova da cidade de Taubaté . Desço do ônibus feito cachorro que acabou de cair da mudança, sem saber para onde ir, pois transporte para Pinda só ás cinco e meia da manhã. Resolvo achar um pulgueiro para dormir, coisa que fiz com extrema competência, pois lugar pior do que aquele em que eu dormi, duvido que exista. Depois de uma péssima noite de sono, lá estava eu, correndo feito um doido para chegar até o terminal tentando pegar o ônibus para Pindamonhangaba. Chegando à Pinda, o objetivo era encontrar com uns primos meus que estavam acampados no bairro de Ribeirão Grande, junto a uma fazenda que é a sede nacional da filosofia Hare Krishina. A nossa intenção era realizar uma travessia de montanha, que se iniciaria em um bairro chamado “Bairro do Pinga”, passaria pelo morro de mesmo nome, subiria até o pico do Itapeva, já em Campos do Jordão, e desceria a Serra da Mantiqueira até a fazenda Hare Krishina. Portanto as sete da manhã embarco no ônibus, que em pouco mais de 40 minutos me deixa a 2 km da fazenda Hare Krishina. Jogo a mochila nas costas e ponho-me a marchar neste trecho final. Logo alcanço duas pessoas com quem puxo conversa. Descubro que um deles pertence à fazenda Hare, e enquanto eu tento, sem sucesso, arrancar alguma informação que poderia me ser útil, o indivíduo cantarola um mantra, do qual não consigo entender nenhuma palavra. Finalmente depois de meia hora encontro com os meus primos, e sem perder muito tempo, arrumamos nossas mochilas para o início da travessia, ou melhor, eu arrumo a minha mochila, porque meu primo fez o favor de esquecer a dele, e eu tive que carregar a bagagem praticamente sozinho. Tudo certo e resolvido, a mulher do meu primo nos levou até o início da trilha, a uns 30 km da fazenda. Despedimo-nos dela e prometemos nos encontrar no dia seguinte, na própria fazenda. Nossa caminhada começa na estradinha rural, que vai adentrando o Vale do Pinga, cada vez mais encostando nos paredões gigantescos da Serra da Mantiqueira. Depois de alguns minutos, após cruzarmos um pequeno riacho, tropeçamos em uma porteira preta, que não estava prevista no roteiro. Voltamos um pouco para nos informarmos em uma casa próxima. As palavras da gentil moradora não foram muito animadoras. Ela nos disse, que a trilha que procurávamos, deixou de existir ha muito tempo. Por falta de uso, o mato tinha tomado de volta o que lhe pertencia, e a muito tempo ninguém conseguia fazer mais esta travessia, inclusive alguns escoteiros tentaram subir a montanha, mas não tinham alcançado nenhum sucesso. Alertou-nos ainda para tomarmos cuidado com as onças, que estavam atacando muito os animais da região. Quanto a isto não me preocupei, histórias de onças eu já ouvira em quase todos os lugares, essa era só mais uma. Mas o caso da trilha que desapareceu, isso sim me deixou preocupado. O roteiro que eu seguia, já tinha mais de dez anos e não era muito claro. Resolvemos arriscar, afinal de contas não tínhamos nada a perder, só a nos perder. Voltamos a porteira preta, e depois de uma análise, descobrimos que ela havia sido pintada, e que sua cor original era azul, justamente a porteira que constava em nosso mapa. A estradinha agora subia para valer e depois de passar por uma bica d’ água, entrou na mata, até finalmente terminar em uma porteira, e em mais cinco minutos de caminhada, chegamos a um degrau na montanha, onde pudemos ter a nossa primeira grande visão de todo o Vale do Paraíba e de todo o vale que havíamos bordejado. Aqui há uma casa, que foi reformada a pouco tempo, sua construção data da década de 50, e o proprietário, o sr Luís Reis, nos recebeu muito bem. Enquanto batíamos um bom papo, um esquilo exibido brincava em um mourão de cerca. O seu Luís também disse que alguns rapazes haviam passado por ali na semana passada portando um GPS, mas não conseguiram chegar a lugar algum. Contrariando mais uma vez os prognósticos negativos, seguimos nosso caminho. A pequena estrada, agora deu lugar a uma estreita trilha, que em mais alguns minutos nos levou a uma enorme casa de caboclos feita de madeira e barro. Esta construção muito antiga, hoje simboliza a decadência desta região. Nela mora apenas um indivíduo, que teima em tentar sobreviver neste pedaço de terra tão hostil. Aqui não há energia elétrica ou qualquer outro indício de progresso e até a casa não tarda em desmoronar. Continuamos subindo a trilha, até que depois de quinze minutos tropeçamos em duas casas em ruína. uma delas totalmente destruída e a outra ainda se segurava em pé, mas servia somente como moradia para dezenas de morcegos. Foi nesta decrépita habitação que recolhemos em um pequeno riacho a última água disponível que teríamos para o resto da travessia. Daqui para frente começava o nosso pesadelo. Procuramos, mas não encontramos trilha alguma que nos levasse ao alto da serra, como estava descrito no roteiro. Tentamos todas as direções, mas não obtivemos sucesso em nenhuma delas. Calculo que perdemos a trilha um pouco abaixo das casas em ruína. Resolvemos então enfrentar o mato no peito, guiando-nos apenas pela bússola. Prefiro subir por uma canaleta de água, aonde havia algumas bananeiras plantadas. O caminhar é lento e dificultoso, os cipós insistem em agarrar-se nas nossas mochilas. De repente ouço um barulho de algo correndo no mato. Meu primo mata logo a minha curiosidade, dá um pulo pra cima e grita: “É um tatu, um tatu galinha” . Eu não sabia que o cara era especialista em tatus. Finalmente emergimos da mata no topo desta serra. Que prazer estar aqui, sentir o vento no rosto e poder observar toda a beleza da Serra da Mantiqueira, com seus paredões gigantescos, seus vales profundos recobertos com a mais bela mata, que o olho de um ser humano pode apreciar.. Daqui já avistamos o Pico do Itapeva, que será alcançado só no dia seguinte. Também já avistamos daqui o Morro do Pinga, nosso próximo objetivo a ser alcançado. Depois de um bom descanso, retomamos a trilha que se metia no meio de enormes samambaias, na direção noroeste. Em alguns minutos a trilha simplesmente desapareceu e tivemos que seguir nossa intuição. Seguíamos bordejando o Vale do Bonfim a nossa direita e de repente estávamos travados em uma parede rochosa sem ter para onde ir, tentando adivinhar para que direção o diabo desta trilha havia seguido. Parados ali feito lagartixa na pedra, resolvemos tentar achar a trilha mais abaixo, mas para isso seria preciso tentar descer da parede. Foi quando meu primo com uma atitude totalmente desastrada e até meio irresponsável resolveu pular da pedra na vegetação logo abaixo. Resultado, o chão estava mais longe do que ele pensava, e o cara caiu feito uma jaca madura e por pouco não bateu a cabeça em uma enorme rocha que estava logo abaixo de nós. Passado o susto, descemos ao selado logo abaixo e reencontramos a trilha procurada. Estávamos agora com a encosta do Morro do Pinga subindo a nossa esquerda, mas nossa trilha não ia até o topo, continuava seguindo para nordeste até chegar de novo à floresta. Entramos na mata, mas sem nenhuma explicação, a trilha, que já não era clara, subitamente desapareceu. A incerteza começava a tomar conta de nós. Havíamos chegado até ali na raça, mas as coisas agora estavam muito complicadas. Tentei achar a trilha no meio da floresta, infelizmente sem sucesso. Saímos da mata para tentar achar outra solução, e depois de muito procurar achamos um rabo de trilha meio apagada. A trilha não era lá grande coisa, mas pelo menos serviu par nos dar alguma noção de direção. Tínhamos que tentar achar agora, uma cerca, que nos faria mudar radicalmente de direção. Claro que não encontramos cerca alguma, mas depois de meia hora de caminhada conseguimos localizar o tal selado que teríamos que atravessar. Chegando lá achei uma trilha mais nítida, que se iniciava depois de uma porteira de arame farpado. No começo a trilha até era bem aberta, mas depois de algum tempo, ela também desapareceu, e mais uma vez toca a gente ter que rasgar o mato no peito. Nesta briga incansável com a vegetação, acabei caindo em um buraco, que engoliu a minha perna, que acabei não quebrando por pura sorte. Logo a mata acabou e vimos surgir diante de nós, dois gigantescos vales, um a direita e outro a esquerda. O da esquerda nos deixava ver ao longe, algumas casinhas, que indicava ser ali o tal bairro de Piracuama(bairro das Oliveiras ?) descrito no nosso mapa, já o da direita, nos proporcionava uma linda visão de suas matas verdes e preservadas. Percebemos depois de algum tempo que a única maneira de cruzarmos os dois vales, seria pelo selado logo à baixo. Mas como chegar até lá, Se trilha alguma conseguimos encontrar? Ora, do mesmo jeito que chegamos até aqui, abrindo trilha no peito. A vegetação agora não era mais composta de árvores, mas sim de samambaias de mais de dois metros de altura. Que sufoco!! Prosseguíamos lentamente, vencendo a vegetação centímetro por centímetro, até esbarrarmos em algumas árvores isoladas, a meio caminho do selado. Paramos para descansar um pouco. O sol já ameaçava se jogar atrás da serra, e nós ali parados no meio de lugar algum, sem um centímetro plano e limpo para acampar. Escalei uma das árvores para melhor avaliar nossa posição. Estava cansado e com algumas dores pelo corpo, e dali de onde estava a melhor solução seria mesmo continuar seguindo em frente, até tentar alcançar a mata logo abaixo, pelo menos lá teríamos como achar algum lugar que desse para montar uma barraca. A decisão que tomamos se mostrou logo acertada e em menos de meia hora estávamos caminhando dentro da mata, até que avistamos ao longe o que parecia ser o telhado de alguma habitação perdida por estas paragens. Chegando ao local vimos que se tratava apenas de caixas para apicultura. E em mais um minuto desembocamos no que deveria ser no passado, uma estradinha, que hoje não passava de uma mera trilha um pouco mais larga. O local era perfeito para acampamento. Gramado, plano e seco. O único problema é que não tínhamos mais água, e não era ali que acharíamos o precioso líquido, pois estávamos muito longe dos vales, onde provavelmente algum riacho cristalino e gelado pudesse nos abastecer. Do final desta estradinha, onde pretendíamos acampar, encontramos uma trilha bem batida, com sinal de que era bem utilizada pelo pessoal da região. Mas de onde vinha? Para onde iria? Enquanto meu primo se recompunha e descansava no nosso futuro acampamento, fui investigar. Subi pela trilha durante uns dez minutos. A trilha serpenteava montanha acima e talvez nos fosse útil no dia seguinte. Mas foi nesta trilha que encontrei, para nossa sorte, dois pés de laranjas lima carregados. Posso dizer que foi a destruição da lavoura. Colhi o tanto de laranjas que uma pessoa magrela de 58 kg podia carregar. Voltei ao acampamento, e enquanto meu primo montava a barraca, fui investigar a parte da trilha que descia ao vale, para ver se achava água. O sol já acabará de se recolher a oeste e reinava sobre o vale apenas a penumbra, que dava ao local um ar de mistério e fascínio e, enquanto eu caminhava pela trilha, ouvia apenas o barulho do vento e do riacho, que provavelmente corria a centenas de metros abaixo. Caminhava a passos largos, quase correndo, foi quando de repente cai e bati o joelho em uma pedra. A dor era tanta que fiquei ali caído, uivando para o vale, feito lobo. Levantei-me e recuperado da dor e do susto, continuei descendo e percebendo que nada encontraria, resolvi voltar. Temos que agradecer muito, a sorte e a nossa competência de termos conseguido chegar até aqui neste fim de dia, como é bom poder tirar nossas botas e apreciarmos uma janta quentinha, mesmo que nossa comida não passe de uma mera lata de feijões, enriquecida com uma lata de sardinha e um pouco de queijo ralado. Se tivéssemos encontrado água podíamos nos dar ao luxo de cozinhar um bocado de arroz, mas não podemos reclamar. A lua está clara, não há nenhuma probabilidade de chuva. Já são quase sete horas da noite e antes mesmo que eu me recolha para dentro do meu saco de dormir, meu primo já havia apagado. Foi um dia longo e cansativo e novas aventuras nos espera no dia seguinte. Antes das 06 da manhã já estávamos de pé. Desmontamos acampamento e sem mesmo tomar café, por motivos óbvios, nos pusemos a caminhar. O nosso mapa dizia que deveríamos seguir para o oeste, até encontrarmos a trilha principal, que subia do vilarejo de Piracuama. Mas a trilha de conecção a esta trilha principal, não mais existia e então resolvemos ariscar a subir pela trilha batida que havíamos encontrado no dia anterior, acreditando que ela se encontraria com a trilha principal, já quase no meio da montanha. Caminhávamos com muito vigor e a passos largos, aproveitando a temperatura fresca da manhã. Conforme avançávamos na trilha, atrás de nós iam surgindo vistas de montanhas e vales mais distantes, sinal que ganhávamos altura com grande rapidez. Em pouco tempo a trilha entrou na mata e virou de vez para oeste, confirmando a nossa suspeita. E em quarenta minutos a dita cuja surgiu em nossa frente, sem aviso prévio e nos fez comemorar este golpe de sorte, ou de competência. Esta nova trilha deve ser muito antiga, pois se apresenta larga e bem consolidada. Provavelmente é usada por tropeiros e viajantes, que procuram encurtar o caminho entre o Vale do Paraíba e o sul de minas, claro, passando primeiro por Campos do Jordão. Por ela é possível até, com muita perícia e habilidade, subir de moto. Subíamos de vagar, aproveitando para apreciar as casinhas de Piracuama , quando a mata fechada abria uma janela, quilômetros abaixo de nós. A caminhada era gostosa e desimpedida. Sobre nós passavam as frondosas copas das enormes árvores, nos oferecendo sombra que ajudava a arrefecer o calor. Andávamos no ritmo de um pé à frente do outro, quase sem conversar, apenas ouvindo o som do mato, a batida do coração e o ar de nossos pulmões. Eu à frente, o Lindolfo atrás, às vezes desviávamos dos profundos sulcos que iam aparecendo na trilha, causados provavelmente pelas patas dos cavalos que eventualmente frequentam estas paragens. Foi quando em uma curva da trilha, de repente, sem que eu esperasse, surgiu à minha frente, algo que eu jamais esperaria encontrar nesta trilha. Algo que eu já vinha sonhando ver nestes quase quinze anos de caminhada em lugares remotos. Caminhadas em florestas e montanhas, em vales e cavernas, em serrado e planícies. Lugares desertos em que passei dias sem ver viva alma. E agora ali estava, e eu não estava sonhando, era real. Ali na minha frente se encontrava o maior carnívoro das nossas matas, o mais temido, o mais lendário, o mais folclórico, aquele que não perdoa ninguém, aquele que come bicho, come gente. Aquele que mete pânico nas pessoas da cidade e do campo. O bicho? A famosa e espetacular ONÇA. Isso mesmo, uma onça. Uma onça adulta. Uma ONÇA PARDA. Uma Suçuarana. E agora eu estava ali, frente a frente com a “comedora de homens” frente a frente a cinco metros de distância. Ela caminhava em minha direção, com a cabeça baixa, caminhava como um enorme gato. Tem um ditado que diz que você nunca estará certo de sua coragem, antes que se encontre com o perigo. Acreditem, medo algum eu tive. Se tivesse tido, diria sem problema algum. Não quero aqui me fazer de grande corajoso, pois não o sou, apenas estou passando o que senti ao ficar cara a cara com a “fera”. Esperei tanto por este momento, que a única coisa que consegui sentir, foi uma emoção e um prazer imenso de estar ali. Não fiquei mudo, pelo contrário, soltei um grito para denunciar ao meu primo a presença do bicho. “Uma onça, uma onça, olha Lindolfo, uma onça” . Nesta hora o maravilhoso animal levantou a cabeça, me olhou nos olhos, deu meia volta e entrou no mato. No mesmo instante, pudemos ouvir um miado que parecia ser de seu filhote. Sim, ela estava acompanhada. Ouvimos também os passos da onça na mata, ao nosso redor, parecia que ela não queria se distanciar de sua cria. Subimos os próximos metros da trilha com todo cuidado, não queríamos que o animal se sentisse acuado. Caminhei os próximos minutos na trilha, quase sem sentir os pés tocar o chão, estava inebriado, não sabia se ria ou se chorava. Ri e chorei, chorei copiosamente, escondendo as lágrimas atrás dos meus olhos de acrílico. Em menos de uma hora, cruzamos uma porteira e a trilha nos cuspiu para fora da mata e nos lançou a um degrau na montanha. Ventava tanto que era quase impossível ficarmos em pé. A vista era com certeza a mais bonita da caminhada até agora. Dali já avistávamos o Pico do Itapeva e toda a extensão da Serra da Mantiqueira com seus enormes picos beirando os 2800 metros. Depois de um breve descanso, adentramos em um reflorestamento e logo depois já caminhávamos com a ilustre presença das araucárias. Finalmente chegamos a uma rústica habitação e pudemos enfim nos afogar de tanto beber água, cedida gentilmente por um caboclo habitante desta região. Ele também nos serviu um revigorante café e algumas bananas. Despedimo-nos deste novo amigo e em vinte minutos já estávamos com a rampa de acesso ao Pico do Itapeva sob os nossos pés. Quem vem a turística Campos do Jordão, dificilmente deixa de vir ao Pico do Itapeva. Ponto obrigatório, o Itapeva talvez seja o pico mais turístico do Brasil. Chega-se aqui por uma estrada asfaltada, e bem conservada. Nesta época de inverno toda a nata da sociedade, principalmente paulistana, vêm desfilar com seus carrões importados e suas roupas de grife. Se como formação rochosa o pico não é grande coisa, em contra partida a vista que ele proporciona é fabulosa. Subimos a rampa de concreto, deixando para trás as lojinhas que vendem roupas de lã e outras inutilidades mais. Enquanto caminhávamos em direção ao topo, os ricos nos fulminavam com olhar de reprovação. Possivelmente nossas roupas destoavam da maioria. Parece que na visão deles éramos viajantes do tempo, talvez do tempo das cavernas. Estendemos nossa bandeira no topo, tiramos algumas fotos, brindamos com refrigerante gelado, mandamos os burgueses a merda e seguimos nosso caminho. Por mais três quilômetros, caminhamos por uma estradinha de terra, sempre com o Vale do Paraíba a nossa direita e em quarenta minutos, numa curva da estrada, encontramos a trilha que nos levaria de volta ao vale. No começo a trilha é praticamente uma estrada, que serpenteia entre o reflorestamento de pinus. O caminhar é bem agradável, e por todo tempo a sombra é nossa companheira. Não demora muito e a trilha propriamente dita aparece. É uma trilha batida, larga e de fácil caminhar. Nos surpreende o esplendor desta floresta, com suas árvores de grande porte. De dentro da mata não se avista muita coisa. A caminhada de resume em pôr um pé na frente do outro, com o cuidado para não se esborrachar nos desníveis que vão surgindo à nossa frente. Com pouco mais de uma hora de caminhada chegamos a um platô na montanha, um ótimo lugar para acampar, com vistas desimpedidas para quase todos os lados. Que lugar lindo!! Quem me dera se tivesse tempo para ficar a tarde toda apreciando o mundo daqui de cima. Não é à toa que três grandes religiões escolheram este lugar para construir seus templos. O templo Hare Krishina, uma religião indiana, o Santo Daime, uma religião criada nos confins da Amazônia e o templo da religião católica, representada pela Basílica de Aparecida. Mas o tempo é curto e após um breve descanso, nos lançamos novamente montanha abaixo. Perdíamos altura rapidamente e eu ia à frente com o passo acelerado, tão acelerado que acabei deixando meu primo para trás e ele meio desatento, acabou pegando um desvio errado na trilha e foi parar do outro lado do vale. E foi só através de seus gritos que consegui localiza-lo, e traze-lo de volta à trilha principal. Falando em perder a trilha, não sei onde foi que deixamos escapar a trilha de conexão que nos levaria direto para o templo Hare, acabamos passando batidos e fomos parar a uns três quilômetros a direita de onde deveríamos ter saído. Toca enfiarmos a cara de novo na mata e nos guiarmos apenas pela intuição na direção do templo. Às vezes avistávamos apenas as torres do templo, dando-nos a sensação de estarmos caminhando em direção aos templos perdidos na selva do Camboja. Finalmente chegamos à fazenda Nova Gokula, que em sânscrito, significa lugar onde as vacas são protegidas. Passamos pela Vila Védica, vila construída para que os devotos pudessem levar uma vida de extrema simplicidade. Adentrar na área do templo é se sentir como se estivéssemos na própria Índia. Do seu topo soa uma música que acalma a alma. As mulheres, com suas roupas extremamente coloridas e com suas pintas de argila na testa, simbolizando os chacras, faz esquecermos por alguns instantes que estamos no Brasil. Enquanto meu primo corre para avisar sua família que chegou vivo. Fico sentado por alguns instantes nas escadarias do templo, admirando aquelas pessoas totalmente estranhas a minha cultura. Como já passava das duas da tarde, aproveitamos para experimentar a deliciosa comida vegetariana, que aqui eles chamam de ¨prachada¨ (todo alimento oferecido a Krishina, deus). Antes de pegarmos o caminho de volta para casa, ainda vimos dezenas de vacas sagradas tentarem enfiar seus chifres bentos em um pobre porquinho. A situação foi muito cômica, menos para o porco, é claro. Se há pessoas que cultuam a vaca como um verdadeiro santo, mesmo sendo um animal totalmente sem graça e sem poesia. Posso garantir que nesse final de semana ao me deparar com a onça, me encontrei com ¨deus¨. É isso mesmo, foi um privilégio que muito pouca gente já teve, quantos passam à vida toda morando no Pantanal e na Floresta Amazônica sem nunca ter avistado uma onça. Talvez agora eu faça parte do pequeno grupo dos iluminados, dos escolhidos. A única certeza que tenho é que ao me encontrar com este deus de nossas matas, descobri ser este um deus do bem, e que de assassino nunca teve nada. Ao ficarmos frente a frente, nos olhamos e nos respeitamos. Cada um seguiu seu caminho: Ela floresta a dentro e nós, montanha acima. Divanei Goes de Paula / julho de 2005. Nota importante : Talvez essa travessia hoje esteja interditada, mas pelo que fiquei sabendo, seria possível subir pelo proprio vale do Bonfim e interceptar a trilha onde vimos a onça. Antes que alguém me pergunte da foto da onça, lamento informar que naquela época as maquinas eram obsoletas e eu tinha uma com filme de 36 poses que trazia comigo guardada na mochila, portanto impossível de ter tirado uma foto diante da situação, na verdade, foram poucas as fotos que se salvaram. Passado todos esses anos, explorei lugares selvagens, alguns onde ninguém nunca esteve antes e infelizmente a unica coisa que vi foram pegadas e nunca mais consegui ver outra onça .
  2. No final de semana dos dias 30 de junho e 01 de julho eu, o Augusto e mais 4 amigos: Marcelo, Rodrigo, Rosana e Renan fizemos uma travessia de Pindamonhangaba até Campos do Jordão em São Paulo subindo a Serra da Mantiqueira e retornamos para Pinda por outra rota, ou seja, na verdade fizemos um circuito e não exatamente uma travessia. O caminho foi previamente analisado por todos, mas principalmente muito bem estudado pelo Augusto, incluindo uma ida de moto até Pindamonhangaba na semana que antecedeu nossa caminhada para esclarecer algumas dúvidas e informações contraditórias que ele obteve através de relatos e em um grupo de discussão de trilheiros na internet. A princípio nosso plano consistia em subir pela Trilha do Morro da Pinga, basicamente seguindo os caminhos percorridos pelo Divanei NESTE relato, porém devido a uma torção ocorrida alguns dias antes em um dos tornozelos do Augusto, um dos joelhos de outro integrante não estar 100% somado a uma possibilidade em termos que efetuar dois pernoites na mata devido a dificuldade de varar muito mato no primeiro trecho optamos por começar por outra trilha, bem batida, menos acidentada e com bastante pontos de água: A Trilha das Borboletas. 30 de junho de 2012 - Sábado Com todas as informações necessárias em mãos nos encontramos na ensolarada manhã do dia 30/06 (sábado) no Terminal Tietê em São Paulo de onde partimos as 7:45h em um ônibus da Viação Pássaro Marrom que segue direto para Pindamonhangaba. Após 2 horas de viagem chegamos na rodoviária de Pinda de onde seguimos pela Avenida Nossa Senhora do Bom Sucesso ao longo de 1 Km e passando ao lado do Viaduto Central viramos à direita na Rua Barão Homem de Mello que passa por baixo do viaduto, seguimos mais alguns metros até um ponto de ônibus situado em frente a antiga Estação Pindamonhangaba da Estrada de Ferro Central do Brasil (E.F.C.B) e alí pegamos o ônibus que faz a linha: Ribeirão Grande que partiu exatamente as 11:00h. O ônibus segue por algumas ruas centrais e logo atravessa o grande Rio Paraíba deixando a zona urbana e adentrando a rural onde ao longo do percurso vão se alternando plantações variadas com pastagens e vez por outra passando por pequenos aglomerados de casas. Por volta das 11:40h saltamos no nosso ponto que tem como referência o Bar do Edmundo no Bairro Ribeirão Grande. Eu e o Marcelo aproveitamos para tomar uma gelada, pois o momento e o belo dia pediam. [mostrar-esconder]Rodoviária de Pindamonhangaba Avenida Nossa Senhora do Bom Sucesso Chegando ao Bar do Edmundo [/mostrar-esconder]Confirmamos algumas informações com alguns presentes no bar incluindo o próprio Edmundo e começamos nossa caminhada cruzando por uma passarela o grande ribeirão que dá nome ao bairro e seguimos 4 Km por uma estrada de chão firme ladeando pela esquerda um córrego e um grande morro, respectivamente o Córrego do Cachoeirão e o Morro dos Macacos sempre vislumbrando a nossa frente a grande extensão de serra que iríamos subir e o Pico do Itapeva, nosso objetivo para a manhã seguinte. Ao longo deste trecho passamos por uma pequena capela do lado direito, uma placa do lado esquerdo anunciando entrada na área da APA da Serra da Mantiqueira e logo chegamos na Fazenda das Borboletas também do lado esquerdo da estrada onde começa a trilha. O acesso pela fazenda ainda é permitido pelo proprietário, pois a trilha é uma “Servidão” - antigo caminho utilizado pelos moradores da região para subirem e descerem a serra que já existia com a demarcação dos limites da fazenda e ainda hoje é importante para atender a comunidade. Cumprimentamos um garoto que passou por nós a cavalo e seguimos já atravessando o caudaloso Córrego da Borboleta. Eram 12:30h e o Sol em seu ápice nos castigaria durante as primeiras horas de subida; segundo informações que tínhamos deveríamos seguir passando por uma cerca de arame farpado e tocar em frente, só que ao passarmos por baixo dos arames caímos em outra trilha que segue paralela a cerca para o lado direito (subindo), para o lado esquerdo (descendo), mas também bifurca subindo um pequeno morro a nossa frente. Decidimos então seguirmos morro acima esperando que essa trilha fosse guinando para a direita que era a orientação que deveríamos seguir, porém ao chegarmos ao topo do morrote a trilha acaba entre a vegetação alta e percebemos que havíamos pego um trilho feito pelo gado. Tínhamos duas opções: descer de volta até a bifurcação ou seguirmos cortando para a direita até encontrarmos uma trilha que viesse ladeando o morro. Decidimos ir varando a vegetação para tentar alcançar a trilha que viria pela direita e logo vimos que a encosta do morro ali era bem íngreme, mas também avistamos a trilha correta que deveríamos ter pego bem marcada no fundo do vale chegando até um charco. Descemos com cuidado a encosta que além de íngreme tem muito espinho e ao atravessarmos o charco seguimos definitivamente na Trilha das Borboletas que para a Nooooooossa Alegria! sobe sombreada pelas árvores e pela vegetação alta. [mostrar-esconder]Morro dos Macacos adiante APA da Serra da Mantiqueira Córrego da Borboleta [/mostrar-esconder]Do lado direito ouvíamos um forte e delicioso som de água corrente oculta pelo mato, mas logo um pequeno acesso apareceu e paramos para nos refrescar e abastecer nossas garrafas; resolvemos nos abastecer aqui já incluindo água para o jantar, pois não sabíamos se iríamos encontrar outros pontos acima. Um pouco mais pesados tocamos trilha acima que segue bem aberta, limpa, alternando trechos de aclives leves com trechos planos. Alguns pontos já sofrem com a erosão provocada pelas motos que por aqui passam desprendendo pedras e terra fazendo surgir com as chuvas grandes canaletas no meio da trilha. Acabamos passando por mais dois ou três pontos de água corrente que cruzam a trilha, mas como estávamos com as garrafas cheias apenas paramos para darmos uns goles na água fresca. A tarde corria pelas 16:00h quando chegamos ao término da Trilha das Borboletas que finaliza numa estradinha no alto de um selado entre o Morro da Pinga e os contrafortes da serra; esta estradinha também mencionada pelo Divanei em seu relato nos faz pensar que deva vir do Bairro de Piracuama ou da Fazenda da Pinga situada aos pés do morro de mesmo nome. Após alguns minutos de descanso tocamos pela estradinha acima a procura de alguma trilha que surgisse dela para alcançarmos uma crista em um “braço” da serra adiante. Seguimos em passadas fortes, pois a estradinha parece forrada por um tapete de capim baixo, também porque ainda tínhamos muito que caminhar naquele dia e já era bem tarde. Passamos uma nascente que corta a estrada e logo a estrada acabou, adentramos uma grande área de plantio onde alguns meses antes houve uma colheita de milho, mas por hora a terra descansava para nova semeadura. Como eu e Rosana chegamos antes dos demais nos adiantamos vasculhando os limites da mata no entorno a procura de alguma trilha, mas apenas encontrei vestígios de uma picada que apontava no rumo que precisávamos seguir. Paramos alguns minutos para lermos alguns relatos para ver se encontrávamos alguma pista da trilha e nenhum deles mencionava este grande roçado, sinal que devíamos ter passado pela trilha em algum ponto. Voltamos mais atentos pela estrada e finalmente encontramos a trilha. E aqui é o ponto que considero mais crítico nesta caminhada, pois é fácil passar por essa trilha de ligação sem perceber sua entrada, visto que ela está praticamente coberta pelo capim alto. Como referência: Fica a uns 300 metros após o encontro da Trilha das Borboletas com a estrada, logo após ela fazer uma leve curva para esquerda em subida ficar atento ao lado esquerdo para uma grande árvore que se destaca na vegetação. Essa trilha faz a ligação entre a Trilha das Borboletas e a Trilha do Oliveira que percorre por toda a cumeeira do braço de serra que precisávamos seguir. A trilha tem alguns trechos mais íngremes e acidentados que a das borboletas além do mato já estar obstruindo bons pedaços, mas nada que seja grande empecilho, ela também não passa por nenhum ponto de água. [mostrar-esconder]Parada para descanço Curtindo o visual - Pico do Gomeral no alto da serra Bora caminhar porque tem muita trilha pra subir [/mostrar-esconder]Ás 17:00h alcançamos a Trilha do Oliveira, trilha larga e bem batida que sobe do Bairro do Oliveira margeando o Ribeirão do Oliveira e que começa vejam vocês: Na Fazenda do Oliveira. A trilha segue pela crista do braço de serra tornando-se mais inclinada a medida em que subimos e quanto mais íngreme mais erodidos ficam alguns trechos, aqui também muito detonados pelos caras que praticam Motocross dentro de uma Área de Preservação Ambiental difícil de se legitimar. Logo o Sol se pôs e não pudemos vislumbrá-lo, pois mesmo percorrendo sobre a crista ela é envolta pela mata densa. Após duas horas em que havíamos pego a Trilha do Oliveira ainda não tínhamos encontrado um local que fosse plano e amplo o bastante para comportar cinco barracas. A exaustão física já tomava conta de todos, mas não abalava a animação e o entusiasmo do grupo, fizemos várias paradas de descanso e cada um seguia num ritmo que lhe era confortável. Enfim por volta das 19:30h alcançamos o topo deste braço de serra onde uma pequena área forrada por capim rasteiro nos permitiu armarmos nossas barracas numa bela noite de lua cheia, com temperatura agradável e sem previsão de chuva. Dalí deste ponto quase no cume da serra podíamos ver o perfil negro de sua silhueta acima e as luzes amarelas de algumas fazendas que pontilham aqui e ali nos sopés da majestosa encosta da Mantiqueira. Ao longe a vista alcançava quatro ou cinco cidades no vale do Paraíba contrastando suas difusas luzes com o branco cintilar das estrelas. Barracas montados tratamos de preparar nossos jantares e depois de um breve bate-papo todos se recolheram para dormir, combinamos de acordar pouco antes das 6:00h para ver o nascer do Sol e já nos prepararmos para retomar a caminhada. [mostrar-esconder]Final da tarde Guaratinguetá ao longe Na Trilha do Oliveira [/mostrar-esconder]01 de julho de 2012 - Domingo Todos acordaram no horário combinado, mas confesso que a preguiça foi mais forte que eu e não sai da barraca, preferindo dormir mais uma hora naquela manhã extremamente fria, mas não chegamos a ter temperaturas negativas durante a noite. Todo alvorecer é belo e semelhante, nunca igual a outro e nesta manhã, visto do ponto em que nos encontrávamos o Sol despontou bem atrás da Pedra Grande do Gomeral, outro belo pico da Serra da Mantiqueira já nos limites de Guaratinguetá. As 7:00h tomamos nosso café, em seguida desmontamos acampamento e começamos a caminhada por volta de 8:40h com vista nítida para as muitas torres que sustentam antenas de telefonia, emissoras de Rádio e TV situadas junto ao Pico do Itapeva. Daqui a trilha segue muito fácil alternando trechos planos, com leves subidas e descidas até alcançarmos uma tronqueira do lado direito, ponto em que a Trilha do Oliveira encontra a Trilha da Onça que liga o Pico do Itapeva ao Pico do Diamante. [mostrar-esconder]Aurora Sol nascendo por detrás do Pico do Gomeral Galera curtindo o alvorecer [/mostrar-esconder]À nossa esquerda diante da tronqueira um grande morro forrado por capim rasteiro por onde a Trilha da Onça sobe destacada até seu cume. Atravessamos a tronqueira e passamos a caminhar por uma estrada bem definida em um amplo e raso vale pontilhado por araucárias, também por um curral e algumas construções típicas de uma fazenda do lado esquerdo, logo fomos interceptados por dois grandes cachorros que não vieram nos atacar, apenas latiam ameaçadoramente para nos intimidar e fomos seguindo devagar; o dono dos cachorros os chamou e ao passarmos por ele paramos para cumprimentá-lo e para um breve bate-papo. A partir dali já caminhávamos sobre asfalto que cobre o acesso a fazenda e poucos metros nos separavam da estrada que vem da cidade de Campos do Jordão subindo até o Pico do Itapeva. Mais uma breve parada em um riacho que corre pelo nosso lado esquerdo, riacho que ao se juntar a outros mais abaixo irão dar corpo ao Rio Piracuama no vale das araucárias que havíamos passado a pouco. Após aproximadamente 40 minutos desde que deixamos nosso local de acampamento chegamos na estrada asfaltada que sobe de Campos do Jordão até o Pico do Itapeva. Saímos bem em frente ao lago (Represa Itapeva) local turístico muito visitado já que aqui chegam os carros e os ônibus, e naquela manhã não estava diferente. Seguimos estrada acima passando pelo primeiro conjunto de torres e em seguida paramos para admirar a grandiosidade da paisagem que nossos olhos alcançavam, descendo completamente pela encosta da Mantiqueira cruzando toda a extensão do Vale do Paraíba até alcançar a Serra da Bocaina do outro lado. Podíamos também visualizar boa parte do caminho que tínhamos feito no dia anterior. Mais alguns metros e paramos na feirinha de malhas e artesanatos que tem no Pico do Itapeva para tomarmos um rápido café; não subimos até o mirante construído no pico, seguimos em frente, pois aqui começava nosso retorno, tínhamos muito que caminhar e não queríamos terminar muito tarde. [mostrar-esconder]Trilha da Onça subindo o morro de frente a tronqueira Trilha da Onça rumo ao Pico do Itapeva Feirinha de malhas e artesanatos no Pico do Itapeva [/mostrar-esconder]Seguimos adiante e após a feirinha a estrada passa ser de terra com cascalhos seguindo sinuosa pelo alto da serra, mas se afastando da sua borda para o vale, depois de aproximadamente 40 minutos a estrada faz uma forte curva à esquerda e tomamos uma trilha bem larga que se destaca do lado direito e adentra por uma floresta de Pinus. Esta é a chamada Trilha dos Hare Krishnas. Passamos por uma porteira e a trilha segue suave ainda sobre o alto da serra até encontramos 30 minutos depois uma bifurcação na qual nos despedimos do Augusto, eram aproximadamente 11:20h. O Augusto tomou a trilha da esquerda sentido Horto Florestal, pois como não iria trabalhar na segunda por estar de férias pretendia acampar mais uma noite no alto da serra junto a Represa Santa Isabel. Os demais seguimos pela Hare Krishna que a partir daqui começa gradativamente descer a serra e logo que a plantação de Pinus termina a descida se torna mais íngreme, alguns trechos com grandes canaletas provocadas pelas motos que aqui passavam até pouco tempo e outros com a vegetação crescida e árvores caídas já obstruindo a passagem. Como na maioria dos relevos com inclinação acima dos 45º a trilha segue durante a primeira hora serpenteando a encosta passando por alguns trechos de bambuzal e após aproximadamente mais 40 minutos paramos em um córrego que cruza a trilha. Seguimos por mais alguns minutos e alcançamos uma cerca nova que vai margeando a trilha pela direita sempre nas curvas que ela faz em seu sinuoso traçado até alcançarmos uma crista de braço de serra por onde seguimos propiciando vez por outra vista para o vale e da encosta que ia aumentando atrás de nós e a Pedra Grande do Gomeral se destacando do nosso lado esquerdo. Logo avistamos do lado direito uma grande cascata que desce por outro braço de serra e próximo a ela o telhado de uma pequena casa, sinal que nos aproximávamos do final da nossa trilha. Chegamos em uma placa informando: “Fazenda Cristalina – Propriedade particular, proibido a entrada”, já sabíamos desta notificação e que passar por ali seria arrumar encrenca, deveríamos encontrar uma trilha saindo à direita desta placa seguindo para a fazenda dos Hare Krishnas. Eu e Marcelo vasculhamos a mata e não encontramos sinal de outra trilha, então descemos a encosta agora já em área de pastagem sentido a sede da Fazenda Cristalina e nos preparando para enfrentar problemas, ao terminarmos um primeiro lance da descida vimos alguns caminhos feitos pelo gado seguindo na direção da fazenda Hare Krishna e resolvemos seguir. O caminho me parecia muito promissor, pois nos levou até a cerca que limita a Fazenda Cristalina e descia paralelo nos levando para o fundo de um pequeno vale, mas logo a trilha se desfez em meio a mata fechada e numa pirambeira antes de chegar ao fundo do vale. Já era por volta das 14:20h, avaliamos as condições do local, da situação e resolvemos voltar passando próximos a sede da fazenda mesmo, retornamos até o ponto que pegamos o caminho feito pelo gado e cruzamos uma tronqueira onde a partir daqui seguimos por um capim que chegava na altura das coxas e cobria qualquer vestígio de trilha. [mostrar-esconder]Estrada após o Pico do Itapeva Trilha dos Hare Krishnas na floresta de Pinus Parada no córrego que cruza a Trilha dos Hare Krishnas Pico do Gomeral no alto da serra Placa da Fazenda Cristalina Descendo primeiro lance de encosta na Fazenda Cristalina [/mostrar-esconder]Do nosso lado esquerdo não muito distante, víamos uma estrada que segue até a sede da fazenda e do nosso lado direito enormes touceiras de bambu formando o que parecia uma grande muralha. Alcançamos a estrada e logo estávamos nos deliciando em um generoso córrego ao seu lado, poucos minutos depois ouvimos latidos de cães e com eles chegou o caseiro da fazenda muito bravo nos botando pra correr. O Marcelo foi o primeiro a ir se desculpar com ele e explicar porque estávamos ali, mas o senhor não queria saber de papo, só pedia que nos retirássemos imediatamente. Tratamos de colocar nossas mochilas e ele nos escoltou com os três enormes cães até duas cercas de arame farpado que deveríamos passar para chegar na fazenda vizinha dos Hare Krishnas. Depois desse momento um pouco tenso foi só alegria e tranqüilidade. A Fazenda Nova Gokula é a maior comunidade Hare Krishna da América Latina, local sagrado para a cultura védica, centro de estudos, meditação, terapias, massagem e alimentação baseadas na Medicina Ayurvédica. Além disso é local de moradia para muitos adeptos e como toda fazenda possui criação de animais, cultivo de vegetais e produtos orgânicos (entre eles o leite, o mel e compotas de frutas). O nome Nova Gokula significa em sânscrito, “lugar onde as vacas são protegidas”, mas não somente elas, pois nenhum dos animais criados são abatidos, afinal a cultura védica é vegetariana e a maioria dos animais representam alguns dos seus muitos deuses. Chegamos na fazenda as 15:00h passando primeiro por um viveiro de soltura de pássaros e animais silvestres regulamentado pelo IBAMA que desde 2008 envia animais apreendidos para a fazenda. O viveiro surgiu numa área de 300 metros quadrados que havia sido destinada para proteção dos pavões que vivem na comunidade, como não se adaptaram ao cativeiro mais de 40 pavões foram soltos novamente. Os animais apreendidos e levados à fazenda pelos técnicos do IBAMA ficam confinados no viveiro para se recuperarem por 10 a 15 dias, depois, vão saindo do viveiro lentamente. Esta é chamada soltura branda, que possibilita a readaptação gradual dos animais em seu habitat natural. Paramos num quiosque vendendo Caldo de Cana com Capim Santo e depois experimentamos numa lanchonete uma famosa coxinha recheada com jaca, realmente muito saborosos. Conhecemos alguns membros da comunidade, visitamos o belo templo onde Krishna, principal deus para os védicos é venerado diariamente, vimos também um pequeno templo onde crianças da comunidade pintavam lindas telas com imagens dos seus deuses ou animais. Alguns visitantes meditavam silenciosamente no grande templo, enquanto outros do lado de fora apenas relaxavam ouvindo o canto dos passarinhos sob os já fugidos raios de Sol que se despediam sobre a Mantiqueira naquela tarde gostosa. Se não precisássemos partir pernoitaríamos muito satisfeitos no camping que há na fazenda, há também uma pousada com preços muito bons. [mostrar-esconder]Pequena Venda de produtos Ayurvedas e lanchonete Grande templo Hare Krishna Grande templo Hare Krishna Grande templo Hare Krishna Grande templo Hare Krishna Pequeno templo Hare Krishna [/mostrar-esconder]Mochilas aos ombros deixamos a Nova Gokula as 16:10h e seguimos pela estrada ao longo de 2 Km até o ponto de ônibus; ponto final da mesma linha que havíamos pego no dia anterior - Ribeirão Grande. O Sol se pôs por detrás da imponente Serra da Mantiqueira e contrapondo-se surgiu resplandecente a Lua Cheia dominando a noite. Ainda fizemos amizade com Raul, um morador vizinho ao ponto de ônibus, adepto da cultura védica e que nos contou muitas histórias inclusive nos mostrou que o formato do alto da serra que se estende do Pico do Itapeva ao Pico do Gomeral bem acima do templo se assemelha ao arco de batalha do deus Rama sendo os picos as pontas do arco voltadas para o céu. O ônibus chegou as 18:10h, ajudamos Raul embarcar suas caixas de batatas,nhames, bananas, e verduras que ele cultiva em seu pequeno sítio e vende na cidade. Chegamos no centro de Pinda por volta das 19:00h e seguimos para a rodoviária chegando lá as 19:20h onde partimos no ônibus das 19:45h para São Paulo. Chegamos no Terminal Tietê as 22:00h e assim finalizamos mais uma bela viagem pelos exuberantes caminhos da Mantiqueira (Montanha que chora) que nos propiciou fortalecer não só nosso equilíbrio físico, mental e emocional mas também conhecer um pouco mais uma cultura indiana que assim como nós respeitam e veneram a natureza. [mostrar-esconder]Portal da Fazenda Nova Gokula Sol já se escondendo por detrás da Mantiqueira Terminando a caminhada Ponto de ônibus Ponto de ônibus Pico do Itapeva Lua [/mostrar-esconder]Hare Krishna, Hare Krishna Krishna Krishna, Hare Hare Hare Rama, Hare Rama Rama Rama, Hare Hare...
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