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PICO DO ITAMBÉ A poeira comeu naquele final de tarde. O velho gol bola, branco, vinha resistindo bravamente, carregando cinco adultos e um bebê de 2 anos, indo muito além da sua capacidade de carregar coisas e gente, num tempo onde lei de trânsito quase inexistia. Nosso trajeto entre o vilarejo de Milho Verde e Diamantina-MG, teve que ser interrompido assim que avistei uma pequena e sensacional cachoeira à beira do caminho e decidi que ali seria o lugar do nosso acampamento, já que outra coisa que inexistia, era dinheiro para podermos nos hospedar em qualquer lugar e nossa Expedição Brasil Adentro estava sendo no modo “mendigo plus”, acampando em qualquer lugar e fazendo a nossa própria comida. (Viagem de 2003 - 8.000 km rodados pelo Brasil. ) Abrimos uma pequena porteira e estacionamos o carro sobre um gramado verdinho e enquanto as meninas correram para tirar a poeira do corpo, se jogando para debaixo da cachoeirinha, os homens trataram logo de montar nossas barracas. Estava finalizando a montagem da última barraca, quando ao longe avistei um sertanejo. Chapéu de vaqueiro, roupas surradas, um facão que arrastava no chão. Com passos largos e apressados, vinha em nossa direção, cara de poucos amigos, daqueles que atiram primeiro e perguntam depois. Avisei meu primo de que teríamos problemas e nos pomos a ficar em alerta, somente acompanhando com os olhos e com o coração apreensivo, porque estava bem claro que aquele era o dono da terra e possivelmente viria babando para cima da gente e como estávamos dentro da cerca, nos vimos acuados, sem reação, apenas torcendo para que a contenda se resolvesse o mais rápido possível, mesmo porque, estávamos com as meninas. - Boa Tarde senhores! - Boa Tarde! Respondemos em coro. - O que os senhores estão fazendo aqui? Olhei para o meu primo e para o Rogério, que se mantiveram calados, esperando que eu mesmo respondesse, já que eu estava mais próximo. - Olha, o senhor me desculpe, estamos viajando com minha família e estávamos muito cansados para prosseguir viagem, mas já estamos desmontando tudo e iremos sair das suas terras imediatamente. O homem nos fitou de cima embaixo, olhou para as meninas, que já haviam se ligado que a coisa não andava bem e já subiram o barranco da cachoeira e vieram em nossa direção. Botou a mão no facão, depois olhou ao nosso redor e vendo as barracas já montadas e os utensílios de cozinha espalhados pelo gramando, nos disse com voz firme: - Podem desmontar as barracas, vocês não vão dormir aqui não. - Mais uma vez, peço desculpas pelo incomodo, em no máximo uns 15 minutos estamos indo embora. - Quem disse que vocês vão embora, vocês são meus convidados, vou levar vocês para um lugar mais descente, onde poderão se instalar sem o risco de pegarem chuvas. Ficamos surpresos, até um pouco desconsertados, mas a gente estava com os pés na estrada, abertos para todas as experiências, era assim que estava sendo aquela viagem, estávamos viajando ao sabor do vento e resolvemos pagar para ver, onde aquele convite iria nos levar, feito por um estranho, no meio do sertão do Cerrado Mineiro, numa área pontuada por garimpo ilegal. Fomos levados para um rancho humilde, tão humilde como a própria casa do nosso anfitrião e lá nos instalamos em tarimbas, uma espécie de camas de madeira grudadas às paredes, forradas com palha. Um fogão a lenha nos servia de apoio para nossa cozinha e a noite, passamos contando causos junto com o nosso novo amigo, que se juntou a nós, numa janta comunitária. Seu Jesus, era uma figura fascinante, homem simples, herdeiro de um mundaréu de terras ali no sertão, tentava organizar as coisas e evitar que sua propriedade caísse nas mãos de garimpeiros ilegais. Sua vida era um livro de aventuras, pontuada por trabalhos em construtoras no Iraque a serviço do então ditador Sadan Hussen, até pescador e garimpeiro na Amazônia e passagem pela capital Paulista, onde trabalhou de motorista de ônibus. Aquele sertanejo nos conquistou de tal maneira, que foi impossível não aceitar o convite para irmos conhecer suas terras e termos contatos com uns garimpeiros amigos seu, vivendo como homens das cavernas, que nos levou a uma das maiores experiências das nossas vidas. O ano era 2003 e foi justamente nessa caminhada de um dia inteiro que tive a felicidade de botar os olhos nele. Eu já havia ouvido falar naquele PICO, que na época, era considerado o CUME DO CERRADO MINEIRO. Da posição de onde estávamos, ele dominava toda a paisagem e em meio a vegetação pontilhada por cristais e pequenas árvores tortas, embelezada por sempre-vivas, de posse de uma câmera yashica de 36 poses, saquei uma foto da minha filha JULIA, na época com 2 anos de idade e prometi para mim mesmo, que um dia eu botaria meus pés naquela montanha icônica. ( Julia em 2003 e atrás a direita a ponta do Itambé) Quase 20 anos se passaram e a nossa chegada ao Cerrado Mineiro começa por uma breve passagem no Parque Nacional da Serra o Cipó, onde fomos conhecer algumas cachoeiras, que haviam nos passado batido na viagem de 2003. Viajar pelo Cerrado é antes de tudo se jogar numa paisagem onde cachoeiras deslumbrantes já poderia fazer valer qualquer passeio, sem contar as inúmeras cidades e vilarejos históricos que nos vão sequestrando a alma e que nos faz nunca mais querer ir embora. Mas num primeiro momento, temos que nos focar no que nos propusemos a fazer, o objetivo principal, ao menos daquela região, que é o de subir a montanha que no passado nos encantou, pelo menos a mim, já que nessa viagem, além da minha filha Julia, hoje uma mulher, ainda contávamos com a companhia do Dema, amigo de infância e companheiro de tantas outras roubadas. Depois de partirmos de Serro, adentramos no meio da tarde, no pequeno vilarejo de Santo Antônio do Itambé. Atravessamos todo o povoado e fomos seguindo a placa que nos levou direto para estradinha de terra que em 2 ou 3 km, fez com que interceptássemos a entrada do Parque Estadual do Itambé, onde colhemos informações preciosas para que pudéssemos realizar a subida ao famoso pico, no outro dia. Na volta, paramos para um mergulho na Ponte de Pedra, uma atração da cidade, onde os locais vão se refrescar nos dias mais quentes. Ficamos sabendo que o único CAMPING da cidade, ficava junto à sensacional CACHOEIRA DA FUMAÇA, um monstro despencando em um lago enorme. E foi justamente lá que nos instalamos, um ambiente agradabilíssimo, mesmo porque, éramos os únicos turistas que por lá estava, em plena antevéspera de ano novo, um achado para cultivar a paz e o sossego, ter uma noite tranquila, para no dia seguinte, partirmos bem cedo para tentar subir o Pico. O dia mal acabará de nascer e já deixamos o camping em direção ao Parque Estadual, que abre as 6 da manhã, mas tivemos um entrevero para conseguir subir a estradinha íngreme perto do nosso acampamento, culpa das chuvas de verão. Chegamos à portaria somente depois das 7 da manhã, um pouco tarde para as nossas pretensões. No parque nos liberaram rapidamente, mas fomos obrigados a assinar um termo de responsabilidade por sermos liberados com tempo ruim. É possível seguir de carro por mais uns 3 km, mas depois de andarmos pouco mais de 1200 metros, o veículo empacou, simplesmente não conseguiu vencer o terreno extremamente liso e fomos obrigados a abandoná-lo a meio caminho de lugar nenhum, deixar jogado num recuo da estrada e nos pormos a caminhar mais cedo do que imaginávamos. É uma estradinha muito gostosa para caminhar e mesmo com um chuvisco insistente, andamos a passos largos, com uma temperatura muito agradável. Passamos por cima de uma ponte, onde uma placa indica um desvio para uma cachoeirinha e 1500 metros depois , chegamos a entrada da cachoeira do Neném, mas passamos batidos, porque pretendíamos conhecer as quedas d’água na volta e uns 4,5 km desde a portaria, tropeçamos na placa que marca a saída para Cachoeira do Rio Vermelho, que em mais uns 40 minutos de caminhada poderá nos levar até ela, mas ignoramos e continuamos seguindo, passamos por uma porteira de arame e 500 metros à frente, uma trilha a esquerda corta caminho , passa por campos abertos e nos devolve novamente para a estrada, que é o último lugar onde se pode chegar com um 4 x 4 . A estradinha ainda continua por mais uns 10 minutos, até que tropeçamos num casebre abandonado, que não tarda em desabar. É a última construção antes do cume, que pela placa de identificação, ainda está a quase 6 km de distância e ainda teremos que subir um desnível absurdo de mais de 800 metros. Ao lado do casebre há uma bica d’água, onde abastecemos nossos cantis, mas não é a última água disponível. Agora o terreno vai empinar de vez, a vegetação de altitude vai surgindo lentamente, o Cerrado vai se mostrando, se transformando num jardim florido, cheio de cores e plantas deslumbrantes, num cenário incomparável. A paisagem vai se transformando, grandes formações rochosas começam a despontar para todos os lugares, o cenário e as vistas vão se alargando e cerca de uns 2 km após o casebre abandonado, demos de cara com a LAPA DO MORCEGO, uma espécie de gruta, onde uma mesinha e um banquinho nos convidam para sentar e descansar as pernas. A nossa intenção, a priori, era fazer a travessia completa, ligando o Parque do Itambé até o Parque do Rio Preto, mas segundo o pessoas do Itambé, além de não estarem autorizando a passagem por causa do nível alto de alguns rios, que tem que ser cruzados, o acampamento no próprio Pico do Itambé está proibido até que se refaça o telhado do abrigo de montanha , já que não se pode mais acampar com barracas no topo. A trilha abandona a gruta e segue pela direita, entra num corredor de pedras, onde o chão forrado de pedrinhas brancas dão um charme todo especial. São paredes dos dois lados e vamos passando meio que exprimidos até que a paisagem se abre como se tivéssemos adentrado em outro mundo, com formações rochosas de todos os formatos e e uma em especial nos chama atenção por parecer um grande caranguejo e é para lá que corremos, para exercitar a nossa capacidade em escalar grandes rochas e nos deleitarmos com o topo da formação inusitada. No horizonte, do nosso lado esquerdo, uma ilha de pedra nos guia o caminho, enquanto do lado direito, um vale gigante nos faz tomarmos cuidado para não acabar escorregando para dentro dele, já que o terreno está muito encharcado. As 10 horas da manhã, uma placa nos indica uma fonte de água. Eu havia lido que essa seria a última água disponível antes do cume, que ainda não está perto, mas só se for em tempos de muita seca, porque hoje, água não falta em nenhum lugar. Mas não se engane, não é só agua que vamos encontrar nesse córrego e sim um excelente lugar para molhar o corpo, em marmitas charmosas, com um terreno colorido, verdadeiras jacuzzis naturais, dignas de hotéis cinco estrelas. Prometemos nos enfiar nas piscinas naturais na volta do cume e partimos, voltando para a trilha principal. Aos poucos, vamos deixando a ilha de pedra para trás e ao avançarmos, as vegetações de altitude vão se modificando e a temperatura também já começa a cair um pouco. Uma linha de postes ao longe nos indica que a direção seguida é boa, enquanto no chão, plantas carnívoras, as famosas droseras, vão se espalhando para todos os cantos. À nossa frente já é possível ver o espigão mestre que vai nos levar ao cume, mas quando encostamos nele é que nos damos conta de que um abismo gigante o separa do resto do mundo e uma ponte pênsil nos serve de passagem para cruzarmos para a outra dimensão. Antes de cruzarmos a ponte, ficamos ali, parados, admirando os cânions e toda a paisagem ao redor, dando um tempo para um gole de água e imaginando como se cruzava aquela fenda sem essa passagem artificial. Depois que a atravessamos, corremos para escalar uma formação que nos levavam direto para a beira do desfiladeiro e eu fiquei pensando como seria legal descer ao fundo dele e percorrê-lo por um tempo, mas não tínhamos corda para isso e muito menos tempo. Falando em tempo, a Julia quis ganhar um pouco e tomou à frente, mas como o nevoeiro baixou de vez, não conseguimos mais vê-la e comecei a me preocupar muito com ela. Ainda mais porque além do nevoeiro, a temperatura despencou radicalmente e as plaquinhas que marcavam o caminho, mal poderiam ser vistas. Agora é rampa de pedra, que as vezes precisava ser escalaminhada quando definitivamente encostamos no paredão e tocamos para a esquerda, até que ele abrisse para nossa passagem e ganhássemos a GRANDE RAMPA FINAL. Alcançamos a Julia e juntos fomos ganhando terreno, nos valendo das inúmeras plaquinhas, aliás, essas marcações são uma grande tábua de salvação em dias nevoentos e esse é um trabalho do Parque Estadual que tem que ser aplaudido de pé e eu ainda não consigo entender como tem gente que tem raiva de marcação de trilha, sendo que elas podem salvar muita gente em dias de tempo ruim. Há alguns minutos do cume, o tempo fechou completamente e a temperatura despencou de vez e quase não se enxergava um palmo à frente do nariz. Apressamos o passo, aumentamos o ritmo, cada qual tentando conquistar sua própria montanha, vivendo sua própria expectativa de cume, até que meio de supetão, batemos de frente com uma Pequena CRUZ sobre uma rocha mais elevada, marcando talvez o local exato, o ponto mais alto do grande PICO DO ITAMBÉ, 2052 metros no meio do Cerrado Mineiro, um gigante se levarmos em conta as baixas altitudes das terras ao redor. É um cume irregular, com vegetações de altitudes bem características e bem perto do topo, um pequeno lago, que nesses tempos de chuvas intensas, está transbordando. Eu ouvi falar que não haveria água no cume ou que ela é difícil de ser encontrada, mas sinceramente não sei se é porque não se trata de uma água boa para o consumo ou se realmente na estação mais seca ela some de vez, o certo é que nessa data, água tinha em abundância. Se naquela pequena cruz seria geograficamente o cume do Itambé, uns 30 metros à frente é que está instalado o ABRIGO DE MONTANHA e as grandes ANTENAS DE COMUNICAÇÃO. Se ao mesmo tempo é um charme ter um grande abrigo para poder se instalar, por outro lado, não me agrada nem um pouco aqueles trambolhos de antenas, mesmo que isso seja necessário e sirva a toda comunidade local. Aliás, acho que já deu há muito tempo esse negócio de se instalar coisas nos cumes das montanhas, sejam lá antenas ou qualquer símbolo religioso. O Abrigo é extremamente grande e caberia realmente vários grupos nele, mas hoje está em reforma, já que um raio andou destruindo as telhas e contém infiltração por todos os lados, mas para a gente, pouco importa, não iremos ficar mesmo. O dia já ia pela metade, então nos apressamos em almoçar rapidamente e como por incrível que pareça, no cume há sinal de wi-fi potente, talvez o único pico no pais a contar com essa tecnologia, aproveitamos para fazer um live e juntar parte dos amigos, já que era também o último dia do ano de 2021. Alimentados, nos despedimos do cume e partimos com tudo, descendo a rampa de pedra quase correndo. A visão lá do cume deve ser soberba, mas não fomos agraciados com tempo bom, coisa que só aconteceu uns 200 metros abaixo dele, quando paramos para apreciar as largas vistas, mas está aí algo que pouco importa nessa montanha, porque certamente essa é daqueles em que o caminho é tão gratificante quanto ao cume. Antes de voltarmos para a ponte pênsil, encontramos um funcionário do parque que estava indo fazer algum reparo no cume. Trocamos meia dúzia de palavras e seguimos. Antes da subida, questionei a Julia sobre ela subir com uma bota novinha e ela desconversou, disse que estava de boa, mas ao passarmos novamente perto do córrego, onde tecnicamente seria a última água disponível, começou a mancar e a reclamar de bolhas. Ali já vi que teríamos problemas e quando retornamos a gruta, a lapa dos Morcegos, paramos para fazer um curativo e aproveitamos para roubar um gole de café que o guarda parque havia deixado sobre a mesinha. A Julia se arrastou até o casebre em ruínas e quando caímos novamente na estrada, já vi que a nossa intenção de visitar a Cachoeira do Rio Vermelho, havia ido por água abaixo. O carro do Parque passou por nós, a fim de ir buscar o funcionário que já voltava do Itambé e quando passou de volta, não nos furtamos em pedir uma carona, já que a Julia simplesmente sucumbiu às bolhas nos pés. Os caras do parque foram muito gente fina com a gente e ao saberem que pretendíamos visitar algumas cachoeiras, mas que havíamos desistido, ao chegarem na bifurcação da Cachoeira do Neném, rumaram para lá para que a gente pudesse vê-la, porque a estrada se estendia até ela. Pouco depois das 4 da tarde, demos saída do Parque Estadual do Itambé, nossa missão havia sido cumprida. Voltamos para o camping na Cachoeira da Fumaça e quando lá chegamos, o dia já se preparava para dar cabo de 2021 e para comemorar nossa ascensão, jantamos uma comida mineira ali mesmo no restaurante caseiro e fomos dormir e levantamos lá pela meia noite, bem a tempo de ....... voltar a dormir novamente, porque não estávamos a fim de outras comemorações, já nos bastavam as glórias daquele dia. Vinte longos anos se passaram até que eu pudesse riscar essa montanha da minha lista. Aquele bebê de outrora, não mais existe e hoje, eu mesmo, antes um jovem na casa dos 30 anos, não passo de um senhor de meia idade, mas que ainda continua teimando em subir montanhas, talvez na intenção de passar a perna no tempo e pior ainda, é quando olhamos para o horizonte e fazemos novas promessas, de novas travessias, de novas caminhadas, porque enquanto ainda tivermos a capacidade de sonhar, ainda vamos tentando enganar, se não ao tempo, ao menos a nós mesmos. Divanei Goes de Paula
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TABULEIRO X LAPINHA “Grande, enorme, gigante! É como um minúsculo nada que me jogo na grandiosidade daquele poço de onde despenca nada mais nada menos que a maior Cachoeira de Minas Gerais. O mergulho é meio estabanado devido a presença de rochas submersas, mas ao submergir das águas geladas, me lembro de outrora quando estivera naquele lugar há mais de 15 anos e sem muito titubear, boto forças no braço e tento alcançar o lugar donde as águas despencam dos 273 m de queda livre, mas o vento e as ondas criadas pelo deslocamento de ar me fazem tomar um rumo diferente e então nado na diagonal até me ver a salvo numa ilha rochosa. Tomo novamente a direção da cachoeira e meu olhar se perde nas alturas colossais e pulando de pedra em pedra, atravesso um arco-íris para me projetar atrás do grande véu aquático e lá me perco na euforia do momento. Nem me lembro mais quem sou eu, não sei se sou criança ou um homem de meia idade e por alguns minutos me entrego ao deleite que me assombra a alma, agora tomada por uma felicidade imensa, perdido na magia de uma das maiores atrações naturais do Brasil. “ A travessia Lapinha x Tabuleiro é um dos maiores clássicos em se tratando de caminhadas no país, mas por incrível que pareça, ainda se trata de uma ilustre desconhecida entre os grandes centros, ficando renegada apenas ao mineiros e alguns montanhistas mais safos. Claro que todo mundo que é ligado ao esporte pelo menos uma vez na vida já ouviu falar dessa travessia, mas a distância e a logística péssima, fez com que muita gente experiente acabasse por deixar essa travessia tradicional em segundo plano e eu não escapei de ser um deles, tendo ensaiado por várias vezes me enfiar naquelas paragens. Não posso dizer que desconhecia totalmente a Serra do Espinhaço porque já havia estado por lá tempos atrás, mas nunca para uma grande caminhada, sempre como turista, para visitar os parques nacionais e alguns vilarejos perdidos, como o próprio vilarejo do Tabuleiro. Tendo pelo menos 10 dias de férias, resolvi que era chegado a hora de riscar essa caminhada da minha lista e como o Anderson Rosa também estava com tempo sobrando, combinamos de emendar uma grande travessia no Espinhaço, nos perdendo por mais de uma centena de quilômetros entre o vilarejo do Tabuleiro, passando pelo Vilarejo de Lapinha da Serra e depois esticando até o vilarejo de Fechados e o que a gente achava que seria uma bela caminhada pelo serrado mineiro, acabou por se tornar uma grande aventura duríssima, porque onde a gente põe a mão ou no caso os pés , a gente tem o poder de transformar o passeio numa ida ao inferno, desnecessário, mas um dia a gente aprende.( rsrsrsrsr) (Conceição do Mato Dentro) Aproveitando a vinda de uns mineiros para capital paulista, que vieram assistir a final da Copa do Brasil de onde o time de Belo Horizonte levou a taça ganhando de um timinho de Itaquera, pegamos uma carona combinada no aplicativo e picamos a mula para a capital mundial do pão do queijo e às nove da manhã já havíamos sidos cooptados por uma lotação que iria nos levar de Belo Horizonte até o município de Conceição do Mato Dentro, que por sinal, havia mudado pouco desde que lá entive no início dos anos 2.000, continuava o mesmo fim de mundo de sempre. Conceição é daquelas cidades minúscula, onde certamente o Judas teria perdido as botas, mas nosso destino seria ainda mais distante, talvez lá para onde o Judas passa férias. Convencemos um taxista a nos dar um desconto e nos levar para o vilarejo de Tabuleiro distante quase 30 km, mesmo com as nuvens enegrecidas que ameaçavam desabar e transformar as estradas de terra num atoleiro. Numa viagem quase que interminável, tendo que fazer desvio por caminhos pouco dantes navegados, chegamos ao Tabuleiro na parte da tarde e fomos desovados num lugar vazio e em meio as chuvas que acabaram vindo, como o prometido. (vilarejo do Tabuleiro) O vilarejo conta com um amontoado de casa distribuídas em formas aleatórias, espalhadas pelo terreno montanhoso e seu centrinho fica num lugar estranho, uma subida abaulada e do ponto mais alto desponta uma igrejinha magnífica que foi reformada há pouco tempo e faz o charme do lugarejo. Deixei o Anderson cuidando das mochilas e fui ver uma vaga no camping na entrada da vila, aliás, o mesmo que havia ficado gratuitamente 15 anos atrás e que hoje era administrado por um senhor que cobra um preço camarada para se instalar com barraca( 15 reais), mas como ainda era cedo, resolvemos dar uma voltar e tirar umas fotos da singela igrejinha e foi lá que conhecemos o Dinei, morador local que nos emprestou um sinal de internet e por fim nos ofereceu a construção de uma lanchonete para que pudéssemos passar a noite. Na manhã seguinte sem muita pressa e depois de um bom café, jogamos as mochilas nas costas e partimos para o início da trilha que está a quase 4 km do vilarejo, mas não demorou muito e ao passar por nós uma perua escolar que se dirigia para a portaria do Parque do Tabuleiro, não nos furtamos em esticar o dedo e angariar uma carona salvadora. O Parque Municipal e Natural do Tabuleiro engloba boa parte dessa travessia e é o guardião da cachoeira de mesmo nome. Esse parque nem existia quando por aqui estive em 2003 e hoje conta com uma portaria que cobra 10 reais para se acessar a queda d’água, mas fornece coletes salva-vidas para todo mundo, além de ter estruturado quase toda a trilha, instalando tablados e passarela para dar acesso para todo mundo, um exemplo a ser seguido por qualquer parque. Quem vai fazer a travessia para Lapinha da Serra e não vai até a cachoeira nem precisa pagar, mas esse não era o nosso caso porque fazer a travessia sem ir ao grande poço da queda é de uma burrice gigante porque talvez essa seja uma das grandes atrações naturais do Brasil. Explicando melhor, existem dois caminhos: o tradicional que vai passar pela direita da Cachoeira e vê-la apenas do mirante e o alternativo que vai contornar pela esquerda, subindo em paredão íngreme e já saindo no topo da cachoeira, claro que existe a opção de ir até onde a queda despenca, voltar e escolher qualquer caminho, mas como veríamos no decorrer dessa travessia, são poucos os que escolhem fazer essa travessia partindo do Tabuleiro, a grande maioria prefere partir de Lapinha da Serra. Sempre pensei que esse caminho escolhido pela maioria seria para deixar a grande atração do roteiro para o final, a grande cereja do bolo, finalizar com um grande banho na Cachoeira do Tabuleiro, mas depois descobriríamos que o grande motivo seria outro. Nos despedimos dos guarda parques e viramos à esquerda e já pegamos a trilha que nos levaria até embaixo da queda do Tabuleiro. Como relatei, um caminho todo demarcado e com infraestrutura para que pessoas de idade e crianças possam seguir com segurança, mesmo que seja uma trilha puxada para esse seguimento, não se gasta pouco mais de uma hora até cachoeira. O Caminho é lindo demais e aos poucos a queda d’água vai se mostrando imponente e vai devastando a nossa capacidade de medir tamanhos. Vamos perdendo altitudes , passando por alguns mirantes incríveis e quando menos esperamos já estamos com os pés do Ribeirão do Campo de águas avermelhadas e escuras, um colorido único que vai rasgando a vegetação rupestre e aí vamos pulando de pedra em pedra, atravessando o rio em ziguezague, ás vezes somos jogamos para às margem e somos obrigados e transitar por dentro da vegetação, mas sempre seguindo setas pintadas caprichosamente para facilitar a passagem sem que tenhamos que molhar as nossas botas, pelo menos na época da primavera quando o rio está menos cheio . A cada passo dado em direção aos pés da grande queda, mais fascinante vai ficando o passeio, a vontade é largar mochila e tudo mais para trás e sair correndo e se jogar aos pés desse deus em forma líquida e se banhar no seu glorioso manto molhado, porque mais que um prazer é mesmo uma grande honra poder estar num lugar único como aquele. Quando estacionamos nossos corpos extasiados junto ao grande poço de águas escuras, apenas 4 ou 5 testemunhas se refrescavam naquela sexta feira de outubro. O sol incidia direto no poço e o véu da maior cachoeira de Minas Gerais e a terceira mais do país, se espalhava numa dança frenética, num vai e vem belíssimo e para nossa sorte, a Grande CACHOEIRA DO TABULEIRO havia sido encorpada pelas chuvas do dia anterior. Ela estava tão bela quanto 15 anos atrás, quando também pegamos ela com um volume alto e não demora nada para eu me despir da minha pele fabricada e me atirar nas águas frias e tentar nadar em direção ao véu, mas por mais que eu me esforçasse, foi impossível prosseguir por causa das ondas e da correnteza que insistia em me jogar de volta para as margens, então apenas nadei bravamente até uma pedra submersa e com um dorso de baleia aparente e lá ganhei fôlego, preferindo agora seguir pela margem esquerda até me posicionar embaixo dos 273 metros de queda livre e lá sentir toda energia daquele monstro caindo sobre minhas costas. Os minutos que lá passei foram uma eternidade, gritei palavras desconexas, frases sem sentido, invoquei a minha infância com todo o vigor da minha alma, eu estava feliz como poucas vezes estivera antes. Deixamos a grande cachoeira para trás e voltamos a descer o rio, agora na intenção de encontrar a trilha que nos levaria para o topo dela. Sabíamos que o nosso caminho seguiria para a direita de quem desce e logo depois de uma pequena grutinha localizamos um totem de pedra que nos indicou por onde deveríamos subir, mas basicamente essa trilha sobe o barranco do outro lado do rio pra quem vem lá da sede do parque, no nosso caso que estávamos voltando da cachoeira , tivermos que fazer uma escalaminhada inicial até que a trilha se consolida de vez e fica bem visível , toda forrada com pedrinhas brancas e quando se chega ao alto, pegamos para a direita numa placa do parque , junto a um amontoado de telhas . Vamos caminhado, agora mais em nível, meio que paralelo ao grande morro de onde a cachoeira desaba, mas logo se percebe que deveremos subi-la contornando o morrão pela sua esquerda. Quando nos aproximamos de vez da montanha continuamos subindo até um grande patamar para descobrir que havia mais um grande morro para ser cruzado, mas como acabei desgrudando os olhos do traklog passado por uns amigos mineiros, acabamos nos enfiando nesse patamar e seguindo reto, varando uns arbustos até darmos com os burros n’água. Verdade mesmo que o nosso burro não chegou nem perto da água, acabamos saindo no alto do penhasco com a visão do rio lá embaixo, sem conseguirmos descer sem que fosse preciso sacar de uma corda. (Ribeirão do Campo) Bom, o Anderson já estava pistola comigo porque havíamos caminhado numa subida do cão e não fomos dar em lugar nenhum. Eu até tentei achar um caminho para tentarmos descer para ver a cachoeira despencando no vazio, mas acabei por desistir e como ele já estava aporrinhando para voltarmos para trilha correta e com toda razão, interceptamos um rabo de trilha e navegamos beirando o Ribeirão do Campo pelo alto até conseguirmos perder altitude e nos acabarmos de tanto beber água. Enquanto o Andersom se acabava numa cachoeirinha, desci o rio para bater umas fotos de umas cachoeiras maiores e até pensei em seguir o rio pela margem até para ver a Tabuleiro despencando no vazio, mas achei que gastaria muito tempo para ir e voltar e como a tarde já ia pela metade, voltei para onde estava o Rosa, comemos um lanche e partimos. A sequência do caminho é do outro lado do rio, passamos por uma bifurcação para a direta que provavelmente levará para vistas do salto da cachoeira e continuamos subindo. Não é um grande desnível, mas é uma trilha longa para quem já teve que vencer o desnível desde o pé da cachoeira com a mochila carregada. Vamos caminhando devagar, desprezando algumas bifurcações que provavelmente servirá de atalho para a trilha principal que vem lá da sede do parque e quando o terreno nivela, vamos nos perdendo naquela vastidão sem fim, tentando adivinhar para onde seguirá nosso caminho, mas logo ao cruzar uma porteira, nos damos conta que devemos manter os olhos bem presos ao chão, ainda mais depois de quase pisarmos numa jararacuçu. Nosso traklog indicava que estávamos perto do camping e apoio do seu Zé, mas somente quando a noite caiu foi que conseguimos enxergar as luzes ao longe que nos serviu de guia. Debruçado na janela, seu Zé nos recebe com um boa noite e uma galera de Belo Horizonte se espanta com nossa chegada tão tardia. Seu José nos autoriza a montarmos nossa barraquinha na varanda, muito porque as nuvens negras que nos acompanhou a tarde toda ainda ameaçavam desabar, mas não choveu e logo após um banho gelado e uma janta quente, nos jogamos na nossa casa de mato e só acordamos quando o sol veio nos avisar que era hora de retomarmos mais um dia de caminhada. Nos despedimos dos nossos anfitriões e partimos pela trilha que agora se parece com uma estradinha e que se inicia atrás da casa, logo depois da porteira. As vistas se alargam muito e a caminhada vai seguindo com pouco desnível por caminho muito obvies e de fácil navegação, tão fácil que a gente bobeou e ao invés de pegarmos a trilha para a esquerda 1 km depois do camping, passamos reto e seguimos enfrente pelo caminho aberto por mais 1600 m e só percebemos o erro porque nos vimos diante de uma bifurcação. Diante da burrada e da pernada desnecessária, resolvemos não voltar e sim varar mato pelo cerrado, mas agora sem tirar o olho do gps do celular que apontava que o nosso caminho deveria seguir para o sul, totalmente oposto do caminho que estávamos seguindo. Cortar caminho sem trilha em campos de altitude não é problema e é até prazeroso poder deslumbrar um tanto de novas plantas rasteiras do qual não estamos acostumados a ver e menos de meia hora depois reencontramos a nossa trilha bem onde uma ponte natural feita de raiz cruza um riacho. Mais 1 km de caminhada em campos abertos e vamos passando por uma espécie de brejo, que vai cortar dois capões de mato a distância, com uma formação rochosa muito bonita a direita e uns 15 minutos depois desembocamos num rio lindo com água abundante, cor de coca-cola e depois de um gole d’água, cruzamo-lo para o outro lado e vamos subindo levemente por mais vinte minutos até cruzarmos a porteira e a placa que delimita o início do Parque natural do Tabuleiro e ganharmos a rua de terra. Nosso caminho segue na estradinha para a esquerda, mas não dá nem 200 metros já interceptamos um rabo de trilha saindo para a direita e vamos descendo em direção a CASCALHEIRA , uma passagem muito bonita , quase uma fenda que vai despencando montanha abaixo, contornado o abismo até ganhar o fundo do vale, num plano muito bonito, todo florido e com caminho estreito já com vista para os picos que compõe toda essa paisagem lindíssima. O caminho é bem gostoso de ser trilhado e o esforço é mínimo por não haver nenhum desnível considerável e meia hora depois cruzamos mais um riachoem meio a uma matinha, no qual paramos para matar nossa sede e refrescar nossa moleira já que o sol não estava para brincadeira. Seguimos até que a trilha se enfia dentro de um capão de mato e sobe beirando uma cerca de arame até desembocar numa porteira, onde é possível avista ao longe uma casa do lado direito. A partir de agora o Pico do Breu já nos acena com um convite para subi-lo e vamos descendo em direção a ele e ao Rio Parauninha e logo quando passamos em frente do lugar marcado para pegar à esquerda e seguir para a área de acampamento da Dona Ana,resolvemos mandar o traklog as favas e cortar caminho direto para o Pico, como se ele próprio tivesse nos enfeitiçado. Abandonamos, portanto, a trilha batida e fomos traçando um caminho com o GPS até reencontrarmos no fundo do vale o RIO PARAUNINHA, com suas águas vermelhas e convidativas. Depois de um breve descanso e de termos localizado a trilha que vai galgar a encosta do Breu, recolhemos um litro e meio de água por pessoa, já que não sabíamos se teríamos fontes no topo ou a caminho do dele. A subida é meio confusa, as vezes os totens dão o caminho, outras vezes a trilha aparece em meio às pedrinhas brancas, mas a única coisa que não deixa de ser óbvia é que tem que tocar para cima e foi aí que a gente descobriu porque absolutamente ninguém costuma fazer esse roteiro vindo de Tabuleiro e somente de Lapinha da Serra. É uma subida dos infernos, principalmente para quem como nós está com uma mochila carregada para 10 dias de travessias. Vamos ganhando terreno metro à metro, centímetro à centímetro e quanto mais se sobe mais difícil vai se tornando o caminho. Eu já não vinha passando muito bem por causa do clorim que usamos para tratar a água, coisa que eu sabia que sempre me fazia mal. Estava com cólicas terríveis por causa de uma dor de barriga e aquele diabo daquela trilha não arrefecia de jeito nenhum. Para piorar o tempo fechou no cume e as nuvens desceram violentamente e nos pegou nas encostas. Quando a gente pensava que estava chegando, sempre aparecia outro ombro para ser galgado e eu já estava quase mandando aquele cume a merda e acampando em qualquer lugar, mas como o Rosa acabou se adiantando, me vi na obrigação de tentar acompanha-lo, muito porque, o abrigo estava com ele. Claro, poderíamos ter evitado tudo aquilo, poderíamos apenas ter seguido pelo caminho tradicional e não subir o Pico, apenas contorna-lo, mas não, a gente tem que inventar moda e escolher a porra do pior caminho. O Andersom sumiu das minhas vistas, fiquei para trás me contorcendo e me arrastando em meio a vegetação de altitude, sem saber se estava indo para o lado certo ou não e quando o terreno se estabilizou e galguei uma parte plana, avistei um grande totem de pedra que marcava os 1.687 metros do cume do PICO DO BREU, joguei minha mochila ao chão e dei por encerrado aquele dia de caminhada, hora de procurar um lugar para acampar e fazer uma janta quente. O Pico do Breu é o ponto mais alto do caminho e a vista lá de cima é realmente deslumbrante, mas por causa do mau tempo no cume, conseguimos ver muito pouco e por um breve espaço de tempo, toda a crista que vai levar ao Pico da Lapinha. Assim que escureceu, o tempo fechou de vez e uma garoa fina tomou conta do lugar. Não havia nenhum sinal de acampamento no topo, muito porque deve até ser proibido e além do mais, quem parte de Lapinha da Serra deve chegar aqui super sedo, sendo desnecessário acampar aqui, mas não é o nosso caso e então, depois de tirarmos algumas pedrinhas de um lugar mais plano, montamos nossa barraquinha e fomos tratar do jantar. Enquanto o Anderson cozinhava, perguntei para ele se não seria bom tentar esticar a lona superior da barraca com algumas pedras e como ele achou meio desnecessário, não dei muita liga, afinal de contas eu ainda estava envolto com minhas cólicas abdominais e estava querendo era ficar quietinho, mas essa atitude preguiçosa iria nos cobrar um preço. A neblina que durante o dia havia varrido o topo do Breu, à noite se transformou em uma garoa fina e os ventos açoitaram nossa barraquinha fazendo com que a lona de fora grudasse na de dentro e tudo o que era seco se encharcou. Estávamos tão cansados que ninguém se animou a sair lá fora com o mal tempo para tentar esticar a lona e de manhã ainda tivemos a cara de pau de praguejar contra as forças da natureza ao invés de aceitar nossa incompetência. Mesmo molhados, ficamos deitados até tarde, meio que em estado letárgico, sem coragem de levantar e encarar o tempo ruim que ainda persistia e só quando não houve mais jeito foi que tomamos coragem e resolvemos enfrentar o nosso destino. Rapidamente desmontamos tudo e jogamos para dentro das mochilas e saímos voados do cume, mas não fomos muito longe porque logo nos vimos perdidos na encosta depois que o cume acabou. Acontece que a descida é pela esquerda, numa fenda que despenca logo para baixo, mas o mal tempo nos fez rodarmos um pouco mesmo seguindo pelo traklog do gps. A descida é rápida e o caminho curva-se para a esquerda e ao atingir a crista se nivela e vamos galgá-la em direção ao Pico da Lapinha. O caminho com tempo ruim é meio confuso, mas ao longe avistamos umas estacas pintadas de azul, passamos por algumas nascentes que nos ajuda a repor a nossa água que nos faltou no cume do Pico do Breu e uma meia hora depois, talvez um pouco mais, chegamos à uma bifurcação. Para a esquerda é a descida que poderia nos levar para o Rio Parauninha e interceptar a trilha tradicional, e para a direita é a continuação para o Pico da Lapinha e a sequência da trilha que também poderá nos levar para o próprio vilarejo de Lapinha da Serra. Mesmo com mal tempo resolvemos seguir pela crista da serra e pouco mais de 3 km depois interceptamos a própria trilha final que vai subir ao cume do PICO DA LAPINHA. A vista lá de cima deve ser soberba, mas com o tempo fechado como estava, achamos perda de tempo e esforço inútil, então passamos direto, agora nos guiando por estacas vermelhas, o que nos deixou curioso para saber quem havia sinalizado tão bem essa crista de montanhas, jamais havíamos visto isso em lugar nenhum, mas não tardaríamos em saber que isso tinha seu preço. Da entrada para o pico da Lapinha, a trilha vai perdendo altitude e uns 15 ou 20 minutos depois demos de cara com um surpreendente abrigo de montanha, todo bem conservado e até com fogão à lenha e banheiros limpos. Imaginamos que poderia ser a sede do parque, mas logo saberíamos do que se tratava. O lugar aonde foi construído o abrigo é lindíssimo, mas um pouco exposto e o vento que vinha encanado pelo vale estava de congelar, ainda mais porque estávamos molhados, então tiramos algumas fotos da paisagem e do Pico da Lapinha e descemos rapidamente, tentando sair de dentro das nuvens para alcançarmos o sol que iluminava o vilarejo que já estava à vista. A trilha vai descendo para valer e o horizonte vai se alargando até podermos ver o grande lago que deixa tudo mais encantador. De degrau à degrau, vamos cada vez mais nos aproximando do vilarejo, passamos por um rio de onde placas indicam haver cachoeiras, mas já não nos alegramos mais em ir conhecer, queremos mesmo é poder finalizar essa travessia o quanto antes a fim de nos aquecer e poder comer algo porque o estomago já está nas costas. Uma última curva nos leva até uma casa e uma porteira nos fecha o caminho de onde duas pessoas nos aguardam babando para nos interpelar sobre o caminho que fizemos. Foi ali que descobrimos que todos aquelas cristas e montanhas ficavam em área particular e que a tal construção se tratava de uma portaria para cobrança do acesso. Tivemos que responder um monte de perguntas, mas a nossa astúcia de montanhistas antigos já nos fez optarmos pelos famosos “migués”, demos uma de “João sem braço”, dizendo que não sabíamos de nada e que havíamos acampados em um lugar distantes, tão distante que nem nós sabíamos explicar onde ficava. Enfim, nos deixaram passar sem cobrar os 25 reais pela passagem por suas terras, mas nos avisaram que da próxima vez teríamos que pagar. Balançamos a cabeça, ainda nos fazendo de bobos, nos despedimos dos cobradores de impostos e seguimos nosso caminho passando pelo campinho de futebol até finalmente desembocarmos num camping junto ao minúsculo vilarejo, num fim de mundo sem sinal de celular ou quaisquer outras modernidades. O dia mal havia chegado a sua metade, poderíamos nos pôr a caminhar por mais uns 10 km e ganhar o povoado de Santana do riacho de onde poderíamos tentar um ônibus para Belo Horizonte, mas apesar de termos chegado ao final dessa clássica travessia, nossas pretensões era seguir caminho para outro vilarejo perdido na Serra do Espinhaço, mas a travessia para FECHADOS é outra história, uma outra aventura surpreendente que será contado em um momento oportuno. A travessia Tabuleiro x Lapinha ou vice-versa é sem dúvida uma das mais clássicas travessias de todo o Brasil e conta a seu favor o fato de estar afastada dos grandes centros como Rio e São Paulo, o que faz dela ainda uma caminhada deslumbrante devido ao pequeno fluxo de pessoas, mas muito mais do que isso, é poder caminhar em um ambiente onde a farofa ainda não chegou e ainda é possível andar sem ver um único vestígio de lixo e muito menos tropeçar em banheiro humano largado em qualquer lugar e só isso já valeria qualquer sacrifício, mas não é só isso, esse roteiro tem a honra de poder lhe apresentar nada a menos que grandiosa Cachoeira do Tabuleiro que com certeza constará em qualquer lista das grandes atrações naturais do país e como bônus esse roteiro nos apresenta também o fantástico Pico do Breu e sua serra pontilhada por outras montanhas incríveis , incluindo o Pico da Lapinha. Nosso primeiro contato com o Espinhaço fez com que a gente ficasse completamente deslumbrados com essa serra, porque descobrimos caminhos e possibilidades ainda quase que inexplorados ou ao menos conhecidos apenas pelos nativos do Estado e uma vez picado pela mosca do Serrado é impossível deixar de se apaixonar por essas veredas. Divanei Goes de Paula - outubro/2018 AGRADECIMENTOS: Aos mineiros Francisco Cardoso ( CHICO TREKKING) e ao Robson Oliveira ( TRILHANDO TREKING) , foram os nossos contatos em Minas Gerais e se há alguém capaz de guiar ou passar informações, esses são os caras e a eles todo o meu respeito e admiração.
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