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Refúgio Otto Meilling – Paso de Las Nubes Depois de um dia mais descansado em Pampa Linda, após a travessia Colônia Suiza-Pampa Linda, parti rumo ao refúgio Otto Meilling, um side trip altamente recomendado. O nome do refúgio é uma homenagem a um dos pioneiros do andinismo na região, segundo homem a subir no Tronador (3.478 m) e um dos que tinham mais ascensões nesta montanha. A última ele fez com mais de 70 anos. Logo ao sair dois argentinos chegaram de carro e me perguntaram pelo início da trilha. Após dar a informação segui. Depois de cerca de 40 minutos percorrendo uma estrada de terra cheguei as margens do rio Castaño Overo, onde uma ponte de aço conduzia ao outro lado do rio e lá iniciava a subida por uma estrada em zig-zag. Aproveitei para guardar algo na mochila e os dois argentinos me alcançaram e seguiram na frente. A estrada obviamente era para veículos com tração 4X4. Algumas trilhas fazendo o atalho entre as curvas da estrada estavam fechadas pelos guardaparques para regeneração da trilha (elas provocam erosão). Algumas já tinham inclusive troncos caídos atravessados na trilha, o que impedia o uso do atalho. Confesso que para ganhar tempo não respeitei alguns destes avisos de trilha fechada, pois o longo zig-zag da estrada fazia perder algum tempo. Nisto acabei ultrapassando os argentinos que me viram e gritaram “Así no vale!” Os dois eram muito brincalhões e simpáticos. Acabei me juntando a eles e subimos conversando. Gustavo (de Bariloche) estava guiando Gerardo (de BsAs), amigo e colega de trabalho, para visitar o refúgio. Ambos eram fotógrafos amadores e queriam tirar boas fotos lá em cima. Caminho bonito entre altos coihues. Com pouco tempo de subida via-se uma bifurcação a direita com a placa “Paso de Las Nubes”. Teria de descer para este ponto no dia seguinte. Mais adiante uma bifurcação a esquerda com a indicação “Glaciar Castaño Overo”. A trilha subia a encosta do Tronador pelo vale do rio. Provavelmente este vale foi escavado a 10 mil anos atrás na última era do gelo pelo agora reduzido glaciar Castaño Overo. Depois de cerca de 2 horas chegamos num ponto que marcava o fim das altas lengas e começava a lenga arbustiva. Iríamos agora para um trecho mais exposto aos ventos na crista de um contraforte do Tronador, que ficava entre os vales dos rios Castaño Overo e do Alerce. Fizemos uma pausa para um sanduíche e para colocar os abrigos, pois sem as árvores a chuva fina e o vento fariam um estrago se tivéssemos desabrigados. O dia continuava como ontem, nublado e chuvoso (na maior parte do tempo caia uma llovizna). Seguimos. Havia mais adiante um platô descampado onde os burros de carga chegavam com os suprimentos do refúgio e ali descarregavam. Dali para cima os refugieiros tinham que levar nas mochilas. Haviam locais com excelente vista para o vale e o glaciar Castaño Overo. Mais uma hora estávamos acima da linha das árvores, não tinha sequer arbustos, num mundo de rocha negra. O solo era diferente de tudo que vira antes. Claramente lava petrificada. Pircas e marcas de pintura branca nas pedras indicavam o caminho. Mas em dado momento as nuvens baixaram (ou nós subimos até elas) e a visibilidade caiu para apenas 20 metros adiante. Fiquei com receio de ficar perdido. O Gustavo me tranquilizou. Já estivera ali antes e disse-me que seria fácil chegar no refúgio. De fato volta e meia surgia um clarão nas nuvens e dava para ver o próximo marco. Mesmo que novamente baixasse a cerração já teríamos a direção geral a seguir. Gerardo fechava a fila pois estava sentindo a perna. Eles estavam com a mochila bem menor e mais leve pois dormiriam no refúgio e não levavam tenda e comida para mais 3 dias como era o meu caso. Com aproximadamente uma hora e meia neste terreno lunar, tenebroso e ao mesmo tempo mágico e fascinante surgiu de repente uma construção a nossa frente. Parecia uma igreja com um campanário bem no centro do telhado. Num acometimento religioso quase me ajoelhava e rezava dando graças por ter chegado, pondo fim aquela subida cansativa, fria e molhada. Descobrimos que esta primeira construção não era um refúgio mas apenas um depósito deste. Vislumbramos outra construção fantasmagórica mais acima. Seguimos para lá e vimos que se tratava também de um depósito. Avistamos mais acima outra construção. Desta vez o refúgio. A construção mais velha de todas. As outras pareciam bem recentes. Realmente da crista que descia do cerro Punta Negra tinha avistado com o monóculos o que pareciam ser 3 construções no Tronador (vide “Travessia Colonia Suiza- Pampa Linda). Era isto que estava ali. Entramos no refúgio. No salão (uma cozinha americana – restaurante), a madeira ardia dentro de um calefador, onde fomos logo nos encostando junto ao fogo. Tivemos de deixar as mochilas no hall de entrada. Cheio de regras este refúgio mas, a bem da verdade, era o mais limpo e organizado de toda a Patagônia, que até agora havia visitado (pouco mais de 10). Tinha até uma adega onde descobri, lendo a carta de vinhos, que tinha vinho de mais de AR$$$$ 500. Negócio chique. Tanto que o refúgio custava AR$ 75, mais caro que os demais onde estive (cerca de AR$ 60). A obrigação de só subir sem botas e sem mochila para o sótão (quarto coletivo) também davam um aspecto limpíssimo ao dormitório, também o mais limpo até agora. Fiquei na dúvida se dormia dentro ou montava minha barraca lá fora, economizando os 75 pesos. O problema é que não tinha muitos pesos e não queria trocar dólares num câmbio ruim. E tinha que reservar AR$ 250 para pagar a travessia de barco da laguna Frías – lago Nahuel Huapi, após cruzar o Paso de las Nubes (caso contrário teria de voltar tudo a pé para Pampa Linda). Mas o vento, o frio e a chuva me fizeram optar por dormir no refúgio. Descobri que depois de pago o refúgio me sobraria ainda AR$ 257! Em Bariloche trocaria mais dinheiro num banco. Sentei numa espécie de divã de psicanalista ao lado do calefator, com as meias dos pés encostando na parede dele. Lia com prazer o “Sete anos no Tibete”, de Heinrich Harrer, imaginando estar no Himalaia. Minhas coisas molhadas estavam penduradas numa espécie de varal acima do calefador (todo refúgio que se preze tem isto). Pedi para pendurar minha tenda túnel que ainda estava úmida, para ela não passar outra noite molhada na mochila. O refugieiro logo se interessou pela minha Ligthwave T0 Trek, dizendo que era isto que procurava, algo que fosse 4 estações e leve. Perguntou se queria vender. Observei que é prática entre muitos refugieiros comprar equipamentos e vestimentas outdoor usados dos estrangeiros que ficam hospedados. Assim teriam boas coisas a bom preço. Expliquei-lhe que ainda faria o Paso de las Nubes e que, portanto iria precisar ainda da barraca. Me chamou a atenção que a lenha e o gás são transportados para o refúgio uma vez por ano, de helicóptero. A eletricidade era de um gerador eólico. O rádio na verdade era um telefone celular com uma antena potente, fixa no refúgio. Assim podemos ligar para lá e reservar lugar. Visitei o local de acampe. Sólidas muretas de pedra em semicírculo ficavam a poucos metros do refúgio, na direção Oeste. Tinham que ser assim porque a força dos ventos no Tronador é famosa. Estávamos a quase 1.900 metros de altura. Uma placa de bronze numa rocha homenageava soldados do batalhão de Montanha do Exército Argentino, sediado em Bariloche, que morreram após atingir o cume do Tronador. A placa era de 2001. Voltei para o quentinho do refúgio após curtir um pouco a neblina e o frio (assim é bão!). Mais tarde saí novamente com Gustavo e Gerardo quando as nuvens deram um tempo. No glaciar Castaño Otero tiraram fotos, inclusive comigo, pois comentei que tinha deixado minha câmera cair na água. Foram muito legais e me enviaram depois as fotos por e-mail. Quando voltamos para o refúgio, ele tava cheio. Um monte de mountain bikes largadas na frente. Uma equipe americana estava rodando um vídeo. Soubemos depois que o ministério do turismo tinha contratado esta equipe para fazerem um vídeo promocional do turismo na Argentina. Vieram pedalando. Apenas no último trecho (hora e meia) tiveram que carregar as bikes, no campo de lava que era muito acidentado. Uma galera barulhenta, tomando uma cerveja para comemorar a subida. Os guias argentinos do grupo disseram que eram uma equipe de elite dos Estados Unidos (de alta gama, como dizem na língua espanhola). Havia também chegado uma equipe de alpinistas que iria subir o Tronador nos dois dias seguintes. Montaram a barraca (uma TNF Mountain 25 versão nova) num dos cercados de pedra. Já estava perto do fim da estação de escalada da montanha (até meados de março). Fiz meu jantar do lado de fora (não pode ter fogareiro dentro, ao contrário de outros refúgios). O refugieiro fez um assado no forno com batatas que estava com um cheiro maravilhoso, de babar. Um ambiente muito agradável a luz de velas e música. Gustavo e Gerardo jantaram a comida do refúgio e ofereceram uma taça de vinho para mim, que estava contando os pesos. Sono bom e agradabilíssimo, quente, sem necessidade de dormir encasacado. Fotos tiradas por Gustavo. Glaciar Castaño Overo ao fundo. Depois continuo o relato.