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The woods are lovely, dark and deep, But I have promises to keep, And miles to go before I sleep, And miles to go before I sleep. - Robert Frost, “Stopping by Woods on a Snowy Evening” Aproveitei outra vez uma viagem de férias com a família e tirei 4 dias para um trekking. Meu filho ainda é pequeno para ir nestas empreitadas mais puxadas. A ideia já alimentava há algum tempo. A seleção do lugar deveu-se a proximidade de Barcelona (5 horas de viagem) e por ser possivelmente o trecho mais bonito dos Pirineus. O local é protegido pelo P.N. Ordesa y Monte Perdido, considerado um dos 10 mais bonitos da Europa. Espetacular, maravilhoso, fantástico, eram as palavras que mais me vieram a cabeça durante o trekking. No relato vou postar as fotos do iPhone. Depois posto as da máquina fotográfica. Domingo, 18 de octubre. Peguei um autobus na estació Sants, de Barcelona para Barbastro, as 14 hrs. Cheguei na cidade as 17:00 e esperei até 19:40 para pegar a conexão para Broto. No tempo de espera deu para fazer um tour a pé e visitei os atrativos históricos da simpática Barbastro. Cheguei em Broto as 21:30. Cidade de 520 habitantes, 905 m. de altitude. Direto para o banho e cama. Já havia jantado em Barbastro. Primeiro dia, lunes, 19 de octubre Acordei 7 da manhã, tudo escuro. Só clareia a partir de 8 horas. Comecei a subir de Broto para Torla as 8:30. Friozinho agradável. Percorri os 4 Km da estrada em zig-zag em cerca de 40 minutos. Não dá para cortar caminho entre as curvas da estrada porque há barrancos e senti que os fazendeiros não gostam que cruzemos pelas terras deles. No meio da subida uma entrada à direita para Torla (a estrada continua a subir para Linás de Broto). Um velhinho andava no acostamento com um bastão de madeira, olhando para o chão. Perguntei se buscava setas (cogumelos) e ele respondeu que não, procurava pegadas de javali. A estação de caça breve começaria e todos estavam ansiosos. A entrada de Torla é um cartão postal. A torre de pedra da igreja medieval contra o fundo da entrada do cânion de Ordesa, o paredão de Mondarruego, é espetacular. A vila tem 363 habitantes, 1.030 metros de altitude. Fui na sede do parque, no começo da cidade. Tem uma área grande de estacionamento e um centro de exibições. A guarda-parque informou que não precisava fazer registro. A entrada é gratuita. Perguntou de onde era e pareceu um pouco surpresa ao saber que sou brasileiro. Parece que não vem muitos compatriotas por estas bandas. Deu-me um mapinha numa folha de papel oficio, mas era apenas orientativo, e mostrava só a área do Cânion de Ordesa. Saí da sede, contornei um pequeno túnel só para carros, que ficava debaixo da torre da igreja de Torla e, em seguida, peguei uma descida para o rio Ara. A antiga ponte de pedra, Puente de la Glera, merece fotos. Logo depois de cruza-la tomei um caminho de terra à esquerda, margeando o rio. Ele começa a subir lentamente para a entrada do cânion. Lá começam a aparecer as primeiras marcas da famosa GR11 - Grand Randonne 11, a trilha que atravessa todos os Pirineus, do Atlântico ao Mediterrâneo. O sinal são duas faixas horizontais, em cima, branca, embaixo, vermelha. Tirei o agasalho, pois começava a esquentar e a subida exigia esforço. A partir da entrada do cânion a beleza do outono explodiu. Árvores com folhagens amarelas, vermelhas, ocres, laranjas...O chão em certos trechos estava coberto de folhas. A trilha ladeava a margem esquerda verdadeira do rio Arazas,, o rio que cavou Ordesa, dentro de um desfiladeiro de calcário. Eu observava lá de cima as cascatas de Molinieto, Tomborrotera e Abelos, que aparecem em sucessão. Na outra margem do Arazas uma pista asfaltada de carros subia serpenteando rumo ao centro de visitantes dentro do parque. Vi a ponte de Briet, o divulgador das belezas deste lugar, no Século XIX. Uma placa de bronze o homenageava. Pouco depois, já na Pradera de Ordesa, perto do centro de visitantes/estacionamento, há várias pontes. Não fui até o centro, porque ficava na outra margem. Sequer o avistei pois estava oculto entre as árvores. Neste trecho os caminhos são bem cuidados, em meio a um maravilhoso bosque de hayas com cores outonais. Muitos turistas, que vieram de carro ou van andam no máximo até a puente de Arripas. Alguns ainda sobem ao Circo de Soaso. Parava a todo instante para sacar fotos. Havia uma grande quantidade de fotógrafos, amadores ou não, com tripés e excelentes câmeras, todos querendo tirar as melhores fotos daquele espetáculo. Parecia até que estava ocorrendo um concurso de fotografia. Continuei percorrendo o fundo do cânion. Ao alcançar a puente de Arripas, comecei a subir para outro patamar mais alto. Neste desnível temos lindas cachoeiras, Arripas, de la Cueva, do Estrecho. Peguei uma trilha mais acidentada e empinada, porém permitia passar por todas as cascatas e tirar fotos. Cheguei ao topo por volta de 14 horas. Esta é uma das áreas mais maravilhosas do cânion, com um bosque de hayas extremamente belo. De distância em distância haviam pequenos refúgios de madeira, alguns contendo botequins de primeiros socorros. O vale começa a fazer uma curva para nordeste/norte. Ordesa é um cânion que tem um formato de um dedo indicador fazendo um gancho. Mais um trecho plano, em seguida as Gradas de Soaso, com uma série de pequenas cachoeiras. Neste local o espetacular são os paredões do cânion, bem visíveis. Podia ver onde provavelmente corria a Faja de Pelay, uma falha geológica horizontal, um caminho alternativo, a meia altura do paredão do canion. Há também a temida Faja de las Flores, uma falha estreita, um caminho de no máximo um metro de largura entre um precipício vertical de 100 metros e um barranco. Apenas para quem realmente não tem medo de altura. Infelizmente meu roteiro não permitia voltar pela Faja de Pelay, mais fácil, menos tensa. Após subir as Gradas, cheguei ao Circo de Soaso, o final da parte principal do cânion. Ao fundo a Cola de Caballo, cachoeira bonita. Tirei fotos, comi algo e me apressei a subir para o refúgio de Goriz, que fica acima. Uma trilha à direita subia em zig-zag. Outra, mais direta, vertical, subia através de clavijas (cravos). Optei pela em zig-zag. Subi para uma franja que seguia para a esquerda do cânion deixando a garganta da Colla de Caballo lá embaixo. Neste momento estava acima da linha das árvores. Avistei, num empedrado, um rebanho de ibex, um caprino bem presente no Parque Nacional. Subi costeando o circo de Goriz, que seria a última falange do dedo do cânion de Ordesa, um circo acima do circo de Soaso. Uma vista bonita lá para baixo. Cheguei ao refúgio de Goriz, 2.300 m, as 17:30. O refúgio tem a minha idade, foi construído em 1963. Me registrei junto a refugiera e comprei um saco de salgadinhos. Resolvi acampar e fazer o meu jantar. Poderia ter ficado no refúgio e jantado lá, mas é menos esportivo (e menos econômico). Uma chuva fina me incomodou durante a preparação da janta. Mesmo assim a vista no jantar foi soberba. Mas a comida deixava a desejar. Foi o único momento em que choveu durante o dia mas foi uma mera llovizna. Dormi bem, apesar de uma tosse insistente. Temperatura em torno de 8°C dentro da barraca. O chão não era regular, tive de usar o que tinha a mão para nivelar. Dia seguinte, martes, 20 de octubre. Acordei 7 horas. Comi um desayuno frio, desarmei acampamento e parti 8:30. Iria à Brecha de Roland, o mais famoso passo de montanha dos Pirineus. Seria um dia comprido porque retornaria para o refúgio de Goriz e seguiria para o Cânion de Añisclo. Tomando a direção geral NO, por trilha bem marcada, subi para o Passo de Millaris. Ali, ao invés de descer para a plana de Millaris, peguei uma trilha à direita que subia costeando esta plana. Ia para a gruta de gelo de Casteret, que fica no mesmo rumo da Brecha, isto para quem optar pelo caminho por cima. A gruta foi descoberta em 1926 por Casteret, um espeleólogo francês. Devido à altura, tem gelo no seu interior. Dizem que é magnífica, mas no momento está interditada. Este caminho tem alguns trechos expostos, mas nada demais. Se escorregar, não pode descer rolando, porque depois de uma rampa pequena há um abismo. No momento em que deveria virar à direita e subir mais acabei descendo, seguindo umas pircas. Quando percebi o engano, já estava mais baixo, perto do Collado do Descargador, e desisti de subir de novo. E o caminho para cima parecia ser bem acidentado. Desci então para a plana de Narciso onde comecei a ver lá no alto a inconfundível Brecha de Roland, a passagem de um portão de um muro de gigantes. O cavaleiro Roland, chefiando as tropas de vanguarda de Carlos Magno, foi emboscado em Roncesvalles, em 778 DC, pelos bascos. Conta a lenda que logo antes de morrer, atirou sua espada Durendal para cima e que, ao cair, abriu a enorme brecha. O começo da subida para a brecha é chato, uma escalaminhada, procurando adivinhar o melhor caminho. Ao chegar a um platô o caminho torna-se fácil, trilha bem marcada, subindo a esquerda do passo. Mesmo assim é cansativo e estava com a minha mochila completa. Não quis escondê-la na subida. O último trecho é chato. Um scree, cada passo subindo, dois descendo, escorregando nos pedregulhos. Era necessário escolher bem o ponto onde pisar. Finalmente atingi o passo, a 2.807 metros, quase meio dia, em exatas 3,5 horas a partir do refúgio. Os paredões de cada lado são fantásticos, não deveriam ter espessura maior que 4-5 metros na base e subiam a uma altura de cerca de 100 metros. A abertura da brecha tem cerca de 40 metros. Um vento forte, frio, vinha canalizado do lado francês onde havia bem mais neve. Logo à frente ficavam os Serradets, uma cadeia de montanhas serrilhada, de cor marrom. Pude ver um grupo de franceses subindo. Do lado espanhol, apenas eu. Me disseram que os franceses são mais montanhistas que os espanhóis. Mas na verdade o refúgio dos Serradets (lado francês) é mais fácil de alcançar e mais perto da brecha, em relação ao de Goriz. Outra coisa, os espanhóis muitas vezes preferem subir o Monte Perdido, 3.355 m., o 3º pico mais alto dos Pirineus, pertinho do refúgio de Goriz. De fato, todos os espanhóis que dormiram dentro do refúgio subiram logo cedo para o Mte. Perdido. Fiz um lanche escondido atrás das pedras, vento terrível. Tirei umas fotos e calcei as polainas porque resolvi descer pelo lado direito de quem sobe, com scree, voltando para Goriz. Um simpático casal de franceses de meia idade apareceu logo antes de descer. O descenso por uma ladeira de scree é deliciosa, contrapondo com a subida difícil. Cada passada deslizava para baixo, junto com os pedregulhos. Rapidamente alcancei o platô e escolhi outro caminho para descer a partir dali. Junto a parede esquerda de quem sobe tem uma trilha que torna as coisas mais fáceis que a escalaminhada que utilizei na subida (subi pelo centro). Voltei tudo de novo e 15 horas alcancei de novo o refúgio de Goriz. Poderia ter deixado boa parte das coisas ali em um guarda volumes, já que intencionava voltar. Mas acho mais esportivo e seguro ir com a mochila completa. Porque voltei para Goriz? Poderia ter baixado para o lado francês e seguido para Bujaruelo, pelo passo de mesmo nome, e dali voltar para Torla. Entretanto o outro atrativo que queria visitar era o Cânion de Añisclo, que alguns dizem ser mais bonito que o de Ordesa. E ele fica para SE de Goriz, justo na direção oposta à Brecha de Roland. Fiz um breve lanche logo após Goriz e caminhei rápido para o Passo de Arrablo, retomando a GR11, de onde comecei a descer seguindo um rio, que ficava a minha esquerda (margem direita verdadeira). O rio cai do platô para se encavalar num desfiladeiro estreito, o barranco de Fuen Blanca. A descida inicial deste platô para o cânion é relativamente exposto. Para alcançar um primeiro patamar é necessário um agarra pedra. Depois fica tranquilo. Cheguei a Fuen Blanca por volta das 18 horas. Em Fuen Blanca convergem 3 cachoeiras, uma delas com espuma branca pela encosta, que deve ter dado origem ao nome do lugar. São dois vales que convergem em Y para formar o Canon de Añisclo, a perna do Y. Um pequeno abrigo de pedra, abandonado, estava lá à disposição de quem precisasse. Neste vale vi duas placas em homenagem a montanhistas falecidos. Armei a barraca debaixo de uma árvore, num gramado. Lugar perfeito se não fosse o vento forte e constante vindo do Norte. Tive que caprichar no alinhamento da minha tenda tipo túnel. Arranjei coragem e tomei um banho numa piscina linda do rio Bellós, águas transparentes mas geladas. Estava desde o dia anterior sem tomar banho. Foi ótimo, mas não aguentei mais que poucos segundos dentro d'água. Estava sozinho em Fuen Blanca. Fiz a janta, melhor do que ontem, e fui dormir. Quase 10 horas caminhando. Meu planejamento fez um roteiro muito puxado. O terreno é muito acidentado para se andar tanto. A lua, crescente, estava iluminado as redondezas. Tive um dia belíssimo, sem chuvas. Último dia, miércoles, 21 de octubre. Levantei mais tarde. Outro dia bonito. Saí apenas 9 horas. A trilha descendo o cânion é bem sinalizada, mas não tem mais as marcas da GR11 (a GR11 passa para o lado francês subindo o passo de Añisclo). O canon é bem mais estreito que o de Ordesa, e a trilha segue pelas paredes laterais do mesmo, algumas vezes com correntes para assegurar as pessoas. Embaixo o Bellós serpenteia. Teria hoje, outra vez, muitas milhas para percorrer. Após uma hora cheguei a uma ponte, passando para a margem direita verdadeira do Rio Bellós. Desci mais uma hora por florestas de sonho, lindíssimas, até chegar a La Ripareta, onde um cânion lateral chamado La Pardina, se encontra com o Añisclo. Comecei a subir pelo La Pardina, subida íngreme em zig-zag no começo. Depois mais uma hora percorrendo outra trilha lateral até que este sendero se nivela com o leito de um rio seco. O caminho segue pelo leito até chegar ao fundo do desfiladeiro, subindo para a esquerda. Cheguei então ao refúgio Cuello Arenas. Um refúgio estruturado, mas trancado. Fica no Plano Tripals, um geralzão, um campo de altitude. Eram 13:30. Não vi alma viva em todo o trecho percorrido no vale de Añisclo. Teria ainda muito caminho pela frente. Segui por uma estrada de terra que iria bordear por cima o paredão Sul do canion de Ordesa. Parei em todos os mirantes tirando fotos. Mas a estrada era monótona. A minha esquerda, abaixo, o vale de Fanlo. Alguns veículos, inclusive de excursões, passaram por mim. Finalmente cheguei a descida para Torla. Segui ainda um trecho pela estrada em zig-zag até que uma placa indicou a PR129, uma trilha que desce mais diretamente para Torla. Mesmo esta trilha curta é bonita. Antes de Torla passa pela pequena capela de Santa Ana. Um desnível de cerca de 1.000 metros. Em Torla peguei um outro caminho, mais reto, antiga estrada que ligava Broto a Torla, estrada de cavalos. É agora parte do Caminho de Santiago Aragonês, GR15.2. Recomendo subirem de Broto para Torla por este caminho, bem mais rápido do que subir pela carretera, como fiz dois dias antes. Cheguei 20 horas, já no escuro, no mesmo hotel de onde parti. Outra vez quase 10 horas de caminhada. Assim conheci um pouco de um lugar muito especial, um dos parques nacionais mais bonitos que até hoje já tive a oportunidade de visitar, concentrando montanhas, cânions, passos e florestas, possivelmente a parte mais representativa dos Pirineus, isto numa época mágica, o outono, E tive muita sorte com o tempo. Dicas: Se quiserem fazer reservas no refúgio de Goriz (normalmente necessário entre julho a 15 de outubro): http://www.goriz.es. Alojamento (diária), não federados, 17 €. O jantar é mais ou menos o mesmo preço (outubro 2015). No site tem as tarifas. Barcelona - Barbastro - Broto: Autobuses Avanza - Alosa. Confirmem horários e preços no site. Não dá para comprar passagens pela internet nesta rota. No verão o ônibus vai até Torla e há também um ônibus saindo de Torla até o centro de visitantes dentro de Ordesa. Existe um caminho alternativo por Sabiñanigo. Creio que há trem até lá, pegando depois ônibus para Broto ou Torla. Hotel em Broto: Hotel Latre, 25-30 €, diária single Mapa: gostei do Ordesa y Monte Perdido, Parque Nacional, 1:40.000, Editoral Alpina. Vem acompanhado de um livreto. Mas está desatualizado em algumas trilhas. 11 € Há várias lojas de artigos de montanha em Torla e pelo menos 2 supermercados nesta cidade. Comprei o gás e o mapa na loja Barrabés de Barcelona. Melhor época: outono, na minha opinião. Mas há o risco de pegar chuvas. E dia 28/10 caiu forte nevasca, obrigando ao uso de piolets e crampons a partir dos 1800-1900 metros! Verão, é excelente, o problema é o excesso de pessoas. E não tem o espetáculo da folhagem. Depois eu posto o título do livro Guia dos Pirineus que usei no planejamento da viagem, comprado na Amazon.