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  1. A luz já havia partido e a nossa esperança de escapar daquela parede já havia sido exterminada faz tempo. Na escuridão daquela fria noite de inverno, somos 3 escaladores iludidos, lutando bravamente para não termos que dormir pendurados na corda. A princípio, subir uma parede de 700 metros com uma cargueira nas costas, poderia ser uma ideia estúpida, mas era uma estupidez programada, só não imaginávamos que teríamos que enfrentar uma escalada noturna, onde os pés vinham fritando há muito tempo e eu mesmo, era um cego tentando subir aquele gigante, apenas no tato e na força do ódio. As coisas vão acontecendo numa velocidade impressionante e o frio cortante, faz com que a gente mal consiga raciocinar e então, sem ter tempo de achar a lanterna no fundo da cargueira, me atraco à rocha e grudo meu corpo, com as pernas tremulas, prestes a despencar num vazio invisível. Nossa missão estava longe, muito longe do cume e o único objetivo era poder chegar numa fenda e lá poder dormir, nem que fosse sentado, mas nem isso tínhamos certeza de que conseguiríamos, verdade mesmo, que eu já não tinha certeza nem se eu conseguiria subir aquele lance. Me elevei centímetro a centímetro, procurando com os pés um lugar para me apoiar, enquanto vou tateando as mãos, me agarrando a qualquer ranhura que me mantenha colado à parede. Os pés doem desgraçadamente, as costas já estão destruídas, mas mesmo assim, vou tentando manter a minha parte psicológica, tento me manter calmo, concentrado, sereno, resiliente feito um monge Budista, mesmo a corda, que me dá segurança, fazendo uma parábola monstro. No escuro, pego o caminho errado e acabo saindo mais à direta do que deveria, agora é que me fodo todo nessa merda e se eu cair, vou fazer um pêndulo e virar carne moída. E fico ali, caio, mas não caio e conforme o tempo vai passando, já não tenho mais dúvidas que meu destino é despencar da parede. - SEGUUUUUURA ALEXANDRE, QUE LÁ VOU EU................................... Nos últimos anos, tínhamos nos dedicados à escalada com objetivos já pré-determinados. Tínhamos, é modo de dizer, porque eu mesmo não me dediquei ao esporte como deveria e como ele merece e essa dedicação toda sempre ficou a cargo do Alexandre e do Vinícius, esses sim, os caras que sempre mereceram todos os elogios, quando se tratava de montarmos os projetos que nos levariam a escalar montanhas memoráveis e lendárias, como foi o caso do DEDO DE DEUS e da AGULHA DO DIABO e tantas outras montanhas, onde só se consegue ir ao cume com técnicas avançadas e equipamentos caros. Mas logo nos primórdios do aprendizado, já falávamos sobre o LENDÁRIO PICO MAIOR, mas era algo tão distante e inatingível para gente, que eram mais conversas fiadas do que qualquer projeto futuro, afinal de contas, não passávamos de trepadores de parede e a gente sonhava mesmo era com o Dedo e a Agulha, na Serra dos Órgãos, mesmo assim, algo que a gente nem sabia se um dia teríamos a honra de colocarmos os pés no cume, mesmo que fosse um sonho meu, que perdurou por quase 25 anos. Mas o tempo passou, os meninos se especializaram e juntos, escalamos esses dois ícones do montanhismo nacional e fizemos história, a nossa história. Do Pico Maior, ficou só uma lembrança, que vez ou outra conversávamos sobre ele, mas era algo que não andava e conforme o tempo ia passando, pareceria mesmo que esse projeto nunca pularia para fora do papel e até um dos amigos, que prometeu subi-lo com a gente, vendo que não saíamos da moita, pulou fora do barco e foi realizar seu sonho com outro grupo, paciência, a culpa era nossa, que não conseguia quebrar essa inércia. Eu e o Alexandre até tocamos algumas escaladas clássicas, em boas paredes, mas escalar uma montanha com a envergadura do Pico Maior, era algo pouco provável. Já o Vinicius, esse virou um rato de escalada, andou pelo Brasil destruindo tudo que era parede esportiva e chegou a um nível altíssimo, escalando acima do grau oito, o que é algo espetacular em se tratando do esporte. Com a pandemia, eu e o Alexandre andávamos meio afastados do Vinícius e consequentemente, da escalada esportiva, mas num reencontro novamente na Pedreira do Garcia, em Campinas, onde tudo começou, voltamos a tocar no assunto Pico Maior e dessa vez os caras botaram até data, mas eu ainda tinha uma desconfiança, mais sobre a minha capacidade de escalar aquele monstro do que com a capacidade técnica dos dois. Mas eu ainda tinha o direito de sonhar e se esses meninos estavam me dando essa oportunidade, iria agarrar como pudesse e acabei me esforçando para pelo menos, voltar mais algumas vezes na pedreira para treinar procedimentos de segurança, já técnica, eu iria com a minha mesmo, ou seja, a força de vontade de sempre. Passei a estudar o Pico Maior de Friburgo, a ler muito sobre ele e a conversar com o Alexandre, qual seria a melhor logística, a melhor estratégia para se chegar ao cume, haja visto que a imensa maioria que tentava escalá-lo pela primeira vez, voltavam de lá com um fracasso do tamanho do mundo nas costas. Uma parede complexa, com fendas, chaminés, artificiais, aderências e com impressionantes 700 metros de extensão, fazia desse pico, uma epopeia para se chegar ao cume e boa parte dos escaladores de primeira viagem, experientes ou não, acabavam virando notícias, de gente abortando a escalada, perdida na parede, no rapel, tendo que ter uma experiência de quase morte ao acampar no cume sem equipamentos de proteção, com temperaturas baixíssimas, sem água, sem comida, alguns tendo que serem resgatados. Diante dos problemas descritos acima, chegamos à conclusão de que o mais sensato seria subirmos com uma mochila repleta de equipamentos de segurança, contendo um saquinho de dormir, comida, agua, isolante térmico, blusas grossas, manta de emergência e tudo mais que pudéssemos usar, caso não conseguíssemos atingir o cume no mesmo dia ou tivéssemos que acampar no topo. Apresentamos o projeto ao Vinícius, mas ele foi taxativo : Achou uma grande porcaria e disse que só iria se subíssemos bem leves, apenas com uma minúscula mochilinha de ataque e deixou bem claro, que o tempo limite seria às 15 horas e se não chegássemos ao cume nos horários estipulado, desceríamos de onde estivéssemos, como é o procedimento de segurança usado e consensual entre os escaladores, mas deixou a gente despreocupados, dizendo que chegaríamos ao cume, porque ele estava bem confiante na sua capacidade técnica. Por um lado , o Vinícius estava certo, tinha que pensar na segurança do grupo, já que ele seria o guia principal, mas por outro lado, eu fiquei meio desolado, porque sabia que o tempo e a dificuldade de leitura da via, eram os principais vilões, que acabavam decidindo quem faz cume e quem fracassa e cheguei até comentar isso em off com outros amigos, mas como as regras são ditadas por quem se dispõe a disponibilizar equipamentos caros, além do seu veículo e outros custos , aceitamos o desafio e as regras impostas, mas também não era só isso, tinha o fator amizade, companheirismo e confiança e isso com certeza vale mais do que qualquer confronto de logística, então, abrimos mão de tudo e fomos nos divertir. Quase 10 horas de viagem. Esse foi o tempo que gastamos de Campinas até Nova Friburgo-RJ, na verdade, até o PARQUE ESTADUAL DOS 3 PICOS e como já estava tudo programado, tudo separado, tudo organizado, fomos dormir cedo no Abrigo Republica Três Picos, do velho escalador Paulo Mascarin. Às Cinco da manhã já estávamos com os pés na trilha que nos levaria ao pé da parede de escalada e mesmo no escuro, conseguimos andar por ela em não mais que uma hora de caminhada e quando o sol nasceu, lá estávamos nós, amarrados à corda e com as sapatilhas nos pés, pronto para iniciarmos um sonho de anos. O Vinícius tomou a frente e começou a guiada, mas a parede estava ainda molhada, então não conseguiu nem sair do lugar, toca a gente esperar uns 40 minutos até que o sol da manhã secasse a pedra, já que no dia anterior havia chovido. Com a parede seca, se grudou à pedra e partiu e foi pondo em prática toda sua experiência adquirida nesses últimos anos. Ficamos bem animados com a agilidade dele e deslumbrados com o gigantismo daquela pedra. A nossa intenção, era fazer as primeiras enfiadas (lances de uma parada a outra) em simultâneo, mas o que nas fotos parece moleza, na realidade a coisa é bem outra e como a parede ainda se mantinha muito úmida, resolvemos escalar no modo tradicional mesmo. Então o Vinícius foi até a primeira parada e puxou eu e o Alexandre, que subimos praticamente juntos, com uma distância de uns 8 metros entre um e outro. E essa seria a tônica da escalada, com o Vinícius dando um show de técnica e eu e o Alexandre subindo feito um raio, agilizando muito o processo, até que nos vimos na TERCEIRA parada, dando segue para que o Vinícius pudesse chegar na QUARTA. Saindo da Terceira, quando ele chegou mais ou menos na metade, virou à esquerda e subiu intuitivamente, ganhando um lugar onde recentemente ou não tão recente assim, uma pedra havia se descolado, deixando um rastro de material solto, como se fosse uns pedriscos, até achar mais acima, junto a uns arbustos, UMA PARADA de um “P” E UMA CHAPA, onde tecnicamente seria a QUARTA PARADA. Não havíamos chegado nem às 10 da manhã, estávamos com o horário bem controlado, mas ao olharmos o CROQUI DA VIA (uma espécie de mapa de onde estaria as chapeletas, ou seja, a linha que devemos seguir) não batia com o que tínhamos, mas o Vinícius conseguiu enxergar uma chapa mais à esquerda, bem lá no alto, então resolveu escalar até ela e quando lá chegou, não encontrou , não enxergou a próxima, mas mesmo assim, protegeu um pedaço com um móvel e tocou, até se ver perdido numa parede perigosa e quase inescalável, estava perdido na via, se lascou bonito. Mais uma vez, ficamos ali, a estudar o croqui, sem perceber o óbvio, vendidos naquela escalada. Não havia muito o que fazer, nosso guia estava num mato sem cachorro, não conseguia seguir à frente e não tinha como descer, ficou numa sinuca de bico e resolveu fazer uma manobra desesperada, antes que a força da gravidade resolvesse o seu problema. Sem ter outra opção e mesmo sabendo que esse era um procedimento arriscadíssimo, o Vinícius conseguiu colocar um móvel numa fenda vagabunda e resolveu rapelar de volta, desceu até onde estávamos, com uma cara de assustado, mas ainda com sangue no olho e pronto para achar outro caminho. Mais uma vez, ficamos ali tentando saber para que diabos de direção seguiria a linha de escalada, mas o Vinícius disse que lá de onde ele estava, havia avistado uma chapeleta ou um “P” mais à nossa direita e que era para que ia seguir. O Vinícius retomou a escalada, passou por uma fendinha junto a uma rocha, onde ele protegeu com um equipamento móvel e mais acima localizou o “P” que ele havia visto. E por lá ficou, olhar vazio rumo a sequência da rocha, sem visualizar mais nenhuma proteção, mais nenhuma chapeleta. Mais uma vez, ficamos perdendo tempo, discutindo o croqui, mas sem chegar a lugar nenhum, só palpites hipotéticos, então ele, mesmo sem saber se era uma linha de escalada possível, se desgrudou de onde estava e partiu para o seu maior pesadelo. No croqui dizia que essa passagem, entre a terceira e a quarta parada, não passava de um quarto grau, mas não era o que o Vinícius havia se deparado, mas como ele já havia se desgrudado do seu porto seguro, agora era se apegar a sua técnica e tentar chegar, encontrar a próxima proteção ou mesmo a parada e puxar a gente. Mas as coisas foram se complicando e quanto mais ele subia, mais a parede ficava vertical e o que era uma escalada técnica, acabou se tornando quase que suicida. Não havia mais como voltar, pelo menos não em condições normais e de segurança, e cada vez mais, nosso guia se enfiava num buraco sem volta. Não consigo aqui, narrar todo o veneno que ele passou naquela parede, até então, ouvíamos pouco coisa do que ele falava, porque estava distante da gente, muito alto já e o vento atrapalhava nossa comunicação, mas conseguimos ouvir quando ele deu o sinal que iria desescalar, iria tentar voltar, ainda não sabia como, muito porque, como havia feito na primeira tentativa, não havia nenhum jeito de encaixar algum móvel para rapelar de volta. E ele DESESCALOU, centímetro a centímetro, enfrentando talvez o maior pesadelo da sua existência de escalador, vendo a sua vida correr perigo minuto a minuto até voltar onde estávamos, abalado psicologicamente, destruído e nem mesmo a sua frieza oriental deu conta de conter suas emoções e se derramou em lágrimas, como jamais havíamos visto na vida. O Vinícius estava acabado para a escalada e mesmo que conseguíssemos achar a sequência da via, era nítido que ele não tinha mais condição de guiar nada. O Alexandre até subiu novamente, tentou ver se tinha mais sorte, mas igualmente ao Vinícius, deu com os burros n’água, mas já se valendo da experiência do nosso amigo, nem tentou mandar a sequência e desceu me oferecendo, uma vaga no inferno. Mas eu é que não ia botar meu rabo onde esses caras já haviam tido uma experiência desagradável e diante de tudo aqui narrado, não havia mais o que fazer, ainda mais porque o tempo já havia estourado e nunca que iríamos chegar ao cume até as 15 horas, como o Vinícius havia preconizado, então não tinha mesmo como não tomar a decisão de abandonar aquela escalada e ENGOLIR MAIS AQUELE FRACASSO. Rapelamos rapidamente e voltamos para o abrigo. E do abrigo, Paulo Mascarin já nos observava com seu potente binóculo e assim que retornamos, ele já sabia que havíamos perdido a via. Falou que entramos para o lado errado e acabamos encontrando uma linha de rapel e outra via de escalada, nada a ver com a FACE LESTE e que esse erro é muito comum, muitos outros já haviam se perdido ali e que não éramos os primeiros e não seriamos os últimos. Pois é, demos azar e em nenhum momento desconfiamos que aquela não era a quarta parada e iríamos morrer pensando que estávamos nela, quando estávamos completamente errados. Claro que havia uma certa frustação, mas sabíamos que tínhamos feito o máximo para dar certo, mesmo que eu já desconfiasse desde o começo que havia uma possibilidade de não conseguirmos realisar o roteiro por causa do tempo e da leitura da via, mas mesmo fracassando, ainda estávamos bem conformados e usamos o tempo vago naquele dia para saborear a galinhada que o Alexandre tinha trazido congelada pra gente comer depois da escalada. Sabendo onde havíamos errado e foi realmente um erro bem tosco, eu e o Alexandre tentamos convencer o Vinícius a retomar a escalada no outro dia, já que tínhamos tempo e a previsão estava perfeita, com sol e sem possibilidade nenhuma de chuva. Mas ele relutou, não queria mais saber, para ele uma vez já era o bastante, não tinha a menor chance de subir aquelas paredes novamente, pelo menos não daquele momento e só queria mesmo era voltar para casa, esquecer que um dia estivera ali. E foi assim que encerramos essa primeira tentativa, ficou a experiência vivida, mas eu e o Alexandre ainda não havíamos sido derrotados e voltamos para casa com o nosso amigo, mas por dentro, éramos dois homens atormentados pelo fracasso, mas o dia da revanche já estava no nosso radar, agora era curar as feridas. Não bastou termos que engolir o fracasso, tivemos que aguentar insultos de todos os lados. Ao saberem que não havíamos concluído a escalada, apareceram vários escaladores de pedreiras para tentar tirar uma casquinha, gente acostumada a subir meio metro de parede, mas que se acham os maiores escaladores do mundo, só que não aguentam 2 horas de trilhas para fazer uma escalada clássica e pior ainda, sem nunca terem pisado no Parque Estadual dos 3 Picos ou terem feito qualquer outra coisa com a envergadura de um Pico Maior. Mas pior mesmo, foi sermos insultados por tabela, por amigos que, tendo uma rusga com o Vinícius, que pouco me importo o porquê, ficaram fazendo gracinha, piadinhas infames, o que acabou deixando eu e o Alexandre bem chateados com a situação. Senti que o Alexandre estava muito amoado com a situação, mas como eu estava de malas prontas para a Travessia dos Lençóis Maranhenses com a minha filha, pedi para que ele adiasse um pouco a segunda tentativa, mas ele ficou me fritando, botando pressão para que retornássemos lá logo, mas eu já deixei bem claro e botei logo tudo em pratos limpos: Só voltaria lá, se fizéssemos a logística que havíamos traçado da primeira vez, ou seja, com mochila cargueira para acampar na montanha e pouco interessava se esse não era o procedimento padrão , que aliás, foi por seguir regras de gente desacostumada com a aventura, que acabamos fracassando. Quando retornei dos Lençóis, ainda tinha um compromisso com uma expedição à uma montanha selvagem na Serra do Mar Paulista, mesmo assim, combinei com o Alexandre de fazermos um treino de aderência antes do retorna à Friburgo, mas nem isso foi possível e uma semana antes do dia marcado, ele me disse que o Vinícius realmente não iria , mas que se juntaria a gente, um escalador bem experiente, apesar de também jamais ter subido uma parede tão grande e tão complexa como a Face Leste do Pico Maior e se eu não me importava . Claro que eu não me importava, desde que ele aceitasse a logística que havíamos proposto. Dez horas de viagens, em um ônibus partindo de São Paulo, nos fez cair logo de manhã na rodoviária de Nova Friburgo e depois de um café reforçado, chamamos um Uber para nos levar para o Parque Estadual dos 3 Picos. O motorista do aplicativo aceitou a corrida, mas quando chegou onde estávamos, já foi dizendo que não sabia onde era esse lugar, apesar de já morar há 4 anos na cidade. Como ele ficou fazendo beicinho, fui ver se um taxista não nos levava lá, mas eles tão pouco faziam ideia de onde era e com muito custo o cara do Uber resolveu ir. Não demorou muito para ele perder o caminho e quando se encontrou, ao chegar na estrada de terra que dá acesso ao Pico Maior, falou que não podia mais seguir e nos desovou no meio do caminho, há umas 2 horas do Abrigo Republica 3 Picos. O MACHINI, nosso novo companheiro de escalada, ainda fez questão de pagar muito mais do que o combinado, mas por mim, teria era mandado esse fdp à merda por ter nos deixado com 100 kg de equipamentos de escalada para carregar. (foto: MZK) Saímos arrastando uma tonelada de coisas, até que o Alexandre calçou a cara e pediu para deixar o excesso de materiais num sítio. Ali, resolvemos mudar de estratégia porque o Machini disse que não daria para guiar de jeito nenhum com uma cargueira nas costas, então teríamos que transformar três cargueiras em duas e para isso, resolvemos nos livrarmos de muita coisa, mas ainda assim, manteríamos todos os equipos necessários para acampar na montanha, seja lá em que parte fosse. Mais 15 minutos de caminhada e passou por nós uma caminhonete e nos ofereceu carona até o estacionamento do Parque Estadual, o que nos fez comemorarmos muito, porque vimos que estávamos de volta ao roteiro planejado e mais meia hora de pernadas, desembocamos no Abrigo do Mascarin, bem na entrada principal dos 3 Picos. Coube ao Alexandre a tarefa de ir lá contar os planos para o dono do abrigo, não que fosse necessário dar satisfação para ninguém, mas como nossa intenção era dormir na montanha, ficamos com medo de, ao notarem nossas luzes lá encima, pensarem que estávamos com problemas e acabarem acionando algum resgate desnecessário. O dia já passava da metade, então nos adiantamos, subimos a estradinha por 5 minutos, até interceptarmos a trilha a esquerda, junto a uma grande araucária, que nos levaria para a base da Via Leste do Pico Maior. A trilha entra no matinho, contorna uma casa pela sua esquerda, atravessa um riacho até dar numa porteira. Passamos a porteira e ao chegarmos no último ponto de água, abastecemos os cantis com 2 litros por pessoa e ali traçamos uma estratégia de hidratação, que consistia em tomar a maior quantidade de água que a gente aguentasse. Mais 20 minutos, sempre subindo, nos leva até a clareira, onde pegamos para a direita, porque para a esquerda é o caminho do Pico Médio e Menor. A continuação da trilha não parece ter erro, mas por vezes a gente acaba por dar uma errada e passando direto em alguma curva, mas logo consegue-se notar que não é por ali e outros 20 minutos depois da clareira, desembocamos definitivamente na parede de escalada e aí não há mais como fugir, não há como escapar, a AVENTURA se apresenta à nossa frente como um monstro a ser desafiado, é chegado a hora de separar os homens dos meninos. De nós três, o mais experiente era o Machini, então achamos que ele poderia iniciar guiando, muito porque, a grande maioria dos escaladores faz questão mesmo de guiar, é um ego pessoal que a maioria carrega, mas é algo normal, igual quando a gente mais tarimbada, toma sempre à frente nas trilhas e travessias, nos vara- mato e nas expedições. Mas o que pode parecer mais confortável para quem sobe de “segundo”, com segurança de uma corda que vem de cima, como seria o caso meu e do Alexandre, acabaria por se tornar um verdadeiro pesadelo. Às 13:30 o Machini se desgrudou do chão e partiu, dando início a nossa aventura atrás de conquistar o Cume da Serra do Mar no Brasil e antes dele partir, conversávamos animados sobre quem sabe, a possibilidade até de batermos no cume ainda hoje, nem que fosse para escalar as últimas 2 ou 3 enfiadas a noite ou no mínimo, tentarmos dormir na segunda fenda, que na linguagem da escaldada chamamos também de chaminé, se for algo que tenha que se subir escalando com o corpo dentro dela. Nosso “guia” ganhou a ranhura para a esquerda e foi se elevando até se manter firme na parede e ganhar uma diagonal leve para a direita, se alinhar numa reta e se posicionar na parada 01 (P1). É uma escalada fácil, toda em aderência, mas não é de graça não e, o que nas fotos parece que você está quase andando, é pura ilusão de ótica, porque na verdade, é uma parede em pé, onde se escala quase no limite da aderência da sapatilha. Como dissemos, tivemos que mudar nossa logística porque o Machini, que seria o guia principal, se recusou (e com razão) guiar com uma cargueira nas costas, então sobrou para mim e o Alexandre a incumbência de fazer o papel de burros de carga. Quando o Machine montou os freios e nos chamou, minha boca já ficou seca, sabia eu que agora seria caminho sem volta, uma vez que eu tirasse os pés do chão, estava assinando um documento em branco ou um contrato sem poder ler as letras miúdas e dali para frente, não saberia mais que rumo poderia tomar aquela aventura, seria passageiro do destino, mas havia aceito o desafio e voltar atrás, não era mais possível. Sapatilha apertada nos pés, capacete afivelado, nós na corda conferidos, mochila nas costas e fui fazer história. Ganhei também a ranhura que nos levava um pouco para a esquerda, assim me desgrudando do chão, mas imediatamente já senti que a coisa não seria nada bonita. A força para se elevar na aderência, era algo que eu jamais havia experimentado em todos esses anos de escalada, tudo por conta do peso da mochila, além de que, a própria mochila ia empurrando o capacete e consequentemente, nossas cabeças em direção a rocha e não conseguíamos escalar olhando para frente, tentando analisar o terreno para saber melhor para onde poderíamos seguir. Quando cheguei à parada, ouvi as mesmas reclamações do Alexandre que veio logo atrás de mim e aí tomamos ciência de que aquela escalada estava fadada a nos levar em direção a uma das maiores aventuras das nossas vidas e que a palavra paciência teria que ser levada a sério. Enquanto o Alexandre fazia a “segue” para o Machini, que já partiu para segunda enfiada, tratei logo de baixar o centro de gravidade da mochila, para que ela parasse de empurrar o capacete. A escalada melhorou, não muito, mas do jeito que estava, era impossível seguir. Subimos então até a P2 e sem perder tempo, partimos rapidamente para a P3 e quando lá chegamos, fizemos uma pausa estratégica, porque ali é possível ficar mais confortável por causa de um pequeno platô, onde se consegue dar uma aliviada nos pés e também para discutirmos a sequência da escalada, porque foi ali que da primeira vez, a gente perdeu a via e ficamos vendidos na parede. Agora estava claro para gente. Da terceira para quarta parada, é preciso pegar uma diagonal reta, como se fôssemos subir bem no cantinho da grande rocha que chamamos de GELADEIRA, atravessando uns arbustos, numa escalada que no croqui, diz ser um terceiro grau, mas que na verdade é uma passagem bem exposta e se você cair, fazer um pendulo e se fuder todo. Eu passei ali, com a cargueira na costa e com o cu na mão e quando cheguei a parte da pedra, cheio de vegetação rasteira, me agarrei como se fosse um prato de comida. Mas pior ainda, é que do outro lado do mato, você tem que passar trepado também na horizontal e cair é coisa que é totalmente não recomendável. Ainda digo uma coisa, não é mesmo fácil fazer esse lance guiando não e nisso o Machini estava indo muito bem, tendo uma BOA LEITURA DAS VIAS. Terminado as partes horizontais, um pedaço de rocha é subido na vertical, mas desta vez, bem protegida, com bastante agarras, até que finalmente nos vimos de P4, a famigerada QUARTA PARADA, que tanto procuramos da outra vez, mas nada encontramos. O próximo lance em direção a (P5) é justamente subindo toda a geladeira, escalando encima desse imenso bloco, até ganharmos outro platô, junto a uma matinha de pequenos arbustos e quando lá chegamos, começamos a notar que a vaca estava indo para o brejo. Já passava das 17 horas e nem percebemos que o tempo correu tão rápido. O vento soprava forte e gelado. O sol já fazia planos para picar a mula e para falar a verdade, como essa é a FACE LESTE da montanha, fazia tempo que não víamos a cara dele e já estávamos quase numa penumbra. A coisa não andava boa para a gente e agora seria uma corrida contra o tempo para que conseguíssemos chegar o mais cedo possível na primeira fenda, na primeira chaminé. E aí eu fico pensando o quão inocente nós fomos de pensar que poderíamos acampar na segunda chaminé, com possibilidade, quem sabe de tocar até o topo, nem que fosse a noite, ledo engano. Quando partimos para a (P6), apesar de podermos descansar um pouco ali na P5, por ser confortável, nossos pés estavam fritando. A gente vinha sofrendo com o peso das cargueiras, os pés sendo esfolados e a coluna cada vez mais destruída. O esforço para se agarrar nas aderências e se elevar com as pernas, ia cada vez mais minando as nossas energias. O Machini subia mais para a direita e enfiou um equipamento móvel numa fenda para se proteger e continuou tocando para a esquerda até chegar à parada. Quando eu subi, tentei retirar o móvel, mas não consegui e deixei essa tarefa a cargo do Alexandre, que tentou de tudo, mas fracassou e infelizmente, tivemos que abandonar mais esse equipamento na parede, paciência, faz parte do pacote e quando nos juntamos na SEXTA PARADA, praticamente já não havia mais sol, só um arremedo de luz e uma parede monstruoso para nos assombrar a alma. Essa P6 tem uma história curiosa porque acaba confundindo os escaladores, onde em alguns croquis, pode se pensar que é a sétima parada e acho que foi por isso que um tempo atrás, esse ano mesmo, uns escaladores riscaram com uma pedra bem embaixo da chapeleta e do “p” , um grande asterisco com o número 6 e isso rodou a comunidade escaladora e rendeu muito “inquérito” , muito burburinho, gente querendo matar, quebrar os caras na pancada, mas que na realidade( não que a gente concorde com algum tipo de pichação) não era para tanto não e a única intenção , era mesmo deixar claro que aquela era sim a p6, mas isso também nem interessava muito pra gente, nosso foco era poder chegarmos na primeira chaminé , porque se isso não acontecesse, a gente ia se lascar bonito , já pensando que poderíamos dormir até pendurados na corda. O Machini partiu e sobre as costas deles caiu toda a responsabilidade de conseguirmos arrumar algum lugar para passarmos a noite e na escuridão, com uma lanterna na cabeça e outra na canela, lá foi ele para a cartada final. A gente estava muito apreensivos com o rumo que aquela escalada havia tomado, mas como já estávamos na completa escuridão, já não nos importava mais que horas iríamos chegar, o importante era que chegássemos e se o Machini perdesse a via, a gente estaria lascado. Mas por sorte e competência, ele encontrou todas as chapeletas e gritou para que eu subisse. Não sei o que me deu, estava meio fora do prumo, havia ficado alienado ao que vinha acontecendo, talvez por causa do frio e do vento cortante, estava meio estático, pensamentos aéreos e me esqueci completamente de procurar minha lanterna dentro da mochila e quando ele esticou a corda, saltei do meu porto seguro para a parede, na completa escuridão, apenas me valendo do pouco reflexo da lua que ameaçava nascer. Meus pés ainda estavam me matando, a mochila cortando minha cintura e meus ombros e nessa hora, a perna fica pesada e parece que as sapatilhas não vão dar conta de se grudar à parede. Eu era um cego tentando escalar, as mãos procurando alguma ranhura para que eu pudesse continuar grudado à rocha, enquanto os pés roçavam a pedra na tentativa desesperada de achar um apoio. Fui me elevando, lentamente, praticamente escalando com todo o corpo, na esperança que algum atrito, por menor que fosse, me recolocasse cada vez mais para cima. Aquela situação não era boa, mas foi piorando cada vez mais, quando eu vi que por algum motivo, a corda não esticava e eu ia ficando vendido, sem proteção é aí que o psicológico começa a ir para o espaço, sabendo que não terei chances de errar. Por mais que eu tentasse gritar, o Machini não conseguia me ouvir, muito porque, a corda havia enroscado em algum lugar, dando algum arrasto e isso poderia levar o guia a pensar que eu estava parado. Mas parado era coisa que eu não poderia ficar, porque quando se está escalando em aderência, não há como ficar confortável na parede e quando se está escalando em aderência, a noite e como uma cargueira pesada nas costas, você está em completo desespero e só a força do ódio é que o mantem pendurado. De cima da minha agonia, vi quando o Alexandre começou a subir, porque a lanterna dele ofuscava meus olhos. No desespero, acabei escolhendo uma rota que me pareceu mais fácil de subir e acabei me deslocando muito mais para a direita do que deveria e quando tentei voltar, fazendo uma travessia para a esquerda, já não era mais possível. Mão já não mais havia, então fiquei quase que encostando a cara na rocha para manter o equilíbrio, enquanto corria os olhos no escuro, tentando achar uma solução, mas o tempo foi passando e despencar da parede era algo que eu já tinha como certo e por causa da barriga na corda, já me via caindo encima do Alexandre. Como eu sempre digo: o desespero é que move o homem antes da derrota final e numa ação desesperada e atabalhoada, pulei para cima e me agarrei num patacão de pedra e ali fiquei, num misto de agradecimento e “amaldiçoamento”, com as pernas tremendo e o coração chacoalhando. “ Puta que o pariu, se eu não caí agora, não caio nunca mais. ” O Machini puxou a corda, o Alexandre se aproximou e o orientei a não ir intuitivamente para a direita, porque eu já havia me fodido todo e, praticamente juntos, batemos na SETIMA PARADA. Mais uma vez, com a segurança dada pelo Alexandre, o Machini partiu, mas agora no breu e na total ausência de luz, apenas sua lanterna o iluminava. Aproveitei a deixa para pegar a lanterna de cabeça. O nosso guia sumiu na escuridão e demorou uma eternidade para nos chamar. Ele acabou não achando a (P8) e caso eu não esteja enganada nas lembranças passadas nesse lance, ele descobriu um arbusto em um platô e fez dele uma parada e nos puxou, para que juntos, resolvêssemos que rumo aquela escalada tomaria. Eu e o Alexandre estudamos o croqui e chegamos à conclusão de que a linha de escalada, primeiro passava à esquerda dos matinhos e pequenos arbusto que estavam acima da gente, mas não deixamos de observar, que onde estávamos, poderia servir pelo menos para passamos a noite sentados, mesmo que fosse um lugar medíocre, mas no desespero, era melhor que ficar pendurado na corda. Subimos mais um pouco, até que um rastro de trilha surge e aí tivemos certeza de que nosso caminho teria mesmo que entrar na vegetação e sem saber onde, em qual lugar era a ancoragem, nos ancoramos em um arbusto resistente e fizemos dele a OITAVA PARADA, e tecnicamente, esse parece ser o tal do PLATÔ DO L , mas nós não nos demos conta de que "L" estão falando, porque no escuro, pouco conseguimos ver. Já passava das oito da noite, estávamos extremamente cansados, o “guia” por ter que tomar a frente e nós por termos que nos prestarmos ao papel de burros de carga, tendo que escalar com 2 cargueiras gigantes nas costas. Tecnicamente, faltava só mais uma enfiada, um lance, para gente chegar até a primeira chaminé e então o Machini me ofereceu para guiar, mas eu já não enxergo lá grande coisa, então achei melhor que ele fechasse logo a escalada do dia, já estava mais que na hora de pararmos e eu poderia levar uma eternidade tentando localizar a parada da entrada dessa bendita fenda. Esse último e derradeiro lance, é de se pensar que seria fácil, tanto que o Machini nem sapatilhas calçou, foi de tênis mesmo, porque no croqui, diz que é um trepa mato, mas na verdade, a enfiada atravessa do outro lado dos arbustos e ganha uma rampa inclinada demais e aí é preciso voltar a usar as sapatilhas, até que finalmente se chega na grande boca da chaminé, uma fenda gigantesca, escura, sombria e assustadora. Sem perder tempo, ele instalou os freios e puxou eu e o Alexandre e quando lá chegamos, nessa que seria a NONA PARADA, os relógios já marcavam surpreendentes nove horas da noite, fim da nossa jornada naquele dia, um dia duro de escalada, mas como nem tudo é tão ruim que não possa piorar, não havia lugar para acampar. E agora José ? Tomei a frente e fui me enfiando para cima, avançando para dentro dessa PRIMEIRA CHAMINÉ, até poder ficar mais confortável junto a um bloco gigantesco de pedra, dentro de uma fendinha de uns 50 cm de largura, por menos de 2 metros de comprimento, onde num patamar acima dela, se segurava, sabe-se lá como, uma pequena árvore, onde havia um espaço minúsculo de uns 2 palmos por mais uns 2 palmos de largura e isso era tudo que tínhamos para passar a noite. Aquilo foi um balde de água fria que nos foi jogado aos 45 minutos do segundo tempo. Não havia mais o que fazer, pensamos até em descer, voltar para a parada anterior e ver se tínhamos mais sorte dentro dos arbustos, mas isso já estava fora da nossa capacidade e vontade, então, resolvemos que o nosso pesadelo ia ser ali mesmo. Lá fora da fenda o vento urrava e ali, éramos apenas um nada, perdido há mais de 2.000 metros de altitude, presos numa parede de 700 metros, apenas 3 pontos de luz, isolados na imensidão da pedra fria. Eu e o Alexandre nos sentamos na fenda de meio metro de largura e o Machini se sentou junto à árvore e a abraçou, como se fosse sua garota. Nos enfiamos dentro dos sacos de dormir logo depois de comer comida fria, que havíamos levado em pequenas marmitas, já que também tínhamos desistido de levarmos os fogareiros. Eu, por ser menor e mais magro, fiquei com a parte mais estreita da fenda e virei praticamente uma cunha, sem poder mexer os braços, já o Alexandre teve que dormir com as pernas penduradas no vazio, numa situação extremamente terrível e desconfortável. Às vezes, para me livrar das câimbras, eu esticava as pernas encima dos ombros do Alexandre num constrangimento avassalador. Dormir era só modo de falar, eram cochilos de alguns minutos, numa noite que levou três dias para passar e quando o sol apontou no horizonte, fomos obrigados a nos levantar, ficar de pé e aplaudir, numa das visões mais belas e incríveis desses meus mais de 25 anos de montanhismo. A nossa situação ali dentro da primeira chaminé, até então parecia muito boa, apesar da noite mal dormida, contávamos cada um com pouco mais de meio litro de água e como imaginávamos chegar antes do almoço no cume, achamos que seria suficiente, mas nosso achismo cairia logo por terra. Acima das nossa cabeças, uma fenda que se entendia por uma centena de metros, mas teríamos que escalar apenas 20 e sair da fenda pela esquerda, mas aqui no Pico maior, sempre se está escalando com o cu na mão por causa da exposição e a subida desses poucos mais de 20 metros é em livre, sem uma chapeleta se quer para poder proteger, cair é uma palavra que não existe, porque uma queda dessa altura é quebrar 3 pernas, 2 agora e mais uma para quando você reencarnar, é um bônus. Já passava da oito da manhã e o Alexandre deu segurança para o Machini de dentro da chaminé e ele já grudou logo suas costas na face direita, a fim de facilitar a saída. Essa chaminé até tem um ponto de descanso por ter paredes irregulares. O Machini conseguiu localizar a chapeleta que fica fora da fenda e apesar de ter levado um tempinho, ficamos felizes por esse achado, já que não ver essa proteção é sinal de passar muito veneno, caso precise desescalar. E veneno mesmo, ele deve ter passado para sair de dentro da fenda e pular para fora, mas isso eu iria descobrir por mim mesmo. Como seguia sempre o script, eu era sempre o segundo a subir e fui aconselhado pelo Alexandre a escalar a chaminé com a cargueira na frente. A ideia foi estúpida, não a de subir com ela na frente, mas a de subir aquela parede com um monstro de mochila. Uma vez preso à corda e se elevado uns 3 metros, não foi mais possível descer e muito menos me livrar da mochila. Mesmo com a corda vindo de cima, todo mundo sabe que cair numa chaminé é se lascar todo, então abri minhas asas feito um mandi e grudei minhas pernas, uma em cada lado da parede, mas o peso foi cada vez mais minando minhas energias e para piorar, a mochila à frente não me deixava fazer os movimentos corretos e eu pouco avançava e quanto mais demorava, maior eram as chances de eu cair, até que enxerguei a proteção, me agarrei nela e fiquei lá, parado, tentando me recuperar. Me pus de pé, agora fora da chaminé, beirando um abismo de centenas de metros. Quando estudava o croqui, sempre achava que a saída da primeira chaminé seria um tanto problemática, mas me enganei, é simplesmente uma saída suicida. Você tem que desescalar para poder se posicionar numa linha onde vai conseguir uma sequência de pés e mãos, mas aí que está o problema. A passagem é totalmente horizontal, não há como receber nenhuma segurança e uma queda vai te lançar num vazio, fazer você pendular e se arrebentar todo. Fiquei lá, estático, completamente sem ação, sem coragem para me desgrudar da rocha, entregue a minha própria incompetência para sair da inércia em que me encontrava. O Machine me orientou a tentar avançar um pouco e me agarrar na fita mais longa que ele havia deixado numa proteção intermediária antes da parada, mas eu não tive coragem, fiz cara de paisagem, fingi que nem ouvi e não teve instrução que me fez desgrudar de onde estava, até que ele pediu para o Alexandre travar a corda dele para que eu pudesse usar de corrimão. Isso não serviu para nada, mas foi o suficiente para me dar uma proteção psicológica e devagarinho, fui me grudando, achando a posição das mãos e dos pés até que consegui me agarrar à fita e me lançar definitivamente longe daquela passagem do satanás, me juntando a ele na DÉCIMA PARADA. O dia começou a passar numa velocidade nunca antes vistas e quando nos posicionamos na (P11), já estávamos nos aproximando da sua metade. Aqui é preciso abrir um parêntese, que passa longe de ser uma crítica, mas parece ser muito o estilo de escalada de nós Paulistas, desacostumados ao gigantismo dessas pareces fluminenses. O Machini é um excelente escalador e tivemos mesmo muita sorte de tê-lo agregado ao nosso grupo, mas não poderíamos deixar de notar que ele tem um certo ritual, que as vezes nos deixava um pouco nervoso, não nervoso de raiva, mas nervosos porque víamos o tempo correr rapidamente e preocupados se atingiríamos o cume com umas 2 horas de sol para podermos descer ainda de dia. A questão era o seguinte: Ele escalava rápido e com muita competência, mas tinha uns rituais extremamente lentos, que consistia em chegar, organizar equipamentos, tirar uma sapatilha, guardar, tirar a outra, guardar, pegar um tênis, colocar no pé, pegar o outro, colocar no pé, verificar trocentas outras coisas para depois montar o freio e nos puxar e depois que estávamos na parada, antes de começar a escalar novamente, os mesmos rituais se repetiam e lá iam 10, 15, 20 minutos perdidos. Parece pouco ou quase nada, mas se somarmos isso a 17 paradas, lá se foram horas perdidas em rituais. O Alexandre chegou até a comentar com ele, se ele não poderia diminuir um pouco esses rituais, mas ele disse que esse é o seu jeito de escalar, então deixamos que o destino nos guiasse até o cume. Aliás, não poderia deixar de narrar aqui alguns entreveros, nada que comprometesse a escalada, mas as vezes, em momentos tensos, o Machini mordia a chumbada quando o Alexandre tentava dar algum palpite sobre algum lance mais específico. – Oh Alexandre, para de botar duvidas na minha cabeça. (rsrsrsrssr) Mas isso eram coisas pequenas e irrelevantes, grande mesmo , era a questão da água que já havia acabado há muito tempo. Os caras beberam a água deles e também a minha, já que eu costumo beber bem pouca água e também achei que eles, por estarem fazendo as piores partes, também mereciam estar mais bem hidratados, mas a partir de agora, não havia mais água para ninguém. No mesmo ritmo, chegamos finalmente na (P12), que é justamente a parada junto a entrada da SEGUNDA CHAMINÉ, ou um pouco abaixo dela, já que ainda há um lance de subida numa grande rocha, onde a gente vai se enfiando por uma fenda lateral até estar dentro da grande fenda. E foi uma grande surpresa chegar nessa chaminé e descobrir que não havia um lugar confortável nem para ficar em pé, quanto mais para acampar, como eram nossos planos iniciais e foi mesmo uma sorte temos nos detido na primeira fenda. Essa chaminé é gigante, muito maior que a primeira e também muito mais exposta e tínhamos informação que o melhor jeito de subi-la, seria não entrar muito para dentro dela, nos mantendo na borda, cada qual usando a distância da parede que lhe fosse mais confortável. Claro que não iríamos repetir a burrice de subir com nossas cargueiras, como fizemos na primeira chaminé, muito porque, essa outra fenda é muito mais técnica que a primeira. Então o Machini subiu em livre porque não existe nenhuma proteção, nenhuma chapeleta em toda a extensão da parede da chaminé e é uma escalada com sangue no olho, sem a mínima chance de errar, um erro, um escorregão vai fazer o escalador ser jogado de uma altura de uns 30 metros direto para o chão. Nossas mochilas foram puxadas pelo Machini, mas esse processo levou uma eternidade e comeu muito tendo, do pouco que a gente tinha. Encostei as costas na parede da direta e procurei achar a abertura da chaminé que mais me agradava, mas sinceramente, nenhuma abertura te deixa confortável, verdade mesmo, que para a gente que não escala muito chaminés, é uma tortura meio que angustiante, porque você perde um pouco a noção se está mesmo indo para o lugar correto ou se está abrindo muito, de uma tal maneira que parece que suas pernas irão perder sustentação e você vai cair. Claro que vão dizer que não há com o que se preocupar, afinal de contas, tem uma corda vindo de cima para te dar proteção, mas não é bem assim não. Cair significa ficar quicando de uma parede a outra até a corda parar de esticar e mesmo para quem está acostumado às grandes alturas, a visão lá de dentro, quando se está no meio da chaminé com aquela amplitude toda, não deixa de ser assustadora porque você está com o vazio da montanha há centenas de metros do chão e a todo momento eu pedia para que o Alexandre me dissesse se eu estava indo para o lado certo, em direção a DECIMA TERCEIRA PARADA. Quando o Alexandre se juntou a gente na (P13), já passava das 3 horas da tarde e aí já comecei a desconfiar que o caldo iria desandar, que seria muito provável que não atingíssemos o cume com luz do sol. Pior ainda, pela minha cabeça, passam pensamentos de que teríamos muitos problemas para achar a continuação da via, caso ficássemos sem luz e eu nem disse nada, mas até me passou que poderíamos ter que voltar, mas eu não queria nem discutir o assunto. Enfim chegamos na sequência de “ artificiais”, que nada mais é, que uma sequência de chapeletas há uma distância de pouco mais de 2 metros uma das outras, numa parede mais difícil de se escalar , onde em uma certa parte, o Machine pendurou um estribo, uma espécie de escadinha feitas de fitas, onde se pode subir enfiando os pés. Alguns escaladores também costumam “livrar” essa parte, ou seja, escalam sem esses artifícios, mas nessa hora, com o tempo escapando pelos dedos, tocar para cima era o que mais urgentes nós tínhamos. E realmente, não achei tão difícil esse trecho, achei até que tinha muito recurso para se fazer uma escalada normal, mas sem querer perder tempo, fui me segurando em todas as costuras que consegui alcançar, trepei na escadinha como deu e rapidamente chegamos a DÉCIMA QUARTA PARADA. A próxima enfiada vai ganhar uma pedra abaulada, mas ao invés de subirmos diretamente por ela, em aderência, o melhor caminho é subir pela fenda da esquerda e assim que ganhar uma certa altitude dentro da fenda, ganha-se também o topo da rocha e daí para a frente, boas agarras nos conduzem a uma enorme curva para a esquerda, novamente teremos uma sequência em artificial, praticamente numa horizontal, uma espécie de travessia. Eu sem saber desse caminho, inventei de tentar subir sem usar a fenda, mas nessa hora, já não tinha mais dedos e nem pernas para tamanho esforço e quando tente voltar para a esquerda, tentando sair para a fenda, vi que o melhor seria mesmo desescalar e começar tudo de novo. Quando batemos na DÉCIMA QUINTA PARADA, o dia já estava de aviso prévio. O Machine ofereceu para que o Alexandre puxasse a guiada, mas o Alexandre achou que já não era mais hora de ariscar e pediu para que ele continuasse guiando, afinal de contas, ele estava indo muito bem em relação a sequência da via e como em pouco tempo não mais existiria dia, melhor mesmo seria não ariscar e tentar acelerar o máximo que desse. Eu estava mais apreensivo ainda, porque o Machine esticou a corda e parecia não estar mais achando o caminho, parecia totalmente perdido, sem saber para que lado ir. Eu tentava conversar com ele, tentando opinar sobre o que lia no croqui, enquanto o Alexandre se atentava à segurança, mas procurava falar pouco, já que ele era meio avesso a palpites. E ele estava realmente confuso e eu mais nervoso ainda, vendo o dia despencando no horizonte, até que ele disse que iria ariscar subir uma parede para ver se encontrava alguma proteção, nem que fosse uma chapeleta perdida para poder juntar a gente e vermos como faríamos para dar sequência àquela escalada. O Machine me puxou. Fui escalando como dava, meio que pelo rumo, até que vi uma paredinha de uns 3 metros que dava acesso a um platô, onde encontre o estribo montado e ao subir, ganhei a DÉCIMA SEXTA PARADA. Nesse momento, somos apenas um arremedo de gente. É notório que todos nós estamos destruídos. Minhas mãos e meus dedos estão em carne viva. Já faz quase 10 horas que não botamos uma gota de água na boca e estamos urrando de sede, mas nessa hora eu nem tinha tempo para lamúrias, estava totalmente passado, sentimentos e coração acelerado pelo momento que antecede a gloria. Eu era um homem totalmente fora de mim e já raciocinando apenas pela emoção, perguntei para o Machine se ele se importava que eu fosse à frente, enquanto ele trazia o Alexandre. Claro que não sabíamos se era possível subir o resto sem corda, mas como ele deu o aval e ainda pediu para eu ir me adiantando para ver se achava a linha de rapel, desclipei-me dá corda e parti para o cume. Quando dei o último passo, o último impulso, o último sopro de energia daquela escalada insana, numa parede de 700 m, numa altitude de 2.366 m, estava fora de mim. Estava simplesmente absorvido por um sentimento que nem eu mesmo poderia explicar. Era um zumbi que vagava entorpecido pelo momento. O vento cortando a minha pele, minhas pernas trêmulas do esforço que eu vinha fazendo, muito além da minha capacidade física. Água, já não bebia desde a parte da manhã. Comida, já não sabia o que era há muito tempo. A certeza era uma só: EU ESTAVA NO CUME ou há alguns metros dele. Havia chegado ali com um pressentimento de que desistiríamos a qualquer momento. Não queria nem saber se o último lance daquela escalada, seria necessário subir grudado à corda. Já eram quase 18 horas, o sol já dando seu último suspiro. Escalaminhei cambaleando e pelo chão, fui derramando um oceano de lágrimas, de tal forma que, não enxergando o caminho até a pedra que marcava o cume, cai num buraco no meio do mato e tive que me agarrar numa pedra para de lá sair. Atabalhoado, desconcertado, inebriado pelo momento, alcancei o TOPO DO PICO MAIOR, a maior montanha de toda a Serra do Mar no Brasil e lá, naquele lugar mágico, liguei meu celular e comecei a falar nada com nada, palavras desconexas, desabafos sem sentidos, falando diretamente para o vento, que não fez questão de me ouvir. Aquele momento era só meu, havia esperado muito por isso, havia engolido alguns sapos pelo fracasso dois meses antes, mas agora nada importava e só quem se dedica ao MONTANHISMO, aos esportes de Aventura, poderá compreender tudo isso, que vai muito mais além de ser só um esporte, porque existem muitas outras coisas envolvidas. Na grande pedra, que assinala o Cume da Serra do Mar, vejo apenas um filete de raio de sol, que em mais 5 minutos decreta a morte daquele intenso dia de escalada e agora nos deixa, a noite como companhia. Desço da pedra e encontro, junto a uma clareira, a caixa onde foi instalada o livro de cume, mas passo batido e volto pouco mais de 50 metros abaixo do cume, onde encontro o Machine e o Alexandre enrolando a corda. Eles me parecem tão cansados, que não houve reações nem para comemorações exacerbadas, mas eu aproveitei a deixa, para agradecer aos dois, por terem feito parte daquele sonho. O Alexandre me pareceu bem emocionado e igual a mim, pareceu estar aliviado por ter cumprido um objetivo, por finalmente poder também escrever seu nome na história da escalada no Brasil, um verdadeiro marco nas nossas vidas de caçadores de aventuras. Estávamos finalmente no cume, havíamos levado muito mais tempo do que imaginávamos, mas estávamos felizes porque sabíamos que estávamos preparados, caso precisássemos passar a noite no topo. Nossa estratégia de subir com equipamentos de camping havia sido acertada, mas infelizmente havia um fator que ia nos fazer penar, que era o fator sede. Poderíamos passar a noite ali com toda segurança, com certo conforto até, mesmo que a temperatura caísse muito abaixo de zero grau, mas ainda estávamos urrando de sede, nossa água havia secado desde a parte da manhã. Eu não poderia resolver a questão da água, mas poderia pelo menos diminuir o sofrimento momentâneo. Foi aí que puxei do fundo da mochila, que guardei apenas para comemorar nossa ascensão, uma latinha de energético, uma pequena latinha de menos de 300 ml, mas foi o suficiente para fazer com que um sorrido escapasse do rosto dos meninos, já que estavam carrancudos. E depois de molhar a goela, consegui convencê-los a irem ao cume para assinar o livro e marcarmos definitivamente nossa passagem por uma das montanhas mais icônicas do país. O CUME é bem grande, com vários lugares abrigados para se montar uma barraquinha, mas os meninos definitivamente não queriam sofrer de sede até o dia seguinte e resolveram que faríamos o rapel e desceríamos ainda naquela noite. Mas tinha um, porém: Como iríamos descobri a saída, o início da descida do rapel, no escuro? E esse é sim um grande problema, tanto que escaladores experientes acabam tendo que pernoitar no cume, sem equipamentos de camping e tendo experiências terríveis por não conseguir localizar o rapel a noite, o que pode botar a segurança em risco, caso a temperatura despenque muito ou mesmo uma chuva repentina pode ser um fator de vida ou morte e isso é muito sério. Pois bem, até agora naquela escalada, eu havia tido um papel importante, mas nada comparado ao do Alexandre e do Machine e havia chegado a hora de dar minha contribuição. Eu havia marcado o ponto exato de onde partiria o rapel mais tradicional, que é o da a VIA SYLVIO MENDES, mas encontra-lo a noite, com o gps do celular atualizando a localização toda hora, não iria ser fácil. Tinha a informação de que, assim que a escalada atingi seu fim, era preciso pegar uma diagonal para direita, mas no escuro tudo complica. Procurei descendo para as bordas da montanha, mas não encontrei e quando voltei para falar para os meninos, fui obrigado a me clipar à corda, porque o Machini ficou desconfiado da minha capacidade de descer me pendurando nos arbustos e vegetação rasteira, sem saber que essa arte de desescalar sem corda na Serra do Mar, eu dominava como ninguém. Localizei para que lado realmente poderia estar e fui acompanhando pelo aplicativo do celular, que vez ou outra, enroscava e me levava para o lado errado, até atualizar e me devolver na direção certa. Por sorte, encontrei umas fitas reflexivas ao apontar minha lanterna e fui escorregando intuitivamente pelo capim, desescalando patamares, mas sempre com o protesto que vinha lá de cima, pedindo para eu não me ariscar tanto, porque a corda servia mais como um guia, do que como uma tabua de salvação, mas às 7 horas da noite, finalmente localizei as duas proteções da saída do rapel, me ancorei nelas e fiz segurança para que os meninos descessem até mim. Nossa expectativa era que conseguíssemos descer até o chão em umas 3 horas, já que o rapel era longo, mas quando fomos ver, acabamos não encontrando o CROQUI DO RAPEL, então a descida seria literalmente no escuro. É possível fazer o rapel com uma corda de 60 metros, mas como estávamos com duas de 60, usaríamos as duas. E foi assim que o Alexandre nos abandonou e partiu para os abismos profundos, agora ele seria o guia encarregado de nos levar para o chão em segurança, mas nem imaginávamos que aquela descida, se tornaria mais uma aventura, porque nada é tão ruim, que não possa piorar. O Alexandre desceu e vasculhou no escuro, se valendo da luz da lanterna e demorou um tempão até gritar que havia achada a outra parada. Descemos pela corda, que passa por uma espécie de gruta, nos fazendo pegar uma paredinha negativa. Tecnicamente ali seria a P11 da Sylvio Mendes, mas até então, sem o croqui, não tínhamos a menor ideia disso e quando o Alexandre partiu para mais uma tentativa de achar a próxima parada e não deu mais respostas, ficamos agoniados. Estávamos ali, pendurados há centenas e metros do chão, no escuro, barriga roncando, boca seca de tanta sede, expostos ao frio e ao vento inclemente. Perguntei para o Maquine, o que poderíamos fazer se o Alexandre não conseguisse localizar a sequência do rapel e não conseguíssemos seguir em frente e sinceramente, esperava uma resposta mais técnica, já que ele era o mais experiente e ele jogou um balde de água fria no meu psicológico, já combalido pela situação em que havíamos nos colocado: - Haaaaaa, Divanei, não sei cara, estamos é fudido mesmo! Eu não disse nada, apenas fiquei ali, parado, inerte, pensamentos longes, olhando para o vazio, anestesiado. Na minha cabeça, dormir ali, pendurado na corda não seria problema nenhum, mas como desceríamos ao chão no outro dia era que me fazia um homem meio angustiado, já que nem sinal de celular conseguíamos ter e só vez ou outra entrava uma mensagem de WhatsApp e foi numa dessas vezes, que consegui enviar uma mensagem para o Vinícius, pedindo que ele me enviasse uma foto do croqui do rapel, já que eu não conseguia acessar a internet para procurar. O Alexandre demorou uma eternidade, mas quando ele gritou que havia localizado mais uma parada, meu coração se aliviou e descemos rapidamente até nos juntarmos novamente a ele. A noite é outra que vai passando numa velocidade impressionante. Toda ação é morosa e parece ir emperrando a cada rapel, mas mesmo assim, vamos comemorando cada conquista, por menor que seja. Mas a coisa só melhorou mesmo depois que o Vinicius conseguiu nos enviar a foto do croqui do rapel. Até então, não sabíamos nem onde estávamos e pior ainda, quando chegávamos em alguma fenda gigante, não sabíamos se a parada estava fora ou dentro da fenda, era um tiro no escuro e felizmente a competência do Alexandre em localizar “P” e Chapeletas no escuro, era algo para aplaudir de pé, tanto que o Alexandre ofereceu para que o Machine conduzisse um pouco a descida, mas ele se recusou e eu, cego, não tinha a menor condição. Quando a gente conseguiu se achar, depois de lermos o croqui, já estávamos na P6, bem na boca de uma fenda, onde se faz um rapel cretino, que te joga para dentro de um buraco em pendulo e faz você explodir os pés numa parede oposta até finalmente descer dentro de uma FENDA GIGANTE e estacionar na P5, conhecido por parada da árvore, por conter uma grande árvore que nasceu dentro da fenda, que é larga e poderia servir para um abrigo. Na parada da árvore, que você não para na a árvore, mas até poderia, junto a parede da esquerda há uma ou duas proteções, acho que dois “P” e dali para frente, vamos nos enfiar definitivamente dentro de uma rachadura na montanha e ir descendo de degrau em degrau, passaremos por uma grande rocha, onde nos enfiamos por dentro dela. É um rapel chato, demorado, onde a corda vai enroscando em tudo quanto é lugar até nos vermos num platô, que antecede o último rapel antes de uma trilha, mas ainda não é a trilha do chão. Ao chegarmos nesse platô (P2), a corda enroscou nessa pedra que havíamos passar por baixo e aí eu comecei a ouvir vozes. Quando cheguei embaixo, eu já estava parecendo um zumbi, mal ouvia o que os meus companheiros de escalada diziam e encostei-me num monte de galho e apaguei, mas antes de sucumbir, ouvi o Alexandre dizendo para o Machini que era para cortar a corda e ouvi o Machini responder que ia tentar fazer uma ascensão para tentar desenroscar. Uma meia hora depois, calculo eu, acordei quando ele voltou, tentei levantar-me, mas minhas duas pernas haviam travado de tanta câimbra. Rapidamente montaram o próximo rapel e descemos até o início da trilhinha, mas eu desci quase que raspando a cara na pedra, tentando suportar as dores intensas, até que ouvi alguém gritando que havia encontrado um buraco na rocha cheio de água. Quando o Alexandre me perguntou as horas , quase caímos para trás. No meu celular marcavam três horas da manhã. A gente não tinha nem se dado conta de que havíamos passado quase a noite inteira lutando para escapar daquela parede e agora estávamos mais ainda desesperados por um gole de água. Água, agora havia e estava lá, abundante dentro de um buraco, mas era uma água imprestável, cheia de matérias orgânicas, fedendo a ovo podre e com cor de bosta de vaca diluída e para piorar, eu havia esquecido o maldito clorin, que sempre me acompanha no meu estojo de primeiros socorros. Estávamos a ponto de enlouquecer de sede, mas poderíamos esperar mais um pouquinho, até descermos ao chão e podermos beber, mas a nossa sorte virou novamente e sair de dentro daquela “Caverna do Dragão” não estava sendo fácil. Estávamos na (P2) e tecnicamente só teríamos mais um rapel para chegarmos ao chão, mas antes de chegar até a (P1), tínhamos que fazer uma trilhinha de uns 10 ou 15 minutos. Essa trilha segue para a direita, paralela à própria parede, mas ao percorre-la, acabamos por nos perder na beira de um abismo que não nos levava há lugar nenhum. É uma trilha extremamente cretina, fechada e que pensamos nem ser ela, então retornamos para junto do poço de água, para ver se não tínhamos que descer reto, talvez a trilha estivesse mais abaixo, talvez tivéssemos que fazer algum pequeno lance de rapel para encontrá-la, mas não encontramos nada e ficamos ali vendidos, sem saber o que fazer, simplesmente desolados. Não havia mais o que fazer, estávamos num mato sem cachorro, presos a meio caminho de lugar nenhum, sem saber como descer ao chão e sem forças para mais nada e com uma sede do cão, estacionados num lugar medíocre, que mal dava para morrer sentado. Mas eu me senti muito pressionado. Eu já não era lá um grande escalador que prestasse, mas era minha obrigação, pelo menos, mostrar minha competência em achar aquela maldita trilha dos infernos. Então deixei os meninos lá, apanhei minha lanterna e saí, meio que cambaleando no meio do mato, abrindo caminho no peito, raspando a barriga na pedra. A trilha realmente é muito confusa, pelo menos para quem está tentando encontrá-la à noite, mas ao ver uma fita refletiva, consegui encontrar o ramal que começa a descer à esquerda em direção ao vale, onde desescalei uma língua de pedra, até ser barrado por uma rampa mais perigoso. Era perfeitamente possível descer essa rampa, mas não quis ariscar durante a noite e vendo outra fita refletiva abaixo dela, concluí que era provável que aquele seria nosso caminho, mas não hoje, porque hoje não havia mais energia para mais nada, então voltei para onde estava os meninos e anunciei que no dia seguinte tentaríamos aquele caminho e mesmo que não fosse, desceríamos como desse até o chão. Ao chegar lá, já encontrei os dois quase que desfalecidos, encostado numas pedras. Eu não estava melhor do que eles, só me mantinha em pé por ainda não ter encontrado um lugar para morrer, mas a minha sede era tanta que, sabia eu, jamais dormiria até que resolvesse esse problema. Passava das 4 da manhã e combinamos de dormir umas três horas, porque do jeito que estávamos, sofrer um acidente não era nada improvável. Fiquei parado, até para respirar tinha dificuldade, a língua inchada de desidratação, garganta raspando. Olhei para o poço de águas gosmentas, senti ódio daquele desgraçado, senti ódio de mim mesmo, pelo que estava pensando em fazer. Apanhei uma velha garrafa pet na minha mochila, movi meus pés em direção a ele, enquanto o Alexandre me fitava de longe, como a tentar imaginar qual seria meu próximo passo. Caminhei devagar, caminhei tão devagar como se não quisesse chegar, mas cheguei. Me abaixei, enfie a garrafa no buraco e deixei que aquele liquido nojento corresse para dentro dela. Olhos arregalados, narinas fechadas e boca aberta. Estomago embrulhando, mas deixei o liquido escorrer pela minha goela, 300ml de pura gosma, 300 ml do mais puro desgosto. Aquela essência de ovo podre adentrou o meu ser e me fez virar um gremlin possuído. Devo ter sido infectado por um número sem igual de bactérias, vermes e protozoários, mas em um minuto, eu era um homem renovado pelo poderoso liquido, minha sede havia sido aplacada, agora posso morrer em paz. Três horas depois o dia nasceu. Juntamos o equipamento de escalada e nos pomos a caminhar pelo arremedo de trilha até reencontrarmos o caminho que eu havia feito horas antes. Descemos um lance de pedra com um rapel de uns 10 metros e localizamos dois grampos de rapel em um grande bloco (P 01) e por ele fomos descendo por uma trilha até que o terreno desaba num vertical, um lance negativo que nos leva definitivamente para o chão, onde uma árvore gigante nos dá as boas-vindas. Finalmente alcançamos a trilha que irá nos levar de volta para o Abrigo, passando primeiro pela sede do parque. A trilha é meio confusa, vai se enfiando no meio do capim alto, hora subindo, hora descendo, mas sempre se mantendo no alto do vale. Mas chegou uma hora que nos perdemos e pra nossa infelicidade, tivemos que varar mato no peito. Um mato cretino, onde acabei cortando minha mão e a vi jorrar sangue sem parar e isso me deixou bem puto, porque esperava encontrar um caminho bem consolido e acabamos caindo numa capoeira dos infernos. Nossa labuta para voltar a civilização só começou a melhorar quando nos encostamos o quanto podemos na parede do Pico do Capacete e ali conseguimos encontrar a larga trilha que nos levou lentamente ao vale, desembocando bem na estradinha, a menos de 10 minutos da sede do PARQUE ESTADUAL 3 PICOS. O Alexandre estava tão destruído por falta de água, que se sentou na estradinha e deixou que eu e o Machine voltássemos um pouco pela estradinha para encontrarmos água no parque. Pegamos, portanto, para a esquerda e logo adentramos a porteira que dá acesso à área administrativa. Por causa da pandemia, o parques se mantem fechado juntamente com seu camping e lá não encontramos ninguém, mas encontramos uma torneira à beira de um barranco, pegamos água e fomos tomar deitados no gramando, saboreando cada molécula do precioso líquido, bebendo até passar mal. Apanhamos água para o Alexandre e retomamos nossa caminhada. A estradinha vai descendo, passa pela Pedra do Sofá e adentra o gramado de onde partem as trilhas para o complexo dos 3 Picos, justamente no lugar onde tínhamos entrado 2 dias atrás e em mais 5 minutos, caímos em definitivo no Abrigo República 3 Picos, onde fomos recebidos pelo Paulo Mascarin, que nos ofereceu um café com pão de queijo, salvando nossas vidas. Oficialmente nossa missão estava cumprida, hora de comemorarmos o êxito daquela empreitada, onde escrevemos nossos nomes definitivamente na história, não só do Pico Maior, mas na história da Serra do Mar no Brasil. Na década de 80, o grande navegador Amir Klink , ao começar seu projeto para cruzar o Atlântico num barco a remo, descobriu que todos fracassavam ao tentar lutar contra o capotamento dos barquinhos, então ele teve a brilhante ideia de parar de lutar contra as forças da natureza, então simplesmente, construiu um barco que poderia capotar, voltando a navegar normalmente e assim cruzou da África até o Brasil em 100 dias. E essa foi nossa inspiração: Se mais de 80% dos escaladores, principalmente paulistas, fracassavam por causa do tempo ou tinha uma experiência de quase morte, tendo que dormir no cume sem equipamento, então a gente iria subir preparados para dormir na montanha e poderíamos ter o tempo que precisássemos. E como relatei aqui, foi uma estratégia mais do que vencedora e mesmo que tenhamos passado uns perrengues por causa da falta de água, mesmo assim, em nenhum momento corremos riscos de vida. Claro que agora aprendemos como se escala uma montanha com essa envergadura e hoje poderíamos subi-la em um só dia, mas isso não mais importa. O sonho de alcançar o Cume da Serra do Mar no Brasil foi realizado e isso ninguém mais tira da gente. NOTA IMPORTANTE: Esse relato foi escrito para as pessoas em geral, que na sua grande maioria, não escalam e não compreendem os termos técnicos da escalada, portanto, na medida do possível, tentei fazer um texto simples, focando mais nas experiências humanas do que na técnica da escalada. E esse texto passa longe de querer ensinar como se escala uma montanha dessa envergadura, mesmo porque, eu não me considero escalador e sim, um bom carregador de cordas. Mesmo assim, acredito que para quem vai escalar o Pico Maior pela primeira vez, esse texto contém algumas dicas bem interessantes, porque a escalada Clássica não se resume apenas no ato de trepar em pedras e paredes, vai muito mais além disso.
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