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  1. PICO MOTCHAKA : JURÉIA – ITATINS : Cume do MORRO DAS TRÊS PONTAS A noite já se avizinha quando sete homens se espremem num minúsculo espaço entre moitas de capim elefante, em um inferno de um terreno irregular e encharcado e se preparam para sobreviver ao tempo inclemente que a mãe natureza destinou à eles. O vento sopra de sudeste e a massa de ar fria toma conta de tudo, a chuva fina não cessa um minuto e quase todos já se encontram em estado de semi-hipotermia e fazer qualquer atividade, mesmo que simples, já se torna um grande sacrifício. Todos estão molhados e é visível o sofrimento estampando no rosto de cada um, mas eles sabem que nesse momento não poderão contar com ninguém, pois estão isolados da civilização, perdidos numa montanha até então desconhecida, no meio de um mar de florestas no centro da Serra do Mar Paulista. Alguns não querem nem conversa, estão inebriados pelo momento e pelo sofrimento, pés destruídos, mão e pele dilaceradas pela vegetação selvagem e nesse momento não há comemoração e são apenas sete homens resignados que buscam apenas amanhecer vivos ao dia seguinte, porque a conquista ainda não se completou e nem é hora de se pensar nisso e sim de curar as feridas e tentar elevar novamente o moral da equipe. Toda vez que eu olhava aquela montanha isolada no mapa de satélite e na carta topográfica, onde constava uma informação como sendo parte da cadeia de montanhas conhecida como MORRO DAS TRÊS PONTAS, sempre me perguntava se haveria como subi-la, ainda mais porque esse era um dos pouquíssimos picos com cume exposto de toda aquela cadeia de montanhas da Serra da Juréia- Itatins. O grande problema era achar uma rota que partisse do Norte, algum caminho que a gente pudesse seguir sem ser barrado nas fazendas de bananas que por lá existem. As pesquisas não evoluíam, muito porque, ainda me faltava um tempo para dar umas voltas lá pelos lados de Itariri, a cidade mais próxima, para poder investigar, antes mesmo de tentar uma expedição para o pico. Conforme o tempo foi passando, fui atualizando os mapas, traçando um plano de ataque, mas infelizmente sem contar com nada da internet, nem uma menção, nada que pudesse me ajudar a angariar algo que me dissesse se seria ou não possível ascender ao cume sem escalada técnica. A montanha era um gigante perdido na selva, um monstro de rocha, isolado do mundo e com paredes inclinadas, onde parecia mesmo que teríamos que usar corda se quiséssemos conquista-la, coisa que estava fora das nossas pretensões, já que não seria viável enfrentar um vara-mato daqueles, carregando equipamentos pesados. Mas depois de uma análise mais precisa, chegamos juntos a conclusão de que uma linha de árvores na face leste da montanha poderia sim nos dar uma chance de chegarmos o mais alto possível e de lá partir numa escalaminhada meio suicida até o cume. O tempo passou, mas foi no feriado do dia do trabalho que a oportunidade chegou. O Alexandre Alves, mancomunado com seu primo Gersinho, vieram com aquela conversa fiada, me perguntando se eu não teria um pico inédito para indicar para eles subirem e que pudesse ser feito em no máximo dois dias. Claro que os safados sabiam que eu sempre tenho algum projeto engavetado e que eu não ia entregar o ouro para os bandidos, sem que eu mesmo pudesse estar nessas furadas que só a gente inventa. Para completar o grupo, ainda escolheram outros trouxas a dedo para enfiar nesse perrengue dos diabos e foi assim que os nossos amigos Dema, Natan e Vinícius vieram se juntar ao grupo e o Gersinho, não satisfeito em querer lascar com a vida dos amigos distantes, resolveu enfiar seu jovem sogro de 55 anos de idade no meio da confusão e o grupo fechou sua cota de gente sem noção com seu Betão, o cara da panturrilha de aço. Partimos de Sumaré, no interior do Estado, no carro do Vinícius e depois de uma breve passada em Embu das Artes, nos juntarmos aos expedicionários paulistanos e nos mandamos para Itariri, uma cidadezinha minúscula e pacata no sul de São Paulo, mas antes mesmo de entrarmos na cidade, viramos à direita no trevinho e nos enfiamos na estradinha de terra que vai para o nordeste e 4,5 km depois, atravessa o Rio Azeite e quebra pra esquerda na bifurcação, junto a um ponto de ônibus, começa a cruzar com um grande bananal e 2 km depois chegamos à entrada da fazenda que havíamos identificado no mapa e viramos a direita, mas não andamos nem 100 metros , já paramos o carro diante de uma matilha de cães raivosos que vieram em nossa direção , naquela madruga fria e escura de outono. O que a gente temia aconteceu! Logo no início do caminho havia uma casa e agora seria necessário negociar a passagem, já que o caseiro levantou-se para ver que arruaça era aquela em seus domínios. Da porta da casa, em meio a um grande bananal, somos recebidos por um jovem de cueca, que mesmo assim, já botou medo na gente. Por sorte era um nativo manso e nem fez menção em nos barrar a passagem, apenas pediu para que deixássemos os dois carros estacionados no início da estradinha e seguíssemos a pé, já que o restante da estrada estava destruída e seria impossível seguir motorizado. Botamos as mochilas nas costas e partimos, agora certos de que estávamos por conta e risco e que aquela expedição só dependia da nossa competência. Subimos pela estradinha por 600 m e logo chegamos a uma bifurcação, onde fomos obrigados a parar para analisar o mapa. Minha marcação dizia que deveríamos seguir em frente, uma saída levemente para esquerda, já no GPS do Vinícius, marcava para a gente fazer a curva para direita na estrada principal. A discussão para saber para onde seguir se perdurou por alguns minutos, mas o Alexandre já cansado da viagem chutou o balde e sugeriu que a gente montasse logo a barraca à beira do caminho, num lugar qualquer da estrada. Eu estava convicto de que teríamos que encontrar um tal barraco abandonado que o caseiro da fazenda havia nos dito, por isso tentei logo persuadi-lo a continuar andando, já que logo vimos que o traklog do meu celular havia reencontrado a rota certa. Pegamos então a estradinha destruída e com mato alto e enquanto o Vinícius reclamava do trambolho de uma bolsa cheia de material de camping que o Alexandre o fez carregar, fomos avançando metro a metro na escuridão da noite até que uns 500 metros mais acima nos deparamos com uma área plana junto ao bambuzal, onde novamente o Alexandre implora para acamparmos. O local onde estávamos não era um lugar ruim para passarmos a noite, mas estava longe do que eu estava pensando. Então chamei o Dema para seguirmos sem mochila e tentarmos interceptar o tal casebre abandonado e se não fosse muito longe, poderíamos ainda convencer o grupo a ir acampar nele. Fomos subindo por dentro da estradinha erodida até que começamos a ver mais uma plantação de bananas, mas agora totalmente abandonada, onde grandes cachos da fruta madura tombavam à beira do caminho. Não demora nem 15 minutos e já avisto o telhado da choupana do nosso lado direito. Era um barraco caindo aos pedaços, isso não posso negar, mas comparado àquele terreno onde os meninos queriam acampar, parecia mais um palácio, mesmo que parte do teto já não se encontrasse mais em condições de abrigar coisa alguma. Descemos correndo de volta pela estradinha e logo demos a notícia para os meninos, que não perderam tempo e já se puseram a caminhar rumo ao nosso hotel de selva e em mais vinte minutos estávamos todos arrumando a nossa nova morada pelo resto daquela madrugada. No barraco cada qual se virou como pode, uns montaram sua barraquinha e outros dormiram no chão mesmo, apenas estendendo seus isolantes e se enfiando nos sacos de dormir até que um novo dia veio nos dizer que a grande jornada estava na hora de começar. Estamos terminando nosso desjejum quando eles chegaram. A cena era sul real, foi como ver o bando do cangaceiro Lampião chegar sem aviso prévio. Seis ou sete homens armados até os dentes nos encurralaram na porta do casebre e quando vi aquilo, demorou para que a ficha caísse. Meu cérebro ficou tentando processar a informação enquanto eu me mantinha estático, sem me mexer. Os outros caras ficaram mais assustados que gato correndo de macaco e assim como chegaram, os bandoleiros partiram para o mato atrás do que procuravam, no caso, dar uns tiros em algum animal indefeso. Os caçadores se foram quase sem dizer nada, mal balbuciaram meia dúzia de palavras, na verdade acho que estavam mais com medo da gente do que a gente deles e aproveitando a deixa, tratamos também de pegar nossas tralhas e no metermos mato à dentro porque não tínhamos mais tempo a perder e era preciso nos adiantar porque traçamos um objetivo de tentar chegar ao cume daquela montanha ainda hoje. Quando abandonamos aquele velho barraco perdido naquele mar de bananeiras, não tínhamos a mínima ideia do que encontraríamos pela frente. Nem fechamos a porta, muito porque, porta não havia e nos lançamos de vez num mundo desconhecido, onde o objetivo era alcançar uma montanha distante, perdida no meio da selva e sem o conhecimento de que alguém já teria botado os pés no seu cume. A jornada começou lá pelas oito da manha e sem perder tempo já caímos de volta para a estradinha tomada de mato, mas não demora muito, esse caminho se torna impossível de passar, então nos mandamos por dentro do labirinto de bananeiras até que 15 minutos depois a moleza acaba e nos deparamos com o pé da montanha e a quase intransponível Mata Atlântica, hora de parar e montar a estratégia. Para aquela expedição eu havia traçado um roteiro subindo por dentro de um grande vale, não exatamente por dentro do rio , mas sim margeando ele, procurando usá-lo sempre como referência. Montei um pré-roteiro sobre o mapa de satélite e o jogamos para os GPS do Vinícius e do Natan e esses dois seriam os nossos navegadores dali em diante, caberia a eles a incumbência de nos manter bem próximos do projeto pré-estabelecido. Pra começar, não havia o que fazer e já nos enfiamos mato à dentro levando a vegetação no peito e de cara tomando um banho do orvalho da manhã. Do nosso lado direito era possível ouvir o rio que descia do alto da montanha, mas optamos por já ganharmos altura e tentarmos interceptar o vale mais acima. No início fomos nos desviando de alguns matacões que sem percebermos começou a nos direcionar para muito longe do caminho traçado, então tratamos logo de tentarmos corrigir a rota e retomarmos o nosso rumo. Fomos ganhando altitude muito lentamente porque o terreno não ajudava por causa da inclinação e como não conseguíamos nos aproximar da rota desejada, logo percebemos que o vale que estávamos subindo era apenas um afluente do rio principal e aí tomamos a decisão de cruzá-lo para sua margem esquerda e assim descemos uma ribanceira, escorregando até o leito do riacho e cruzando-o, já escalamos a grande parede onde pedras rolavam e cada um tinha que se virar como podia para não ter sua cabeça achatada por uma rocha. Tocamos para cima de vez porque não queríamos nos enfiar na cava do outro rio e sim apenas bordejá-lo e ganhar altitude. Numa floresta como essa, achar um corredor que lhe de uma passagem livre é quase impossível, então é preciso muita energia para ir se livrando dos infernais bambuzinhos e outras vegetações que vão agarrando na gente e tornam o progresso um tormento. Na subida dos barrancos é um passo pra frente e dois para trás e quem perde a concentração pode acabar virando passageiro no tobogã natural e ir parar de novo no fundo do vale. Já fazia quase três horas que vínhamos lutando com aquela subida e teve uma hora que a gente se viu preso no meio de uma cachoeira lisa, onde não conseguíamos ver o seu fim e foi aí que mais uma vez nos demos conta de que ainda não havíamos atingidos o vale que procurávamos, estávamos em outro rio e pior, num beco sem saída. Não, a gente não ia voltar a descer e perder um tempo precioso, resolvemos nos valer da nossa estupidez de sempre e encarar uma parede coberta por bromélias à beira de um abismo. Um a um fomos escalando pela vegetação que ao pisarmos, balançava e ameaçava se desprender da rocha e nos jogar no vale profundo. Ninguém queria ficar fazendo onda naquele lugar, então todos tiraram forças de onde não tinham e se apressaram para sair daquele incomodo caminho, até que eu consegui dar a volta em mais um matacão e atingir a parte superior da cachoeira lisa, onde vislumbrei a possibilidade de cruzar o rio para o outro lado e para comemorar mais aquela conquista, paramos para um breve gole de água e um lanchinho rápido. Retomamos o caminho, mas desta vez tentando tocar tudo para a direita pensando na possibilidade de ir nos encostando na rota programada, mas como querer não é poder, a gente acabou sendo levado instintivamente para longe do nosso caminho e isso começou a mexer com os nervos do grupo porque alguns queriam continuar subindo e ganhando altura , enquanto outros queriam tentar traçar uma diagonal para a linha marcada previamente no GPS, mesmo que isso custasse perder um rim de tanto escalar barranco. Fiquei no meio da futrica, tentando me direcionar para o meio termo e tentando agradar aos dois grupos distintos. O dia já ia quase pela metade e a gente ainda tava preso na subida da primeira montanha, num labirinto de árvores e morros, mas já havíamos vencido quase 800 metros de desnível rasgando a floresta no peito, o que não é pouca coisa não, mas estávamos cientes de que aquela era só a primeira parte da empreitada e ainda não havíamos nem botado os olhos na montanha que seria o nosso objetivo. As coisas não se resolviam e a partir dali não desgrudamos mais os olhos do GPS, era hora de nos decidirmos de uma vez. Pegamos uma reta para a cumeada da serra e fomos explorando as curvas de nível, traçando uma rota para o ponto mais alto no intuito de podermos ver logo que raios de montanha era aquela que vínhamos buscando ,porque por hora só a conhecíamos por imagem de satélite e por uma tosca foto aérea. Não demora muito e nos vimos subindo uma rampa natural e não nos desgrudamos dela até que finalmente as 13h00min atingimos o topo da serra, onde um esqueleto de um animal de grande porte nos deu as boas vindas. De onde estávamos mal podíamos ver muita coisa, mas por um breve momento ele deu o ar da graça: Lá estava ele , o GIGANTE DE PEDRA , mais gigante do que pensávamos e muito mais inclinado do que imaginávamos. Era quase um vulcão perdido no meio da floresta e foi nessa breve visão que comecei a desconfiar da nossa capacidade de atingir o cume ainda naquele dia e por um breve momento de pessimismo, cheguei a pensar que não seria possível acender ao cume sem cordas. Estávamos cansados, molhados e com frio, mas ainda assim não passava pela nossa cabeça voltar dali, era preciso levantar a cabeça e avançar, continuar navegando, continuar acreditando que era sim possível. Estávamos longe da rota traçada, do caminho desejado e agora era hora de largar tudo e tentar voltar para a rota pretendida ou poderíamos ter o mesmo fim do esqueleto que jaz ali, frio num canto perdido daquela floresta úmida e sombria. Acertamos o azimute e descemos a montanha me direção ao vale que nos separava do MOTCHAKA . Tentamos ir perdendo altura aos poucos, bordejando em zigue-zague, mas logo parte do grupo” mordeu a chumbada” e queria por que queria descer de vez em direção a grande montanha e pra não ficar enrolando , já me pinchei na parede íngreme e fui escorregando como deu até atingirmos mais outro riacho, cruzá-lo e começar a subir por outro morrote, onde outra rampa natural nos leva para cima e aí tivemos que enfrentar outra leva de bambuzinho infernal. Passamos por um selado onde o Alexandre, que já vinha capengando, pediu para pararmos de vez. Em um primeiro momento o estado do Alexandre nos preocupou, tanto que eu e o Dema já havíamos notado que ele não estava nada bem e agora ele havia quase desabado, inclusive ele mesmo já havia elogiado algumas clareiras dizendo que era um bom lugar para acamparmos, mesmo sendo ainda muito cedo para isso. Na minha cabeça não passava nem de longe a possibilidade de acampar naquela altura do dia e eu tinha certeza que se isso viesse a acontecer, aquela expedição estava fadada ao fracasso. O Vinícius e o Natan vinham conduzindo muito bem a navegação e apesar de jamais nos aproximarmos do caminho pré-definido, ainda nos mantínhamos muito perto dele, o que nos dava a garantia de não estarmos perdidos no vale. O seu Betão pouco falava e se mantinha firme, sem reclamar de nada e o Gersinho era o cara que sempre sacava alguma guloseima da sua mochila para alimentar o grupo, que junto com os torresmos do Dema, nos mantinha com o moral elevado. A montanha que buscávamos nunca chegava e toda vez que ela aparecia numa janela do tempo, sempre me parecia mais longe ainda e quando o Alexandre resolveu tomar a dianteira, minha alma se alegrou e comecei a levar fé que se alcançássemos o pé da grande pedra, nada nos deteria a caminho do cume, porque uma vez pendurado na rocha , era caminho sem volta. Quando os estudos sobre essa montanha começaram, foram surgindo várias teorias de como subi-la, sempre baseadas nas fotos de satélite, alguns fizeram rotas frontais, onde poderíamos subir apenas com a aderência das nossas botas, mesmo que no limite do possível. Outros traçaram rotas em zigue-zague, entendendo que poderiam usar platôs para chegar ao cume e eu até que levei fé em todas, não descartando nenhuma possibilidade, mas agora vendo o tamanho da encrenca em que estávamos prestes a nos meter, todas as teorias caíram por terra e a única que sobreviveu foi mesmo a de tentar aproveitar a linha de árvores na face leste da montanha e foi pra lá que, sem titubear, tocamos com todas as nossas forças, que já não eram tão grandes assim. Estávamos varando mato por quase um dia inteiro e como não há sofrimento e desgraça que dure para sempre, finalmente a gente chegou à parede rochosa. Agora éramos sete homens contra uma montanha, sete exploradores buscando aquilo que até então nem sabiam ser possível, iam tentar algo do qual ninguém nunca haviam lhes contado nada, iam para o desafio final, a aventura estava prestes a começar. Num primeiro momento, ainda nos mantivemos subindo pela floresta, ganhando altura bem lentamente e tendo toda a parede da montanha do nosso lado direito, mas chegou uma hora que minha paciência acabou de vez, pois não aguentava mais ficar abrindo mato molhado no peito, arrastando cipó e todo o inferno de vegetação grudenta, parei e falei para o Dema para a gente tentar logo subir pela rocha, estava na hora de ver um pouco de luz, brincar de ser calango. O Dema, que também já estava de saco cheio de mato, saiu logo no aberto e foi nesse momento que a gente se deparou com a parede inclinada e tivemos que mudar o rumo pensado. O Dema tomou a dianteira e começou a escalar a rocha, não em direção para onde poderia nos levar direto ao cume, mas numa diagonal para esquerda, meio que para acompanhar a linha de árvores, mas sempre seguindo pela pedra. O tempo havia se mantido fechado por quase todo o dia e uma chuvinha fina sempre nos acompanhando, portanto, a rocha estava lisa feito um bagre ensaboado. A subida se deu sempre bordejando algumas touceiras de capim, mas logo à frente nos deparamos com uma passagem exposta onde foi preciso usar toda a habilidade de escalada para se manter grudado na pedra sem escorregar no vazio. O Alexandre ao tomar ciência do local onde pretendíamos passar, já deu uma dura em mim e no Dema, achando que estávamos nos expondo a um perigo desnecessário, mas não adiantou que ele fizesse “ beicinho” não, foi por ali mesmo que a gente seguiu e não restou mais nada além dos que vinham atrás, auxiliar o Betão nessa passagem, que depois veio a confessar que passou ali com o fiofó na mão. Às vezes o tempo abria e era possível enxergarmos muito longe, além de revermos todo o mar de florestas e montanhas que havíamos atravessado para chegarmos até ali. O cansaço já era grande, mas agora não havia como voltar atrás, era hora de tirar energia de algum lugar e continuar avançando, não adiantava chorar, reclamar, essa era a parte que nos separava da conquista e havia chegado a hora de mostrarmos para que viemos, retroceder não estava mais em discussão. Então grudamos à rocha e fomos nos elevando, metro à metro, centímetro à centímetro. O Dema tomou a dianteira de vez e eu colei nele para auxiliá-lo nas escaladas mais problemáticas. Tratava-se de uma parede rochosa, com moitas de capim elefante grudadas a ela, onde era preciso agarrar o tal capim com as mãos, segurar firme e se puxar para cima, sempre tomando cuidado para que o corpo não voltasse para trás e fizesse com que o indivíduo fosse conhecer o pé da pedra, rolando com mochila e tudo lá para baixo. Às vezes dava vontade de desistir, as mãos já começavam a sangrar, a mochila já pesava uma tonelada, cada vez mais as forças nos braços iam diminuindo de tal maneira que eu pensava em deitar naquele capim e ficar por lá mesmo, ainda mais porque a subida era lenta e o corpo todo molhado, esfriava rápido. “Onde estaria minha mãe naquela hora que não vinha me socorrer, porque me abandonou naquele inferno de pedra e capim, com um monte de caras estranhos e fedorentos? Por que eu fui deixar minha cama quentinha para me enfiar naquela furada, quem foi o desgraçado que me convenceu a estar ali”? Quando me lembro de que eu era o único responsável por ter ido, me resigno e volto novamente a puxar o capim e subir mais um lance de pedra, diante dos milhares que ainda restavam pela frente. Não havia muita coisa a fazer, a noite logo chegaria e nós estávamos presos àquela parede composta de rocha e capim. A nossa vida naquele momento se resumia a escalar, escalar e escalar. Resumia-se a subir degraus de pedra, num tormento que parecia nunca acabar. O mato era molhado, o tempo sempre fechado e a temperatura caindo vertiginosamente. Quando era preciso mudar a direção por causa de alguma parede íngreme e intransponível, mudávamos! Sempre tínhamos em mente que era necessário seguirmos o rumo de alguma linha de arbusto porque seria a eles que nos agarraríamos no caso de sermos barrados sem poder voltar, mas chegou uma hora que o Dema deu a notícia que ninguém queria ouvir:” Pessoal fim de linha, daqui para frente ninguém sobe mais” Todo mundo já gritou atrás dele que não havia essa possibilidade e que voltar não estava nos nossos planos. O Dema tinha feito a parte dele, tinha se acabado abrindo caminho, agora assumi a dianteira, mesmo sem vontade e fui tocando como deu, fizemos um desvio providencial para a direita afim de nos livrarmos da parte intransponível e logo saímos novamente na rocha crua, lisa e escorregadia. Ali passamos com cuidado já que duzentos metros de abismos nos espreitavam montanha abaixo. Cansados de ziguezaguear montanha acima, resolvemos pegar uma linha reta em direção ao platô principal da montanha, onde as paredes íngremes terminariam e finalmente, quase três horas depois de emergirmos da floresta e encostarmos-nos à montanha, desembocamos no que nos pareceu ser o cume ou a parte que nos conduziria para o topo. Agora no platô, perto do cume, onde o capim elefante parecia tomar conta de tudo, fomos agraciados com o ultimo suspiro do sol, que nos presenteou com um arco-íris espetacular, mas as vistas só eram da parte norte da paisagem porque o resto estava tudo fechado. O show não demorou mais que 10 minutos e do mesmo jeito que veio, o sol se retirou para não voltar mais naquele dia e uma nuvem espessa varreu todo o cume e a nossa vida voltou a desgraça de sempre e fomos jogado num mundo molhado, frio e sombrio. Apressamos-nos tentando ver se alcançávamos o grande cume da montanha, mas logo percebemos que o cume não passaria de um amontoado de arbustos baixos e de árvores tortas e imprestáveis para acampar com nossas redes. Rodamos por um tempo, mas não encontrávamos coisa alguma e cada vez mais eu sentia que havíamos nos enfiado numa furada. A temperatura despencou de vez e a chuva fina chegou sem dó e não havia um palmo de chão para que pudéssemos montar um abrigo. A gente estava no CUME ou ao menos bem pertinho dele, mas por incrível que pareça, não ouve nenhuma comemoração, mesmo porque, ainda não tínhamos nos dado conta do feito que acabávamos de realisar, porque é impossível comemorar algo quando se está sofrendo. Naquele momento apenas éramos um grupo de sete homens resignados e envolvido nas suas próprias amarguras pessoais. Enquanto parte do grupo tentava amassar umas moitas de capim elefante para ver se era possível abrir uma clareira, eu e o Alexandre largamos as mochilas ao chão e fomos tentar encontrar algo melhor , seguindo na direção onde estaria o suposto topo da montanha, mas logo nos deparamos com mais arbustos fechados e molhados, então voltamos correndo de volta para onde estavam os outros. Quando retornamos nos deparamos com uma briga feia. O Dema e o seu Beto, querendo se livrar de uma moita gigante de capim elefante, chamaram o dito cujo para briga. Os dois agarraram no pescoço da moita e a jogaram no chão, mas o capim não ia se entregar tão fácil e não demorou muito para os dois caírem exaustos. Acontece que por um grande azar, havíamos perdido nosso facão no início da expedição e os dois resolveram desafiar aquela touceira com uma faquinha de merda. O Betão acostumado a quebrar osso com suas mãos de massagista de MMA não cavou nada de bom, então chamou o Dema para brigar na pernada. Os dois se juntaram e começaram a dar pontapés na moita, que dessa vez começou a dar sinal de que começaria a se mover e foi nessa hora que o Dema, professor de matemática, descobriu que era hora de cortar na raiz quadra, coisa que deu certo porque não demorou muito e o capim elefante tombou de vez, agora morto e fora de combate, jogado para fora da nossa área de acampamento. Enquanto os caras lutavam bravamente com o capim elefante, o Vinícius e o Natan cortavam o capim para forrar o chão e o Alexandre e o Gersinho cuidava de montar a tenda que nos abrigaria naquela noite. E eu? Bom, eu nem me mexia. Sentia muito frio, fiquei paralisado, inerte, sofrendo com as baixas temperaturas e fui definhando cada vez mais. A previsão do tempo era de zero milímetro de chuva durante todo o feriado e como a intenção não era adentrar a rio nenhum, nem me preocupei em escolher um agasalho impermeável ou coisa parecida e havia pagado o preço. Do jeito que estava não dava para ficar e quando os caras acabaram de montar o toldo, aproveitei a deixa para tirar a roupa molhada e colocar roupa seca, antes que eu sucumbisse de hipotermia. Por fim os caras fizeram um excelente trabalho, mas o lugar era medíocre, uma rampa inclinada onde era difícil até equilibrar um mísero fogareiro. Forraram uma lona no chão sobre o capim e encima dela faríamos nossa casa, bivacando por uma noite. A chuva fria não parava um só minuto, mas mesmo assim aqueles caras estavam contentes e alegres por estarem secos e abrigados e aí a gente pode ver como certas simplicidades na vida pode nos trazer felicidade. Sinceramente eu não estava nada feliz, mesmo estando seco e quentinho. Havíamos montado uma grande estratégia para conquistar uma nova montanha e até aquele momento éramos sete homens confinados num espaço cretino, perdidos num fim de mundo suspenso, como se estivéssemos presos num livro de aventuras de Conan Doyle ( mundo Perdido). Eu sonhava dormir num cume rochoso, com céu aberto e vistas para todo o litoral e agora estava ali, deitado quase em pé, correndo o risco de acordar com a bota de um cara na minha boca. Enquanto os caras se deleitavam com a cachaça levada pelo Betão e pelo Gersinho e se perdiam na mandioca e na coxa de frango, resolvi que para compensar a minha falta de ajuda na montagem do acampamento, faria a janta para todos, coisa que não foi assim tão fácil, diante daquele terreno inclinado e quando todos jantaram, se enfiaram nos seus respectivos sacos de dormir e morreram por uma noite, menos o coitado do Betão que ficou quase a noite inteira zumbizando, porque acabou ficando sem espaço nem para esticar as pernas. (esse se fudeu bonito,rsrsrsrssr) O dia que nasce é o mesmo dia frio e cinzento do dia anterior. O sol até tentou romper a camada de névoa espessa, mas sua tentativa não durou nem 10 minutos e ele já foi se esconder novamente. O despertar foi lento e demorado, pois ninguém parecia querer largar a quentura dos seus sacos de dormir e a gente ficou por ali, tomando nosso café e jogando conversa fora enquanto arrumávamos as coisas a passos de tartaruga paraplégica. Eu ainda estava muito amuado porque não me conformava em ter chegado até ali e nem ter conseguido saber para onde ficava o CUME e se já estaríamos nele ou não. Tudo continuava fechado e eu até perguntei se a gente iria no enfiar no capim molhado em direção ao sul para tentarmos chegar às bordas daquela montanha, na expectativa de enxergarmos o litoral, mas ninguém nem me respondeu, parecia mesmo que a intenção do grupo era sair vazado daquele topo o mais rápido possível Quando eles deram a notícia de que iam continuar mais um pouco, mesmo tendo que se enfiar no meio do mato molhado, para tentar localizar o cume, meu humor mudou rapidamente. Largamos nossas mochilas na área do acampamento e nos enfiamos no meio dos arbustos e fomos seguindo para oeste, que era onde o terreno se elevava um pouco mais. Abrindo mato no peito e ainda sem enxergar muita coisa, uma visão nos assombrou a alma quando o vento bateu e nos revelou outra montanha acima da nossa cabeça. Paramos imediatamente porque não estávamos entendendo coisa alguma. Aquela montanha seria um dos outros dois picos que formam o conjunto de montanhas? Quando veio outra rajada de vento foi que nos demos conta do que estava acontecendo: Não era nenhuma outra montanha, era sim outro morro encima da própria montanha em que estávamos, era onde estaria o CUME PRINCIPAL e para nossa surpresa, era totalmente livre dos arbustos, era um cume todo forrado de capim elefante e que muito provavelmente poderia nos dar a tão sonhada vistas para o litoral que havíamos sonhado . Depois disso, aquela que era uma caminhada meio modorrenta, se tornou numa corrida maluca pra ver quem chegava mais rápido e primeiro ao cume. Pra começar já nos jogamos em direção ao vale que separava o lugar onde estávamos daquele morrote acima da gente, passamos pelo selado e iniciamos a subida final até o topo, rasgando capim molhado no peito. Não me recordo quem chegou primeiro, mas me lembro muito bem da festa que houve no cume daquela montanha até então desconhecida do mundo. E a gritaria de felicidade não foi nem de longe por termos atingindo os 1.240 metros de altitude do PICO MOTCHAKA, mas sim pelo que vimos de cima dele: Aquela era sem duvida nenhuma a mais bela visão de montanha de toda a Serra do Mar Paulista . Quando o vento deslocou as nuvens, foi que nos demos conta do que estava acontecendo naquela manhã do dia 01 de Maio de 2017: Estávamos diante de toda a Reserva Ecológica da Juréia – Itatins, bem ali aos nossos pés a não mais que 12 km das águas da PRAIA DO UNA e na metade disso, o próprio Rio Una serpenteando na planície litorânea, num mar de florestas e mangues. Ainda, mas um pouco mais distante, a Ponta da Grajaúna e sua praia, que junto com a praia do Una somam mais de 20 km de areia e restinga. Fechando a visão ao sul, a imponente Ponta da Juréia complementa a visão de uns dos lugares mais preservados e fascinantes do mundo. Para oeste ,por um breve momento , as paisagens que são a própria cumeda de toda aquelas serras, inclusive com o imponente e impressionante DEDO DE DEUS PAULISTA, que já foi alvo de expedições passada realizado por nós. O tempo abrira por poucos minutos, mas já foi o suficiente para decretarmos definitivamente que aquela Expedição havia sido um grande sucesso e não havia um só par de olhos que não demonstrasse uma felicidade e uma satisfação de estar ali e de ter feito parte de um momento único na vida de montanhista de cada integrante que ali estivesse e o que até então não passava de um ponto perdido numa carta topográfica e num mapa de satélite, agora tinha sido conquistado e ganhado um nome. Se dependesse de mim, ficaria ali pelo resto da manhã, mas os meus companheiros, preocupados com o caminho de volta, botaram pilha para a gente partir. Meu único arrependimento foi o de não ter conseguido acampar no cume e ter tido mais tempo para poder curtir o visual, ainda mais porque aquele lugar não tinha mesmo nenhum sinal que pudesse nos indicar que algum dia alguém teria botado os pés ali , nem ali ,nem em nenhum outro cume dos 3 picos do MORRO DAS TRÊS PONTAS, que de morro nunca teve nada, porque era uns monstro rochoso a dominar a paisagem. Abandonamos de vez aquele cume a sua própria solidão e partimos de volta para o nosso acampamento e chegando lá jogamos nossas mochilas nas costas e retomamos nossa jornada. No começo houve um princípio de discussão porque parte do grupo queria voltar por outro caminho, ou seja, tentar seguir o roteiro que havíamos traçados previamente antes daquela expedição começar, caminho esse que pegava uma linha reta em direção a um vale que despencava numa falha da montanha que se apresentava em forma de um GRANDE “V” e outros achavam que não deveríamos inventar nada e que o certo era voltar pelo mesmo caminho que havíamos feito, mesmo que tivesse sido um caminho penoso, mas nos dava a garantia de voltarmos com um mínimo de segurança. Eu não tinha certeza nenhuma que o novo caminho direto para o Vale “V” daria certo, mas o simples fato de voltar pelo mesmo roteiro já me aborrece, então fui um dos defensores ferrenho para que escolhêssemos um novo caminho e por sorte, aos poucos fui ganhando o apoio de outros e no fim todo mundo já tava mesmo era a fim de tocar o foda-se e ver para onde aquele novo rumo poderia nos levar. Bom, seja qual caminho usássemos para voltar, primeiro teríamos que despencar daquela montanha em direção à floresta mais abaixo e já passava das dez da manhã quando a gente chegou novamente nas bordas do gigante e nos metemos novamente no capim elefante para ir perdendo altura lentamente ou nem tão lentamente assim, já que sabíamos onde poderíamos nos jogar e escorregar sem corrermos riscos desnecessários. No fim até que acabou sendo mesmo divertido deixar o corpo cair de patamar em patamar somente escorregando naquele grande tobogã natural e isso nos ajudou a ganhar um tempo precioso porque gastamos apenas uns 40 minutos para voltarmos novamente ao pé da grande pedra, já na entrada da grande floresta. Ali foi o ultimo passo para tomarmos a decisão de voltar por outro caminho. Decidimos que de agora em diante seguiríamos o traklog que eu havia traçado em casa e não desgrudaríamos mais dele até o vale “V”. E começamos por adentrar na floresta naquela direção e quando perdemos altura até o fundo de um pequeno vale, resolvemos nos enfiar nele e ir descendo já que a linha do GPS corria por dentro. Quinze minutos à frente ele tomou outro rumo e foi hora de o abandonarmos e vararmos um pouco de mato até que interceptamos mais um córrego, esse maior que o anterior e como a direção nos favorecia , foi por ele que avançamos já quase na certeza que aquela torrente de água poderia fazer parte de um afluente do grande vale que buscaríamos para começarmos a despencar em direção à civilização. A gente foi perdendo altura, mas não muito, mesmo assim era preciso desescalar algumas cachoeirinhas para continuar e meia hora depois esse afluente chegou ao rio principal, que naquela altura ainda era tímido, mas no decorrer do caminho iria ganhar novos afluentes e crescer muito de volume. Avançávamos muito rápido e tínhamos certeza que havíamos tomado a decisão certa, mas ao chegarmos no vale onde o terreno começa a despencar a quase 1000 metros de altitude, a coisa começou a ficar feia. O Rio se transformou de vez num cânon e a descida começou a ficar perigosa e cada vez mais as cachoeiras ficavam maiores e não demorou muito nos vimos travados nas margens do rio, num beco sem saída. O Dema e o Natan estavam à frente e o resto do grupo se encontrava mais acima, esperando para ver se ia ser possível seguir pelo rio, pelo menos até que a gente cruzasse pela fenda na cadeia de montanhas para começarmos a nos encaminhar para a grande descida. O Natan já gritou lá de baixo que teríamos que cruzar o rio à nado para cruzarmos para a sua margem direita, onde a curva de nível parecia nos dar um caminho melhor. Bom, nadar não era problema, mas ninguém ali estava preparado para passar com as mochilas e na hora já rechacei essa possibilidade e fui me encaminhado pelas bordas da parede, na tentativa de encontrar uma alternativa, mas fui logo travado por um deslizamento onde a parede a minha frente se tornou impassável, voltei imediatamente. Enquanto os dois batedores ainda discutiam se devíamos ou não ariscar passar a nado, já me enfiei numa canaleta de água à esquerda e ganhei altura para procurar uma solução mais acima. Vendo que nadar não seria a solução, todo o grupo tomou o rumo da parede e eu e o Natan nos embrenhamos no mato e fomos tentando achar um caminho que pudesse novamente nos devolver ao rio, mas agora distante da pequena garganta. Decidimos tentar descer seguindo uma linha de árvores, o que nos daria certa segurança. Tentei avançar barranco abaixo, mas acabei ficando travado na descida de um tronco gigante, onde fiquei pendurado parecendo siri no pau. O Natan acabou tendo mais sorte porque escolheu o caminho por baixo, mas ao chegar à beira do paredão já deu o alarme dizendo que era impossível descer por ali, ainda porque estávamos numa garganta e então seria preciso retornar e tentar outro caminho. De volta ao topo da parede, onde o terreno era bem plano, decidimos que seguiríamos pela margem esquerda mesmo, pelo menos até conseguirmos uma passagem que nos levasse em segurança para outra margem, onde possivelmente encontraríamos um terreno mais favorável para iniciarmos a descida. E realmente foi uma decisão acertada já que avançamos bem, sempre perdendo altitude aos poucos até que novamente descermos de volta ao rio, que dali para frente ia se jogar numa sequência de cânions e gargantas. Nesse ponto, o rio se estreitou e foi possível passar para a margem direita com certa segurança e vendo que as curvas de nível do terreno começavam a se alargar, nos enfiamos novamente no mato e fomos perdendo altitude rapidamente, sempre de olho no traklog pré-estabelecido e também tendo como referência o próprio traklog que fizemos na ida. Finalmente a caminhada parecia começar a ficar confortável, ainda mais quando logo à frente nos deparamos com uma trilha larga de palmiteiro e caçador, que aliás, deitam e rolam nessa parte da serra, onde a fiscalização não existe. Todo mundo ficou contente com esse que parecia ser um grande achado, mas não demorou nem 15 minutos para a trilha desaparecer na quiçaça e nos deixar novamente na mão. Como não havia o que fazer, resolvemos descer de novo rasgando mato no peito em direção a outro vale, num afluente do rio principal que havíamos abandonado e descemos por dentro dele até que de supetão ele desembocou novamente no rio, onde uma grande cachoeira despencava e aí foi hora de estacionarmos para um descanso providencial. Demos o nome para aquela queda d’água de CACHOEIRA DA USINA VELHA, já que ainda era possível ver as ruínas de uma antiga e pequena usina hidrelétrica, construída por alguma fazenda em um passado muito distante. Quando chegamos ali, parte do grupo jogou as mochilas ao chão e se enfiou debaixo da grande queda, mas eu e o Dema não quisemos saber de água fria, já bastava o perrengue passado no dia anterior. Enquanto os meninos de esbaldavam na água gelada, fui dar uma pesquisada para ver se localizava algum final de estrada ou alguma trilha, mas nada encontrei e logo concluímos que aquela construção era mesmo muito antiga e se essa tal estrada existisse, já teria sido engolida pela floresta há décadas. Quando o grupo que tomava banho na cachoeira resolveu seguir, voltamos para a nossa jornada e subimos o barranco na margem direita do rio onde um vestígio de trilha foi encontrado, mas logo à frente mais uma vez se perdeu no mato e a gente vendo no GPS que o caminho feito na subida estava próximo, nos miramos a ele até encontrarmos mais um afluente, atravessá-lo e descer sem dó em direção ao grande bananal, onde a estrada abandonada novamente apareceu e em mais 20 minutos , fora as paradas para mais uma rodada de bananas maduras, desembocamos no casebre abandonado, de onde havíamos partidos a quase dois dias atrás , estávamos finalmente de volta a civilização, MISSÃO MAIS DO QUE CUMPRIDA . Essa foi uma grande EXPEDIÇÃO, uma incrível jornada selvagem que nos deu a honra de, até que se prove o contrário, sermos os primeiros a botar os pés no cume dessa que é hoje a montanha escalada mais isolada da SERRA DO MAR PAULISTA. Por hora essas são as únicas informações existentes no mundo do Montanhismo Paulista sobre essa montanha e como eu disse: É um mundo perdido numa selva isolada e que vendeu muito caro a sua conquista. Seu nome estranho surgiu simplesmente de uma palavra que não tinha significado nenhum e que foi grafada errada e ao vermos que tudo que imaginávamos sobre aquela montanha que, não era totalmente rochosa, não era nem de longe fácil de subir, não se situava na serra da Juréia e sim na Serra dos Itatins, achamos que o nome viria bem a calhar. O MOTCHAKA foi conquistado, o cume do MORRO DAS TRÊS PONTAS será por muito tempo um lugar abandonado a sua própria sorte e solidão, como sempre foi, mas a partir do dia 01 de maio de 2017 não poderá mais se gabar de sua invencibilidade e para aqueles que acham que tudo já foi explorado e conquistado, será preciso repensar, porque o MONTANHISMO EXPLORATÓRIO está mais vivo do que nunca. DIVANEI GOES DE PAULA – MAIO/2017
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