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  1. DESMORONADO : Conquista inédita do Cume da Serra dos Itatins-Juréia Foi na madrugada gelada de início de inverno que aquele titã rosnou. Acampados naquele selado úmido e congelante, três homens se espremem em suas redes e são testemunhas do grito do gigante que lhes assombra até a alma. Eles estão a poucas horas de alcançar, não só a maior montanha da Serra dos Itatins-Juréia, mas uma das maiores montanhas de toda a cadeia que compreende a parte litorânea da Serra do Mar Paulista. O vento uivava no cume do DESMORONADO, o barulho fazia estremecer a montanha e era como se o monstro tivesse a nos dizer que não se entregaria facilmente. Foi no início dos anos 2.000 que eu tive o privilégio de botar os olhos naquela cadeia de montanhas. Estava acompanhado de um primo, tentando realizar a travessia pelas praias selvagens da Juréia. Havíamos partidos de Peruíbe com destino a Iguape e já naquela época era preciso enfrentar a fiscalização ferrenha que fecha a passagem pelas praias e foi justamente da Praia do Una que vi meu queixo cair diante daquela cadeia rochosa que cercava todo aquele paraíso, em uma das áreas mais preservadas e fantásticas do planeta. Naquela época não existiam mapas de satélite, não como hoje e eu nunca fiquei sabendo como se chamavam aqueles monstros rochosos que se erguiam no meio da grande floresta paulista. Foi preciso que se passasse 15 anos para que meus olhos se voltassem novamente para aquele lugar, justamente quando sem querer me deparei com um tal Dedo de Deus Paulista e daí para frente me enterrei em estudos de cartas topográficas, imagens áreas e caminhos selvagens. Em 2015, juntamente com outros exploradores, tivemos a honra de reabrir a trilha que levava ao Dedo de Deus e no começo desse ano, outra expedição nossa, inédita, ascendeu ao cume do MORRO DAS TRÊS PONTAS, aonde alcançamos pela primeira vez o topo do Pico Motchaka. Mas uma coisa sempre me intrigou, o Dedo de Deus Paulista era uma montanha lendária, mas seus 1.333 metros estava muito longe de ser realmente o cume da Serra dos Itatins-Juréia, muito porque, as cartas mostravam que a nordeste dele, longe, mas muito longe de qualquer lugar habitado, existiam picos gigantes que poderiam passar de 1.400 metros de altitude. Comecei então a devassar toda a internet a procura de mais informações, mas como internet é uma coisa recente, também procurei me informar com outros exploradores das antigas, conhecedores da região. Debulhei materiais antigos e revistas do gênero, pesquisei em mapas de tudo que é lugar, me enfiei de cabeça em tudo que era artigo relacionado àquela serra e para minha surpresa, foi como se praticamente aqueles cumes nunca existissem. Já há vários meses eu vinha me dedicando àquele ofício, um trabalho paciente de pesquisas e observações de mapas de satélites e foi aí que senti minhas pernas tremerem ao perceber que aquele cume perdido naquela serra esquecida poderia também ser um dos maiores cumes de toda a faixa litorânea de toda a Serra do mar do Estado de são Paulo, já que algumas altitudes no litoral norte, se encaixavam somente no Parque Nacional da Serra da Bocaina. Vi que alguns picos se destacavam pela sua altitude, como o Cuscuzeiro 1280 m, o Corcovado de Ubatuba com 1180 m, a Pedra da Boracéia em Bertioga com 1250 m e o maior de todos eles, o Pico São Sebastião, em Ilha Bela, com impressionantes 1370 metros aproximadamente, mas nenhum deles passavam nem perto dos gigantes das Serra dos Itatins, na Juréia. Diante de toda essa informação, não havia mais nada o que fazer, era hora de montar uma expedição de gente grande e ir lá naquele fim de mundo e tirar a dúvida. Então comecei a me concentrar nas pesquisas específicas. Bom, primeiramente encontrei nas cartas, dois possíveis picos que poderiam se tornar o cume da Serra, sendo que um deles já de cara me dizia que estava acima de 1.400 metros e outro, um pouco mais bicudo e a sudeste deste, estava muito próximo disso. Só que existe um grande porem: naquela região vários picos contam com torres rochosas nos seus cumes e infelizmente a carta topográfica não consegue identificar esses espigões de pedra, inclusive o próprio Dedo de Deus Paulista não passa de 1.100 metros, tanto na carta, quanto no satélite e todo mundo sabe que ele é 200 metros mais alto que isso. Então não havia o que fazer, tínhamos que montar uma estratégia e estarmos preparados para escalarmos os dois picos, caso nos deparássemos com esse tipo de torre no pico mais à sudeste, a uns 2 km do primeiro. Outro fato que é necessário relatar é que esses dois picos em primeiro plano não pareciam oferecer uma coisa muito importante para atrair qualquer montanhista para o seu cume e talvez esse fosse um dos grandes motivos de ter se mantido virgem até aquele momento. Quem em sã consciência se meteria a enfrentar um vara-mato por dias para chegar ao seu cume e não enxergar coisa alguma? Pois é, esse também era o grande problema para atrair mais algum trouxa (opsss, montanhista) que pudesse acreditar naquele projeto. Ai que veio o pulo do gato! Nos estudos encima do mapa de satélite localizei um grande desmoronamento que rasgava a montanha por uns 200 metros bem ao lado do cume, sendo que no mapa, parte deste deslizamento gigante, se precipitava no vazio da parede por quase 100 metros e isso, na minha cabeça, era visual certo de todo a parte sul da serra, justamente a que nos daria vistas para todos os grandes picos e do litoral de toda a Juréia. Escolhido o grupo a dedo, geralmente os mesmos retardados de sempre, que se metem nessas enrascadas, havia agora chegado a hora de chegarmos num consenso de onde partiríamos. Já era nítido e notório que partir lá do litoral era coisa impensável, não só pela logística quase impossível, mas também porque jamais conseguiríamos uma autorização da administração da Juréia para podermos subir, então uma coisa era certa: a expedição deveria partir de Pedro de Toledo, a cidade mais perto do acesso norte da montanha, praticamente longe da reserva e sem as necessidades burocráticas.. Mesmo assim, ainda teríamos que conseguir uma autorização de alguma fazenda, onde seus administradores não são muito afeitos a forasteiros transitando por suas terras e plantações, geralmente de bananas. Por isso mesmo tratei logo de montar pelo menos três planos diferentes, todos perto um do outro, mas saindo de três fazendas diferentes, tudo para garantir uma boa chance de conseguirmos passagem livre. O plano principal era partir de uma fazenda de bananas exatamente a 10 km de Pedro de Toledo, bem às margens da Estrada do Despraiado. Sabíamos que o mais sensato erámos ter ido ao local e conseguir essas autorizações previamente, mas a distância e a falta de tempo nos fizeram abortar essa parte do plano e então decidimos que isso teria que ser resolvido tudo na hora mesmo. Montada a estratégia, escolhemos o feriado de junho onde poderíamos desfrutar de 4 dias para tentarmos lograr êxito, mas quando esse dia chegou, os possíveis integrantes começaram a debandar um a um, alguns por motivos de trabalho, outros por motivos ignorados e alguns talvez não tivessem convictos de que realmente essa expedição pudesse mesmo valer a pena diante do esforço fora do comum a qual ela se apresentava. No fim acabaram sobrando apenas eu e o Natan Sanches, número insuficiente para pôr em pratica tamanha grandeza expedicionária. Foi aí que de última hora arrumamos mais um sem noção para encarar o gigante de frente e foi assim que se juntou a nós, Paulo Potenza e o grupo se completou não com o que tinha de melhor, mas com o que tinha disponível, ( rsrsrsrsr). Parti de ônibus para capital Paulista, onde esperaria no terminal rodoviário do Tietê pelo carro do Natan. O local combinado era nada mais nada menos que a boca do lixo da rodoviária, onde transeuntes, prostitutas, pinguços, travestis, nóias, drogados, mendigos, ladrões e outros vagabundos em geral fazem do local, seus lares e eu, menino vindo do interior, fui apresentado à anti-sala do inferno e foi bom para eu ir me acostumando com o que estava por vir. Logo que o carro chegou, pedi licença ao capeta e me retirei daquele antro em direção à Pedro de Toledo. O Natan sentou a bota no acelerador, sempre contando com seu copiloto preferido, Potenza, que ia passando as marchas no tempo certo e, rapidinho, já nos vimos passando em frente à entrada da cidadezinha do Vale do Ribeira, onde logo à frente, numa pequena rotatória, viramos para a direita, andamos 5 km e viramos à esquerda na pracinha do vilarejo de Três Barras, caindo assim na famosa Estrada do Despraiado. Passamos encima da ponte sobre o Rio do Peixe e 5 km depois do povoado, estacionamos em um recuo da estrada, bem em frente da fazenda que havíamos marcado no mapa, com a ajuda do traklog previamente traçado. Já passa das 2 horas da manhã e é claro que nós não iríamos incomodar os moradores da fazenda àquela hora da noite, na tentativa de obtemos uma autorização para passar e o jeito foi nos acomodar dentro do carro mesmo até que o galo cantasse, nos avisando que mais um dia havia nascido. Estávamos ali, bem em frente da Fazenda Primavera e o que mais nos alegrava era que se tratava de um lugar extremamente simples, até pobre, se comparado a outras entradas que havíamos passado, tanto que nem porteira havia, apenas uma tosca ponte de tronco sobre um pequeno afluente do Rio do Peixe. Quando o sol se levantou, fizemos o mesmo e assim que o ponteiro marcou sete horas, atravessamos a ponte desmontados e fomos tentar mendigar uma autorização para passar. Atravessamos a pontinha de troncos e duzentos metros à frente nos deparamos com um galpão aberto e uma casa simples, onde um cão preguiçoso nos olhava com cara de poucos amigos. Vimos logo que seus moradores ainda dormiam, então nos adiantamos até outro casebre, onde um senhor negro e sem calças se apressou para se recompor diante da nossa inesperada aparição. Fomos recebidos pelo seu Osvaldo, caboclo local que residia naquele lugar a mais de 25 anos. Contamos-lhe nossas intenções, mas o nativo pouco entendeu o que pretendíamos fazer. Ele coçou a cabeça, pensou, pensou, quis perguntar algo, mas deixou quieto, apenas disse que a estrada de 3,5 km que pretendíamos usar para ganhar uns 500 metros de desnível, estava totalmente interditada para carros e hoje não passava de uma trilha um pouco mais aberta. Para nós não importava, claro que se pudéssemos economizar duas ou três horas de caminhada dura, seria muito melhor, mas o grande objetivo, um dos principais para o sucesso daquela expedição era conseguirmos a autorização para seguir e isso acabava de ser dada, primeira etapa do projeto: efetuada com sucesso. Guardamos o veículo junto ao galpão, jogamos as mochilas nas costas e partimos. E já partimos em grande estilo, sempre subindo e alguns minutos depois passamos por uma bica de água e como já estávamos com o cantil abastecidos, passamos batido. A estrada/trilha vai serpenteando montanha acima sempre cruzando no meio de enormes bananais e quanto mais subíamos, mais as vistas se alargavam. Depois de uns 2 km chegamos à uma bifurcação, onde um rancho de lona azul é encontrado. Nesse ponto já estamos a 500 metros de altitude e nessa bifurcação pegamos o caminho da direita que vai se enfiando no meio da floresta, onde a estrada embica para cima de vez e vamos percorre-la por mais 1,5 km até que finalmente tropeçamos num casebre abandonado e ali paramos para um breve descanso antes de darmos início a expedição selvagem. Estamos na cota dos 700 metros de altitude e o Natan e o Potenza, vendo que haviam exagerado com o peso nas mochilas, resolveram refazer suas estratégias, tocar o foda-se e deixar parte da comida e alguns agasalhos no casebre e eu, como não havia nada para tirar, tive que me conformar e amargar um peso de mula andina nas minhas costas. Às dez e meia da manhã abandonamos de vez aquela choupana velha e quando nossos pés tocaram de volta o caminho que nos levaria ao início do grande vara-mato, já tínhamos consciência que havíamos entrado num caminho sem volta. Mais 100 metros à frente outra bifurcação nos faz pegar o caminho da direita, agora nos enfiando no meio do bananal abandonado onde nossas botas já empapam num brejo dos diabos e isso vai durar por uns 10 minutos até chegarmos na entrada da floresta, onde o vale do Rio do Peixe se apresenta para ser cruzado, hora de parar novamente e rever o plano traçado, estudar os mapas, calibrar o GPS, pedir proteção para o Curupira e para que os deuses tenham piedade das nossas almas. Nessas expedições, sempre traçava o caminho me valendo do satélite, mas desta vez, já muito mais experientes nesse tipo de mapeamento, decidi juntar satélite com carta topográfica, traçando o caminho minunciosamente, metro a metro, curva a curva, estudando cada linha, cada desnível, cada possibilidade, cada caída do terreno, tudo isso para que a gente conseguisse nosso objetivo com menor esforço, sem ser jogado contra abismos ou paredões intransponíveis. Foi um trabalho longo e de paciência, mas aquela expedição ia nos mostrar que mapa é uma coisa e comer bambu espinhudo, é outra. ( rsrsrsrsrs) Primeiramente não havia o que fazer, se não despencar até o fundo do Vale do Rio do Peixe, encher os cantis e subir novamente a outra margem para dar de cara com uma rampa inclinada, que nos indicava que ali era o sopé da montanha, num emaranhado de bambu, cipó, taquaras e outras vegetações plantadas pelo cão, para impedir a passagem de bisbilhoteiros. Calibramos a direção a seguir, no caso para cima mesmo e dei início ao vara-mato, pouco antes dos nossos relógios marcarem onze horas da manhã. Já de cara foi preciso colocar o joelho na boca por causa da inclinação, mas não se passou nem dez minutos para eles aparecerem no nosso caminho. Os malditos bambus com espinhos parecidos com anzóis foram os primeiros que tentaram nos barrar e para piorar, eram bambus deitados, que nos faziam rastejar feito vermes. Eu estava à frente e para minha infelicidade, havia esquecido minhas luvas e portava apenas uma camiseta e até o final daquela sessão de tortura, pagaria o preço pela minha ousadia, ou burrice. Quando a gente pensou que poderia estar vencendo os bambus espinhudos, fomos golpeados pelos cipós navalha, aquele que passa no pescoço e você acha que vai cortar até a sua jugular. As taquarinhas agarravam na gente, os cipós enroscavam nas mochilas, as bromélias furavam nossas calças, os espinhos dos bambus enfiavam na pele até o sangue escorrer pela pele, era um passo para frente e dois para trás. A caminhada não avançava, a vegetação ia enervando a gente de uma tal maneira que as vezes parávamos e ficávamos inertes, meio que a contar até dez para não explodir de tanta raiva. Foi nessa hora que nos demos conta do tamanho da enrascada que tínhamos pela frente. Quando conseguimos finalmente passar pela porta do inferno, do outro lado saiu um homem todo retalhado e ensanguentado e foi aí que tive que abrir mão de um agasalho de mangas comprida, na tentativa de minimizar o estrago que já havia sido feito pela vegetação. Deixado o caminho espinhoso para trás, o terreno melhorou, mas a inclinação continuava a mesma e logo quando chegamos a que nos pareceu meio com um bosque, paramos para um descanso providencial e um gole d’água, foi aí que um barulho fez com que a gente tremesse as pernas: Estávamos bem próximos de um enxame de vespas e era nítido e claro o som dos seus zumbidos. O Natan e o Potenza ficaram ainda mais assustados com a presença dos insetos, mas quando um barulho de porco ressoou na floresta, nós três já nos viramos e sem pensar muito, nossos olhos já tentaram localizar uma arvore para subir, porque ali ninguém queria virar presa de queixada ou mesmo de algum javali, mas felizmente, do mesmo jeito que veio, o som sumiu sem deixar rastro. O enxame de vespas abreviou nosso descanso e achamos melhor sair dali o mais rápido possível e então voltamos para o ofício de varar mato no peito. Quando tracei aquele roteiro, procurei evitar de ir até o cume daquela primeira montanha, mesmo porque, teríamos que descê-la novamente até o grande selado que nos serviria de “ponte” para passar entre duas gargantas afim de alcançarmos outra montanha, mas infelizmente ter desviado a rota desse primeiro cume acabou por se tornar um grande erro, porque acabamos ficando nos equilibrando numa curva de nível a uns 1.150 metros bem na encosta da serra. Não que o declive fosse assim tão perigoso de se caminhas, bem longe disso, mas a vegetação que se apresentou à frente nesse trecho nos fez mais uma vez comer bambu e todo tipo de vegetação espinhuda novamente. A gente não avançava nada e toda hora a vegetação acabava nos afastando do trajeto planejado, nos fazendo ziguezaguear hora para cima, hora para baixo. O dia foi passando e a gente enroscado naquele terreno e nossa água foi acabando e sem perspectiva de molhar a garganta com abundância. Foi aí que começou a surgir nas nossas cabeças as dúvidas sobre que rumo aquela expedição poderia tomar se não encontrássemos água no tal selado que havíamos vislumbrados a possibilidade de encontrar o tal liquido. Se não houvesse água ali, estávamos perdidos. A cada pequeno vale que descíamos e víamos que estava seco, fazia com que nossa decepção aumentasse. Ficamos envolvidos naquele vara-mato sobre a mesma curva de nível por quase duas horas e quando o terreno começou a nos jogar para baixo, sem nem percebermos que havíamos nos afastados da rota do GPS, foi aí que nos deparamos com um primeiro filete de água e mais abaixo ela jorrou aos montes e as caras carrancudas até então, se abriram num sorriso de alegria e felicidade. Mas aquela pequena nascente não era somente mais uma das milhares de nascentes que se encaminham para os vales para formar os rios da serra, era simplesmente a principal nascente que forma o GRANDE RIO DESPRAIADO. Era ali, exatamente naquele lugar que ele nascia e nós erámos provavelmente as primeiras pessoas que se tem notícias a botar os olhos na sua nascente, mas isso pouco importava naquele momento. Diante naquele achado, estávamos de volta ao plano principal, que era o de botar os pés no cume da Serra dos Itatins-Juréia. Bebemos o tanto de água que aguentamos e cada um colheu uns três litros. Ainda era umas três da tarde, mas a luz da floresta já começava a sumir. A gente ainda estava tentando chegar ao tal selado, muito porque à nossa frente se apresentou um grande abismo sem fundo, por onde o Rio Despraiado daria seus primeiros passos e para a gente não havia outra alternativa senão a de encontrar esse caminho, que nos levaria para o outro lado, servindo de passagem natural. Logo notamos que estávamos bem abaixo do selado, já envoltos na garganta e então calibramos nossa rota e começamos a ganhar altura para valer, mas era impressionante como não avançávamos de jeito nenhum. A gente subiu, subiu, depois começou a descer até que encostamos em outra grande subida à nossa frente e como era o Natan que fazia o ofício de navegador, pensei que havíamos chegado ao selado e ele havia tocado em frente, já que eu ainda tinha uma leve esperança de chegarmos o mais perto possível do Pico Desmoronado. Mas quando vi que ele fez um desvio da parede e começou a descer de novo, fui obrigado a interpela-lo o porquê da mudança de rota. Para minha surpresa e do Potenza, ele logo nos disse que ainda nem tínhamos chegado ao selado e que também não aguentava mais aquela vegetação. Foi preciso mais quase meia hora para que finalmente desembocássemos no Grande Selado, a 1.200 metros de altitude, uma área linda, plana e com grandes árvores espaçadas. Nossos relógios já estavam prestes a marcar quatro horas da tarde e eu queria me apressar e conseguir uma área para acampar e para isso só nos restaria umas duas horas antes que a noite chegasse de vez, mas o Natan e o Potenza me encostaram à parede: Diante daquele belo selado, eles não queriam mais arredar os pés dali, indo adiante num caminho incerto, subindo a nova encosta da montanha sem nenhuma perspectiva de encontrar uma área descente para acampar. De certo modo eles tinham razão, mas me intrigava ter que deixar de aproveitar mais duas horas, que poderiam talvez comprometer o seguimento da expedição, além do mais, tinha a questão da água. Se acampássemos ali, gastaríamos parte da água para preparar a janta, mas se subíssemos por mais duas horas, poderíamos saber se teríamos mais água perto do cume e se não houvesse água alguma, ainda teríamos a chance de economizarmos o máximo possível, revendo nossas logística, o que nos daria uma chance maior de sucesso. Não houve conversa com os dois e os argumentos deles eram imbatíveis: Estávamos sem dormir, cansados, famintos, todos estropiados pelos espinhos e pela caminhada dura até ali. Diante disso, não houve o que fazer, joguei logo minha mochila ao chão e demos por encerrado aquele dia de caminhada, hora de montar acampamento, cozinhar a janta e descansar os esqueletos. Em cinco minutos minha rede estava montada e decidimos que enquanto eles montavam os toldos para proteger nossas camas de mato, eu sairia à procura de outra fonte de água, porque com água disponível também ali no selado, poderíamos usufruir de um conforto muito maior. Na carta estava claro que em cada lado do grande selado nascia um rio, que iam tomar direções opostas. Primeiro tomei a direção leste, me dirigindo para o vale da esquerda de quem almeja ir ao cume da serra. Desci por uns duzentos ou trezentos metros, mas nada encontrei. Voltei para o acampamento e tomei a direção oeste, meio que me dirigindo para outra possível nascente do rio Despraiado(Espraiado na carta). Também desci por quase uns duzentos metros e quando já estava por desistir, avistei o reflexo da luz numa pequena poça no fundo do vale. Bingo! Voltei e dei a notícia para a galera, que logo se alegraram com a possibilidade de termos uma janta descente. Eles ainda estavam no ofício de montagem de redes e tenda e como não precisavam da minha ajuda, aproveitei para esticar as costas na minha rede e acabei apagando, vindo a acordar somente uma hora depois para me deparar com os mesmos caras, tentando montar as mesmas tendas e as mesmas redes, isso que dá não ter lido o manual antes de sair de casa. ( rsrsrsrsr) Fazia um frio de rachar, e a noite prometia esfriar mais ainda. Estávamos todos exaustos e após prepararmos a janta, cada um pulou para sua rede e foi tentar se aquecer como deu. Mas foi de madrugada que ele começou. Uma rajada de vento varreu toda a montanha e era ensurdecedor o barulho do vendaval que açoitava o cume do Desmoronado. No vale onde estávamos, parecia que as árvores tombariam encima da gente. Os urros do vento no alto da serra eram assustadores, como um dos meninos disseram: “Parecia que a própria montanha sairia caminhando e arrastando tudo que havia pela frente”. O Urro do titã perdurou por algum tempo ainda e a temperatura despencou de vez, mas quando o dia nasceu, tudo se acalmou e a gente pulou cedo da cama, vestimos nossas armaduras e nos fizemos prontos para enfrentar o desafio final, havia chegado a hora da conquista e para isso tínhamos que pôr a faca nos dentes e como D. Quixote, encarar o gigante de frente. Desmontamos tudo, tomamos café, colhemos água e partimos. Logo de cara temos uma parede íngreme para subir, mas no início até que a vegetação ajudou, mas não demora muito já estávamos lá nós de novo a comer bambu e a brigar com cipós, taquaras e bromélias espinhudas. Logo na primeira hora de caminhada, o caminho nos leva direto para um grande deslizamento, aonde uma grande parede de rocha nua, nos presenteia com a primeira visão de todo o vale e as montanhas que se entendem em direção de Itariri. Até então a gente havia tomado a direção sudeste e a partir do selado, nosso caminho fez uma curva bruscamente para o sul, ande teríamos que galgar quase todo o cume arredondado da próxima montanhas para aí sim, nos virarmos de vez para o leste, até tentarmos atingir o cume da serra. A pernada então continua para o alto, avançando lentamente, um pé à frente do outro, eu sempre na dianteira, revezando com o Potenza a dura tarefa de abrir mato no peto e o Natan fazia a parte mais importante, que era a de fazer com que a gente nos mantivéssemos o mais próximo possível no caminho previamente traçado no mapa. É uma navegação praticamente às cegas, sempre tendo que confiar no GPS do celular, mas como a vegetação não estava nem aí para tecnologia, insistia em nos mandar para onde ela queria e logo nos víamos longe da linha traçada, tendo que recalcular nosso rumo e procurar um terreno e uma vegetação mais favorável para podermos passar. Finalmente umas três horas depois de partirmos da área de acampamento, interceptamos outro grande desmoronamento que havíamos traçado no mapa. Era uma rampa inclinada, uma parede de barro de uns 100 metros ou mais, um rasgo na montanha. A chegada à RAMPA DA SERPENTE nos anima muito porque realmente é duro ficar arrastando uma floresta no peito sem um pouco de sossego e isso tende a nos deixar com os nervos à flor da pele. Aproveitamos o caminho desimpedido para ganhar altura e distância, mesmo tendo que escalaminhar o barranco. Ao chegarmos ao seu topo foi preciso passar com cuidado porque uma jararaca velha e gigante nos olha com cara de reprovação e põe a língua de fora, como a zombar da nossa cara por estarmos ali naquele fim de mundo, naquela terra onde somente os bichos rastejantes se atrevem a ir. Saímos pelo lado direito da rampa da serpente, subindo o barranco e nos enfiando por baixo de mais bambus. A nossa rota indicada pela linha do navegador, nos dizia que deveríamos seguir em frente, mas para escapar de mais uma vegetação fechada, resolvemos subir um pouco para a esquerda, haja vista que logo interceptaríamos o caminho que teria que fazer a sua grande curva para a esquerda. Esse trajeto nos deu a oportunidade de, através de uma janela na mata, podermos botar nossos olhos na montanha que almejávamos, mas o pico nos pareceu tão alto que chegamos a duvidar que seria mesmo o pico que buscávamos. A gente já tinha quase certeza que o pico a Sudeste do Desmoronado era muito mais baixo, mas visto de um ângulo diferente, ele era meio bicudo, então isso nos fez crer que poderíamos estar olhando para ele, mas nos enganamos bonito. Voltamos a ganhar altitude e o terreno melhorou bastante e quando estávamos quase no topo de mais um morrote, atravessamos uma floresta de bromélias e passamos o mais rápido possível, já que são conhecidas como camas de jararaca. Daí para frente foi uma descida alucinante até o fundo do vale, tendo que fazer uma descida controlada para não nos tornarmos vítima da força da gravidade e irmos parar com a fuça no leito de um riacho que aliás, nos fez mais uma vez sorrir de felicidades pela água encontrada. Nosso caminho bordejou o rio por algum tempo até que do nada e sem percebermos, um grande descampado surgiu à nossa frente, mas até então não sabíamos do que se tratava, estávamos confusos. Era como se uma grande enchente tivesse passado por ali e arrastado todas as árvores. Nosso GPS dizia que o tal desmoronamento que buscávamos estava perto, mas não conseguíamos ver coisa alguma. Onde estava a borda da serra? Porque ainda não conseguíamos ver o litoral? Será que o GPS havia parado e nos deixado na mão justamente ali? Atravessamos o grande brejo que à nossa frente se apresentou, mesmo sem saber se aquele era mesmo o caminho. Pulamos grandes troncos até que surpreendentemente demos de cara com uma prainha de rio que se estendia para o leste, numa fenda em forma de vale, gigantesca e inesperada. Paramos ali para respirar um pouco, descansar e comer algo, mas não por muito tempo. Logo nos levantamos e ainda totalmente desorientados, saímos a navegar meio sem rumo e quando o nosso navegador percebeu, já estávamos quase a cair nos abismos profundos das encostas daquelas paredes. Havíamos saído completamente da rota e tínhamos andado perpendicularmente ao caminho traçado, foi aí que caiu a nossa ficha: Aquele grande vale era nada mais nada menos que os grandes desmoronamentos que havíamos encontrado no mapa de satélite e que , por incrível que pareça, não se estendia pela parede que deveria cair no abismo colossal da serra e não passava de uma vale formado por um riacho, com os tais desmoronamentos convergindo para o centro do vale, o GOOGLE EARTH , acabava de nos dar um tombo gigantesco, com um erro grotesco no mapa de satélite, uma distorção impensável. Percebendo o erro no mapa, agora sabíamos que nosso caminho deveria seguir por dentro do grande vale, subindo o riacho até a sua nascente por uns 200 metros. Até tentamos fazer isso, mas como em um primeiro momento o terreno se mostrou quase impassável, resolvemos bordejar pela direita, varando mato e quando vimos que o riacho começou a correr livre dos troncos e capim alto, pulamos para o seu leito e fomos subindo até que ele acabou na sua nascente principal, encravada entre dois desmoronamentos monstros, um a esquerda e outra à direita, justamente a última rampa que nos levaria para a conquista final. Aquela era sem dúvida a nascente mais alta de toda a Serra dos Itatins, um veio d’água a quase 1.400 metros de altitude. Nós paramos ali para tomar um último gole e enquanto a gente se fartava, ficamos meio em silêncio e aí me veio à cabeça que poderíamos ter enfrentado um dos piores terrenos de todo o Estado e chegando ao cume, não conseguir ver coisa alguma, só mato e mais mato. Valeria pela conquista inédita, claro, mas a gente sabe muito bem o que todo montanhista busca no cume de uma montanha. O dia já ia lá pelas três horas da tarde quando a gente acertou o azimute do nosso roteiro para ir em direção ao cume e o nosso caminho passaria mesmo por escalar a grande parede do desmoronamento, uns 100 metros de escalaminhada em um terreno solto, onde as pedras rolavam só de olhar para elas. A subida foi lenta, devagar, cada qual no seu ritmo, como se cada um fosse alcançar seu próprio Everest e quando todos chegaram no alto, já novamente na borda da floresta, nos juntamos para novamente varar mato e tentar encontrar, com a ajuda do gps e da elevação do terreno, onde seria o cume daquela serra. Subimos o barranco e para variar, como não poderia deixar de ser, enfrentamos um pouco mais de bambus e cipós. Tudo ao nosso redor era mato e era até difícil encontrar onde estaria o ponto mais alto, mas quando chegamos ao local indicado pelos nossos equipamentos de localização por satélite, ficou claro que uma grande árvore, que nasceu justamente em uma pequena elevação marcava o CUME DO DESMORONADO. Não, nessa hora não houve qualquer comemoração, na verdade, da minha parte houve foi um pouco de frustação por até então não conseguir as grandes vistas do qual fui buscar. Mas a gente havia se dado conta de que acabávamos de realizar um grande feito, naquele dia 16 junho de 2017, finalmente alguém havia jogado luz num enigma que perdurava por muito tempo, o ponto mais alto da SERRA DOS ITATINS-JURÉIA acabara de ser conquistado, agora o cume daquela serra esquecida já poderia constar nos mapas geográficos do Estado de São Paulo e o nome acho que não poderia ser mesmo outro, fazia menção ao acidente geográfico que marcava sua localização. Ainda teríamos que auferir sua altitude, pelo menos uma altitude aproximada e bem próxima do real, mas antes era hora de ir atrás do bônus da conquista. O cume da serra incrivelmente fica bem nas bordas de uma parede de quase mil metros de desnível, sendo uns 500 ou 600 metros de uma parede de noventa graus de inclinação, em um dos maiores abismos colossais da Serra do Mar Paulista. E tudo isso a não mais que míseros dez metros do cume. Hora bolas, se conseguíssemos nos aproximar dessa parede vertical seria claro que poderíamos ter as vistas que buscávamos, então no enfiamos em direção as bordas do vazio, seguindo para o sul e quando chegamos lá, ninguém acreditou no que estava diante dos nossos olhos. Entre cotoveladas e empurra e empurra, por pouco um de nós não foi conhecer as profundezas do abismo pela primeira vez na história. Cada qual lutava com as armas que tinha para poder se maravilhar com aquele espetáculo que se descortinou diante dos nossos olhos. Ainda era uma pequena janela miserável entre a paisagem, mas já foi o suficiente para cada um de nós se encantar diante de tamanha beleza. Aquilo nem parecia real e mesmo com o tempo apresentando uma bruma que cobria parte do horizonte, assim mesmo, a gente pode se dar conta que estávamos diante de um dos maiores espetáculos de montanhas do Brasil. Ali estava ela, toda a Reserva Ecológica da Jureia diante dos nos pés, com toda as suas matas, seus bichos, seus rios e suas praias selvagens, um dos maiores patrimônios da Humanidade. A sudoeste, ainda meio escondido entra as nuvens o gigante Dedo de Deus Paulista e toda a sua cadeia de montanha com espigões de pedras espetados acima da floresta. Do nosso lado esquerdo, quase já fora da nossa visão, o PICO SUDESTE 1.389 m, justamente aquele que poderia ser o cume da serra se por acaso viesse a ter alguma torre rochosa em seu cume, do qual a carta não podia nos mostrar, era visivelmente bem mais baixo, com seu topo coberto de floresta, quase sem nenhuma elevação proeminente e essa visão completa desse outro pico mudava todo o rumo daquela expedição. Nós três estávamos em êxtase, mas sabíamos que ainda faltava uma janela maior, que nos desse a condição de fazermos umas fotos e uns registros melhores e ainda sabíamos que as condições meteorológicas pela manhã são muito melhores que na parte da tarde, então decidimos que iríamos acampar no cume, no dia seguinte poderíamos procurar outras janelas, amassar os bambuzinhos, abaixar alguns galhos e brotos que nos fechava ainda parte da visão. O dia já ia findando, mas a gente ainda não havia localizado nenhuma área propícia para acamparmos. Pensamos em descer e tentar algo mais abaixo, mas depois decidimos que seria muito mais cômodo ficarmos no cume, onde pretendíamos, no dia seguinte, fazer a medição com os 3 equipamentos de gps e também abrir uma janela maior que nos desse uma tomada de 180 graus de toda a Juréia. Como estávamos com redes, a única coisa que precisávamos fazer era amassarmos os bambuzinhos e limpar os cipós para liberarmos uma área entre três árvores. Fizemos um ótimo trabalho e em mais cinco minutos pendurei a minha rede, enquanto os meninos, mais uma vez, ficaram umas duas horas brincando de montar tendinha (rsrsrrs). Nos reunimos para fazer a janta e para discutirmos o rumo da expedição. Estava bem claro que o tal Pico Sudeste não passava de uma colina perto do Pico Desmoronado, além de visivelmente muito mais baixo, não havia nada nele que justificasse mais pelo menos um dia de caminhada e vara-mato num inferno de bambus e cipós. Poderíamos apenas, no outro dia, nos dedicar as contemplações e a abrir uma nova e boa janela que nos desce o máximo de visão possível de toda aquela serra espetacular. Depois de uma janta de gala, todos nos recolhemos antes das nove da noite e quando o sol nasceu, trazendo um novo dia, o Potenza e o Natan se encarregaram de fazer uma foto legal e depois disso, eles mesmos voltaram para a ”cama” novamente e só acordamos muito tempo depois, quando o galo já estava roco de tanto cantar. Foi uma noite tranquila, muito diferente da noite anterior, passada no selado. Nosso primeiro passo logo pela manhã foi de instalar uma capsula que iria conter nosso Livro de Cume, onde se um dia alguém também ascender a esse cume novamente, poderá ler os registros da conquista e também deixar seu recado para as gerações futuras. Aproveitamos para fazer a medição da altitude, claro, é uma medição prévia, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos, mas chegamos a um consenso de que por hora aquela seria uma medição bem próxima da realidade. Juntos, os nosso três GPS, nos deram em média uma altitude de 1.425 metros e aí estava a prova de que realmente tudo havia batido, tanto as cartas, quanto as medições por mapas de satélite e os nossos equipamentos só vieram para confirmar definitivamente, estava estabelecido o novo cume da SERRA DOS ITATINS-JURÉIA, o Pico DESMORONADO (1.425 metros) agora era oficialmente o topo de toda a serra e estava entre um dos pontos mais altos de toda a Serra do Mar Paulista. Enquanto o Natan e o Potenza seguiam para a direita do cume, tomei o caminho contrário, tentando achar uma nova janela, mas vi logo que a crista que desce para outro selado entre o Desmoronado e o Pico Sudeste, também não daria passagem nem para um mamute assustado por causa da vegetação entrelaçada e quando desisti de tentar essa rota e voltei para onde estavam os dois companheiros, já os encontrei com os serviços adiantados. Já haviam amassado toda uma grande moita de capim elefante, como também já tinham retirado todo os cipós e bambuzinhos que pudesse impedir a nossa vista. E dali para frente, a visão daquela serra com o tempo totalmente aberto, nos arrebatou a alma. Toda a comemoração que faltara no dia anterior, aconteceu ali, naquele espaço minúsculo e apertado. Os gritos de felicidade ecoaram e se espalharam por toda aquela serra, vazia de homens e cheia de encantos. Mais uma vez cada um queria lutar pelo seu espaço, cada um querendo tirar uma foto mais espetacular que o outro e os ângulos eram tantos e tão diversos que ninguém queria mais arredar os pés dali. O Dedo de Deus Paulista agora reinava soberano no horizonte e essa era a primeira vez que ele seria fotografado a partir do cume da serra. Também a sudoeste todo o espigão do Boa Vista com sua antena característica. A nossa frente os grandes abismos e os picos pontudos e rochosos transformavam aquela serra numa espécie de Serra dos Órgãos Paulista. A nossa esquerda e a nossa frente se estendiam uma floresta intocada com destaque para os Rios Una e Verde, bem como toda a extensão do Maciço da Jureia. Antecedendo a grande ponta da Juréia, as Praias do Una e logo após ela a Praia da Grajaúna, divididas pela ponta do mesmo nome e para finalizar a descrição dos principais atrativos bem ali aos nossos pés, o Pico Pogoçã, também conhecido como Nariz de Palhaço. Nós ficamos ali, até o meio dia, inebriados pelo cenário. Era muito provável que a linha que delimita toda a Reserva Ecológica Juréia – Itatins, passasse bem encima daquela cumeada toda, então sabíamos que aquela grande parede serviria de barreira natural para proteger uma das reservas ambientais mais importantes do mundo, tudo aquilo que estava à nossa frente, era área intangível, totalmente proibida para pés humanos e ficamos felizes de pelo menos podermos olhar tudo aquilo de cima, um privilégio até agora de três exploradores. Como eu disse, o dia já ia pela metade, então nos apressamos, desmontamos tudo rapidamente e partimos, deixando aquele pico selvagem novamente largado a sua solidão eterna. Ao chegarmos novamente ao fundo do vale, colhemos um pouco de água e usamos o próprio rio para ganharmos distancia, passamos pela prainha de areia, viramos à direita e fomos pulando de tronco em tronco para não empapar nossas botas no brejo. Sem desgrudar o olho do GPS, mais uma vez nossa vida se resumiu a varar mato sem fim, mas dessa vez, com as mochilas bem mais leve, imprimimos uma velocidade duas vezes maior que a da ida. Subimos a primeira montanha, descemos pela rampa da serpente e novamente nos enfiamos em direção ao selado, mas novamente sem percebermos a vegetação foi nos empurrando para fora da rota e quando vimos, já estávamos perdidos em um vale qualquer. O Natan corrigiu a rota, mas aí já havíamos perdido um tempo precioso e logo percebemos que havíamos saído bem do outro lado do deslizamento de rocha, então fomos obrigados a usar a descida da rocha como caminho, onde por uma bobeira, o Natan perdeu o equilíbrio e foi conhecer a dureza da rocha com sua fuça. Por sorte foi só um susto! Paramos imediatamente para um descanso, mas eu, na minha ingenuidade, ainda sonhava em conseguir pelo menos voltar até a noite para o rancho abandonado e fazer dele nosso lar por um dia, mas os meninos não estavam de acordo com essa correria toda não, já vieram com aquela conversinha de que seria melhor acampar novamente no selado e então fui facilmente persuadido por eles e a decisão foi essa. Já que estávamos bem perto do tal selado, ao invés de voltar a varar mato, decidimos desescalar aquela parede rochosa até atingirmos o fundo do vale e através dele subir até a área de acampamento. Feito isso, em meia hora estávamos de volta onde tínhamos passado a primeira noite, foi como retornar para casa novamente. Ainda era cedo, mas decidimos começar logo a nos dedicar às montagens das redes e do abrigo e a colher água para o jantar. Ali no selado a noite cai rápido e quando a escuridão chegou, nossos fogareiros já ronronavam fazia tempo. Arroz, atum, bacon, frango desidratado, queijo ralado e suco de laranja, foram nosso cardápio e uma boa comida quente tem sempre potencial para elevar o moral da equipe, mas diferentemente da primeira noite que passamos ali, agora estava uma temperatura agradável e nem se ouvia o barulho do vento. Como estávamos bem descansados, depois do jantar, iluminados pelas luzes das nossas lanternas, ficamos até tarde da noite nos dedicando a contar causos de aventuras passadas, de experiências vividas do mundo das montanhas e das trilhas, enfim, jogar conversa fora até que o sono viesse a nos carregar para dentro das nossas redes. Quando o dia nasceu, nos levantamos, desmontamos tudo e partirmos. Mas dessa vez iríamos mudar nossa rota e apontamos nossa bussola para o cume da montanha, queríamos evitar assim passar pelo mesmo lugar que enfrentamos na vinda, onde ficamos travados na vegetação encima da curva de nível lateral. Nos agarrando como deu, subimos o paredão que se apresentou à nossa frente. Duzentos metros de parede nos levaram direto para umas moitas monstro de bambus e taquaras, onde rastejar era o que tinha para aquele momento. Logo percebemos que infelizmente estávamos novamente caminhando por outra linha lateral, ziguezagueando novamente a uns 200 metros do cume e o pior é que a vegetação não nos deixava passar e nem ganhar altitude. O tempo vai passando e os nervos vão ficando a flor da pele novamente e chegou uma hora que apontamos o nariz para o topo da serra e fomos arregaçando tudo que tinha pela frente, nos grudando no barranco e escalando a parede de mato até atingirmos nosso objetivo e pararmos para um gole de água em meio a uma vegetação um pouco melhor. Na nossa carta topográfica, víamos claramente que o topo se estendia por uns 300 metros antes que a montanha começasse a despencar de vez em direção ao vale. A nossa progressão foi rápida e perdíamos altitude numa velocidade incrível, mas a gente sabia que teríamos que enfrentar novamente o inferno de vegetação espinhenta novamente, então decidimos fazer um desvio na nossa rota e começar a tocar rumo ao vale do rio que corria à nossa direita e não demorou muito, lá estávamos nós de volta ao leito das nascentes do Rio do Peixe, onde os mais corajosos, não eu, se pincharam para debaixo de uma cachoeirinha de águas congelantes. A princípio nos pareceu uma ótima ideia descermos um pouco pelo leito do rio, mas logo uma pequena garganta nos barrou o caminho e fomos obrigados a desviar pela esquerda, subindo à margem. Mas aí descobrimos que tínhamos no enfiado numa roubada dos infernos, dando de cara com moitas gigantes de bambus quase que intransponível. Não houve o que fazer, não conseguíamos progredir, então abandonamos aquela ideia estúpida e ganhamos altitude novamente para podermos passar longe da margem do rio e fora da linha dos bambus. A caminhada se tornou um pesadelo, mas avançávamos, e quando percebemos que as gargantas do rio tinham acabado, descemos novamente para o seu leito e fomos caminhando por dentro dele, pulando de pedra em pedra e fazendo pequenos desvios. Numa dessas subidas de barranco bobeei e quando percebi, lá estava eu agarrado na beira de um barraco com as mãos pregadas numa espécie de samambaia açu com espinhos negros. Não pude fazer nada, se soltasse cairia de cabeça nas pedras pontudas do rio, só fiz ficar gritando e amaldiçoando a minha má sorte até que o Potenza me auxiliou e me ajudou a voltar o corpo para trás. Aquilo tinha sido a gota d’ água. O nosso gps dizia que estávamos a não mais de 100 metros do encontro com a trilha, mas eu não queria mais saber daquele mato e ao avistar o primeiro pé de banana no barranco da direita, piquei a mula na direção dele e ganhamos a trilha mais à frente e por falar em banana, fiz questão de dar uma bem grande para aquela serra, prometendo nunca mais colocar os meus pés novamente lá, mas logo a raiva passou e meus pensamentos já se voltavam para aquele cume espetacular com uma visão arrebatadora da Juréia. Antes da uma da tarde, desembocamos novamente no casebre abandonado e ficamos lá o tempo suficiente para reavermos as coisas que havíamos deixado, comemos alguma coisa e descemos à passos largos pela estradinha que nos levaria de novo até a humilde sede da Fazenda Primavera, para reencontrar seu Osvaldo e vê-lo ficar perplexo ao assistir um pequeno vídeo mostrado pelo Natan, de onde se podia avistar o mar. Acho que aquele caboclo perdeu até o rumo pois nunca tinha ouvido falar que um caminho passando pela sua propriedade, poderia levar alguém as bordas do paraíso. Sem mais nada para fazer ali, nos despedimos do seu Osvaldo e fomos tomar banho sob a pontinha de troncos, onde um afluente do Rio do Peixe desfila com águas cristalinas e em seguida tocamos para Pedro de Toledo, e nos acabamos de tanto comer num restaurante, onde comemoramos o sucesso da expedição. O ano de 1953 já ia pela metade quando uma expedição militar, capitaneada pelo então Coronel Petená logrou êxito ao escalar pela primeira vez o Dedo de Deus Paulista. Terminava assim uma corrida insana para ver quem seria o primeiro a fincar os pés no então “cume de toda a Serra dos Itatins”. Mas aí é que estava o grande erro geográfico e o Coronel acabou morrendo sem se dar conta de que o Dedo (1.333), passava muito longe de ser o cume da grande cadeia de montanhas ou se soube, nunca se interessou em explorar, muito provavelmente pelos motivos já descrito no começo deste relato. O mais incrível ainda é que outros montanhistas experientes, até hoje repetem os mesmos erros geográficos aos 4 ventos, mas agora finalmente, quase 65 anos depois essa EXPEDIÇÃO totalmente independente, sem ajuda de ninguém e muito menos munidos de previas informações, teve a honra de colocar as coisas no seu devido lugar. A partir de agora o PICO DESMORONADO (1.425 m) passa a reinar soberano como o CUME de toda a Serra dos Itatins-Juréia. A conquista INÉDITA nasceu simplesmente da inquietação de alguns velhos montanhistas que nunca se conformaram em ver fatos narrados, dados como verdades absolutas e sem contestação. Pagaram para ver e voltaram depois de 4 dias, esfarrapados e triturados pela vegetação, comeram tanto bambu que quase se transformaram em pandas, mas com a certeza do dever cumprido de terem consertado um erro geográfico histórico, com a satisfação de poderem ter tido o privilégio de mais uma vez, desnudar mais uma parte do LADO ESCURO DA SERRA DO MAR PAULISTA. Divanei Goes de Paula – junho/2017
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