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  1. Parque Nacional Picos De Europa A viagem ao Parque Nacional Picos de Europa foi meu primeiro contato sério com a montanha. Foi a partir dela que descobri finalmente qual é a atividade física que me convém: as caminhadas de longas distância, ou travessias em alta montanha. Claro que o prazer de viajar divide minha motivação para isso; mas atualmente, passados 4 anos desta viajem, continuo praticando esta atividade, hoje mais pelo esporte em si, do que pelo passeio. Ao mesmo tempo, as belezas naturais das paisagens as quais me dirijo são também uma escusa muito válida para partir; tudo isto compõem meus motivos para ter ido aos Picos de Europa, em setembro de 2011. Trata-se de um local um tanto inóspito ao ser humano inadaptado (neste caso, eu mesmo) ao qual meu corpo teve que habituar-se, no que se refere ao esforço feito para enfrentar longas subidas, atravessar os vales e os campos de altitude. A Cordilheira Cantábrica ou Montes Cantábricos é um complexo de montanhas ao norte da Espanha, que discorre paralelo ao Mar Cantábrico. Tem um comprimento de 480 km desde a depressão basca até o Maciço Galaico, passando pelos Picos da Europa. A cordilheira se situa nas comunidades autônomas do País Basco, Cantábria, Principado de Astúrias e Castilla y León e representa o limite pelo sul da chamada “Espanha verde”. Enquanto que em sua vertente sul , desde o Maciço Central, existe pouco desnível, na vertente norte o desnível é bastante acusado pela proximidade ao mar, o faz que os rios, de caráter torrencial, e pendentes encalhadas em vales em forma de V, de ladeiras pronunciadas. Seus cumes ultrapassam os 2000 metros nos vãos mais pronunciados de Astúrias, León, Palência e na zona oriental, de Cantábria. Os ventos dominantes, de origem oceânica, chocam com a cordilheira, ascendendo e condensando tendo como resultado a refrigeração. Devido ao vento Föhn são produzidas abundantes precipitações na vertente norte cantábrica (de até 2000 mm anuais) e para quando os ventos descem até a vertente meridional estão já secos, dando origem a um clima mais árido. Wikipedia Cheguei a Madri vindo de Amsterdã, onde então vivia com minha ex-mulher, Maartje, minha companheira nesta viagem. A primeira coisa que fizemos foi alugar um carro, isto foi perto ao estádio Santiago Bernabeu. A estrada de saída da capital é ali perto, e não demorou muito já estávamos em direção ao norte, no sentido da província Cantábria. O destino era o vilarejo Potes , um pequeno município de estilo alpino, destino tradicional do turismo de montanha espanhol. No meio do trajeto paramos em Burgos para fazer as compras necessárias, onde não resisti entrar numa chacutería, loja típica da Espanha onde compra-se embutidos e queijos diversos. Comprei 1kg de jamón serrano para a viagem. Além do sabor incomparável, acho cômodo de armazená-lo na mochila e lavá-lo para trilha, ainda que não seja aconselhável come-lo durante a atividade física devido ao excesso de sal. Mesmo assim este alimento, assim como o salame, representa uma importante fonte de proteínas e minerais. Lamento pelos vegetarianos. Quando chegamos à Potes já era bem tarde na noite, pela sombra da lua via-se a silhueta de montanhas enormes ao fundo, causando verdadeira ansiedade por vê-las à luz do dia. O vilarejo é muito simpático, e como em qualquer lugar da Espanha, come-se muito bem. Dispõem de uma farta oferta de lojas artigos de montanha, mercados, hotéis e acampamentos com toda infraestrutura. Havia apenas poucos restaurantes abertos quando chegamos, e somente algumas pessoas pela rua. Seguimos para perto dos acessos ao parque pelo teleférico, um local chamado Fuente De, onde ingressamos num acampamento bem próximo ao estacionamento principal deste acesso ao parque. Embora tarde, fomos bem recebidos pelo pessoal. Ainda na recepção, compramos um mapa do parque, e numa rápida conversa com o dono do local, percebemos que o melhor a se fazer no dia seguinte era seguir a trilha que nos leva ao refugio Collado Jermoso. Ainda de madrugada, montamos o acampamento em silêncio para não incomodar os outros hospedes do local. No dia seguinte bem cedo, acordamos por volta das 6h00 da manhã, cheios de disposição e de ansiedade por ver o ambiente ao nosso redor. Na luz do dia, o acampamento já nos oferecia um panorama animador, cercados por formações rochosas impressionantes. Estávamos nitidamente num vale. Após o café, separamos o material necessário para subir o maciço central do parque, optando por 2 mochilas leves, com mais ou menos 6kg cada um. Deixamos o carro no estacionamento com o material do campo base, e por volta das 9h00, iniciamos a da trilha saindo de Fuente De com destino ao Refúgio Collado Jermoso, a 2400 metros de altitude. A primeira etapa é sem dúvida a mais exigente da caminhada, como acontece com toda ascensão às partes altas das montanhas. Caminhamos entre dois picos, chamados Tornos de Liordes, por uma subida 5.5km em zigzag bastante íngreme, saímos de Fuente De a 1052m até 1900m, no vale Vega de Liordes. Subindo por um terreno difícil, e rochoso. Não obstante, a paisagem vista desde a altitude alcançada, compensava-nos a cada metro. Olhar para frente era olhar para o alto. Era neste momento que sentíamos nossos corpos recebendo um tremendo desafio, e cada um deveria encontrar seu próprio ritmo de passo. Numa subida assim é melhor não forçar, ainda mais pessoas fisicamente despreparadas quanto éramos. Neste caso, pelo menos eu não era muito acostumado a exercícios físicos regulares, portanto, como quase do nada, de repente enfrentar aquelas encostas, era uma atividade um tanto exigente. Hoje em dia penso que estou muito mais condicionado, e já não me assusto com esse tipo de desnível. De todas as maneiras, estes primeiros dias de atividade são muito importantes para adaptação do corpo frente ao esforço enfrentado. Após esse período, é nítida a diferença de como se percebe o próprio corpo, e de como ele ganha resistência, sobretudo com uma alimentação e hidratação adequadas. Com estes dois fatores em dia, os dias de caminhada por essas trilhas deixam seu organismo visivelmente mais disposto e resistente. Mas a subida é longa, e requer paciência. Quando o desgaste bate forte, procuro não me queixar das dificuldades, mas absorver e me concentrar na pura sensação deste cansaço. É incrível como a mente trabalha entre movimento de opostos: no meu caso, quando evito pensar na fadiga, mais cansado fico, por outro lado, quando somente observo o estado do corpo exausto, e então me deparo com a realidade, eis o momento em que encontro a energia necessária para seguir. Todos os sentidos estão em alerta. Sinto que nessas etapas mais exigentes da subida, é necessário observar a si mesmo e ao corpo frente ao esforço, ter paciência, confiando numa recompensa, que em casos como este, trata-se mesmo do fim da subida. Terminamos o primeiro trecho de elevação em 2h30, em seguida paramos para um merecido e esperado lanche em Vega de Liordes. Um vale que é ao mesmo tempo um imenso e pitoresco campo de altitude, onde o ruído do vento passando por nós, a amplitude do espaço com suas belas formações rochosas ao fundo, junto dos animais nas pastagens, dão-nos uma incrível sensação de liberdade. Neste ponto já não há na paisagem vestígios de civilização, exceto nós mesmos e os outros passageiros, e as placas sinalizando a trilha ao refúgio. Depois do lanche de trilha, nos aproximamos do caminho que segue ainda Vega de Liordes. Neste momento um grupo de caminhantes pergunta-nos se por acaso sabemos onde está uma mina de água subterrânea que provavelmente corre por esta área. Na verdade fiquei feliz por saber que ali havia uma fonte, e que provavelmente seria a última até o refúgio. Fazia um calor intenso por volta do 12:00. Juntei-me a esse grupo na busca pela mina d´água, observando o solo atentamente, até que reparei que haviam canais subterrâneos por onde a neve derretida escoava, vinda dos picos acima de nós, porém ainda não encontrávamos o local onde poderíamos captá-la em estado puro, sem estar suja com os resídulos o solo. De repente um dos caras encontrou a fonte, e para nossa alegria, de uma água muito gelada, perfeita para o momento. Seguimos o caminho sinalizado sentido ao refúgio, onde se inicia uma trilha chamada Colladina, a qual se desenvolve na própria encosta da formação rochosa, que ao nosso lado transformara-se em uma parede. Em certos pontos expunha-nos a um precipício vertiginoso, mas sem riscos eminentes. Esta trilha incômoda e estreita segue por 1h00, num caminho que como se não bastasse a vertigem à nossa esquerda, é dividido com cabras de alta montanha, as quais impressionantemente se movem com desenvoltura e se equilibram para alcançar o melhor pasto rasteiro que nasce por entre as pedras. Quem não está habituado ou tem medo de altitude, encontrará problemas neste trecho, pois a sensação de estar exposto ao abismo é latente. Mesmo assim, não existe a necessidade do uso de cordas para cruzá-lo, apesar de estreito, o caminho somente requer atenção. No fim da trilha estreita chegamos num platô com uma vista privilegiada da Torre de las Minas de Carbón (2595m), imponentes agulhas de uma pedra esbranquiçada, formando junto ao terreno rochoso que compõe o local, o aspecto de um espaço lunar. Foi um momento para descansar e refletir o que estávamos fazendo. Uma pausa, nem tanto provocada pelo esforço, mas sim para aliviar a pressão vertiginosa que a Colladina nos impôs, principalmente para Maartje. Eu estava bem mais tranquilo com isso, o caminho até ali não me causara fobias extremas, eu estava mais preocupado em como acalmá-la, já que de sua parte, ela estava visivelmente afetada e não parecia estar desfrutando do passeio a essas alturas. Tivemos uma pequena discussão. Cheguei inclusive a propor para que voltássemos caso não quisesse mais seguir, mas foi nesse momento em que ela se levantou. Maartje nunca foi de desistir facilmente de qualquer coisa, esta é uma das qualidades que mais admirava nela. Na nossa frente havia o próximo desafio, outra subida bastante íngreme, porém mais curta que a da primeira etapa. Na verdade estávamos um tanto exaustos e estressados. Talvez tenha sido positivo que neste momento, passou por nós um grupo de corredores de alta montanha, que com menos peso que nós (não iam pernoitar no refúgio). Caminhavam num ritmo bem mais intenso comparado conosco. Isto nos deu ânimo para encarar mais uma ladeira elevada. Chegando lá em cima, tivemos nossa recompensa: já era possível avistar o abrigo. Aqui, a sensação de isolamento é forte, pois no longínquo horizonte, além daquela sensação de quanto o ser humano é pequeno frete a natureza, e não haver resquícios da civilização salvo o próprio abrigo do outro lado, o panorama das imponentes torres do maciço ocidental ao fundo de tudo, dava-nos a verdadeira dimensão daquela cordilheira. Algo que jamais havia visto e presenciado. No primeiro termo da vista, víamos o percurso restante até o abrigo Collado Jermoso do outro lado e ao nosso alcance. O refúgio era instalado num penhasco vertiginoso, coisas da engenharia, incrível como puderam instalar um abrigo naquele local, pensei. Numa primeira impressão, o que assustava neste trecho até o abrigo, era o nível de exposição, sobretudo se comparado com sensações cruzando a Colladina. De longe parecia ser inclusive uma exposição maior, embora mais curta. Outros grupos de pessoas também iam passando por ali. Maartje e eu nos olhamos e desejamo-nos boa sorte, desta vez dando risadas; estávamos um tanto aliviados por poder avistar nosso destino. Assim, partimos para o trecho de decida que atravessa o Collado, e finalmente subimos um trecho final até o abrigo. Chegando lá, montamos acampamento, com uma vista incrível, para a face sul da Torre de las Minas de Carbón. Fomos ao abrigo e conversamos rapidamente com o guarda responsável pelo local, mas ele estava muito ocupado junto com as outras pessoas que estavam ali, preparando um jantar para um grupo enorme que havia reservado o local. Voltamos então para nossa barraca para fazer o nosso merecido e saboroso jantar. Preparei minha especialidade nas montanhas, lentilhas castellanas (mais a frente haverá um capitulo sobre isso, incluindo essa receita). Tais comidas na montanha são as verdadeiramente saboreadas. Comemo-las dando um valor maior do que quando estamos nas cidades, talvez porque precisamos deste alimento mais do que nunca nestes momentos. Não sei se há como comparar este prazer ao de comer num restaurante confortável, mas para mim, essas refeições são momentos que valem a pena, pela alegria que nos dá. Tivemos a sorte de ter uma noite aberta, banhados por um luar frio, mas sem ser desagradável. O contorno daquela cordilheira sob esta luz seguia nos impressionando, tal como expostas pela luz do sol. Finalmente, olhando para ou outro lado, de onde viemos, lembrávamos, agora bem mais humorados, o quanto difícil fora chegar até ali.
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