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  1. Parte 2 Travessia solo da Serra da Anta Gorda 1°dia de travessia – Rancho Búfalo da Neve até Abrigo 1500 – 17km No ano passado em julho de 2020 eu havia feito a travessia do Campo dos Padres relato aqui .. https://www.mochileiros.com/topic/93114-travessia-do-campo-dos-padres-%E2%80%93-sc-%E2%80%93-julho-de-2020-%E2%80%93-80-km-em-5-dias-%E2%80%93-do-c%C3%A2nion-espraiado-morro-da-boa-vista-at%C3%A9-o-morro-das-pedras-brancas/ no sentido sul-norte saindo da Pedra da Águia as margens do rio Canoas, passando pelo canion Espraiado e cruzando todo o Campo dos Padres seguindo o rio Canoas até a sua nascente, subi o Morro da Boa Vista e ainda passei pelo morro do Chapéu, o Arranha Céu e morro das Pedras Brancas terminando as margens da BR 282. Mas o nome “Serra da Anta Gorda” havia me chamado a atenção na carta topográfica, essa serra ia desde o morro da Boa Vista até Águas Brancas em Urubici, eu até já tinha estudado pelo google maps um trajeto por ali. Então dessa vez de novo no Campo dos Padres resolvi fazer a travessia leste-oeste por essa serra que divide Urubici e Bom Retiro. As 8h20 pus a mochila e parti em direção a Serra da Anta Gorda saindo por trás do rancho até o Canoas, cruzei o rio e subi a antiga estrada que ligava o Campo dos Padres a Urubici pelo Rio dos Bugres, estrada essa, abandonada onde só passava cavalo e a pé. Logo na subida vi muitas gralhas azuis fazendo um estardalhaço sobre as araucárias, parei um pouco para observar e tentar tirar alguma foto. Logo alcancei o topo e fui seguindo a estrada que ia dando a volta pela margem esquerda de um afluente do rio Canoas, formava um pequeno canion, esse foi o canion da grota que no dia anterior entramos nele até a cascata do Leão Baio. Lá adiante cruzei o vértice deste canion e teve outra subida até o topo da Serra da Anta Gorda nos campos, ali próximo havia uma casa e um galpão já abandonados na margem direita do canion bem no topo protegido por uma coxilha, mas fora da estrada. Porém não cheguei perto e fui seguindo a estrada/trilha, dei uma parada para mastigar umas castanhas e tomar agua era umas 10h da manhã, também já me preparei, pois a chuva estava vindo e fazia bastante frio e vento. Ali era uma área de campo de altitude e segui adiante pela estrada até uma pequena descida que já estava bastante erodida onde havia uma outra casa com galpão também abandonados logo atrás meio que escondidos, cruzei outro arroio e vi dois cavalos, um branco e outro preto que ficaram só de olho em mim. Passei por eles e cheguei em uma mangueira velha de madeira toda quebrada, ali a trilha principal ia a direita, mas logo entrava na mata que estava na encosta norte em direção a Bom Retiro, preferi seguir a da esquerda na encosta sul voltada para Urubici e subi um morrinho e logo a chuva veio com força e junto a serração, minha ideia era seguir pelos campos ao invés de ir pela mata, mas ali havia muito banhado então decidi subir para a direita em direção a mata e alcançar a estrada de novo. Era uma estrada/trilha bem marcada sentido sudoeste, tendo uma elevação a minha esquerda e a direita o vale do Paraiso da Serra e por ali fui andando por um bom tempo, a chuva só piorava e o frio aumentava, minhas mãos expostas segurando o bastão já estavam congeladas e a minha capa de motoqueiro já estava passando água pelas costuras. Logo adiante a frente abriu para o campo do vale do rio dos Bugres e a estrada dava uma volta no morro agora sentido sudeste até um galpão cercado de uma mangueira de taipa bem robusta, cruzava um rio que formava um pequeno canion do rio dos Bugres e a estrada ia acompanhando pela margem esquerda até passar uma porteira grande e cruzar o rio sobre uma ponte. Já a direita havia uma propriedade habitada que era a estancia Bonin, passei bem próximo seguindo a estrada a direita em direção ao Abrigo 1500 que era o meu destino daquele dia. No caminho havia uma plantação de pinus Ellioti a direita e eu estava bem tranquilo trabalhando a minha respiração ao estilo Win Hof, ritmo cadenciado, tentando espantar o frio para ver se esquentava, o passo era firme, derrepente do lado esquerdo da estrada do meio das vassouras do campo me aparece um javaporco... tomei um susto, mas ele também, e cada um correu para um lado... Boa parte da Serra Geral está tendo problemas com Javalis e com a cruza deles com porcas que viram o “javaporco” que são enormes, destroem plantações fuçando o chão e comendo de tudo, podem ser muito agressivos e perigosos, por isso muito atenção com eles. Como vi que não veio atrás de mim, segui adiante no meu passo que já estava firme em meio a chuva que seguia forte me molhando cada vez mais. Parei adiante por uns minutos e logo passou um carro que buzinou e seguiu em direção a cachoeira do rio dos Bugres. Em pouco tempo lá pelas 14h e com aproximadamente 17km percorridos cheguei também no Abrigo 1500, que é a propriedade que tem a vista da cachoeira do Rio dos Bugres e camping. A princípio eu iria acampar, mas chovia tanto e eu estava tão molhado e com frio que pedi permissão para pernoitar no galpão pelo valor do camping, o Sr. Elói foi muito gentil e falou que não tinha problemas, inclusive me convidou para entrar em sua casa e me aquecer no fogão a lenha e secar minhas roupas. A rede elétrica não chegava até ali, e a luz era obtida por placas solares que davam conta de tocar a geladeira e algumas lâmpadas e tomadas. O camping custa R$ 30,00 e eles servem pastel e paçoca de pinhão, nem pensei duas vezes e pedi a paçoca que foi meu almoço e estava uma delícia. Depois a esposa dele pôs mais pinhão na chapa e fiquei ali tomando um café e comendo pinhão. Também estava ali o Romeu que havia passado por mim de carro com a família, e ficamos conversando um pouco sobre trilhas e Urubici. Logo em seguida a chuva deu uma trégua e fui dar uma volta pelo campo do camping e acessar os mirantes da cachoeira dos Bugres. São 2 mirantes acessados por uma pequena trilha, tem um deck de madeira para segurança e uma vista incrível da cachoeira que é uma das maiores de Santa Catarina com 218m, em um dos mirantes é possível ver duas grandes cachoeiras a dos Bugres e outra numa grota próxima e abaixo o vale/canion que forma o rio dos Bugres. Seguindo pela borda onde está o camping tem outra grota mais a direita de um outro afluente dos Bugres que vinha da serra formando outra grande cachoeira. É um excelente lugar para acampar e curtir a paisagem desta região do Campo dos Padres e rio dos Bugres, uma ótima estrutura, recomendo acampar ai no Abrigo 1500. Ao norte atrás da propriedade está a continuação da Serra da Anta Gorda, que segundo o Sr. Elói tem esse nome pois ali haviam muitas antas e algumas bem gordas, que hoje infelizmente não vemos mais na região. Também ali no topo daquela serra foi encontrado uma ponta de flecha de pedra lascada da tradição Umbu, mais um sinal do nome Bugres. A tradição Umbu foi um grupo muito antigo de caçadores e coletores que deixaram muitos vestígios na região em forma de pontas de flecha, estima-se que esse grupo antecessor das demais etnias indígenas esteve aqui entre 13 e 4 mil anos e habitavam toda a região do planalto de araucárias e campos rupestres. No galpão havia umas mesas com chão de madeira e junto está a estrebaria que é onde se ordenha as vacas, já na terra batida, uma caveira de búfalo todo pintado de preto ornava pendurado na parede, e alguns equipamentos para ordenha e arreios. Comecei a preparar minha janta, que seria polenta com queijo e bacon; sai do galpão para buscar um pouco de água, quando voltei dei conta que meu queijo havia sumido, pensei quem foi o gatuno que surrupiou parte da minha janta, dei uma olhada ao redor e achei um pedaço do queijo no plástico todo comido e rasgado e um gato escondido entre as madeiras na estrebaria. Achei o meliante e junto a sua ninhada. Deixei o queijo para eles, e eu que pensei que era os ratos que gostavam de queijo... ou será que por causa do sabor rato ao queijo que os gatos gostam também... Janta pronta, estava muito bom, só faltou o queijo para dar mais sabor... já consegui me aquecer um pouco com a refeição quente. Montei embaixo de uma mesa o meu isolante de eva, isolante inflável, travesseiro e o saco de dormir, pus minha roupa de dormir que é composto de uma meia de lã merino, uma calça e blusa térmica segunda pela, e uma blusa de lã sintética que tenho desde os meus 14 anos e sigo usando ela sempre. Além da touca e de uma luva de fleece. Está noite fez 6°C. Ao lado do saco de dormir deixo sempre uma garrafinha com água, meu afrin em caso de nariz entupido e a lanterna a mão. Guardei as comidas na bolsa de cozinha e pus dentro da mochila ao meu lado com “um olho no peixe e outro no gato”. E assim fui dormir, pois o dia seguinte ainda tinha muito chão pela frente. 2° dia de travessia – Abrigo 1500 até Urubici – 25km Acordei as 6h30, já fui guardando minhas tralhas de dormir, vestir minha roupa de trilha e tomar um café. Meu café em travessia consiste sempre em café passado na Pressca (tipo de prensa francesa de acrílico) pão com polengui, salame e “queijo” (quando tem...), carrego também para lanche de trilha uma garrafa pet com um mix de castanhas, uvas passas e gotas de chocolate, além de uma barra de chocolate, particularmente tenho levado o chocolate Talento da Garoto por ter uma quantidade grande de calorias, ser gostoso e ter muitas versões. Mochila pronta e café tomado, sai do galpão e dei de cara com o frio, me despedi do Sr. Elói e aproveitei o dia de céu azul para ir de novo nos mirantes da Cachoeira do Rio dos Bugres para curtir mais um pouco a paisagem. Depois passei pela casa de novo e logo atrás segue a trilha que sobe até a Serra da Anta Gorda novamente, a irmã do Sr. Elói é a única moradora naquela região acima, apesar de ter outras casas e galpões, porém desocupados. Fui seguindo o caminho por um faxinal bonito, corria um arroio sobre uma laje de pedra, parei para umas fotos. E logo a frente a trilha subia forte até a cumeeira da serra e dali se tinha uma vista linda ao norte do Paraiso da Serra e de um mar de montanhas, a leste se via o Morro da Boa Vista e Morro do Chapéu. Fui seguindo pelos campos ora margeando a borda norte, ora para o sul. Neste momento senti arder a sola do meu pé próximo ao dedão, a meia e o tênis estavam molhados então já sabia o que poderia ser. Parei logo em seguida e tirei meus tênis e meias, torci as meias que estavam encharcadas, sequei meu pé e passei uma pomada de vick vaporub que é o santo remédio do montanhista podendo ser usado para muitas coisas. Deixei meu pé respirar e aproveitei para comer meu chocolate e castanhas e curtir a paisagem. Depois colei um esparadrapo, calcei minhas meias e tênis novamente. Segui adiante e fiquei monitorando, o segredo para bolhas é fazer os primeiros socorros logo no primeiro sinal de irritação e vermelhidão, não pode deixar levantar a bolha, se não é problema. Caminhei todo o trajeto sem problemas. No meu caminho ainda cruzei algumas vacas e cercas, até que vi mais abaixo a uns 500m ao sul a propriedade da família do Sr. Elói, fui contornando o morro por cima até que chegou na estrada de acesso a propriedade e onde chegava também a rede elétrica. Ali a estrada era transitável de carro. Resolvi tentar seguir fora da estrada pelos campos, mas algumas vezes não tinha como até que fui descendo até uma propriedade bem grande onde havia bastante gado e de ali em diante seria só por estradas. Achei alguns pinhões debulhados pelo caminho e fui enchendo o bolso até que mais pra frente parei embaixo de uma araucária e fiz outra bela sapecada de pinhão, não sabia quando teria a oportunidade de novo, já que fazia muitos anos que eu não comia, ai aproveitei para curtir esse momento de fazer a pilha de grimpa, por fogo e os pinhões e sentado no chão ir pegando pinhão por pinhão sapecado, queimado pelo fogo com partes ainda em brasa, ia esfregando na mão, queimando e sujando de carvão, e assim fui me deleitando com essa iguaria serrana. Fiquei imaginando essa região a alguns séculos atrás ainda antes dos tropeiros com os diversos povos indígenas que por aqui haviam passado coletando pinhão, obviamente que o pinhão sapecado deveria ser a principal forma de comer essa rica e proteica semente da araucária nos meses frios de inverno. Logo fui seguindo pela estrada, abrindo e fechando porteira e passando por um corredor de araucárias que por muitas vezes formava um túnel no caminho. Era uma paisagem muito bonita e bucólica. Logo começou a descida bem forte ziguezagueando a estrada, em um certo momento encontro um pônei com uma franja muito estilosa, me aproximei dele, mas ele não quis muita conversa. E assim segui até a base da estrada e dei de cara com um bosque de araucárias todo varrido, grimpas amontoadas e uma entrada tipo de condomínio. E aí percebi que eu já havia chegado em um ponto turístico de Urubici chamado de Cavernas dos Bugres, que na realidade não são cavernas e sim paleotocas. Essas estruturas eram tocas que foram escavadas pelos gliptodontes, os tatus gigantes da megafauna que eram do tamanho de um fusca. Mais tarde diversas etnias indígenas (tradição Umbu, LaKlãnõ-Xokleng, Kaingangs...) ocuparam de forma aleatória essas tocas, deixando ali alguns registros rupestres, além de pontas de flechas e outros artefatos líticos. São diversos túneis de até uns 100m de extensão, ora se interligando, ora se sobrepondo. Havia dois conjuntos de túneis e logo abaixo corria um arroio. Dentro destes túneis haviam alguns morcegos e vários opiliões que são uma espécie de aracnídeo de cavernas. São estruturas baixas, tendo que andar levemente abaixado e algumas vezes até engatinhando. Aproveitei que já era 13h e o bosque de araucárias ali, sentei no gramado tirei meu tênis e almocei meu sanduiche de polengui, salame e mel de bracatinga. Só faltou o queijo.... kkkkk Seguindo a estrada abaixo há um portão fechando a rua e ali tem a pousada da Caverna Rio dos Bugres, fui barrado de forma agressiva e mal-educada por um homem dizendo que ali era propriedade particular e que eu tinha que pagar uma taxa, ai eu falei tudo bem, quanto é? Eu pago! Falei que não sabia que aqui era propriedade particular uma vez que passei por várias propriedades estrada acima. Aí ele falou que ele era dono de tudo ali, e eu passando por aqui poderia sumir uma vaca, e as câmeras dali me pegariam então eu seria o culpado... falei: pera ai loco! Tá me chamando de ladrão?? Sou montanhista e estou vindo de longe desde o canion espraiado, passando por várias propriedades, pedindo autorização a todos, mantendo todas as porteiras, cercas e animais como estavam, aí ele disse que não precisava mais pagar, mas tinha que avisar não sei quem... Infelizmente temos ignorantes assim, ainda mais para quem trabalha com turismo me pareceu muito despreparado e totalmente focado no dinheiro e na cobrança pela passagem pois o ponto turístico era propriedade dele, não sei se a estrada realmente é ou não. Porem precisa melhorar a abordagem. Então fica a dica de quando passarem aqui, já vir com dinheiro na mão. Passado esse contratempo segui pela estrada que ia margeando o Rio dos Bugres que dá nome a localidade, uma área rural muito bonita, com muitos sítios e chácaras, havia bastante criação de gado, cabra, também hortaliças e pomares. Mais adiante já alcancei o asfalto que liga Urubici ao Corvo Branco e fui até o camping Hospedagem Rural Nossa Senhora das Graças, um lugar muito bacana com uma ótima infraestrutura para acampar, tem também espaço para motorhome e chalés para alugar, recomendo o lugar. E ai finaliza essa minha jornada desde o Canion Espraiado, passando pelo Campo dos Padres, Serra da Anta Gorda, Rio dos Bugres e Urubici.
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