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  1. O Cerro San Lorenzo é a terceira e última etapa de minha viagem de 2 semanas por Aysén. Está descrito como Campamento De Agostini, no livro Trekking in the Patagonian Andes, do Lonely Planet, de autoria do saudoso Clem Lindenmayer. A montanha é a segunda mais alta da Patagônia chilena, com 3.706 metros. Foi escalada pela primeira vez pelo padre De Agostini, em 1943, que provavelmente gostava muito mais de montanhas do que de missas. Ele foi um grande explorador da região. A mais alta é o Cerro San Valentín, 4.070 m, que fica no Campo de Gelo Norte. Dia 21/03/2016 – segunda – Cochrane/Fundo San Lorenzo Parti 11 horas com uma van que faz o transporte subsidiado ($ 1.800). Algumas das regiões de Aysén são tão isoladas que o transporte coletivo tem que ser subsidiado pelo governo, porque se não a iniciativa privada não tem interesse em fazer a linha ou se explorar vai ter um custo tão elevado que não vai ter passageiro. Foi uma solução que o governo chileno encontrou para manter populações nestes lugares isolados (pequenos fazendeiros sem automóveis). Esta van só faz o trajeto duas vezes na semana (segundas e quintas). Saltei cerca de 60 km depois, com 1:10 de viagem. Uma placa a beira da estrada indica o começo da estrada 4X4 que vai para o Fundo San Lorenzo, meu objetivo deste dia. Comecei a subida as 12:30. No caminho a laguna Corazón. Mais acima visualizamos o formato que dá nome a laguna. Logo em seguida uma encruzilhada. Tomei a direita. Placa e uma bandeirola indicam a direção do Fundo San Lorenzo. No caminho um vaqueiro (tropeiro) me alcançou, o Elia. Ele trabalha no Fundo e estava indo para lá. Informou que com mais uma hora e atrás do cerro que divisava no platô adiante a SE estava a sede da fazenda. Segui exatamente a trilha do carro mas me parecia que haviam atalhos para quem fosse a pé. Cheguei a sede com 2:15 depois que saltei da van. Uma ponte peatonal cruza o rio Tranquilo pouco antes de chegar na sede. O Elia estava sentado num banco tomando chimarrão e me ofereceu o té de mate. O pessoal desta região (Cochrane e adjacências) é conhecido como os gaúchos chilenos. Eles imigraram do outro lado dos Andes, onde hoje é território argentino quando, por acordo, aquela parte chilena foi cedida a Argentina (boa parte do sul da Argentina era do Chile até o início do século XIX). Eles vieram com os costumes gaúchos. Há alguma diferença. O chimarrão é tomado numa cumbuca menor que a da Argentina/Uruguay e Brasil, a bomba também é menor e não usam água fervendo. O modo de vestir e de ser é idêntico. Conversamos um pouco e depois escolhi um local para armar a barraca entre as árvores atrás da casa. Não tem eletricidade exceto uma gerada por painéis solares para o rádio transmissor. Mas tudo é movido a lenha: os fogões e o chuveiro quente. O camping tem um ótimo banheiro e duchas quentes. A vista para o fundo do vale, direção S-SW, é linda, o Cordón San Lorenzo com a torre de Feruglio e uma série de glaciares que alimenta a laguna del Tranquilo, que dá origem ao rio de mesmo nome (mas não achei o rio assim tranquilo não). Depois que armei a barraca chegaram os donos numa pickup, o casal Luis Soto e Luci Gomez, com três jovens voluntários. Conversei com o Luis, falando que dia seguinte iria para o refúgio e que na volta gostaria de comer um cordeiro asado al palo. Eles tem 300 ovelhas e 50 cabeças de gado além de cavalos. Os cordeiros são apenas para consumo próprio e dos turistas. A lã é vendida para uma cooperativa. Em torno de 15 de maio eles irão para um vale mais abaixo para passar o inverno e levarão todos os animais (inclusive as galinhas). Apenas deixam um gato na casa para impedir os ratos de fazerem a festa (e evitar o hantavírus). Andei um pouco nas imediações e fui preparar a janta no quincho (construção típica chilena que é uma área coberta externa a casa onde fazem refeições, churrascos, enfim, festas). O quincho tem um fogão a lenha, cozinha e uma grande mesa diante de uma lareira. Não precisei usar o fogareiro, usei o fogão. É muito legal esta coisa de cozinhar a lenha. E aquece o ambiente. Com a comida liofilizada na verdade bastaria um cartucho de gás de 230 gramas para 2 semanas na Patagônia. Vou ter de doar o outro cheio, que comprei por precaução. Noite com temperatura agradável (acho que estou acostumando...), mas com ráfagas de viento. Dia 22/03/2016 – Fundo San Lorenzo/Refugio Toni Rohrer 9,5 km. 325 m de aclives. Saí as 11:00. Como ficaria no refúgio deixei a minha barraca montada. Tomei rumo NE para sair da área da fazenda e contornar um cerro e descer para um vale que ruma SE, onde corre o Arroyo San Lorenzo. O fundo deste vale já é território argentino. Após meia hora aproximadamente cheguei a uma cerca que protege uma área onde se planta avena. Não se pula esta cerca. Vira para a direita seguindo a cerca até seu final e aí dobra a esquerda passado a seguir em frente entre a cerca e as encostas do vale. Ao final, sobe um pouco para encontrar uma porteira junto a umas lengas. Pula a cerca e continua seguindo para o fundo do vale, SE. Há uma outra porteira mais adiante que temos que passar. O Luis Soto me aconselhou a fechar cuidadosamente as tranqueras (porteiras) caso contrário os cavalos abrem com os dentes (espertos...). Há várias trilhas de gado paralelas e nenhuma sinalização. Mas o sentido é óbvio. Teremos que seguir até encontrar o vale onde nasce o Arroyo San Lorenzo, o primeiro que se abrirá a direita, já visível. A trilha vira uma só e passa pertinho das margens do arroyo. Após 1:20 o terreno plano se torna uma ladeira e começamos a subir o estreito vale a direita, rumo S/SW. Como o vale é estreito o Arroyo San Lorenzo acavala dentro de um cânion mais estreito ainda. Em poucos momentos é possível observar o arroyo furioso lá embaixo, devido a altura e a existência de alguns degraus de rocha antes do paredão que despenca para o rio. Ali nem caiaque com vaselina passa. Entrei num maravilhoso bosque de lengas, O vale é de uma lindeza só. O San Lorenzo ainda está escondido atrás de uma curva. Mas adiante ele aparece majestoso. Com 3 horas cheguei no refúgio. Local excepcional, com linda vista do Cerro. Um banquinho de madeira permite lanchar com aquele vistão. O refúgio, embora não muito grande, é o mais bonito e funcional que já visitei. Eu estava sozinho, era todo meu!!!! Projetado e construído pelo Luis Soto dá gosto ficar nele. Fiquei espantado com o fogão de ferro, a lenha, na cozinha. Que trabalheira deve ter sido para subir com ele até aqui (foi dividido e colocado no lombo de cavalos, mas nas subidas íngremes 4 homens tiveram de carregá-lo). Tem o nome do alpinista Toni Rohrer, suiço, a pedido da esposa dele, para homenageá-lo. Ele morreu na descida do San Lorenzo, após fazer cume. Cerca de 6 pessoas já morreram em sua encosta. Os dois últimos, famosos esquiadores, foram fazer um documentário, morreram em uma avalanche (A. Fransson e J.P. Auclair, + setembro/2014). A cozinha do refúgio estava decorada por bandeiras de países e por placas comemorativas. Uma delas era do Niclevicz, que fez cume em janeiro/2015, junto com o peruano E. Espinoza. Mais um brasileiro esteve por lá (Marquinhos). A NOLS parece que conduz expedições anuais para o cume. Pena que não trouxe minha bandeirinha do Brasil, para deixar na parede. Fiz um passeio para a laguna do glaciar e fiquei pelo vale admirando a paisagem, tirando fotos. Mas não pude cruzar vários dos riachos que desciam das geleiras acima. Aquela hora da tarde, com o “calor” do dia já estavam com uma vazão grande. Há um roteiro para uma laguna mais acima e que segue para o Paso del Comedor e a Brecha de la Cornisa (2.266 m). Apenas para alpinistas experientes. Possivelmente por passar por geleiras com gretas. Não quis subir ao menos um trecho, pelo adiantado da hora. Vi também o antigo e agora deteriorado refúgio que foi feito por De Agostini. Acendi a lenha e comecei a esquentar água para a janta e para o banho. Tomei banho de bacia (estava sozinho). Comi a janta sentado no banquinho, com aquele visual. Tirei fotos e fiz uns time-lapses. Dia 23/03/2016 – quarta – Refúgio Toni Rohrer/Fundo São Lorenzo. Choveu e esfriou bem durante a noite, rajadas de vento fortes. A previsão do Mountain Weather Forecast estava certíssima outra vez. Previu frio, neve e rajadas de até 60 mph. De manhã começou a nevar, mas poucos flocos. Na montanha é que o pau estava comendo. Mal dava para enxergar ela. Saí 10 horas. Com o tempo ruim não valia a pena fazer passeios nas redondezas. Desci o vale debaixo de vento e um pouco de neve. Com pouco menos de 3 horas estava de volta ao Fundo. Tive que me agasalhar bem no caminho, inclusive com luvas, devido ao vento frio e forte. Cheguei meio espantado vendo o Elia, o Luis Soto e a Luci trabalhando duro, tranquilamente, debaixo de vento e chuva como se fosse um dia ensolarado. Para comemorar jantei um cordeiro delicioso feito pelo Luis no forno. Não pode ser al palo porque estava chovendo, ventando e nevando ocasionalmente. Jantamos juntos, ele ofereceu um vinho para acompanhar. Dia 24/03/2016 – quinta – Fundo San Lorenzo/Cochrane Levantei 7:30. Luci me chamou para comer uns pãezinhos que tinha feito no dia anterior, com marmelada. Os simpáticos voluntários (o francês Olivier, sua namorada, a chilena Heloisa e Thomas, também chileno) estavam comendo cordeiro no desayuno! Muito legal esta coisa do trabalho voluntário. Vinham percorrendo a Carretera Autral de bike e trocando alojamento e comida por trabalho voluntário. O casal passou uma ou duas semanas trabalhando também como voluntários no Parque Patagônia. Tirei mais umas fotos e parti as 9:30. Dia bonito. Na altura da laguna Corazón encontrei com um caminhão da Municipalidad de Cochrane que vinha abastecer o trator que estava trabalhando na estrada de rípio até a fazenda. Haveria uma Carrera de Aventura San Lorenzo – bike, caiaque e corrida - em comemoração ao aniversário de Cochrane (a cidade foi fundada em março de 1954, com apenas 10 casas). Precisavam melhorar a estrada para os carros subirem para San Lorenzo. Cumprimentei-os no que o motorista parou e me disse que na volta me daria carona. Assim o fez e acabei voltando mais cedo, sem precisar usar a van, que só passaria as 13 horas. Os chilenos daqui são gentis e oferecem carona como se fosse a coisa mais natural do mundo. Em Cochrane ainda consegui de volta o dinheiro que paguei antecipadamente da passagem de van. Comi e me acomodei num hostel barato ($ 8.000). Amanhã 6:30 embarque no busão para 6 a 7 horas de viagem para Coyhaique. De lá para Santiago e Brasil no domingo, fim de férias. Dicas Vale a pena ficar quatro dias. Um dia na chegada, no Fundo, e dois dias no Refúgio Toni Rohrer explorando os arredores. O quarto dia para a volta. E encomenda o cordeiro! Camping com ducha quente e uso do quincho com fogão a lenha, $ 6.000/dia/pessoa Refúgio Toni Rohrer, $ 3.500/dia/pessoa Cordero para um, $ 12.000. A simpatia e a gentileza não tem preço. Tudo isto junto, a beleza do lugar, do vale e do Cerro San Lorenzo, o refúgio e a cordialidade e gentileza do Luis Soto e de sua esposa Luci fizeram este o ponto alto da viagem, até mais que o Cerro Castillo. Adorei o lugar e o pessoal. Além da natureza, conhecer a vida dos colonos gaúchos da região. Chave de ouro para encerrar duas semanas em Aysén! Van (minibus) as terças e quintas de Cochrane para o Fundo, saída 11:00. Volta nos mesmos dias. Tem que estar na estrada as 13:00. Checar antes se houve mudança no horário. Livro: Trekking in the Patagonian Andes, Lonely Planet - A grande referência da Patagônia. Opa! Não esqueçam de levar uma bandeirinha do Brasil e colocar no refúgio. Está faltando! Este relato, com fotos está no: https://aventurebox.com/ptofte/cerro-san-lorenzo-aysen-chile/report
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