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TRAVESSIA MORRO DA IGREJA – CÂNION LARANJEIRAS (URUBICI A BOM JARDIM DA SERRA – SC) Ou “Expedição Era do Gelo” Passo a relatar a seguir uma travessia que mobilizou montanhistas dos três estados do Sul do Brasil em prol de um objetivo comum: a consolidação do Parque Nacional de São Joaquim e a consagração do direito de acesso às áreas de conservação federais sob gestão do ICMBio. O relato é extenso e as fotos não estão todas publicadas aqui. Veja ao final os links para o material complementar. Travessia realizada entre os dias 07 e 10 de junho de 2012 (feriado de Corpus Christi), entre o Morro da Igreja e dois pontos distintos de saída – Cânion Laranjeiras e Serra do Rio do Rastro - realizada em conjunto pelo pessoal da AMC – Associação Montanhistas de Cristo (Getulio, Otávio Luiz, Serginho, Cirlene, Cover, Soraia, Thomas, Ingrid, Luís Delfrate e Zeca Reinert – todos do Paraná), Rodrigo Mioto e Fernando Faria (Santa Catarina), Marcelo Juká e Tiago Korb (Rio Grande do Sul). ANTECEDENTES E PLANEJAMENTO: A ideia de fazer uma travessia pelos platôs da Serra Geral, seguindo as escarpas entre o Morro da Igreja e a Serra do Rio do Rastro, nos municípios catarinenses de Urubici e Bom Jardim da Serra, já povoava o meu imaginário há alguns anos, fruto do meu encantamento com as belezas daquela região, descortinadas em algumas viagens e incursões rápidas, seja rodando de jipe, caminhando ou cavalgando por aquelas bandas. Tal intento foi reavivado ao “viajar” algumas vezes pelo Google Earth na região, pois com o meu “retorno” ao montanhismo e ao trekking em 2010 comecei a estudar as possibilidades de pernadas mais sérias na área, estimulado ainda mais pelas fotos de alguns trekkings na região, postadas por usuários do Site Panorâmio, que fornece as imagens georreferenciadas visualizadas no Google Earth. Pouco tempo depois me deparei com uma discussão aqui no Mochileiros.com sobre o Parque Nacional de São Joaquim, onde se debatia justamente a existência “real” do Parque e a obrigatoriedade de contratar condutores credenciados para poder trilhar na sua área de abrangência (veja AQUI o tópico). Ali a discussão ganhou corpo e me levou, junto com outros usuários do Fórum (em especial o companheiro Mioto), a travar contato com o Chefe daquela Unidade de Conservação administrada pelo ICMBio, o Sr. Michel Omena, com o qual estabelecemos um diálogo bastante profícuo no sentido de liberar o acesso de trekkers e montanhistas preparados na área sem a necessidade de contratar guias turísticos, mediante o preenchimento de alguns requisitos. Também passamos a conhecer melhor os esforços empreendidos para tirar o Parque “do papel” e conciliar os diversos interesses, muitas vezes conflitantes, sobre a área. Recebi dele por e-mail, em certa ocasião, farto material informativo sobre o histórico do Parque desde sua criação, desafios e problemas enfrentados em diversos momentos, bem como as iniciativas adotadas, dentro da estrutura e regras existentes, para viabilizar a consolidação do PARNA e a conservação da área. No seio das discussões naquele tópico (que se estenderam por meses), em jan/2012, falando sobre a elaboração do Plano de Manejo do PARNA e a situação da regulamentação das visitas, obtivemos do Mioto (que pouco antes conversara pessoalmente com o Chefe do Parque, em Urubici) a notícia de que em breve estaria sendo regulamentada a visitação e permanência por meio de uma Portaria, permitindo o acesso livre da necessidade de condutores (mediante o preenchimento de alguns requisitos) mesmo antes da conclusão do Plano de Manejo do PARNA. A notícia logo fez disparar o coração dos mochileiros que acompanhavam o tópico: a possibilidade de uma travessia (livre e autorizada) dentro do PARNA São Joaquim, proscrita desde 2009, era agora algo tangível! Graças à proatividade do Chefe do Parque, Sr. Michel Omena, provavelmente, ao menos em parte, sensibilizado pela nossa participação e pressão saudável nas discussões. Foi só o Mioto postar esta informação e logo as nossas cabeças irrequietas começaram a imaginar e traçar planos para “a travessia”, como datas possíveis, roteiros e logística. Desde o início o percurso-base estava definido na cabeça de todos = Morro da Igreja – Serra do Rio do Rastro, seguindo o máximo possível as bordas das escarpas da Serra Geral, uma das regiões mais belas de todo o Estado de Santa Catarina, seja pelos marcantes aspectos geográficos e geológicos envolvidos, seja pela rara beleza cênica presente. A data logo ficou definida para o feriado de Corpus Christi – entre os dias 07 e 10/06/2012, pelo entendimento de que seriam necessários 4 dias para a magnitude do projeto. Desde a sinalização favorável até a data de realização da travessia transcorreram mais de 4 meses de conversas, estudo e planejamento para que tudo ocorresse de forma tranquila e segura. A região que seria atravessada em nosso trekking, apesar de não apresentar elevada variação altimétrica ou grandes dificuldades técnicas, trazia alguns percalços que não poderiam ser menosprezados, como grandes áreas de charcos, trechos de mata fechada, a constante possibilidade de nevoeiros densos capazes de impedir a navegação visual (a famosa “viração”) além do mais temido deles: o frio, constantemente abaixo de zero nos meses de outono/inverno, pois se trata da região mais fria de todo Brasil e onde quase todos os anos temos a presença de neve! Definidos o trajeto-base e a data, passamos a nos debruçar sobre as cartas topográficas e as imagens de satélite da região estudando as peculiaridades do terreno para definir o traçado de uma rota viável diante da topografia dos morros, campos e platôs que povoavam nosso percurso. Foi um trabalho notável pela precisão (como se notará no desenrolar do relato), em grande parte realizado pelo amigo Otávio Luiz, que após alguns esboços desenhou a rota principal pelo Google Earth tendo em conta a topografia e vegetação, além de marcações importantes, como pontos de abastecimento de água. Nesta fase também colaborou o companheiro Mioto, que traçou caminhos alternativos e detalhamentos da rota separados em trechos. A mim coube basicamente os primeiros esboços, a revisão e algum detalhamento sobre os traçados do Otávio, a marcação de pontos de referência no terreno, como cumes e fazendas bem como a criação de possíveis rotas de fuga por estradas da região. Tudo isso tinha um único objetivo: produzir material de navegação abrangente e completo. Primeiro, para conhecer previamente o terreno, da melhor forma possível e, em segundo, levar nos nossos aparelhos de GPS tudo gravado para o caso de ser necessário navegar sem visual – situação muito comum na região por conta da viração, fenômeno metereológico caracterizado basicamente por denso nevoeiro que se forma rapidamente, encobrindo vastas extensões de terreno e que limita sobremaneira o alcance visual. Não poderíamos nos dar ao “luxo” de sequer correr o risco de nos perder. Estaríamos fazendo uma “reinauguração” de travessia dentro de um Parque Nacional, uma espécie de “piloto” e não queríamos de forma alguma comprometer o trabalho de convencimento até aqui arduamente realizado junto à Administração do PARNA. Como eu havia lido vários relatos sobre travessias anteriores na área que pretendíamos cruzar e em várias delas haviam referências a dificuldades (algumas inesperadas), além das cartas e imagens de satélite resolvi estudar com mais cuidado as imagens de outros trekkers que andaram pela região. Neste processo me deparei várias vezes com imagens muito nítidas e esclarecedoras de aspectos importantes da vegetação e relevo local, que me chamaram a atenção e bastante nos ajudaram. Entre esses fotógrafos que trilharam antes pela região destacavam-se nomes como: Valdo Balbinot, Ênio Frassetto e Ademir Sgrott ... Todos profundos conhecedores da região. Diante disso resolvi buscar deles alguma informação que considerassem importante, algum aspecto que poderia ter passado desapercebido e mesmo a solução de algumas dúvidas que nos acometiam nas diversas horas que passamos analisando as imagens de satélite e as cartas topográficas da região (como se sabe as IS nem sempre são de boa qualidade e via de regra as cartas estão desatualizadas). Como a internet aproxima as pessoas! Disparei alguns e-mails e, “voi-lá”!, logo tinha alguns “pareceres” sobre a região, desde a topografia, vegetação e condições do terreno até dicas sobre autorizações de passagem pelas fazendas na região do PARNA (nem todas desapropriadas como deveria ter ocorrido, pois o Parque ainda não está totalmente regular sob o aspecto fundiário). Destaco aqui a grande quantidade de fotos e informações repassadas pelo hoje amigo Valdo Balbinot, de Porto Alegre, que me enviou um verdadeiro dossiê sobre os Aparados da Serra e nos forneceu dicas valiosas para o percurso. Ao amigo os nossos mais sinceros agradecimentos mais uma vez! Com o roteiro pronto, munidos de mapas, nossas tracklogs e informações mais do que suficientes sobre todos os pormenores do nosso percurso a ansiedade aumentava à medida em que a data se aproximava. Havia sobretudo o fantasma das condições metereológicas – sempre determinantes neste tipo de atividade, e sobre o qual não podíamos intervir... Mas haviam ainda alguns pontos não definidos que precisávamos enfrentar. Um era a logística, do qual em parte dependia também a definição final do grupo. Outro era a própria autorização “oficial” do Parque Nacional, sobre a qual ainda pairavam algumas dúvidas. Cada qual a seu tempo... Enfrentamos primeiro a questão logística. Em nossa opinião, a melhor solução desde o início passou pela locação de uma van dadas as dificuldades práticas de utilizar o transporte regular de ônibus (horários péssimos + necessidade de baldeações = perda excessiva de tempo). Descartamos também ir de carro, tanto pelo cansaço que causariam aos trekkers-motoristas (seriam afinal 480 Km de deslocamento para quem partia de Curitiba) quanto pela pequena capacidade de transporte e necessidade de posterior resgate dos mesmos. Com a escolha da van, vinha o segundo ponto, bem desgastante, que era a definição final do grupo que faria a travessia. Desgastante pois quando se fala em “Serra Geral” e fazer uma travessia pelo PARNA São Joaquim, quem é do Sul sabe que se trata de um momento raro, especial mesmo, pelas belezas daquelas paragens... E é aí que o “bicho pega”, pois o número de interessados cresce absurdamente! Facilmente lotaríamos uns 3 ônibus de pessoas dispostas a encarar o frio extremo da região para ter esta oportunidade, mas como isso não é possível, vamos administrando os pedidos de diversos amigos que nos procuram sabendo “por alguém” que projetávamos um trekking de tal magnitude para o feriadão. Com um limite de 15 pessoas estabelecido (lotação máxima da van) e alguns nomes “hors concours” em razão da sua participação, desde o início, na discussão sobre o PARNA São Joaquim, praticamente não 'sobravam' vagas. Foi nesta fase que dissemos muitos “não” e, nos perdoem os companheiros que ficaram de fora, não se tratou em momento algum de favorecer ou excluir ninguém, o critério foi bem objetivo – saibam disso. Desde o início este projeto nasceu para ser limitado em número de integrantes, especialmente em vista da necessidade de autorização do PARNA, das regras de mínimo impacto em ambientes naturais e da própria segurança do grupo, além das dificuldades logísticas inerentes. Com um grupo “grande” e a logística definida faltava o último dos fatores importantes do projeto que de alguma forma dependiam de nossa atuação: a autorização formal da administração do Parque Nacional de São Joaquim. “Como assim?!” Podem perguntar alguns, por dois motivos/posições: 1)- Já não estava concedida a autorização? Como vocês montam toda a estrutura para a travessia sem saber se terão a autorização? e 2)- Para quê autorização? Façam na “raça”, “por baixo dos panos” ora!!! Primeiramente, o caso é que já tínhamos fortes indicativos de que a autorização seria concedida. A nossa apreensão, no final, recaía sobre o tamanho do grupo, algo maior do que o usualmente recomendado para este tipo de atividade, especialmente em um Parque Nacional, o que acabou não sendo problema. Na semana anterior, com as previsões climáticas desenhando um cenário de frio extremo e até possibilidade de neve na região para o feriado, ficamos apreensivos sobre a possibilidade da administração do parque, justificadamente, desautorizar a travessia. Era um risco palpável, concreto, devido ao agravamento das condições metereológicas. Houve até notícia de graxaim encontrado congelado "em pé" na região... Imaginem! Em segundo lugar, fazíamos questão, desde o início, de solicitar e ver concedida a autorização formal do PARNA São Joaquim como forma de quebrar o paradigma e “pressionar” legitimamente a administração do parque sobre os interesses dos trekkers e montanhistas na área, assim como para valorizar a atuação dos profissionais que o administram, criando antecedentes para manter as “porteiras abertas”, como se diz na gíria aqui do Sul. Nosso interesse sempre foi e continua sendo pelo diálogo com as autoridades ambientais, ainda que discordemos de alguns pontos e soluções de gestão adotadas para as UC's. Respeitamos para sermos respeitados – essa é a nossa regra. Não é pela afronta ou desrespeito que conquistaremos algum direito, mas pela argumentação e participação efetiva nos fóruns institucionais adequados às discussões que originam os planos de manejo, que em regra tornam-se a “lei” de cada unidade de conservação. Inclusive fica a convocação para que as entidades ligadas ao montanhismo em Santa Catarina (alô FEMESC!) envolvam-se e participem dessa e de outras discussões em torno das UC's naquele estado. E a autorização? Saiu, claro! Mas apenas poucos dias antes da data marcada para o início da expedição recebemos o e-mail do Sr. Michel Omena que chancelava a nossa autorização (ufa!). Tudo pronto enfim. PRIMEIRO DIA: Em síntese, saímos de Curitiba 22:30h abaixo de chuva na quarta-feira, 06/06, véspera de feriado, com destino a São José e depois Santo Amaro da Imperatriz (SC), onde embarcariam nossos 2 colegas de Santa Catarina, Mioto e Fernando. Rodando durante a madrugada conseguimos dar umas cochiladas no caminho e chegamos cedo a Urubici, cerca de 5:30h. Reinava um frio “daqueles” de “renguear pingüim”. Como ainda era muito cedo e precisávamos aguardar para pegar nosso “salvo conduto” na sede do ICMBio e depois tomar nosso café da manhã, tiramos mais uma soneca na van estacionados em frente ao prédio do órgão ambiental, aguardando o tempo passar. Às 7h, já de posse da carta de autorização, encontramos os 2 companheiros gaúchos que gentilmente ficaram acampados no gramado da casa do Zé Marcos, guia turístico e dono da agência Serra Sul. Ao lado da agência tomamos um delicioso e reforçado café da manhã na padaria Beckhauser, agendado por telefone com a proprietária no dia anterior, que se dispôs a abrir seu estabelecimento mais cedo do que de costume para nos atender. Em seguida tocamos para o Morro da Igreja, cujo acesso agora é inteiramente asfaltado desde a cidade com a conclusão das obras na SC-439. Na estrada que sobe o Morro da Igreja um grande movimento de veículos, especialmente no trecho final, em frente à base militar. Muitos carros e desorganização dos motoristas congestionando a estradinha estreita, já que a manhã fria e sem uma única nuvem sequer no céu descortinava plenamente todas as paisagens que a vista alcança de lá, atraindo muuuiiita gente ao mirante em frente à base. Ainda assim conseguimos ver por segundos um graxaim correndo no campo ao lado do portão da base militar. A visão ali era um misto de beleza e terror, e já dava indícios do que encontraríamos pela frente nos próximos dias. Beleza em razão do maravilhoso cenário que já se vislumbra dali. O terror era por conta do caótico congestionamento de pessoas e veículos que se apinhavam em tão curto espaço físico. Este seria passageiro, enquanto aquela foi perene durante toda nossa jornada. Ali topamos também com os primeiros sinais de gelo, outra coisa que nos acompanharia praticamente todos os dias na travessia e era abundantemente visível no entorno do mirante, acumulando-se nas pequenas poças nas beiradas da pista e nas lajes de pedra próximas, gelo com cerca de 2 cm de espessura!!! Muito vento e um frio intenso também se faziam presentes e incomodavam um pouco. Já se passava de 8:30h quando chegamos no mirante. Tiramos algumas fotos e manobramos com alguma dificuldade a van (contamos com a ajuda dos militares da FAB, que gentilmente abriram para nós os portões da base permitindo-nos manobrar a van com a carreta de bagagem, pois a estradinha ali na frente estava impossível)... Um tenente da FAB com o qual conversei rapidamente, todo encapotado, ficou abismado quando soube que iríamos atravessar os campos do outro lado e dormir em barracas naquele frio, especialmente com as previsões aterradoras para o feriado... Rsrsrs. Abandonamos a muvuca do mirante em frente à base e descemos a estradinha, retornando rumo a Urubici por uns 3 Km até o portão que dá acesso ao “morro da antena”, ponto inicial da nossa jornada. Enquanto descarregávamos nossas mochilas alguns carros com turistas pararam para nos perguntar o que iríamos fazer... Todos se assustavam quando contávamos! Rsrs. Descarregadas as mochilas, calçadas as botas e acertados os últimos detalhes com o motorista da van, jogamos as pesadas mochilas cargueiras nas costas e iniciamos a jornada propriamente dita. Um a um os companheiros atravessaram o portão metálico e seguiam morro acima pela precária estradinha de manutenção da instalação no topo, que aparenta ser uma repetidora de rádio. Já passava das 10h da manhã, sol alto no céu e, mesmo assim, onde havia alguma sombra nas beiradas da pequena estradinha, gelo aparecia em abundância, formando até estalactites de água congelada nos pequenos barrancos. Rapidamente atingimos o topo do morro da antena e dali tiramos algumas fotos aproveitando o visual alucinante já no início da caminhada. Ali, Mioto, Fernando e Tiago Korb tomaram a dianteira seguidos pelo Zeca, sob o pretexto de adiantar a caminhada, pois combinaram de levar um termômetro de max/mín que seria deixado na antiga Fazenda Caiambora de onde seria resgatado no outro dia pelo Sérgio Sachet Jr.(Graxaim), guia da região que acompanharia outra expedição na região (veja o relato deles AQUI). Logo descemos todos a crista, transpondo uma cerca de arame farpado, a primeira de muitas ao longo da travessia. Rapidamente cortamos pelo campo seguindo uma trilha batida, entrando na mata, mais abaixo. Em pouco mais de 40min atingimos o fundo do vale, atravessando um pequeno charco, uma matinha nebular e logo depois o famoso Rio Pelotas, ainda pequeno próximo das suas nascentes. Nosso objetivo imediato a partir dali era um grande platô gramado, visível por quem olha do Morro da Igreja e cuja vista privilegiada da Serra Furada queríamos usufruir. Para nosso azar, entretanto, logo que subíamos uma elevação que antecede esse platô a viração começa a cobrir toda a borda do platô e fecha todo o visual para o lado do MI e Pedra Furada. O grupo pára para descansar e lanchar. Um pequeno destacamento do grupo larga as cargueiras e sobe o morrote à frente confirmando a ausência completa de visual só na área do platô, especialmente na linha de borda, pois ao redor o céu encontra-se completamente límpo. Dali enxergamos mais abaixo o quarteto que se desgarrara hora antes voltando do platô a passos largos. Ficamos alguns minutos no topo do morrinho, lanchamos e respiramos para repor o fôlego gasto na subida... Arriscamos algumas investidas próximas, subindo uma elevação rochosa ao sul e depois a borda mais próxima do platô. A viração só aumentava e, estranhamente, se mantinha apenas sobre o platô e as elevações próximas da borda. Retornamos para vale anterior, onde deixamos as cargueiras e o restante do grupo estacionara para descansar e almoçar. Quando chegamos encontramos o Zeca que acompanhara um tempo o trio Tiago Korb, Mioto e Fernando. Estes já haviam novamente deixado o grupo e se adiantaram bastante, sem levar rádio para comunicação e sem maiores “combinações”. Como a viração aumentando e sem visual das bordas, decidimos seguir dali o rumo originalmente traçado, um pouco afastado das bordas das escarpas, acompanhando “por cima” o vale do Rio Pelotas, seguindo as curvas de nível das elevações que o limitam pelo leste. Andamos por cerca de 2h quase ininterruptamente e, de uma elevação, avistamos ao longe, no fundo do vale, as ruínas da Fazenda Caiambora (abandonada), marcada por característicos muros de taipa (pedras), nas margens do Rio Pelotas. Nada do “trio ligeiro” como passaremos a nos referir aos 3 caminhantes “desgarrados”. Pensamos que eles iriam nos reencontrar naquelas imediações tendo em vista a instalação do tal termômetro na sede da antiga fazenda, mas não foi o que aconteceu pois nem sinal vimos dos três mesmo perscrutando o horizonte com o binóculo. Daquele ponto em diante ficamos cientes de que os três agiriam por conta própria e de forma independente, o que nos chateou um pouco. Fazer o quê?... Eram trekkers experientes e bem equipados, que seguissem seu caminho. Azar! Pensamos. Perderiam a maravilhosa polenta da janta. Rsrs! Tocamos em frente. O frio da tarde já se fazia sentir, uma vez que o sol já baixava no horizonte e o vento em alguns pontos incomodava bastante, obrigando a sacar agasalhos das mochilas. A região deste início de curso do Pelotas, também conhecida como 'Campos de Santa Bárbara' é muito aprazível, com uma paisagem dominada por campos limpos e ondulados, entrecortados por variada sucessão de morros e vales, emoldurado por um maciço de elevações cobertas de mata que se erguem a oeste-noroeste. Elevando-se no horizonte atrás de nós vislumbrávamos o Morro da Igreja e seus indefectíveis domos de radar e antenas de comunicação. Nossa rota de caminhada evoluía invariavelmente contornando pequenas elevações e atravessando um ou outro pequeno vale que surgia transversalmente ao vale principal do Pelotas. Com o sol descendo no horizonte, o pouco tempo de luz nos requeria buscar um local adequado para acamparmos. Nessa altura do dia nosso grupo se estendia por uns 500 metros, formado por vários pequenos destacamentos, cada um caminhando no seu ritmo mas sempre ligados uns aos aos outros, seja por contato visual seja por rádio (levamos 3 pares dos versáteis “Talk About” Motorola, de 1,5W, que deram conta do recado durante os 4 dias de travessia com apenas 2 jogos de baterias). Logo nossa vanguarda informava ter encontrado um local ideal: um pequeno platô limpo cercado por um muro de pedra e vegetação mais densa, que nos dava boa proteção contra o vento. Ali, naquele resquício do que fora uma antiga mangueira da fazenda de gado, armamos nossas barracas. Logo que o sol se pôs, cerca de 17:30h, o frio já se tornara intenso e nos obrigava a andar totalmente encobertos pelas vestimentas de frio. Cristais de gelo começavam a se formar sobre as barracas e tudo o que estivesse exposto ao tempo. Apesar da ausência quase absoluta de vento o frio fora das barracas era tremendo. Cozinhamos a nossa janta comunitária sobre uma pequena laje de pedra onde montamos os fogareiros e preparamos alguns tira-gostos para amainar a fome enquanto tomávamos um mate e preparávamos o prato principal: uma deliciosa polenta campeira. Tudo regado com sucos e alguns goles de graspa e cachaça que levamos apenas para "esquentar". Mesmo com o frio que aumentava a cada minuto, jantamos e ainda ficamos "proseando" por mais de uma hora em volta dos fogareiros. Nos encasulamos cedo em nossos sacos de dormir e, uma vez aquecidos, dormimos maravilhosamente. Praticamente não sentimos o frio de -11/-10°C que nossos dois termômetros “tabajaras” registraram fora das barracas quando delas saímos às 7:30h. As barracas e tudo em volta estava coberto pelo manto branco da forte geada que assolou a madrugada. De longe, em alguns lugares no campo mais baixo parecia até que havia nevado, de tão branco que estava. As garrafas de água deixadas fora das barracas amanheceram completamente congeladas. Botas e meias, úmidas de suor do dia anterior deixadas no avanço das barracas amanheceram endurecidas. Duas poças grandes de água próximas do acampamento pareciam feitas de vidro e congelaram completamente, a ponto de se ter dificuldade para quebrar o gelo, de tão espesso. O ar matinal, gélido, fazia doer até os ossos. O jeito era manter por baixo das roupas de caminhada as peças de segunda pele com as quais dormimos. Acima de nós um céu azul profundo, limpíssimo. Nem sequer sinal de nuvens ou viração até onde a vista alcançava. De um lado o sol, tímido, elevando-se lentamente sobre a encosta à nossa frente. De outro lado, acima do vale, um disco branco contrastava o azul dominante: a lua, ainda alta, dividia com o sol o espaço do firmamento. Alguns voltaram para as barracas e esticaram um pouco o sono, outros tiravam fotos e procuravam se mexer para espantar o frio, agilizando um café quente nos fogareiros, nos quais crepitavam panelas cheias de água postas a ferver para o preparo da refeição matinal e lavagem das panelas usadas na noite anterior. Logo, com a algazarra, todos se reúnem em volta dos fogareiros onde se prepara um desjejum reforçado, como ovos mexidos, pão sírio com queijo provolone defumado e salame, entre outros. Terminada a refeição, passa a reinar a faina acelerada de ajeitar toda a tralha de acampamento e montar novamente as mochilas para o segundo dia de caminhada... SEGUNDO DIA: O sol já estava alto e todos apressados em finalizar as mochilas após a primeira noite acampados. O “tempo ruge” dizia o Otávio, e todos compenetrados em socar roupas e equipamentos nas pesadas cargueiras, que a despeito de toda a comilança da noite anterior pareciam ainda mais volumosas e pesadas que antes. Uma olhada rápida pela área de acampamento e facilmente o confundiríamos com uma área atingida por um tornado, tamanha era a bagunça. Todos haviam aproveitado os muros da mangueira de pedra e os galhos das árvores próximas para pendurar calçados e roupas úmidas ou enregeladas pela forte geada da madrugada, aguardando que os raios do sol matinal as descongelasse ou secasse. As botas, em especial, endurecidas e geladas, eram deixadas por último para serem calçadas, na vã esperança de que estivessem menos desconfortáveis após pouco mais de uma hora no sol, tempo insuficiente para a tarefa do degelo. Logo, um a um, todos apresentam-se prontos para partir. Já eram 10h da manhã e estávamos bem atrasados em relação ao cronograma planejado inicialmente de começar a caminhar por volta das 9h. O plano era continuar subindo a lateral esquerda do vale à nossa frente, onde corria um afluente do Rio Pelotas, para em um ponto mais alto atravessá-lo em um ponto mais favorável. Vislumbrávamos bem no alto (a leste) uma passagem mais fácil e traçamos um rumo para atingi-la. Assim fomos. Passados alguns charcos e um riachinho menor, acompanhando as curvas de nível por pouco menos de 1 km do ponto de acampamento fizemos a transposição do rio no trecho previsto, atravessando a mata ciliar e o leito de pedras, onde o rio era mais estreito e o vale menos profundo. Novamente alguns se abasteceram de água e se refrescaram, já que o calor do sol somado ao esforço da caminhada com as cargueiras já começava a se fazer sentir. Galgávamos agora as encostas de um outro morro maior, acompanhando as curvas de nível em direção a uma nova linha de morrotes rumo sudeste. À nossa frente agora tínhamos uma longa linha reta de uma cerca de arame farpado que apontava para o céu e parecia não ter mais fim, numa enorme rampa. Vencemos a sucessão de elevações e rampas descampadas e, algumas centenas de metros acima atingimos uma dobra no terreno para, logo acima, divisar uma cachoeira no mesmo riacho que vínhamos seguindo e que delimitava a área de um imenso platô que se estendia a leste e a nordeste, atingindo novamente as bordas da serra. Logo depois de passar pela cachoeira o terreno à nossa virou um enorme brejo. Tentamos desviar alguns dos charcos mas caíamos em outros, tanto de um lado como de outro da cerca, cuja linha de palanques resolvemos acompanhar novamente por se assentar sobre terreno mais firme do que o restante à sua volta, dando certo sentido àquela famosa troça “firme que nem palanque em banhado”. Rsrs! Buscávamos agora a borda da serra, acompanhando a lateral de um morrote, rente à tal cerca infinita, que neste trecho se elevava acima do nível do campo, o que nos dava algum terreno firme para caminhar, além da visão mais privilegiada, do alto. Logo vão surgindo, deslumbrantes, novas visões da travessia: ao Norte as pontas da Serra Furada e, logo ali, a nossos pés, as escarpas da Serra Geral. Não há dúvida que largamos as cargueiras e fizemos uma parada para apreciar as vistas privilegiadas da borda, tanto dos campos ao norte quanto da serra abaixo, fotografando as belezas da área. Passados os momentos de euforia e contemplação, 1h depois nos reagrupamos e voltamos à realidade da caminhada. Começamos a subir frontalmente a elevação que vínhamos contornando junto à cerca, agora com destino aos imponentes platôs mais acima, cercados por paredões de rocha, que nos anunciavam visões ainda mais majestosas do que as divisadas há pouco. Para isso, além do aclive, vencemos um trechinho curto de mata e uma cerca. No alto resolvemos almoçar (pretexto para uma outra pausa de contemplação e descanso). Dali a vista de 360º mostrava, além do Morro da Igreja e Serra Furada, os paredões imediatamente anteriores, a imensidão dos campos “interiores” e boa parte dos platôs e elevações que se sucediam em direção ao Sul, nosso caminho dali para frente, permitindo mesmo vislumbrar parte do Cânion Laranjeiras, mais ao longe. Daquele ponto confirmamos também visualmente a nossa rota para a tarde daquele dia, que seguindo nossa expectativa (traçada antes no GPS e cartas) deveria nos levar por uma longa descida, nos afastando um pouco da borda da serra para contornar alguns obstáculos como morros cobertos de mata e escarpas acidentadas. Devem-se destacar aqui também as belezas dos campos interiores: diversas áreas de mata nativa repletas de araucárias e muitos afloramentos rochosos. Alimentados e bem descansados, muitas fotos depois, ajeitam-se as mochilas novamente e “pernas-prá-que-te-quero”! Já são 14:15h e lá estamos novamente em movimento seguindo para o sul. Após quase 2 horas de pernada pelos campos, contornando algumas elevações e matas nos deparamos com o que visualmente seria um grande vara-mato. Após algumas explorações do nosso “batedor” oficial, o companheiro Zeca Reinert, que em vários momentos da travessia despontaria com o rádio para desbravar os trechos de mata à nossa frente, logo descobrimos que a transposição da mata era bem mais tranquila do que imaginávamos. Ao final dela saímos num enorme descampado plano com vários trechos de charco, o qual vencemos ilesos (pés secos) para sair em outra descida de vale e outro trecho aparentemente complicado de vara-mato. Breve parada para elocubrações e novamente nosso batedor oficial se embrenha na mata para verificar o caminho. O grupo aproveita a pausa para descanso e reidratação enquanto a equipe de navegação se debruça sobre a carta e o mapa no GPS para estudar as alternativas de caminho. Não tem jeito, é por aqui mesmo, concluímos... Logo isso se confirma pelo rádio. Zeca, o desbravador, informa que o mato pode ser contornado lá embaixo. Tocamos a descer a encosta. Chegando na borda da mata, damos de cara com uma área de erosão onde a água de chuvas torrenciais escavou o terreno em obediência à Lei da Gravidade, buscando o fundo do vale e seu riacho, depois da mata. Varamos por uma cerca de arame já meio caída e, seguindo a erosão, contornamos uma ponta de mata chegando a uma ampla área de banhado. Ali, na borda da mata, nas sombras “eternas”, vários pontos de gelo depositado pela forte geada da madrugada anterior ainda eram visíveis. Mantos de gelo e poças congeladas em plenas 16:30h da tarde... Irrompemos com cuidado pelo trecho de banhado chegando no riachinho. Abastecemos de água já pensando no estoque para acampamento logo mais e seguimos, agora subindo a encosta do outro lado do pequeno vale, passando a acompanhar o zig-zag de uma trilha de gado que galgava as curvas de nível. Como a luz do dia já findava estávamos de olho em possíveis locais de acampamento. Com o pouco tempo de luz do sol, o vento frio de fim de tarde já nos castigava, obrigando a vestir os abrigos corta-vento. Subimos uma, duas encostas de morros gramados que se mostravam à nossa frente, e aos lados. Do alto de uma delas vislumbramos campos mais para o “interior” com algumas cabeças de gado reunidas. Dali vimos ainda um platô elevado mais adiante que nos parecia um bom local para acampamento. Resolvemos ir até lá e montar acampamento. O local não era protegido como na noite anterior, mas viável, tendo em vista que não havia muito tempo de luz natural e surgira uma viração que restringia muito a visibilidade. Nem pensamos muito e já fomos sacando as barracas das mochilas e buscando os melhores pontos no campo plano, cheio de pedras e de bosta de vaca. Pensávamos sempre em abrigar as entradas das barracas do vento sudoeste, de onde poderiam vir, segundo as previsões metereológicas, as rajadas de vento mais fortes. A noite caiu rápido e o frio extremo cobrava seu preço, mesmo sem vento - por sorte, o que aumentaria ainda mais a sensação de frio. Todos encapotados e enregelados, rapidamente aprontamos nossa cozinha, numa pequena laje de pedra onde empilhamos algumas pedras para servir de banquinhos. Barracas montadas e vestidos com as roupas mais grossas para o frio noturno, logo teve início o festival de gastronomia que sempre acompanha nossos acampamentos. Soraia prometia desde a noite anterior um “escondidinho de carne seca” e todos se aglutinavam em torno dos fogareiros procurando ajudar como possível a concretizar o cardápio. Uns ferviam água, outros serviam tira-gostos (calabresa frita, queijo provolone), todos beliscam e vários tomam mate (a pequena cuia do gaúcho Marcelo Juká rodou muito nessas noites) e as panelas de purê de batata semipronto, no fogo, começavam a ficar no ponto. Logo a carne seca desfiada da Vapza vai ao fogo para refogar com os temperos para ser misturada ao purê de batata... Huuuummmm!... O cheiro deixa todo mundo de água na boca! Logo uma fila de pratinhos se forma e começamos a servir a iguaria. Todos comem e se lambem. Realmente a receita estava muito boa, digna dos melhores restaurantes. Depois dizem que a gente passa mal nestes acampamentos! Rsrs! Só que o prato principal não era tão abundante e, sozinho, mesmo servido depois de alguns petiscos não foi suficiente para saciar os 11 caminhantes famintos. Todos voltam pros fogareiros em busca de algo mais para complementar o rango. Depois da janta, muita prosa, uns goles de cachaça e graspa para esquentar e mais algumas porções de calabresa frita para complementar o forra-bucho e o pessoal começou a ficar com sono (e frio!) e resolvemos ir para as barracas. Nessa noite fui para a barraca na primeira onda posto que estava bem cansado. Tomei meu “banho de gato” com lenços umedecidos para reduzir a inhaca e naquele frio de “renguear cusco” me troquei e me enfiei no saco de dormir. Mesmo com o frio absurdo logo estava aquecido devido aos contorcionismos necessários para me ajeitar no saco de dormir Deuter Orbit -5°C tamanho grande (L). Já havia comprado o tamanho maior (para pessoas com até 2m, segundo a tabela do fabricante) e mesmo assim sofria com o tamanho apertado do SD. Porcaria! Pensei, pelo menos ajuda a esquentar... Rsrs! Deve ser parte da tática do fabricante para esquentar o usuário... de raiva! Pensei, sarrista comigo mesmo. Ouvia ainda as vozes do povo na “cozinha” contando causos e rindo. Logo, com o calor do abrigo eu literalmente “empacoto”. Minutos depois (que pareceram horas), o meu companheiro de barraca, Otávio, se recolhe e acaba me acordando, o que faz parte da convivência numa barraca para 2 pessoas não muito espaçosa como a que dividíamos. Trocadas algumas palavras, novos contorcionismos para me ajeitar numa posição confortável novamente e lá vamos nós para os braços de morfeu. TERCEIRO DIA: Na penumbra do amanhecer, ainda sem os raios solares, do ponto alto em que estávamos não tínhamos visão clara dos campos abaixo de nós, mas ao nosso redor tudo estava congelado. Nova geada havia castigado os campos e nossas barracas amanheceram cobertas com uma fina camada de gelo, menor do que a acumulada no acampamento anterior por estarmos num local mais alto, mas assim mesmo experimentamos um frio respeitável. Obtivemos média de -8°C para 2 termômetros diferentes. Logo, com todos de pé, o acampamento agita-se. Ao norte, as silhuetas do Morro da Igreja e da Serra Furada são quase perfeitamente visíveis. O sol começa a despontar com seu disco dourado e flamejante no horizonte e começamos a perceber a extensão da geada nos campos mais abaixo: tudo branco até onde a vista alcançava. Logo todos correm para fotografar os primeiros momentos do sol e as suas luzes no horizonte. Momentos mágicos em que todos se empolgam e se emocionam com a beleza proporcionada pelo espetáculo do astro-rei. Muitas fotos e algumas “macaquices” depois, estamos tomando nosso desjejum, cada um à sua maneira: uns fritam ovos com bacon, outros comem frutas, alguns biscoitos, outros sanduíches com pão de forma. Eu esquento na frigideira um disco de pão sírio recoberto de fatias de salame e queijo provolone defumado com ervas, que derretido logo vira um pequeno rolo e é devorado rapidamente com uma canecada de cappuccino instantâneo reforçado com leite em pó e canela, uma delícia! Logo um segundo “sanduíche-charuto” desses vai para o fogo e também é devorado. Nestas atividades longas de caminhada, além de uma boa janta é muito importante um bom café da manhã para garantir bom ânimo e a energia necessária para as atividades do dia. Com o desjejum devidamente deglutido, as atenções passam a se voltar para as barracas molhadas com o degelo e todas as tralhas que precisam ser organizadas nas mochilas. Nova agitação. Tudo vai sendo desmontado, secado e dobrado ou enrolado para caber nas enormes mochilas. Rápida pausa para estudar o terreno adiante de nós e confrontá-lo com as cartas topográficas e GPS. Assim traçamos visualmente a rota para os próximos quilômetros de terreno visível, coincidindo com a previamente traçada em no Google Earth e gravada no GPS. Nossa navegação até aqui vinha sendo primorosa. Elevações, vales, vara-matos e rios, tudo vinha coincidindo com nossas marcações prévias e em grande parte isso foi fruto, além do trabalho de observação do Otávio no traçado da rota, da colaboração do amigo Valdo Balbinot, com suas fotos e dicas. Só o atraso devido ao baixo rendimento da pernada até aqui é nos preocupava. No primeiro dia ficamos quase 4 km aquém do que pretendíamos caminhar, o que em parte recuperamos no segundo dia, mas ainda estávamos com 6 km de atraso acumulado em relação ao previsto. Em parte isso foi fruto do cansaço que exigiu paradas mais longas de descanso (especialmente no primeiro dia, pois muitos não dormiram direito na van e isso prejudicou um pouco o rendimento). No segundo dia a culpa foi do atraso no levantamento do camping (iniciamos a jornada 10h) e depois o desfrute mais alongado das belezas proporcionadas pelo caminho. Iniciamos a jornada do dia às 9h, morro abaixo, para logo depois subir um conjunto de elevações e galgar uma crista de morros, de onde avistávamos muitas cabeças de gado e as instalações de uma fazenda a oeste. Ali chegamos novamente na borda dos Aparados e fizemos algumas fotos da área, seguindo a linha da escarpa por um trecho curto, visto que em frente teríamos que desviar uma elevação abrupta, com um imponente paredão de pedra. A subida pela linha da borda seria pouco proveitosa, pois havia muitas pedras e uma subida bem íngreme, por isso nosso traçado previa contorná-la seguindo a curva de nível. Da elevação imediatamente anterior já tínhamos vista quase completa para o Cânion Laranjeiras, antevendo a colossal formação geológica que logo alcançaríamos... Contornado o obstáculo, do outro lado a visão deste cânion era ainda mais bonita. Dali vislumbramos também as dificuldades que o dia nos reservava: vários trechos de vara-mato, alguns deles parecendo bem densos, como já prenunciavam as imagens de satélite. Continuamos a contornar o morro coalhado de pedras e descemos um pouco para seguir uma trilha batida, provavelmente de gado, buscando nos poupar da altimetria e dos pedregulhos, andando por terreno pouco mais plano. Eram 10:15h e o sol já nos castigava com o calor e a água estava escassa pois era o trecho mais longo sem água em todo o trajeto, visto que andamos praticamente todo o início da manhã pelo “alto”, apenas com nossas reservas do dia anterior. Como avistamos uma sanga para oeste, com boa aparência, a cerca de 700 metros de onde andávamos, resolvemos enviar alguns “voluntários” para coletar água para o grupo, que parava para descanso e lanche. Lá se foram Thomas, Zeca e Serginho com várias garrafas pet. Devidamente abastecidos do precioso líquido nos pusemos em marcha novamente, agora cruzando a vastidão de campos ondulados, num leve aclive que nos levaria novamente para as bordas. Logo, ao atingir a borda, sem poder continuar diretamente para o sul em razão da enorme fenda, desviamos rumo sudoeste, acompanhando as escarpas, agora descendo em direção a uma extensa cerca de pedra no fundo de um vale crivado de pedras, que mais pareciam plantadas no campo como se fossem parte de uma lavoura. Ali, sinais claros da criação de gado: cochos ao longe, cercas de arame e algumas cabeças de gado pastando pelas proximidades, além de muito, muito esterco. Cruzamos o vale e galgamos uma elevação mais pronunciada que nos levaria ao alto de uma crista. Ali uma nova visão esplendorosa do Laranjeiras, agora integral, nos surpreenderia. Como daquele ponto a visão era ampla e bonita e o terreno à frente exigiria alguma análise para traçar o percurso, fizemos uma pausa para descanso e fotos. Do alto, com amplo alcance visual, procuramos com o binóculo algum sinal do “trio ligeiro”, mas nada. Até aquele momento nenhum contato visual ou por telefone com eles. Pelos nossos cálculos eles deveriam estar umas 7 ou 8 horas à nossa frente. Como estávamos atrasados com relação ao cronograma planejado para atingir a Serra do Rio do Rastro e antevendo que no ritmo que estávamos mantendo não conseguiríamos concluir a travessia toda sem comprometer um mínimo de “qualidade” na exploração de nossa passagem pelo Cânion Laranjeiras – um dos pontos altos da expedição, confabulamos rapidamente e decidimos por concluir a travessia pela Fazenda Santa Cândida, ponto já previamente marcado como possível rota de fuga e onde facilmente a nossa van poderia nos recolher. Daquele ponto, ao mesmo tempo em que analisávamos o terreno à frente, aproveitamos a existência de sinal e fizemos contato via celular com o nosso motorista, responsável pelo resgate no domingo. Informamos sobre nossos planos de sair pela referida fazenda e combinamos os detalhes. Em seguida enviei torpedos para os celulares dos companheiros do “trio ligeiro”, contudo sem qualquer resposta imediata deles. Concluída a pausa derivamos para o leste (esquerda) e descemos uma encosta para em seguida atravessar um trecho extenso de mata nativa em declive. Nosso objetivo primário a partir daqui era atingir a borda norte do Cânion Laranjeiras o mais rápido possível visando explorar o que desse da borda do cânion e estabelecer um ponto de acampamento nas suas proximidades. Como sempre o Zeca, nosso batedor, adiantou-se para investigar a passagem pela mata e com o rádio orientou o grupo. Dali até a borda do Laranjeiras vencemos uma sucessão de vara-matos e descampados, ora subindo, ora descendo encostas de morros até chegarmos num altiplano pouco antes do cânion, com belo visual das imediações, onde começamos a seguir os resquícios de uma estrada que se embrenhava na vegetação do morro, cruzando-o em direção aos campos mais abaixo, nos limites do cânion. Ali, quase no início da estradinha encontramos um cachorro branco, um guapeca viçoso que nos anunciava a proximidade da Fazenda Santa Cândida, a única que existia nas redondezas e cujas instalações sabíamos estar logo atrás de um grande morro coberto de vegetação cerrada que se erguia depois do vértice do Laranjeiras. Imediatamente surgiu um nome para o simpático cachorro: “Polar”. Seguimos a tal estrada que inicialmente subia em leve curva para depois se embrenhar no mato e quase sumir, virando uma picada em meio à vegetação, agora descendo pelo morro em meio a xaxins gigantes e terreno bastante turfoso. Cerca de meia hora depois atingimos a base de um grande descampado plano que emoldura toda a face norte e o vértice do Cânion Laranjeiras, repleto de turfeiras e com um grande charco bem na saída do mato. O cão Polar, mais esperto e conhecedor da região, saiu do mato num ponto bem próximo à borda e depois cortou caminho pelo campo, saindo bem longe de nós, contornando o banhado. Aqui o espetáculo proporcionado pelas vistas do magnífico cânion era agora completo e, à medida que íamos nos aproximando cada vez mais de suas bordas (que passamos a seguir), mais detalhes eram revelados aos nossos olhos. Já se passavam das 15:00h e ainda teríamos que encontrar um ponto de pernoite em breve, mas diante da magnitude daquela atração ninguém mais estava preocupado com isso. Todos curtiam o momento e tiravam fotos, enquanto lentamente caminhávamos rente das bordas observando e registrando tudo, embasbacados. Quando nos aproximávamos do “famoso” grupo de araucárias na borda do cânion, clássico entre as fotos do lugar, eis que ouvimos um barulho forte de helicóptero mas nada enxergávamos. Prestando mais atenção percebemos que o aparelho vinha pelo fundo do cânion e eis que se ergue perto das bordas, sobre o vértice do cânion por alguns instantes, sobrevoando o campo para logo em seguida fazer meia volta e retornar. Provavelmente um vôo panorâmico fretado por algum abastado turista “aéreo”. Cada um conhece a natureza como quer (ou como pode) – enquanto um bando de “malucos” mochileiros caminhava naquelas “lonjuras” um endinheirado passeia de helicóptero sobre o mesmo trecho. Coisas da vida moderna. Ali, próximo às araucárias, um de nossos companheiros, o Luís, também quase sobrevoa o cânion... Com a cargueira nas costas e com a câmera na mão, meio distraído, dá alguns passos em direção à borda e, sem perceber, pisa em um buraco fundo (de mourão de cerca, provavelmente), a pouco mais de 1 m do precipício. Dupla sorte naquele momento: primeiro por ter caído enfiando a perna quase inteira no buraco, o que evitou de certa forma que caísse para a frente (e consequentemente no abismo), pois o peso da mochila fatalmente o iria impelir naquela direção caso tivesse apenas tropeçado. Segundo pois mesmo tendo enfiado a perna quase toda no buraco, não se machucou... Poderia ter quebrado a perna. Um belo susto que só eu e outro companheiro, por andarmos atrás dele testemunhamos. Já imaginaram o tamanho da caca se o cara me cai lá de cima! Após contornar toda a borda norte percorrendo as bordas das diversas fendas secundárias e da principal, próximo ao vértice tomamos o rumo de uma cerca de arame farpado em direção à floresta que se ergue pela encosta do morro próximo, contornando-o e nos afastando do cânion. Ali um grande charco nos obrigou a caminhar com atenção e buscar uma porção de terreno mais alto, galgando parte da encosta mais descampada do morro, contornando a vegetação pelo leste. Logo passamos por outra cerca e subimos outro descampado rumo a uma pequena crista. Subidinha cansativa naquela altura do dia em que as energias já não estavam sobrando e as cargueiras pareciam pesar mais. Pelas nossas lembranças e marcações no GPS, não muito distante dali (cerca de 400m) deveria haver uma estradinha (o caminho que liga a fazenda às bordas norte, leste e sul do Laranjeiras). Nossa ideia inicial era seguir aquela estradinha (a única passagem) para acampar num ponto mais a leste, perto das bordas do cânion. Só que o tal morro, além de ser coalhado de charcos possuía uma mata muito densa em toda a sua volta, praticamente impenetrável sem usar o facão. Percebemos que teríamos muito trabalho para abrir o mato no peito e no facão até encontrar a estrada e não dispúnhamos de muito tempo para isso. Logo escureceria pois já se passava das 16:30h. Desta feita mudamos nosso plano inicial de passar longe da sede da fazenda naquele dia e resolvemos encarar a pernada até as casas, procurando buscar um ponto de acampamento lá próximo, negociando com os moradores. Lá fomos nós, divididos em 3 grupos menores. Atingimos uma elevação e vimos ao longe as casas da Fazenda Santa Cândida. Na chaminé uma fumaça denunciava gente em casa. Nosso pelotão mais avançado – Cover, Luís e Marcelo já desciam o campo repleto de charcos e pouco distavam do lago da fazenda. Mais atrás eu com o segundo grupo e, mais longe ainda vinha o pelotão fecha trilha, com o pessoal que ficara mais atrás. Poucos minutos de caminhada e os cães da fazenda já nos denunciavam. Nossa vanguarda já estava na mangueira em frente a uma das casas onde havia um rebanho de carneiros. Chamam o pessoal da casa e aparece um casal na porta (os caseiros), primeiro nos olham meio desconfiados, logo se soltam e conversam. Contamos resumidamente o que fazíamos ali. Nisso o pessoal vai chegando, chegando. A certa altura a D. Izoé, que negociava com nossa companheira Soraia a possibilidade de um banho quente (as meninas vinham sonhando com isso desde que decidimos concluir nossa expedição pela fazenda) exclama assustada: “Nossa! Olha Assis, tem mais uns quantos descendo ali”. Era o restante do grupo com o pelotão principal, mais 6 ou 7 pessoas que vinha atravessando o campinho em frente ao lago e à casa... Rsrsrs. Acho que ela pensou que estavam sendo invadidos. Rápida conversa com o casal e seu filho e pedimos pro caseiro, Sr. Assis, nos deixar acampar ali por perto. Ele nos mostra um descampado a uns 300-350 m da sede (!), ao lado da estrada e emenda rápido um “eu levo vocês lá”, calçando as botas brancas de borracha e montando um cavalo que já estava encilhado no galpão ao lado da casa. A nossa companheira Soraia, espertinha, já negociara o seu banho com a D. Izoé, esposa do caseiro e ficou por ali mesmo. Os demais seguiram o tiozinho e, chegando no descampado, começaram a faina de arrumar o local de acampamento. No caminho seu Assis nos informa que havia encontrado com o “trio ligeiro” cedo naquela manhã, cerca de 8:30h, horário que eles cruzaram pela área perto da sede. Segundo ele os 3 haviam seguido rápido em direção ao sul e que eles o avisaram que outro grupo seguia atrás eles. Naquele momento confirmamos nossas previsões de que o trio estava a cerca de 1 dia à nossa frente. Naquele fim de tarde um vento frio nos castigou um bocado enquanto montávamos acampamento. Logo, com as barracas montadas começamos a preparar o que comer. Uns tomam mate. Começamos a preparar os tira-gostos para amainar a fome. A ideia era preparar o que sobrara de comida para aliviar nosso peso na volta, foi quando percebemos quanta comida havia sobrado. Nisso a segunda menina da fila vai para o banho e, passados mais alguns momentos, a terceira também. Banho só seria possível para as meninas, sentenciou a D. Izoé, assustada com o tamanho do grupo. A janta foi uma fartura só: calabresa frita, salame, queijos (pelo menos uns dois tipos), azeitonas, arroz e até um rodízio de macarronada. Até o Otávio, adepto ferrenho do “ultralight” – “leve e rápido”, estava com sobra de comida... Acho que todos esperavam comer mais com o frio para repor as calorias – e via de regra todos levaram comidas calóricas. Comemos bem, e ainda sobrou alimentação para pelo menos mais uma janta. Bom, pensamos por fim, melhor sobrar do que faltar... No tempo em que conversávamos e cozinhávamos para nos esquentar, Otávio, Thomas e Sérgio, que foram até a sede da fazenda acompanhar as meninas na ida e volta dos banhos quentes, aproveitando as viagens para abastecer de água, nos revelam que o Sr. Assis preparara um fogo de chão dentro do galpão ao lado da casa e nos convidou para nos servirmos do fogo ali, caso desejássemos. Como já havíamos nos instalado com todos os apetrechos e já cozinhávamos a algum tempo onde estávamos, acabamos declinando do convite, até porque entendemos que iríamos incomodar o casal com a nossa algazarra ao lado do rancho, visto que o pessoal no campo dorme cedo. Ficamos sentados no campo até cerca de 22:30h, em volta dos fogareiros, beliscando e conversando, já com saudades do que vivíamos naqueles 3 dias. Um a um o grupo ia diminuindo à medida que os companheiros iam dormir, até que o silencia reina absoluto. Todos se recolhem. No dia seguinte combinamos como missão explorar as bordas do Cânion Laranjeiras, o que havia instigado o grupo. QUARTO DIA: Refeitos pela noite de sono, acordamos cedo. Neste dia não temos a geada pela manhã apesar do frio - em parte resultado da sensação térmica, visto que onde acampamos estávamos sujeitos a um vento mais forte do que nas outras noites. No céu já havia sinais, ao norte, de mudanças climáticas. O volume de nuvens era visivelmente maior do que nos dias anteriores e sentíamos uma maior umidade no ar. Nosso objetivo neste dia era sair leves do acampamento para explorar o que fosse possível das bordas do Cânion Laranjeiras (as barracas ficariam montadas com todo nosso equipamento). Tomamos um desjejum reforçado, procurando e, com o nosso objetivo em mente, saímos cerca de 8:30h da sede da Fazenda Santa Cândida seguindo por uma estradinha que a liga às redondezas do Cânion, cortando caminho pelo grande morro em frente, não antes de cumprimentar o simpático casal que toma conta da fazenda e pagar a taxa de R$ 5,00 por pessoa cobrada para visitação do cânion. Num percurso de cerca de 40 minutos em meio à mata já estávamos saindo no descampado (na verdade um baita de um charco) que separa a mata espessa da encosta do morro das escarpadas bordas do Cânion. Lá fomos procurando o máximo possível resguardar nossos pés da água do banhadão, que por vezes chegava fácil aos 50 cm de profundidade. Muitos pulos e atoladas depois, cerca de 20 minutos, e a maioria com os pés molhados, atingimos a borda norte do Cânion pelo lado da fazenda, próximo do vértice principal, e começamos a percorrê-la, nos deleitando com o espetáculo que se descortinava à nossa frente. As gigantescas paredes esbranquiçadas do Cânion Laranjeiras desafiando as nossas câmeras. Poses e fotos nos pequenos mirantes de rocha e muita contemplação, inclusive do fundo do cânion. Seguimos até a cachoeira principal (existe outra menor perto do vértice), não sem antes ter que desviar o rio que a alimenta, tendo que andar quase 1 Km para dar a volta e observá-la pelo lado leste, de onde se tem o melhor ângulo. Depois da grande volta ao riacho e de várias fotos, parte do grupo seguiu para a borda leste e sul, atravessando outro longo trecho de charcos e campo, contornando um grande trecho de mata. Do outro lado o visual era tão ou mais encantador do que o das paredes do lado norte: com o céu quase sem nuvens, a vista alcançava, desimpedida, toda a baixa planície catarinense e as suas cidades e vilas, além das serras secundárias e seus entrecortes, que se estendem dos platôs do Laranjeiras em direção aos terrenos mais baixos. Como havia pouco tempo disponível a permanência ali foi curta (já passava de 12:00h e nosso transporte logo chegaria à fazenda, conforme combinado). Olhando em direção noroeste já se percebia uma maior deterioração das condições climáticas que certamente nos atingiria em breve e o grupo retornou em passo acelerado, pois além da caminhada de retorno pelos charcos e pelo barro da estrada até a fazenda ainda precisávamos desmontar nosso acampamento. De volta ao acampamento foi o que fizemos. Em ritmo acelerado, acompanhados pelo receio de que o nosso motorista poderia ter problemas para encontrar a fazenda, desmontamos nosso acampamento e ajeitamos nossas mochilas para o retorno. Lá pelas tantas, com a maioria das mochilas já prontas ou quase, eis que surge na estradinha a van do Cléio (Zapvan), nosso motorista particular... Grande visão! Naquela hora, cerca de 13:30h, o céu já estava encoberto de nuvens e o vento só aumentava, com claros sinais de chuva. Um a um carregamos nossas mochilas na van onde também trocamos de roupa e passamos a ficar mais à vontade com calçados e pés secos e roupas limpas, pois havíamos deixado na van mudas de roupas e calçados limpos para o retorno. Agora era só enfrentar a estradinha de 13 km até o centro urbano de Bom Jardim da Serra e ali almoçar. Nos programamos para almoçar na Churrascaria Cascata, aos pés da Cascata da Barrinha, ao lado do Portal Turístico da cidade, na SC-438. E os 3 “apressadinhos”? Enquanto estávamos na estrada de terra entre a Fazenda Sta. Cândida e a cidade de Bom Jardim da Serra recebemos um SMS deles informando que acabavam de chegar no mirante da Serra do Rio do Rastro. Rapidamente vencemos a estradinha até Bom Jardim da Serra e chegamos à churrascaria por volta das 14:45h. Almoçamos conversando, já relembrando alguns dos momentos vividos na travessia e, com aquela sensação de missão cumprida, tristes por estar voltando subimos na van para ir resgatar o “trio ligeiro” no Mirante da Serra do Rio do Rastro, poucos km adiante. Quando ali chegamos a chuva já caía sobre nós. Entramos no pátio de estacionamento do mirante e logo avistamos as 3 figuras de mochilão nas costas, assustados (medo de serem deixados para trás? Rs!), mas já recompostos da caminhada e de roupa trocada. Soubemoa sli que até banho tinham tomado no posto da Polícia Rodoviária enquanto nos esperavam. Com a pequena parada para embarcar os três, alguns correram para os muros do mirante em busca de algumas derradeiras imagens serra abaixo, mas a chuva já engrossava e acabamos abreviando a parada para pegar a estrada, agora retornando a Urubici, onde deixaríamos os dois gaúchos para resgatarem seu veículo (estacionado no pátio do ICMBio), abastecer a van e descer a serra rumo a Florianópolis para liberar os dois companheiros catarinenses. Chuva, chuvisco, chuvarada. O chuviscão logo se transformou numa bomba d'água e chovia torrencialmente. Eram cerca de 17:00h e baixava uma neblina, forte em alguns trechos da serrinha entre Bom Jardim e Urubici. Nosso motorista, atento, seguia em velocidade reduzida, pois com a chuva e a neblina, em pista simples e com bastante movimento nos dois sentidos não dava para brincar. Chegamos a Urubici já em completa escuridão, cerca de 18:15h. Parada na sede do ICMBio para nos despedir dos gaúchos, ainda abaixo de chuva. Aquele clima de fim de festa já contagiava a todos. Nova parada no posto Ipiranga, no centrinho, comprar água e algumas guloseimas para o caminho enquanto nosso motorista abastecia a van para o retorno. Logo estávamos seguindo viagem pela SC-430 e, pouco depois, pela BR-282. Foi uma longa volta. Muito movimento, com pista simples, resulta em filas intermináveis de veículos no retorno de feriados, especialmente na BR-282 rumo a Floripa. Seguimos assistindo a filmes em DVD na TV da van. Alguns cochilam. Em Santo Amaro da Imperatriz entregamos o Fernando. No trevo de acesso a cidade de Palhoça e à BR-101 o movimento intenso nos fez amargar quase 1 hora num trânsito congestionado até chegar na entrada de Floripa, onde entregamos o Mioto, num posto à beira da rodovia, em São José. Agora seria tocar até a “cidade sorriso”. Eram mais de 22:30h quando deixamos as cercanias da capital catarinense. Muita chuva na estrada. Ainda fizemos uma parada rápida num posto para mais um lanche. De volta à estrada a maioria agora dorme, todos bastante cansados. Somos acordados pelo Cléio, nosso motorista, na entrada de Curitiba. Nosso ponto de desembarque seria na Rodoferroviária, no centro da cidade, de onde todos poderiam tomar táxis para casa com segurança naquele horário (1h). Ao estacionar no ponto combinado, rapidamente todos se despedem e tratam de carregar suas mochilas e bolsas para um dos táxis estacionados. Embarcados, logo entrego o Cover e a Soraia em casa, pois moramos no mesmo bairro. Outra rápida despedida e, poucos minutos depois sou eu quem finalmente chega em casa. Finda a epopéia! Bate aquela tristeza misturada com cansaço pelo fim da viagem. No box do chuveiro o banho quente já não me reconforta tanto quanto o desejo de voltar a caminhar nas pradarias e platôs da Serra Geral! ... Em breve voltarei! * * * * * * AGRADECIMENTOS Tão importante quanto realizar uma expedição como esta é agradecer àqueles que, de alguma maneira, colaboraram para torná-la possível. Meus agradecimentos especiais: - A DEUS, pela vida e bençãos concedidas - em especial o maravilhoso tempo que desfrutamos e nossa segurança em todos os momentos. - Aos amigos de caminhada da AMC e Marcelo Juká, com quem trilhei esses caminhos... Foram 4 dias muito intensos sob todos os aspectos! - Ao amigo Valdo Balbinot, pelo incentivo, fotos e dicas valiosas sobre a região, terreno e atrativos. Valeu! - Ao Ênio Frassetto, por suas dicas sobre as fazendas da região e autorizações. - Ao Parque Nacional de São Joaquim, na pessoa do seu administrador, Sr. Michel Omena, pela autorização de ingresso e permanência na área do PARNA, sem a qual não realizaríamos essa travessia. - Ao nosso motorista, Cléio, da Zapvan, que nos levou e trouxe em segurança. - À equipe da Panificadora Beckhauser, de Urubici, por terem aberto suas portas mais cedo para nos atender no café da manhã (excelente) e pela atenção. - Ao Zé Marcos, da Serra Sul Ecoturismo, de Urubici, por sua costumeira prestatividade ao ceder seu gramado para nossos companheiros gaúchos pernoitarem. - Ao casal responsável pela Fazenda Santa Cândida, em Bom Jardim da Serra, Sr. Assis e Sra. Izoé, pela hospitalidade. * * * * * * Integrantes da Expedição Getulio Rainer Vogetta / Otávio Luiz T. de Freitas / Thomas Ostermayer / Ingrid Ostermayer / Giancarlo Castanharo - Cover / Soraia Giordani / Sergio Augusto de Lima / Cirlene Carvalho / Luiz Delfrate / Zeca Reinert / Rodrigo Mioto (*) / Fernando Faria (*) / Marcelo Jucá / Tiago Korb (*) (*) “Trio ligeiro” – como relatado, se distanciaram do grupo principal já no primeiro dia e concluíram a travessia até o mirante da Serra do Rio do Rastro por volta das 14:20h de domingo, dia 10/06/2012 (4º dia), tendo caminhado cerca de 66 Km segundo os dados de seus GPS. O grupo principal percorreu nos 3 dias e meio de jornada cerca de 46 Km totais (aferidos em GPS), incluindo a exploração das bordas do Cânion Laranjeiras realizada no domingo, dia 10/06/2012. [linkbox]VEJA TAMBÉM: :: Album de fotos da Travessia (Getulio) - no Ipernity :: :: Tracklog da Travessia (até o Cânion Laranjeiras e exploração das bordas) - por Getulio :: :: Tracklog da Travessia (até Serra do Rio do Rastro) - por Tiago Korb :: :: Tópico mochileiro que originou a travessia :: :: Relato do Grupo KOT - Keep on Trekking, guiado pelo Graxaim e publicado no Trekking Brasil :: :: Relato Mochileiros.com - Mochilando no frio de julho pelo PARNA São Joaquim :: :: Blog da Associação Montanhistas de Cristo :: :: Site oficial do Parque Nacional de São Joaquim :: :: Wikipédia - Parque Nacional de São Joaquim :: .[/linkbox] . Vejam mais algumas fotos: .
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