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  1. Trevas, escuridão, sede, fome, gps inutilizado, água podre até o pescoço, lama para todo lado e numa fila de 5, dois otários se revezam, um na ponta e o outro fazendo às vezes de cu de tropa. Eu e o Vagner juramos um dia nunca mais pormos nossos pés novamente nas Restingas de Bertioga e agora nos encontrávamos justamente no lugar que prometemos nunca mais voltar. Havíamos partido quase 4 dias atrás para desvendarmos os mistérios de um rio Selvagem, descobrindo sua nascente, no longínquo Planalto Paulista e percorrendo-o até quase a sua foz, já na Planície litorânea e para escapar da fúria dos índios, resolvemos nos meter em mais essa furada, varando mato, mas nunca imaginávamos que, mais uma vez, o alagadiço litorâneo pudesse nos humilhar daquele jeito. Luciano Carvalho e os biólogos Fiorotto e Plácido, são os outros 3 trouxas que deixaram se levar pela ânsia da aventura e agora pagam o preço pela ousadia e com certeza, irão sair dessa empreitada mais bicho que homem. Há uma angustia grande sobre as costas de cada um daqueles aventureiros, são homens que ainda não desistiram porque não lhes sobrou essa opção, cientes de que é preciso continuar lutando, seguindo, navegando, mesmo que a saída não lhes pareça possível tão cedo. A ideia de fazer uma Expedição completa do Rio Silveiras, surgiu quando resolvemos subir a lendária Pedra da Boracéia e na verdade, naquela ocasião, o projeto inicial era subir a montanha e já despencar para o litoral utilizando o próprio rio como caminho, mas com um tempo curto e um grupo grande, acabamos por deixar esse plano para depois e desmembrar a travessia em duas partes, então subimos a Boracéia e voltamos pelo planalto mesmo, deixando o Silveira para uma próxima. Com a chegada do tempo quente, resolvemos que em novembro seria a vez de investir no Silveiras, mas o chamado de um amigo para outro rio icónico da Serra do Mar, nos fez mudarmos os planos e tentar juntar os grupos, mas o tempo virou e a previsão nos dava chuvas torrenciais para a região desse outro rio e aí um impasse se instalou: Metade queria continuar com o projeto, mas a outra metade achava que seria suicídio com aquele aguaceiro todo, principalmente no primeiro dia, que era o mais complicado. Conversas e debates acalorados começaram a dividir o grupo de vez, uns queriam ir, outros não, foi aí então que ressurgiu a possibilidade de retornamos os planos para o Rio Silveiras, já que o primeiro dia poderia ser feito com chuvas e a partir do segundo dia, a meteorologia já nos daria tempo bom para podermos enfrentar as gargantas. Egos inflamados e picuinhas desnecessárias de quem não quis abrir mão das suas convicções, fizeram o grupo rachar em três. A divisão ficou entre os que queriam descer um rio, entre os que aceitavam fazer o Silveiras e os que já não estavam a fim de fazer porra nenhuma. No fim, de quase 15, alguns picaram a mula e de um lado sobraram 5 para o Silveiras e outros 3 para o rio inicial e assim foi dado o start com dois grupos distintos, que um dos participantes rotulou em: Grupo dos Fudidos e Grupo dos Coxinhas, nós do Silveiras acabamos sendo esse segundo, claro, porque segundo ele, havíamos arregrado para o plano inicial, paciência, aceitamos a brincadeira e deixamos rolar.(rsrsrsr) O planejamento do Silveiras estava pronto, a intenção era ganhar o coração da floresta subindo o mesmo Rio do Alegre que nos deu acesso para uma rota inédita até o cume da Pedra da Boracéia e a partir da cabeceira desse rio, varar mato por uns 2 km até onde eu imaginei ter encontrado sua nascente, mas sem aquela certeza, então seria mesmo uma incógnita, um tiro no escuro achar essa nascente e a partir daí, despencar nas gargantas profundas e cânions vertiginosos até a planície litorânea, realizando um caminho inédito, uma verdadeira Expedição selvagem. Às nove da noite, na estação Tatuapé do metrô, lá me encontrava , sentado perto das catracas, quando apareceu os 4 cavaleiros do apocalipse com suas mochilas às costas e aí me juntei a eles e seguimos para a Estação Estudante, em Mogi das Cruzes. A chuva já havia dado novamente as caras e foi debaixo de um aguaceiro que tomamos o ônibus que vai para Salesópolis, que rodou um quarto do planeta até nos desovar bem no entroncamento com a ESTRADA DA PETROBRAS, fim de mundo perdido, junto a um boteco fechado, já que a noite já ia pela sua metade. Havíamos combinado o transporte com um taxista, velho conhecido de outra expedição, mas a notícia de que ele talvez não poderia nos levar para o nosso destino, começou a nos preocupar, ainda mais quando o Luciano fez menção de pegar o ônibus e retornar para São Paulo. Esses jovens parecem meio impacientes, querem resolver tudo de supetão, mas eu estava mais que decidido esperar o quanto fosse possível para por aquela expedição em prática e para nossa sorte, não levou nem 15 minutos e o taxista apareceu, e nos atiramos dentro do taxi, que saiu com lotação acima do permitido e fomos nos perder lá para as bandas do Bairro dos Pintos, 15 km de estrada de terra até sermos enxotados para fora do veículo, mas não sem antes morrer com uma garoupa, pagamento pelos serviços prestados. O Vagner era o cara que havia decorado o caminho de acesso para a trilha que nos levaria até o Poço Bonito, um atrativo do Rio Claro e realmente não demorou nem meia hora e lá estávamos nós, enfiados num caminho aberto e gostoso de trilhar, numa noite fresca, já que a chuva havia dado um tempo. Apertamos o passo e ganhamos terreno rapidamente, mas por pouco esse início de caminho não acabou se tornando numa tragédia: Entramos nessa trilha larga, descontraídos e eu nem perneira coloquei, já que logo acamparíamos e o descuido quase me fez ser picado por uma jararaca monstro, coisa que fazia tempo que eu não via, não daquele tamanho. Chegamos a pisar 2 dedos da boca dela e por muita sorte ela se manteve imóvel no meio da trilha e essa foi a deixa para eu me equipar com todos os equipamentos de segurança possíveis. Duas horas depois, desembocamos nas margens do Rio Claro. Poderíamos ter acampado na areia do Poço bonito, mas estávamos sem uma boa corda para montar um bivac mais elaborado, então decidimos usar uma clareira antes de atravessar o rio e ali a fizemos de nossa casa por umas 4 horas, tempo suficiente para dar uma descansada até que um novo dia surgisse, nos avisando que era hora de partir para aventura. (Poço bonito) Nosso caminho segue pela esquerda, subido o rio, ainda nos utilizando de uma trilha larga que vai nos levar até a Cachoeira do Poço Bonito, dessa vez um pouco mais cheia, devido às chuvas. Atravessamos o rio para a outra margem e nos enfiamos na mata, afim de ganharmos o alto da cachoeira e seguirmos subindo o rio, mas ao acessarmos a cabeceira, percebemos logo ser impossível ir pela margem do rio, que além de cheio, com vegetação impassável. O nosso objetivo era interceptar uma grande cachoeira que encontramos quando utilizamos esse caminho para a Expedição ao cume da Pedra da Boracéia e a partir dela, ganhar o afluente, subindo o Rio do Alegre para o sul até a sua nascente. ( Cachoeira do Poço bonito) Da esquerda para a direita - Plácido, Divanei, Luciano, Fioroto e Vagner. Azimutamos nossa direção para leste e fomos varando mato 100 metros paralelo ao Rio Claro, mas como eu havia marcado errado a posição da grande cachoeira, acabamos achando que havíamos cometido algum erro e ficamos desorientados. Eu e o Fiorotto tentamos voltar para o rio, mas não o encontramos mais, então foi aí que notamos o erro cometido e seguimos na direção proposta até desembocarmos de vez no Rio do Alegre, um pouco mais acima do encontro com o Rio Claro. A fim de mostrar a grande cachoeira para o Fiorotto e o Plácido, que não estiveram com a gente na subida da Boracéia, descemos o afluente por cinco minutos, interceptamos o principal e subimos por mais uns 10 minutos até tropeçarmos com a incrível CACHOEIRA PADRE DÓRIA, uma monumental queda d’água, conhecido por quase ninguém, além de nós e um ou outro caçador ou palmiteiro que por ali perambulem. ( Cachoeira Padre Dória) Voltamos para o Rio alegre e debaixo de uma chuvinha gelada, nos pomos a caminhar rio acima, transpondo pequenas cachoeiras, escalando barrancos baixos e as vezes nos metendo nas margens entrelaçadas por cipós e vegetação quase que intransponíveis. O rio vai subindo sem muito aclive, as vezes fundo nas curvas, outras vezes caminhávamos pela areia dentro do rio. Ao longo do dia a temperatura vai despencando e ter que passar com a água acima da cintura vai minando a gente. Uma hora ou outra, um trouxa tenta fugir de ter que passar pela água, se equilibrando em algum galho e faz a alegria da galera, quando despenca e vai bater com a fuça no fundo do rio gelado e como dizia o Plácido: “ Nossa menino, essa foi uma boa tainha que você deu”. Se referindo aos saltos dos peixes oceânicos. (Rsrsrsrsrs) (Rio do Alegre) O dia vai passando do mesmo jeito que começou, feio, embaçado e chuvoso. A gente vai definhando cada vez mais e não demora, alguns de nós já vão ao chão gritando com câimbras avassaladoras devido as temperaturas baixas. Pior que não podíamos nem reclamar, já havíamos previsto que aquele seria um dia para se fuder mesmo, mas a gente nunca está preparado para esses sofrimentos, então apenas caminhávamos, sem esperar nenhuma melhora, resignados com as desgraças do tempo. Nosso objetivo era chegarmos às cabeceiras do Rio alegre, bem onde ele passa por baixo das linhas de alta tenção e se fosse possível, continuar avançando para o norte e ganhar terreno para no dia seguinte conseguir acesso cedo a nascente do Rio Silveiras, mas diante do sofrimento coletivo, decidimos que acamparíamos embaixo da linha de transmissão, no mesmo acampamento que usamos para ir à Pedra da Boracéia. O nosso GPS nos diz que estamos perto, mas cada 100 metros percorridos, parece que estamos é retrocedendo e não avançando, talvez pelas curvas e meandros que o rio faz, se enfiando embaixo de árvores caídas, onde temos que nos rastejar, nos livrarmos de vegetação espinhosa, entrelaçada por cipós grudentos e as vezes dispostos sobre atoleiros. É nítido que estamos sofrendo, cada passo dado parece que arrastamos uma floresta nas costas. Todos não tiram os olhos do céu, tentando encontrar os fios da rede de alta tenção, como a buscar por uma salvação para suas almas, porque o corpo jaz numa penúria de dar dó, mas como não há sofrimento que dure para sempre, identificamos o barranco do lado direito que ao ser subido, nos levou à grande área de camping, com grandes árvores espaçadas, o Jardim do Éden se apresentou para nós, nos chamou para a Terra da felicidade. Vamos falar de felicidade: Só quem já passou por isso, por essas situações é que sabe o quanto de prazer se tem ao sair da tempestade dentro de uma floresta e correr para debaixo de um abrigo, tirar as roupas molhadas e vestir uma seca, não haverá nunca nenhum orgasmo que supere isso, podem lhe oferecer qualquer coisa, não vai querer mais nada senão vestir seu agasalho quentinho, parar de tremer feito vara verde. Essas situações sempre nos farão dar valor as coisas simples da vida, agasalho seco, comida quente, cama quentinha, é só isso que precisamos. Falando em comida, logo após instalarmos nossas redes, botamos fogo no fogareiro, mesmo ainda sendo antes das quatro da tarde, e fizemos um arroz, esquentamos um frango e um feijão, juntamos uns bacons, umas azeitonas, polvilhamos com queijo ralado e brindamos com suco de jabuticaba, isso sim é que é FELICIDADE. Depois da janta ninguém quis saber de mais nada, pulamos para nossas redes e nos demos como mortos. Como eu estava bem agasalhado, dormi muito bem, mas alguns sofreram com as baixas temperaturas da madrugada, mas no fim, 12 horas de sono teve o poder de renovar todo mundo. A noite foi sem chuvas e o dia amanheceu até que com uns raios de sol tímidos. Ás nove da manhã partimos e ao invés de continuarmos seguindo para o sul, resolvemos virar para oeste por um breve momento e subir até umas das Torres de Alta Tenção para termos uma visão mais ampla do terreno a seguir. (Pedra da Boracéia) Dez minutos varando mato, nos levou a campo aberto e outros dez minutos nos colocou debaixo da Torre. Eu e o Vagner escalamos, enquanto os outros se maravilhavam com a visão das encostas da Pedra da Boracéia. De cima da torre parecia um caminho fácil, mas ser enganado pelo terreno já era rotina, então nos posicionamos novamente para o sul e fomos seguindo o caminho que eu havia traçado sobre o mapa topográfico. No começo comemos logo uns bambus, mas logo o terreno se alternou em florestas de bromélias em meio a campos abertos e matas fechadas, subindo e descendo vales, cristas e travessias de pequenos rios ou charcos pantanosos até que nos elevamos o quanto deu e quase 2 km desde o acampamento, avistamos um fundo de vale cortado no terreno e lá embaixo imaginamos que poderíamos encontrar a fascinante NASCENTE DO RIO SILVEIRAS. É surpreendente como se pode pegar um rio com as mãos, pela nossa posição no mapa, nos confins perdidos dessa parte da Serra do Mar Paulista, é muito provável que homem jamais tenha pisado por aqui, muito porque, pela dificuldade de acesso, não há um só vestígio de caçador e muito menos palmiteiros e três dedos de água dão vida a um dos rios mais espetaculares do Estado de São Paulo. Eu fiquei imensamente feliz de encontrar essa nascente, estava apreensivo de não ter feito o trabalho de mapas como deveria, mas localizar esse rio já me fez estar com o dever cumprido, agora era segui-lo quase até a sua foz, tarefa e responsabilidade de todos. ( Nascente do Rio Silveiras) Estamos emersos dentro de um vale profundo, no centro de uma montanha de onde um rio acabara de nascer e o único caminho possível, era para baixo. No início perdendo altitudes aos poucos, passando por baixo de árvores caídas, donde um rio com água pela canela começava a ganhar corpo ao receber pequenos afluentes, que lentamente vão rasgando a rocha ao meio, furando o terreno que vai se abrindo cada vez mais. O caminho traçado no mapa nos dava conta que mais à frente o rio faria um cotovelo para a direita, voltando para a direção sul, mas antes de lá chegarmos, foi preciso desescalar algumas paredinhas, onde alguns se esgueiravam feito o homem aranha para não cair na água fria e passado esse trecho, foi hora de nos determos por um instante para um lanche rápido e para revermos nosso roteiro. De todos os trechos que eu havia estudado no mapa, esse primeiro grande desnível na cota dos 900 metros, era o que mais me preocupava e quando fizemos a curva para o sul e perdemos um pouco de altitude, nos deparamos com esse desnível. Era algo assustador, como chegar ao inferno e saber que não tardaria ser apresentado ao diabo. Um despenhadeiro absurdo, do qual não conseguíamos nem ver o fundo. Talvez os meninos mais novos tenham ficado ainda mais impressionados, mas eu e o Vagner já estávamos calejados de nos deparar com tais situações e logo traçamos um plano pela esquerda, que era o de perder altitude aos poucos, procurando patamares que pudesse ir nos baixando lentamente. Pela esquerda era o caminho, desceríamos escorregando e nos agarrando ao Deus árvore, enquanto houvesse um, estávamos protegidos de cair nas entranhas do inferno. Atravessamos o rio e ganhamos, portanto, a esquerda e logo de cara o Fiorotto e o Plácido fizeram com que nos detivéssemos imediatamente para apreciar um exemplar raríssimo de sempre viva da Mata Atlântica. Eu mesmo, com tantos anos de andanças na Serra do Mar, não me lembrava de ter visto uma sempre viva daquelas, mas a visão dos biólogos é diferente de nós, simples exploradores, então se vi, não me lembro, mas apreciamos a espécie e as aulas dos nossos professores. Chegamos mais abaixo no cânion, talvez descemos uns 60 metros e fomos nos apoiar em um patamar a beira de outro abismo potencialmente perigoso, tiramos uma foto e partimos novamente pela esquerda até cairmos novamente em uma laje monstruoso, que despencava para mais uns 100 metros de desnível. Pensamos logo que agora o melhor caminho seria pela direita, já que o próprio rio mudaria de rumo e viraria também para a direita, mas ao invés de cairmos novamente mato à dentro, surpreendentemente consegui me enfiar em uma fenda e fui abrindo caminho, desescalando metro à metro, me valendo de fissuras que desafiavam nossas habilidades de escaladores selvagens e quando a curva se aproximou, aí sim caímos para o mato e despencamos mais uns 30 metros até nos vermos novamente à beira do rio, agora mais manso, mas ainda continuando a furar a rocha, se enfiando no submundo do terreno, formando cavernas e grutas, onde éramos obrigados a nos arrastar feito ratões do banhado e ganhar a escuridão até voltarmos a ver a luz do dia. A luta foi grande, não chovia, mas também não fazia sol e o avanço era lento e moroso, sempre nos pegávamos em dificuldades, mas estávamos todos animamos e a diversão era certa. Passamos o resto do dia desescalando pequenas cachoeiras e grandes lajes, ainda tendo que nos metermos dentro de cavernas e hora ou outra tendo que escorregar à beira de desníveis consideráveis, alguns mais corajosos se enfiavam em alguns poços, mas eu queria mesmo era chegar no acampamento com o roupa o mais seco possível, mas as vezes um descuido já nos fazia cair de novo dentro do rio e as “tainhas” eram inevitáveis. Quando passou das 4 da tarde, foi hora de consultar nosso gps e analisar bem o terreno e chegamos a conclusão de que o único lugar possível para se acampar seria lá pela cota 650. Onde o terreno se abriu com linhas mais espaçadas e realmente quando lá chegamos, não demorou muito, localizamos do lado direito uma área bem favorável, uma espécie de ilha do lado direito, um terreno plano entre dois rios, quase uma “ Mesopotâmia” em plena selva e ali naquele lugar extremamente favorável, montamos nossas redes e nos pomos a cuidar do jantar. Agora estávamos acampados num lugar excelente, descansados, felizes por tudo ter dado certo. Éramos um grupo totalmente descontraídos, as piadas eram inevitáveis e os causos iam surgindo aos montes, histórias de aventuras passadas e algumas mentiras cabeludas também. Os novos integrantes se mostraram totalmente ambientados e pareciam velhos companheiros das antigas. Plácido, coitado, de nome de cantor de ópera, ganhou logo o apelido de TAINHA, de tanto ficar zuando o coitado do Vagner que abusou de se fuder em tombos memoráveis na água. Luciano Carvalho resolveu gastar a bateria do GPS colocando uma musiquinha e mesmo que isso não tenha influenciado em nada no final da expedição, iria pagar com a zueira eterna quando a bateria do seu celular simplesmente desfaleceu na hora mais crítica da expedição. O certo é que foi mais um acampamento memorável e para agradecer a ilustre presença do Fiorotto, outro que veio abrilhantar nosso grupo, eu e o Vagner o convidamos para ser nosso convidado no jantar e depois que, quase morremos de tanto comer, ficamos até tarde da noite jogando conversa fora, perdidos em algum lugar selvagem, completamente longe da civilização, onde macacos gritam ao longe e outros animais selvagens desfilam livremente sem ser incomodados por ninguém, onde a vida segue, como sempre seguiu, desde que o mundo é mundo e era muito provável que não houvesse um só homem mais isolado em todo o Estado que esses 5 aventureiros metidos a exploradores e que estavam ali por escolha própria, pela simples paixão que nutrem pela Aventura Autêntica. Um novo dia nasceu, cheio de raios de sol enganadores. Foi uma noite tranquila e acordamos bem-dispostos, mas uma coisa me deixava muito preocupado: Estávamos na altimetria 650 e tínhamos apenas um único dia pela frente para sairmos na civilização e jamais, em todos esses anos de expedição, conseguimos descer tantos desníveis em um só dia e eu particularmente desacreditava que até a noite terminaríamos aquela jornada. O Luciano achava que sim, achava que poderíamos avançar muito. Às vezes eu até chegava a concordar com ele, me valendo da possibilidade de encontrarmos trilha fácil lá pela cota 200 ou 250, imaginava que os índios poderiam subir até essa altimetria guiando algum turista até as grandes cachoeiras ali localizadas, mas era pura suposição. Tomamos café e partimos. É sempre um grande sacrifício ter que se jogar logo de cara para dentro da água fria àquela hora da manhã. A gente vai tentando fugir dos lugares mais fundos, mais hora ou outra, alguém dá logo uma “tainha” e solta um palavrão, mas quando a coisa aperta mesmo, rio vira caminho para evitar vara-mato desnecessário. Vamos perdendo altitude lentamente até que um mundo de abre a nossa frente, dizendo que a moleza acabou e é hora de voltar a se enfiar nas gargantas novamente, mas a visão do mar que se descortina no horizonte, anima todo mundo, é uma visão tímida, mas lá está a ilha Montão de Trigo para nos dizer para que lado fica a nossa saída. Os desníveis são vencidos com muita dificuldade, é uma pulação de pedra sem fim, mas o que está por vir causa ansiedade na equipe e caímos novamente para o mato a fim de escaparmos de um desnível monstruoso, de onde uma cachoeira se afunila em gargantas impassáveis, até que subitamente desembocamos numa cachoeira mais larga, com um poço nos convidando para um mergulho, hora de largar tudo, abandonar mochilas ao chão e correr para o deslumbramento. Os meninos se deliciam feito crianças, mergulham naquela água de uma pureza incrível, onde talvez homem nenhum jamais tenha se banhado ou se alguém aqui chegou, não contaram para ninguém, mas isso pouco importa, porque naquele momento erámos donos absolutos daquele lugar único e a satisfação de poder estar ali depois de mais de 2 dias de jornada selvagem, nos deixava numa felicidade inenarrável. Nossa descida vai se estender até nos depararmos com os grandes desníveis da cota 500 e essa era mais uma parte do rio do qual temíamos muito e ele não nos decepcionou, o rio se enfiou novamente numa sequência de gargantas, formando cachoeiras cênicas ,mas ao tentarmos fugir de um despenhadeiro assustador, acabamos nos metendo num caminho sem volta, ao descermos uma parede pendurados numa fita de escalada que havíamos levado para uma segurança providencial. É preciso deixar bem claro que a gente não carrega conosco nenhum equipamento para rapeis ou coisa desse tipo, muito porque, a proposta é fazer a descida no modo sertanista, livre, usando nossa capacidade de improvisar e descobrir rotas possíveis que nos faça avançar sem a necessidade de equipamentos mais elaborados. Então ter descido aquela parede potencialmente perigosa quase foi o nosso fim. Nos vimos presos, sem ter quase como voltar e sem ter como avançar, como se estivéssemos na proa de um navio, sem poder descer ao chão, aliás nem o chão eu conseguia avistar de onde estávamos. O Vagner seguiu e eu fiquei dando cobertura, até que ele encontrou uma grande árvore na diagonal que poderia nos levar para baixo, mas sem nenhuma certeza. O Vagner entrou no grande galho, abraçando o tronco e foi perdendo altura, seguro apenas em uma fita mequetrefe, segurada por mim apenas para dar uma segurança psicológica. Aquilo não parecia que daria certo e a chance de dar merda estava clara. Se ele caísse levaria eu junto. "Volta filho da puta", pensei baixinho, mas o desgraçado foi. Enquanto segurava a fita, tentava encontrar o chão em meio a vegetação que abraçava aquele galho mequetrefe. A fita chegou ao fim e o Vagner continuou descendo e eu gritando para ele tomar cuidado e não se ariscar tanto, enquanto os outros três continuam mais acima, pendurados à beira do precipício. Vagner parecia uma dançarina de poli dance, pendurado num pau a uma dezena de metros do chão e minha angustia com certeza era muito maior que a dele, porque eu não enxergava coisa alguma, mas quando ele gritou que havia chegado, meu coração desacelerou por um segundo, mas quando me lembrei que o próximo seria eu, voltei a ficar angustiado. Me pus a escorregar encima do tronco, me agarrando a um arremedo de fita, até que ela própria me abandonou. A barriga vai raspando na árvore cheia de protuberâncias, mas isso acaba por não ter importância nenhuma, a gente não quer é cair e mesmo que a pele vá se desintegrando pelo caminho, a gente pouco vai sentindo, porque nosso cérebro está condicionado a fazer com que a gente sobreviva. Lá de baixo o Vagner vai orientando e quando o sofrimento chega a sua metade, é hora de mudar de posição e tentar se livrar da vegetação que já te abraçou e quase enrolou no seu pescoço e não tem jeito, é se soltar e escorregar até o chão e ir chorar em um canto, o monte de hematomas que acabamos de ganhar, enquanto assiste mais 3 indivíduos passar pela mesma coisa. Voltamos a labuta, agora perdendo altitude até que rapidamente, brincando de escorregar em lajes de pedra, tentamos manter o ritmo constante até o próximo objetivo, que seria o encontro com uma grande afluente que vinha da esquerda. Na carta topografia do exército constava como Rio Una, mas aí também temos uma confusão geográfica onde alguns dizem que o próprio rio teria esse como nome oficial , mas em outras cartas e mapas o Nome SILVEIRAS é o que impera e os próprios índios o chamam assim, então é mais do que justo que respeitemos o nome dado pelos nativos. Encontrar esse grande afluente do Silveiras nos dá uma alegria na alma, é saber que se nada mais der errado, poderemos sair ainda hoje próximo à civilização. Estamos na altimetria 300 e o rio corre manso e desimpedido, dando um refresco momentâneo para nossas pernas. É uma caminhada gostosa e as conversas voltam a fluir, enquanto observamos aquele cenário único. Grandes poços esverdeados começam a cruzar nosso caminho e isso faz a alegria da galera que se precipita para dentro, numa algazarra barulhenta. A metade do dia já se foi faz tempo e a tarde já se avizinha, quando subitamente tropeçamos numa parte aberta do rio. Estávamos na Cota 200 quando uma laje gigantesca se apresentou à nossa frente. Era um escorregador monumental e sem nem pensar, corremos ao seu encontro e deixamos que a força da gravidade nos conduzisse para baixo. É o homem voltando a suas origens, é o ser barbado se desvencilhando das obrigações de macho sério e voltando a se divertir como criança e é para isso que viemos, para sermos nós mesmo, sem carregar peso nenhum imposto pela sociedade, somos homens livres para fazer o que quisermos, somos passageiros da felicidade, vivendo num mundo de sonhos. Pensando ter acabado, eis que na sequencia dessa laje inclinada, uma grande cachoeira em forma de tobogã veio nos dar as boas-vindas. O queixo caiu e não demorou para que alguém tocasse o foda-se e se jogasse no meio da queda indo parar dentro do grande lago esverdeado, emoldurando a CACHOEIRA DO TOBOGÂ. Naquela hora, estando naquele lugar mágico, nos esquecemos de todos os perrengues passado em toda expedição e nos jogamos de cabeça ao ócio e ao divertimento. Aquilo sim era um poço de respeito e ninguém queria arredar o pé de lá, mas foi preciso avisar a galera que tínhamos um objetivo de sair ainda hoje daquele vale e era preciso se adiantar, porque não era possível ser feliz para sempre. O Caminho seguiu sendo pontuado por vários outros poços, lajes inclinadas, corredeiras deslumbrantes até que tivemos que fazer um pequeno desvio para ganhar o alto de mais uma cachoeira, que até então não sabíamos sua dimensão. Era alta e larga, mas da posição superior, a visão ficava prejudicada. Resolvemos que o melhor caminho para descer até sua base seria pela esquerda, mas ao tentarmos passar rente a queda, ficamos presos em um abismo considerável e retornamos a fim de transpormos uma grande rocha e perder altura pelo outro lado. Escalamos o meio dessa rocha monumental e deslizamos como deu, nos segurando numa vegetação rala. Eu e o Vagner íamos à frente, tentando encontrar um caminho para descer, escolhendo a dedo algumas árvores espaçadas e torcendo para que fossem firmes, caso contrário, a chance de despencar no vazio era enorme. Dei apoio com uma fita para que o Vagner e o Tainha dessesse até a próxima árvore, mas quando escorregaram, levaram toda a vegetação e nos deixou órfãos sem ter onde nos apoiar. Atrás de mim ainda restavam o Fiorotto e o Luciano, que tentam se apoiar em qualquer coisa para não despencarem. Tentei buscar algo para me segurar, mas sabia que se deslizasse, só poderia me salvar abrindo as pernas e parando uns 4 metros abaixo em uma árvore isolada, mas se erasse a direção era o meu fim. O corpo é invadido por um caminhão de adrenalina, a gente começa a se perguntar porque se mete nessas encrencas. Por sorte consegui achar em meio a vegetação um galho que se estendia até um pouco mais abaixo e quando ele acabou, deslizei bonito, mas meu coração quase parou. Segurado na árvore isolada, só fiz xingar e amaldiçoar toda a geração do desgraçado que resolveu escolher esse caminho dos infernos. Orientei os meninos que vinham logo atrás sobre o galho e desci rapidamente para tirar satisfação com os safados, mas quando lá cheguei, só conseguir dizer: PUTA QUE O PARIU, QUE CACHOEIRA É ESSA MEUS AMIGOS! O Espetáculo em forma de água despencando da rocha. CACHOEIRÃO DO SILVEIRAS é daquelas quedas d’águas que nos deixa sem palavras, um monstro em um vale aberto, com um véu cobrindo quase toda a extensão da parede. Quando todo o grupo se juntou ali na cota 180, era impossível não ver um sorriso no rosto de cada um daqueles exploradores modernos e mesmo a gente sabendo que possivelmente um ou outro índio suba até ali, a sensação era a de conquista, de quem havia partido de terras longínquas, enfrentado terrenos hostis só para se pôr à frente daquela maravilha aquática. Tudo ia bem, a gente estava animado, fisicamente ninguém dava sinal de algum problema, se não uma dorzinha aqui, outra ali, tudo normal, mas era hora de apertar o passo, nos preocupávamos de não conseguir sair naquele dia, e sem podermos nos comunicar com o mundo externo, corrermos o risco de alguém querer acionar o resgate, pensando que estávamos em apuros. Jogamos as mochilas às costas e apertamos o passo, pulando pedra e se jogando dentro do rio, descendo lajes e barrancos. Num determinado momento, eu ia à frente, hipnotizado por um grande poço mais à baixo, quando ouvi uma gritaria: Alguém desesperado se batia tentando se livrar de um ataque de vespas. Corri o quanto pude na intenção de me jogar no poço, mas vi logo que o ataque havia cessado. Mais uma vez, “novamente de novo”, outra vez, o mesmo infeliz de sempre, foi agraciado com três picadas no rosto. Esse Vagner parece ter o poder de atrair as desgraças para si, nunca vi, todo raio parece cair na cabeça dele. (Rsrsrsrsrsrsrsr). Paramos para socorre-lo, um comprimido aqui, uma pomada ali e logo ele parou de gritar, pelo menos dessa vez estávamos com a medicação para esse tipo de acidente, outras tragédias nos ensinaram o caminho das pedras. O dia vai findando e nada de encontrarmos as tais trilhas que pensávamos existir, aliás, em nenhum momento vimos qualquer vestígio de passagem humana perto das cachoeiras, nada que denunciasse que os índios trouxessem algum turista para conhece-las e não é de se entranhar, porque não há nenhuma facilidade para chegar até a cota 200. Continuamos descendo, elogiando os inúmeros poços translúcidos até que baixamos para cota 50, onde localizamos a primeira pegada humana em 3 dias de caminhada e não demorou muito, interceptamos do lado direito do rio, uma trilha larga e bem consolidada. Passava pouco das cinco da tarde e em mais uns 15 minutos, desembocamos numa bifurcação, onde o rio já é manso e sem nenhuma pedra aparente. Sabíamos que para a direita poderíamos encontrar a TRIBO SILVEIRAS, não mais de meia hora nos levaria direto para o encontro deles e de la até a Rio- Santos. Era mais uma caminhadinha fácil e rápida, mas havia um, porém, que deveria ser levado em conta: Estaríamos invadindo terras indígenas, onde relatos antigos davam conta de que alguns brancos haviam sido achacados por alguns índios, obrigados a pagarem o que não tinham, para serem liberados. O pior não era isso, estaríamos reféns das vontades deles, afinal de contas, éramos os invasores e não adiantaria chamar a polícia, chamar a mãe, ou chamar o que fosse, estaríamos sujeitos a apanhar de todo mundo. Então o melhor a fazer era deixar esse povo em paz, procurar outra saída, nem que fosse para se fuder para outras bandas. Pegamos um caminho para a esquerda, o oposto da direção da tribo e fomos seguindo paralelamente ao rio Silveiras. Acontece que eu já havia previsto tudo isso no planejamento e havia marcado um caminho para varar mato direto para a Rio-Santos, seguindo sempre para o sul, muito porque não sabíamos se poderíamos ter problemas com aquela trilha que se dirigia para leste, poderia ela cair dentro de alguma fazenda, alguma propriedade particular, então o melhor era cair no mato logo e enfrentar tudo no peito, mas estávamos enganados, pagaríamos um preço alto por isso. Paramos para decidir o que fazer e ao olhar aquele mato ralo, com grandes árvores espaçadas, mais parecendo um bosque, não tivemos dúvidas, miramos nossa direção para o sul e adentramos na floresta cantando e fazendo festa, tudo estava se encaminhando para um desfecho glorioso, logo estaríamos no litoral e lá comemoraríamos mais uma conquista inédita. No início eu ia à frente, com o Luciano na retaguarda dando a direção correta, consertando a rota com o GPS e com a bussola. Caminho desimpedido, parecia até estarmos numa estradinha antiga e abandonada, mas logo ela começou a atravessar uns charcos, uns alagados enlameados, tínhamos que mudar constantemente de direção para poder passar. O terreno foi piorando, bambus foram tomando conta de tudo, a noite caiu numa velocidade impressionante e os rostos começaram a ficar carrancudos. O revezamento de quem ia na linha de frente se fez necessário porque era um esforço descomunal para passar e aos poucos fomos nos dando conta do tamanho da encrenca que estávamos enfrentando. Eu e o Vagner nos olhávamos, mas nada dizíamos, nem precisava, sabíamos que mais uma vez, num mesmo ano, havíamos caído nas temidas RESTINGAS DE BERTIOGA. Aquele terreno não é coisa para ser humano, uma área alagada e pantanosa, onde bromélias espinhudas e cipós navalha vão destruindo a parte psicológica. Não se consegue andar, qualquer passo dado é uma energia brutal que se gasta, o aventureiro vai definhando aos poucos até chegar num estado em que já não sabe nem mais o que é, se é gente ou se é bicho. Eu olhava na cara do Plácido Tainha e ficava era com pena, parecia estar sofrendo muito, mas nem falava nada, eu mesmo já estava sofrendo tanto quanto ele. A gente não progredia, o GPS cada vez mais com as baterias se esvaindo. Hora ou outra, rodávamos em círculos porque era preciso mudar rápido de direção e isso nos desorientava momentaneamente até conseguirmos voltar para o rumo. A água acabou, só liquido podre é que abundava. A fome era tanta que já tinha gente comendo miojo cru. Eram míseros 2 ou 3 km de vara-mato, mas as distancias pareciam maiores que atravessar a Floresta Amazônica. Tentávamos chegar as margens do Rio Verde, um rio que se junta e dá vida a um tal de Una, sei lá , outro Una, uma confusão de nomes que não vem ao caso, mas antes de acharmos esse rio para cruzá-lo, onde achávamos que encontraríamos um terreno mais favorável, o GPS morreu de vez, MISERICÓRDIA, o Fiorroto havia dito para não ouvir musiquinha no acampamento.(rsrsrsr) Nem as trevas eram mais escuras que aquela floresta, as lanternas foram acesas, mas agora sem gps, o bicho ficou feio, apelaríamos para uma invenção milenar chinesa, era hora de navegar com a bussola. Ninguém andava, apenas se arrastava na lama, as vezes com a àgua na cintura. Achamos o rio que procurávamos, mas um pouco abaixo de onde me pareceu haver um tronco para poder atravessá-lo, mas por sorte conseguimos passar com a água pela cintura e subir até o ponto marcado. Encontramos o tal caminho aberto que pensávamos ser uma estrada, mas que na verdade parecia mesmo um grande aceiro de linha de transmissão de energia, mas sem nenhuma torre. Acontece que nesse local, que poderia nos dar passagem, o mato era gigante, com áreas tão alagadas quanto a anterior e para piorar, a floresta havia tomado conta novamente e a gente descobriu que havíamos saído de um inferno para entrar em outro. No começo até parecia que avançaríamos fácil, mas foi pura ilusão e agora além de arrastar uma floresta no peito, vez ou outra caíamos numa vala de córrego que tentava sugar quem lá despencava. Teve uma hora que eu fazia as vezes de cu de tropa, quando pedi passagem para ir à frente, porque a fila não andava e quando lá cheguei, ví todo mundo exausto, quase desmaiados e o Vagner estropiado depois de ter aberto um pouco de mato, teria sido melhor apanhar de índio. Assumi a dianteira, mas o arrependimento não durou nem 5 minutos para vir. Conseguimos achar um pouco de bateria em um dos nossos celulares e o Luciano foi nos guiando com a bussola, mas tudo parecia interminável, a escuridão da noite diante das lanternas já meia boca ia transformando tudo num sofrimento quase inaguentável e não demorou muito para alguns começarem a surtar. Ninguém mais se entendia quanto a direção, a gente não progredia mais, a gente se arrastava no lamaçal e no mato intransponível e foi hora de alguém dar um grito e por ordem naquela bagunça. O relógio já se aproximava das 10 badaladas noturnicas. Eu voltei a ser cú de tropa, estava extenuado, nem dava mais palpites, apenas me deixava ir e assistia as investidas que eram dadas nuns lírios do brejo com mais de 3 metros de altura, o máximo que eu fazia era indicar o caminho a seguir porque consegui mais um pouco de bateria no meu celular e acompanhava o caminho no aplicativo de gps. Ao longe, uma luz denunciava que a Rodovia Rio-Santos estava próxima e aí achamos energia sei lá de onde para prosseguir e quando subimos o barranco, caímos bem em um ponto de ônibus. Éramos bicho, éramos réptil, éramos qualquer coisa, mas homens é que não éramos. Cinco seres fedorentos e grudentos se abraçaram, como a agradecer uns aos outros pela oportunidade da aventura vivida, entraram nessa expedição amigos, saíram uma família. Já passava das dez horas da noite e a gente não tinha forças nem para tirar a roupa molhada e fedorenta, ficamos ali, largados e desmontados no chão por um bom tempo, até que surgisse alguma energia para nos recompor e quando apareceu um ônibus na escuridão da noite, subimos nele, mas ele apenas nos deixou na próxima praia, que era a da Boracéia, em frente a um condomínio de luxo, mas nesse trajeto conhecemos dois garotos da comunidade local e eles ficaram maravilhados quando contamos de onde vínhamos . Os meninos se foram e nós ficamos largados em plena madrugada fria numa rodovia deserta. Sem nada mais para comer e sem esperanças de chegar em Bertioga, ficamos ali parados em mais um ponto de ônibus, esperando que o destino nos mostrasse uma solução. Foi aí que do nada, os garotos apareceram em suas bicicletas caiçaras e surpreendentemente nos abasteceram com um monte de lanches e salgados, que eles compraram sabe-se lá onde e do mesmo jeito que aparecerem, sumiram das nossas vistas e para gente não restou outra coisa senão a de voltar novamente a acreditar na humanidade. Pouco depois da uma da manhã, nossa esperança de voltar para casa acabou de vez. Sem ter o que fazer, resolvemos acampar na praia, porque o desespero é que move o homem em suas atitudes e se a lei proíbe camping selvagem na areia, o desespero e o sono justificam a desobediência civil, então fizemos um bivac junto de umas árvores e ali, diante daquele oceano imenso, nos jogamos para debaixo da nossa mansão plástica até que um novo dia rompesse e nos trouxesse a esperança de retornarmos para Bertioga e quando lá chegamos, embarcamos às oito da manhã para São Paulo e cada um foi se perder para um canto da região metropolitana e eu voltei para minha aldeia, no interior Paulista. Essa Expedição ao Vale do Rio Silveiras acabou por nos ensinar uma lição muito valiosa; mais uma vez tivemos que resistir e continuar enfrente, mesmo quando tudo parecia sem uma solução aparente. Resistir ao frio inclemente, debaixo de uma chuva fria e dentro de um rio de águas geladas e depois chafurdados a noite, numa lama fétida, sem comida e sem água potável, sendo devorados por mosquitos e mutucas e expostos a mais baixa humilhação que a natureza pode nos jogar às costas. Fomos atrás de aventura e realmente a encontramos de uma tal forma, para nunca mais esquecermos, mas isso é coisa que a gente já sabia, entrar na SERRA DO MAR PAULISTA é ter a oportunidade de se reencontrar como espécie humana, é viver uma vida de intensidades, é mergulhar atrás da AVENTURA AUTENTICA, que há muito tempo foi engolida pela mediocridade da nova civilização moderna. Divanei – novembro/2016
  2. EXPEDIÇÃO VALE DO ITINGUÇU Foi numa tarde quente e chuvosa de verão que eles surgiram. Nove homens desembocam de supetão na extraordinária e turística CACHOEIRA DO PARAÍSO, nos domínios da JURÉIA. Toda a ação é assistida por uma multidão que fica perplexa, sem se darem conta do que está acontecendo. Um burburinho toma conta do lugar, homens, mulheres, crianças e velhos tentam entender de onde surgiram aqueles extraterrestres de coletes, perneiras, capacetes e mochilas estanques com equipamentos de escalada a tira colo. Os salva-vidas do parque ficam paralisados, sem ação, só fazem acompanhar com os olhos um a um dos exploradores descerem a escadinha de madeira e depositarem suas mochilas ás margens do grande POÇO VERDE e se atirarem na água, nadando para o outro lado até se posicionarem embaixo da queda da cachoeira. Nada disso havia sido combinado e o grupo foi tomado por um sentimento avassalador de satisfação e conquista e ao se juntarem, se abraçaram e comemoraram juntos, como jamais haviam comemorado antes e o aniversariante do dia não se conteve e escondidamente deixou escapar umas lagrimas em meio àquela enxurrada de emoções e agradeceu por estar vivo para apreciar aquele momento único. (Uma das Grandes Quedas do Itinguçu, no centro da Mata Atlântica, quase 2 dias da civilização) Já fazia muito tempo que eu deslumbrei a possibilidade de explorar às nascentes do Rio Itinguçu, o rio conhecido por abrigar a fenomenal CACHOEIRA DO PARAÍSO, uma das maiores atrações do entorno da Reserva Ecológica Juréia-Itatins nos domínios de Peruíbe, mas foi procurando um caminho para chegar ao cume da serra que descobri uma possível passagem que poderia nos levar a montar uma expedição que pudesse descer aquele vale selvagem e desconhecido. Por incrível que pareça, esse projeto foi parar em um canto esquecido do meu computador após tomarmos ciência de um pico selvagem e deslumbrante que servia como guardião das nascentes do rio, então deixamos de lado a aventura aquática e nos embrenhamos no meio da floresta até alcançarmos o cume perdido do Morro das Três Pontas. A expedição ao cume do pico Careca foi um sucesso e a partir daquela conquista, estabelecemos também um caminho viável para um dia tirarmos o Vale do Itinguçu do anonimato. (Cume Motchaka-Morro das Três Pontas) Eu já estava propenso a me enfiar em outros vales, quando parte do nosso grupo insistiu que a gente deveria pôr fim à novela do Vale do Paraíso, que era como vínhamos chamando aquele vale perdido até então,no feriado do Carnaval. Num primeiro momento dei uma titubeada por achar a logística partindo da cidade de Itariri muito complicada por ser um município perdido no Vale do Ribeira e sem transportes regulares partindo do interior Paulista ou mesmo da capital e quando os caras botaram os planos sobre a mesa , foi aí que me dei conta que a logística era mesmo uma grande merda: Teríamos que dirigir com nossos carros até lá na véspera do grande feriado e depois de tentarmos atravessar o vale, ainda teríamos que retornar para resgatar os veículos que ficariam aonde o Judas cagou nas botas. Bom, como não sou explorador de arregar pra coisa nenhuma e sabedor de que se não fosse agora perderia a chance de escrever também meu nome na história, dei uma garibada no velho NIVA 4X4 , apanhei o Vinícius e o Alexandre no centro de Sumaré e rumamos para a cidadezinha de Itariri que fica a uns 300 km de casa, mas antes paramos no meio do caminho para dar uma carona para o Gersinho, que era um dos que estavam na expedição ao Morro das Três pontas. A outra metade do grupo, todos da região metropolitana de São Paulo decidiram sair só na manhã do sábado e nos encontrar na cidadezinha antes do meio dia. Ao chegarmos à primeira entrada de Itariri, viramos para a direita e fomos rumo ao bairro da Igrejinha, sempre seguindo paralelos ao Rio Azeite e, ao atravessarmos a grande ponte, nos mantivemos a esquerda e ao chegarmos a um ponto de ônibus, alguns metros depois, deveríamos também continuar nos mantendo a esquerda, mas nosso navegador bobeou e fez com que pegássemos o caminho errado e fossemos nos perder no meio do nada, numa estrada sem saída em meio a escuridão daquela madrugada quente. Já passava das 4 da manhã, eu estava tombando de tanto sono e não houve nada que fizesse com que a gente voltasse para o nosso rumo, então encontramos um motoqueiro fantasma e ele nos guiou para fora do labirinto e nos deixou novamente depois da grande ponte do Rio Azeite e logo à frente um boteco abandonado, com uma grande cobertura, nos serviu de hotel pelo resto da noite e o tal QUIOSQUE DO BURRO acabou por se tornar uma escolha bem inteligente. Quando o dia clareou, o Vinícius já fez logo um pampeiro para que a gente levantasse. Me levantei, mas não deixei de protestar porque pensava em dormir até um pouco mais tarde e mesmo ainda com muito sono, dar de cara logo cedo com aquele rio espetacular, já faz com que o nosso humor se eleve rapidamente. A parte paulistana do grupo já nos sinalizou que só chegaria perto das 11 da manhã, então aproveitamos o tempo ocioso e voltamos até o centro de Itariri para um café reforçado e quando o bucho encheu, voltamos para perto do Quiosque do Burro, junto à uma ponte pênsil e lá ficamos até que que o resto do grupo se juntasse a nós. Antes do meio dia os meninos paulistanos aparecerem e é sempre um grande prazer rever esse bando de malucos vindos de todos os cantos da cidade e de outros municípios vizinhos. Silvester Natan, Daniel Trovo, VGN Vagner, Paulo Potenza e Rafael Soares, todos com uma alegria irradiante e felizes por estarem ali prestes a darem início a mais uma Expedição Selvagem, sem a certeza do rumo que aquela brincadeira tomaria, sem saber se aquela loucura chegaria bem ao seu final, mas todo mundo consciente de que cada um estaria por conta e risco, sabedores dos perigos que tal empreita envolveria. Com o dia claro, não tivemos problemas para encontrarmos a fazenda de bananas que procurávamos e seria nosso ponto de partida, a mesma propriedade do qual havíamos conquistado o cume do Morro das Três Pontas no ano passado, que por sorte, acabamos virando amigos do administrador que já havia nos dado o aval, deixando a gente estacionar nossos veículos na casa dele. Essa expedição tinha uma característica diferente das outras, desta vez teríamos que subir uma montanha com um desnível enorme para depois tentarmos navegar varando mato no peito até encontrarmos a nascente do RIO ITINGUÇU. Já conhecíamos o caminho até o topo da montanha, mas ainda discutíamos se era melhor varar mato em linha reta e ganhar precioso terreno ou tentar seguir por uma antiga trilha de caçadores e palmiteiros, que bordejaria o rio da Usina dos Ingleses, uma ruina perdida no meio da selva. Lá pelas 13 horas jogamos às mochilas às costas e partimos, mas me chamou a atenção o excesso de equipamentos que alguns carregavam, claro que eu já sabia qual era a intenção deles, mas me mantive sereno, já que essa foi uma discussão que eu havia perdido. Abandonando a casa do administrador, seguimos enfrente pela estradinha que ia ganhando altura aos poucos. O grupo se dividiu em dois e a pernada inicial foi servindo para botar os papos em dia, até que vinte minutos depois somos obrigados a abandonar a estrada em uma curva e adentrar para a esquerda, numa antiga estrada que hoje não passa de uma trilha erodida e interditada pelo matagal. Esse caminho servia para dar acesso ao bananal nas cabeceiras da fazenda, mas pela dificuldade de acesso, toda a plantação foi abandonada. Quinze minutos de caminhada, talvez menos, ouvimos um grito do grupo que vinha logo atrás. O Rafael estava passando mal e precisava descansar um pouco. Também pudera, a temperatura beira os 38 graus e até os mais magrelos já ameaçavam sucumbir diante daquele calor dos infernos. Logo o Rafael retomou seu caminho, mas não foi muito longe, caiu novamente prostrado, botando os bofes para fora. O Potenza deu-lhe um remédio e fomos caminhando lentamente, tentando fazer com que ele chegasse vivo até o casebre abandonado onde pensávamos que conseguiríamos um pouco de água. A chegada ao barraco caindo aos pedaços nos remete às boas lembranças de expedições antigas, mas água mesmo somente em uma garrafa grande deixada por algum caçador que logo foi despejada sem dó sobre a moringa do Rafael, que tinha anunciado a sua desistência da Travessia Expedicionária. Ficamos na choupana velha, vendo se seria necessário alguém acompanhar o nosso amigo de volta para a civilização, mas de repente o Rafa sacou lá do fundo da sua alma um último suspiro de vida e desistiu da sua desistência, preferia morrer na subida da serra do que se ver fora daquela expedição e correr o risco de nunca mais ter outra oportunidade e se a frase é mais do que batida, também seria mais do que oportuna: O SOFRIMENTO É PASSAGENRO, MAS DESISTIR É PARA SEMPRE! Com o Rafa aparentemente recuperado, largamos aquela habitação decrépita e partimos para o pé da montanha, atravessamos o bananal no peito, nos guiando pelo faro e pelo nosso GPS, até vermos que havia chegado a hora de deixarmos o conforto das bananas docinhas e nos enfiarmos de vez no meio da floresta espinhuda. O rio era audível do nosso lado direito, mas a vegetação não nos deixava avançar e o Rafael já começava a querer tombar de novo, aliás, todo o grupo cozinhava os miolos naquele calor escaldante. Todo mundo parecia implorar para que o rio chegasse logo, mas ao invés de água, toma barranco na fuça. A paciência acabou, mandamos o traklog para PQP e seguimos nosso instinto de sobrevivência até água e quando lá chegamos, não teve um que não tenha se atirado de cabeça nos poços de águas translucidas e alguns quase morreram de tanto beber e o moribundo do Rafael se atirou no leito do rio e lá ficou até que seu corpo absorvesse metade da água do córrego na tentativa de se restabelecer novamente. A tarde já ia lá pela sua metade e aquela dúvida inicial se seria melhor seguir pelo mato ou bordejando o rio, acabara de ser desfeita. Com o Rafa ainda meia boca, seria muito mais seguro ir tocando por dentro da água ou pela margem do rio, sempre subindo as pirambeiras que iam surgindo. Portanto, pela água começamos a pular pedras e atravessar pequenos poços e cachoeirinhas bucólicas e isso deixava todo mundo feliz por termos nos livrado do calor intenso. Sabíamos que aquele rio nos levaria direto para a grande cachoeira dos Ingleses e consequentemente para o alto da serra, mas ao chegarmos a uma bifurcação de rio, os caras que estavam seguindo o caminho pelo GPS, comeram bola, e ao invés de pegarmos o rio da direita, pegamos o da esquerda, talvez hipnotizados pela bela cachoeira que se apresentou à frente. Como subir a cachoeira era tarefa árdua e vendo que o caminho não era aquele e que estávamos no rio errado, aferimos nosso azimute e tentamos voltar para o vale correto, mas a gente começou a subir barranco atrás de barranco e cada vez mais parecíamos estarmos fora da rota, até que os navegadores decidiram pegar uma linha reta até o outro rio e ao invés de subirmos, começamos a descer. Perder altitude foi uma péssima ideia, foi um tempo perdido e eu morrendo de sono por ter dirigido a noite toda e não ter dormido, achei aquela navegação um furo n’água. Quando cansamos de andar para o lado errado, finalmente encontramos terreno aberto, mas longe de ser um caminho mais tranquilo porque aí começou a tocar de vez para o rio e ao chegar no seu leito tocamos para cima até interceptarmos a antiga CACHOIRA DA USINA DOS INGLESES, uma ruina do século passado que foi engolida pela floresta. A chegada à essa cachoeira é uma grande festa e as mochilas foram largadas ao chão e todo mundo se atirou para debaixo da queda no intuito de baixar de vez a temperatura do corpo, mas como não é possível ser feliz para sempre, logo já estávamos de volta a nossa labuta de tentar conquistar aquela montanha ainda hoje. ( Cachoeira Usina Velha dos Inglêses) A continuação do caminho é escalando ao lado da cachoeira, adentrando embaixo de uma espécie de gruta cavada na rocha e já saindo para esquerda e logo interceptando uma antiga trilha de caçadores.. A subida estava dura, o Rafael parava a cada 15 minutos e pelo andar da carruagem eu já estava vendo que daria o último suspiro e pediria para ser enterrado ali mesmo. A cada parada do Rafa, o grupo também era obrigado a cessar a caminhada e eu já procurava uma árvore para dormir por alguns míseros minutos, mas foi em um momento específico que todo mundo acordou de vez: ao passar por um buraco no chão, o grupo mais à frente despertou a ira de um vespeiro e não deu nem tempo para mais nada quando alguém gritou a palavra mágica: “CORRE, ABELHA “. O Rafael que já era uma múmia a vagar pela floresta, deu meia volta junto com o Vagner e despinguelou barranco à baixo na trilha e eu peguei carona no vácuo deles. O resto do grupo correu para cima e mesmo assim o Vinícius foi alvejado duas vezes. Quando tudo parecia se acalmar, o grupo que correu para baixo tentou se juntar ao grupo do alto e foi nessa que também fui atingido. Uma ferroada certeira bem na mão esquerda, que imediatamente ameaçou cair do meu braço de tanta dor. A dor é tão grande que nem a picada de jararaca que tomei anos atrás se compara. Por sorte o Vagner, já esperto de outros carnavais, me deu logo um antialérgico para acalmar minha ansiedade. A tarde já quase que agonizava e nada da gente encontrar água e nem um lugar descente para acampar. Nos enfiamos por dentro de uma parede rochosa, denunciando que estávamos muito perto da saída do vale. Eu estava com tanto sono que nem sabia mais que rumo tomar, só deixava minhas pernas me levar aonde meu cérebro achava que estava seguro. O Rafa insistia em continuar em pé e a todo momento alguém tentava persuadi-lo a não desistir de vez, até que sem termos outra opção, apontamos nosso nariz de volta para o grande rio e nos escorregamos na sua parede íngreme até novamente chegar as suas águas, aonde um poço esverdeado, junto a uma cachoeira Afunilada nos deu as boas-vindas. O lugar era lindo, mas imprestável para acampar por ser um vale rochoso e sem árvores aonde pudéssemos montar nossas redes. Eu já estava com vontade de sentar e dormir encostado em qualquer lugar, até que alguém deu a ideia de apanharmos água e voltarmos a subir até um selado onde havíamos passado na descida para o rio e sem perder tempo nos dirigimos para lá e cada qual escolheu sua árvore favorita para montar sua casa de mato. Diz a lenda que alguns ainda voltaram ao rio para tomar um belo banho no poção esverdeado, eu particularmente, caguei e andei para o banho, montei minha rede e me joguei para dentro aonde morri por umas 2 horas e só acordei porque o Alexandre teve dó da minha pessoa e me trouxe um prato de comida, porque se dependesse de mim, não iria nem jantar. (Cahoeira AFunilada) Doze horas de sono tem o poder de transformar um moribundo em outra pessoa. Acordei renovado, com energia suficiente para arrastar toda uma floresta no peito até o litoral e mesmo o Rafael que no dia anterior agonizou, já estava um touro bravo. Vagarosamente, desmontamos nosso acampamento e partimos. Retornamos ao alto da serra junto a parede rochosa e localizamos novamente o rabo da trilha que nos tiraria de dentro do “VALE V” e nos jogaria num mundo novo, de descobertas e encantamento, um mundo talvez trilhado por ninguém, apertem os cintos, a AVENTURA SELVAGEM vai começar. Logo cedo é hora de subir montanha e quando o terreno começou a se estabilizar, passamos por um córrego, esse ainda, afluente do rio da Usina dos Ingleses. Estamos num grande planalto e teremos que atravessá-lo por dois ou três quilômetros até que interceptemos de vez o grande Rio Itinguçu, bem na sua nascente, mas até lá chegarmos vamos comer o pão que o diabo amassou. Para aquela expedição, havíamos traçado um caminho usando as curvas de nível no mapa, mesmo porque é um mundo de florestas fechadas onde é impossível saber a real localização da nascente do Itinguçu apenas pelas imagens de satélite. Andaríamos por mais de 2 km até termos certeza absoluta que estávamos mesmo descendo o leito do rio. É , tudo isso parece obviu , mas na verdade não passa de uma grande ilusão e uma vez ali, parece que o mundo gira de tal forma que ninguém mais sabe para que lugar seguir, por isso a importância do GPS para nos dar um rumo, uma direção. (início do Rio Itinguçu) O terreno estabilizou de vez e é impressionante o numero de pequenos córregos que vão correndo para todas as direções, portanto seria quase impossível se apegar a um deles na tentativa que eles desaguassem no rio que procurávamos. Nessa condição os nossos navegadores tiveram que não desgrudar mais os olhos do GPS. O avanço é lento, emperrado por uma vegetação fechada e com terreno encharcado. Outros tantos pequenos córregos são cruzados, mas nenhum seguia para o nosso destino e muito provavelmente seriam abastecedores de algum afluente do Itinguçu que possivelmente ira interceptá-lo mais a baixo, Passado mais de hora, a gente se deparou com uma grande nascente, um grande buraco de onde a água brotava e tomava a direção exata do grande Vale do Itinguçu e foi aí que a gente começou a desconfiar que por uma grande sorte, havíamos finalmente achado a verdadeira nascente do rio. Aquela nascente foi ganhando outras vertentes de água e foi crescendo e quando ficou com mais ou menos um metro de largura, tivemos a certeza de que nossa navegação havia sido um grande sucesso, então não perdemos mais tempo com o GPS e tratamos logo de nos jogarmos de corpo e alma naquele corpo d’água. O rio foi crescendo, se alargando e quando pensávamos que nossas vidas seriam facilitadas, os homens que iam à frente foram surpreendidos por um Lamaçal de respeito, inclusive Daniel Troco e Vagner quase foram sugados para a entranha da terra, atolando seus corpos até na linha da cintura e outros que vinham atrás também tiveram o mesmo destino. As águas do córrego a cada curva ficavam mais cristalinas e o seu leito, antes barrento, começava a ganhar uma camada de pedregulho. Alargou-se de tal maneira que poços profundos já eram cruzados com a água acima da linha da cintura e quando chegamos a uma prainha formada por pedrinhas, paramos para um descanso e para morder alguma coisa. Sentados ali, naquele lugar lindo, em meio a uma das florestas mais espetaculares do mundo, há quase dois dias longe da civilização mais próxima, logo nos chama a atenção uma frutinha muito familiar, na verdade o chão estava qualhado delas: Quando alguém balbuciou dizendo que se tratava de JABUTICABAS, dei uma desdenhada antes de cair a ficha totalmente. Aquilo era realmente incrível porque se existe uma fruta que é símbolo do Estado e até do Brasil, essa seria a jabuticaba, mas eu em quase 25 anos de andanças pela Mata Atlântica jamais havia visto um pé selvagem desta fruta, já me deparei até com onças, mas jabuticaba era a primeira vez. Bom, a fruta estava ali, espalhada por toda a prainha, mas onde estaria o pé? Procurei pelo pequeno arbusto em meio às grandes e frondosas árvores e nada encontrei, até que do outro lado do rio, uma árvore de tronco esbranquiçado e de uns 15 metros de altura se curvava sobre nossas cabeças. Encontrar aquela raridade no Vale do Itinguçu foi mesmo uma grande honra e essa travessia iria nos mostrar que é igual a jabuticaba selvagem, só existe na Mata Atlântica e destinada a poucos. (Jabuticabas Selvagens) Retomamos a travessia, mas agora já sabedores de que os grandes desníveis não tardariam em se apresentar e logo quando o rio de pedrinhas se transformou em um rio de leito de rochas gigantes, as primeiras quedas já surgiram pelo caminho e para felicidade geral do grupo, uma delas nos chamou a atenção pelo tamanho do poço de águas esverdeadas e essa foi a deixa para todo mundo se jogar de vez e lavar a alma naquele dia ensolarado de verão. O poço fez a alegria da galera, o banho renovou os ânimos, lavou a lama e já nos mostrou um pouco do que nos esperava pela frente. O rio afunilou por um momento e logo apareceu uma cachoeira de tamanho considerado e aí foi hora de pararmos para estudar o terreno. Antes de expedição começar houve um embate sobre levar ou não cordas para fazer a descida das grandes cachoeiras. Eu e outra parte do grupo achávamos totalmente desnecessário carregar um material pesado para esse tipo de travessia selvagem, ainda sabendo que a possibilidade de pegarmos lugares intransponíveis seria praticamente nenhum, mas uma outra parte do grupo achou que seria viável e muito bem vindo para um treinamento específico, então parte da equipe acabou por carregar esse peso extra. Pois bem, ao nos depararmos com essa cachoeira, parte do grupo se preparou para montar as cordas e a outra parte se enfiou no vara-mato e ficou combinado de todos nos encontrarmos no patamar mais abaixo, no pé da cachoeira. Como imaginávamos, a passagem pela floresta, perdendo altura, foi rápida e tranquila, mesmo a gente tendo que nos pendurarmos numa parede coberta por vegetação solta e depois tendo que descer escorregando por outro barranco até ganharmos o leito do rio.Descemos e ficamos apreciar a galera fazer um bonito rapel ao lado da queda e quando todos estavam unidos novamente, partimos novamente por dentro do rio. (Primeira Grande queda do Itinguçu) Por dentro da corredeira o avanço é lento, mas muito prazeroso já que o calor estava de matar. O rio vai perdendo altura até que se joga novamente num abismo em forma de garganta e novamente o Vinícius, o Alexandre, o Gersinho e o Natan abrem mão do equipo para o rapel, enquanto os outros já encontram uma passagem pelo lado direito entre as árvores e em poucos minutos estávamos todos na entrada da garganta de pedras pretas e que logo ganhou o nome de CACHOEIRA DO CÂNION DO ÉBANO. Mais uma vez a gente assistiu de camarote a galera se pendurar nas cordas e ir baixando vagarosamente até caírem no leito do rio. Apesar desse procedimento tomar um tempo , a gente não estava muito preocupado com isso não, já que chegamos a uma conclusão que poderíamos estar com um tempo de sobra e poderíamos nos dar ao luxo de curtir cada parada. (Cachoeira do Cânyons do Ébano) Enrolada a corda e guardado os equipamentos, a descida continuou, mas não deu nem tempo da corda escorrer a água e já foi novamente retirada da mochila para fazer a descida de mais uma cachoeira aonde um grande poço na sua base convidava todo mundo para outro mergulho. Mais uma vez parte do grupo se aventurou pela descida sem corda, na verdade, somente eu, o Troco e o Vagner atravessamos a correnteza à beira da queda para tentar descer. O Vagner desceu um barranco pulando de uns três metros, se valendo de um patamar mais abaixo, mas eu não tive confiança de ariscar o salto porque se o tal patamar escondido na vegetação não parasse meu corpo, com certeza eu iria despencar no vazio e achei melhor tomar outro rumo. O Trovo passou pendurado numa rampa igualmente perigosa e foi se junta ao Vagner na base do poço. Retornei para junto do resto da galera e quando estava tentando procurar uma passagem mais segura pela direita, os caras me convenceram a descer pela corda. Nunca tive problemas com rapéis à beira de cachoeiras, pelo contrário, o fato de eu ter passado anos da minha vida me dedicando a descida de dezenas de quedas, fez com que esse tipo de atividade perdesse a graça e se tornasse uma coisa comum, mas confesso que até foi interessante me jogar novamente corda à baixo e deixar meu corpo cair dentro daquele poço incrível e sair nadando até sua margem. Quando todo mundo se juntou ao pé da cachoeira, partimos novamente, agora nos enfiando em mais um vale estreito e cada um vai desescalando como pode e logo mais a baixo, alguém chama atenção para uma cachoeira que despenca de afluente do lado direito do rio e para lá nos dirigimos, escalando alguns pequenos matacões até nos depararmos com uma parede negra de onde uma água limpíssima despencava de num véu incrível e a coloração da rocha já fez alguém batiza-la de CACHOEIRA NEGRA. Aproveitamos a parada para comer alguma coisa e para nos refrescarmos, mas foi uma parada rápida porque ainda sabíamos que teríamos que vencer mais uma grande queda até a hora de acamparmos (Cachoeira Negra) Outras pequenas quedas são cruzadas, alguns poços atravessados, barrancos desescalados até chegarmos às bordas da maior cachoeira da travessia. Não era uma cachoeira gigante, nos moldes das que estávamos acostumados a encontrar nessas expedições, muito porque já sabíamos que esse rio não seria um rio com desníveis abruptos e abismos colossais, mas era uma cachoeira muito cênica e os meninos que carregavam as cordas e vinham aprimorando suas técnicas, não perderam tempo e já instalaram o rapel do seu lado direito, enquanto o grupo sertanista, como o Trovo chamou em tom de brincadeira, se enfiou mato à dento do lado direito e em poucos minutos já estavam apreciando a movimentação dos canyonistas, sentados confortavelmente sobre uma grande rocha e ali ficaram, comendo “pipoca com manteiga” e assistindo a ação bem sucedida do grupo radical e para marcar esse ponto importante dessa EXPEDIÇÃO SELVAGEM, vou me dar ao direito de batizar essa cachoeira e o nome acho que não poderia ser outro, uma homenagem a esse rio incrível , que nasce no meio do nada e vai crescendo, ganhando corpo até se transformar nessa espetacular CACHOEIRA DO ITINGUÇU. ( Cachoeira do Itinguçu) O dia quase que já havia findado e o sol já se preparava pra se deitar ao oeste e então decidimos que já era chegada a hora da gente achar um lugar para acampar. Conseguir localizar um lugar descente e que possa abrigar nove exploradores não é tarefa das mais fáceis quando se está imerso dentro de uma vale com paredes rochosas dos dois lados e é preciso achar algo antes de escurecer. Todos estão cansados e loucos para descansar o esqueleto porque foi um dia de aventuras intensas, mas a cada passo dado e sem encontrar nada, a preocupação vai aumentando e até a euforia vai diminuindo consideravelmente. Um afluente quase seco faz com que a gente opte por um desvio e foi aí que o batedor que ia à frente vislumbrou um patamar acima, quase plano, com árvores grossas e espaçadas e não tivemos mais dúvidas, jogamos nossas mochilas ao chão e demos por encerrado mais um dia de explorações. ( Segundo Camping) Cada qual foi cuidar de montar seu abrigo e quem for mais esperto vai conseguir ficar com as melhores árvores, uns se dão bem, outros como eu, são obrigados a dormir pendurados a um passo da ribanceira. Montada minha rede, instalado o meu toldo, me livro das roupas molhadas e vou cuidar da janta, porque apesar de ter sido um dia duro e intenso, me sinto muito bem disposto. A janta não vai ser um banquete porque optei em vir o mais leve possível e apenas cozinho um pouco de arroz, frito umas fatias de bacon, pico um pedaço de pimenta dedo de moça, abro uma lata de sardinha, jogo um queijo ralado no arroz, dissolvo um suco de laranja numa garrafa pet e isso é o bastante para deixar a minha alma alegre pelo resto da noite. Antes das oito já me atiro para dentro da minha cama de mato, fecho o mosquiteiro e apago completamente. Acordo lá pelas cinco da manhã descansado e bem disposto e como ainda está escuro, fico envolto nos meus pensamentos e logo me lembro de que hoje acordei um ano mais velho e me sinto feliz de, aos 48 anos ainda estar ativo, podendo desfrutar de uma vida de aventuras. Lentamente vamos desmontando nosso acampamento e enquanto a água não ferve para preparar um café, resolvo instalar a capsula de registro das travessias selvagens, mas ao invés de uma capsula bem elaborada, desta vez apenas improvisei com uma garrafinha de suco de uva porque não queria me dar ao trabalho de carregar peso algum que não fosse o essencial para minha sobrevivência naquela expedição. A galera realmente acordou diferente nessa manhã de 12 de fevereiro, estavam parecendo mais leve, todo mundo mais animados, acho que já prevendo que seria um dia tranquilo, um dia dedicado ao divertimento e ao laser, já que a pior parte parecia ter ficado para trás. ( Capsula do tempo) A nossa travessia é retomada voltando de novo ao rio, mas por ainda ser muito sedo, vamos evitando entrar na água, só que o esforço de ficar quebrando mato no peito já faz com que parte do grupo proteste com os batedores que logo são obrigados a tomarem outro rumo e voltarem para o rio, fazendo com que o grupo seja obrigado a se pendurar num barranco alto, tendo que se jogar encima de um arbusto e fazer uma queda controlada até mais abaixo. O dia já começa quente e o melhor caminho é mesmo por dentro da água, deslizando entre suas correntezas, saltando nas suas piscinas naturais. O rio vai sendo cruzado de um lado para o outro, grandes pedras são escaladas ou apenas desescaladas. Quando os obstáculos parecerem intransponíveis é hora de avançar pelo mato e quando era preciso, um pedaço de corda era jogado e nele nos pendurávamos como dava e descíamos de volta para o rio. Algumas ilhas vão surgindo no nosso caminho, fazendo com que o rio se divida em vários, mas logo voltava a virar um só quando os rios se juntavam mais abaixo. Quando apareciam aqueles poços incríveis era hora de parar e desfrutar das suas águas incrivelmente cristalinas, era hora de se jogar, era a hora do divertimento, do lazer. Os mais eufóricos se jogavam de cima de grandes pedras em saltos espetaculares, outros só faziam passar vergonha com seus saltos pífios. Pelo caminho uma infinidade de pequenas cachoeirinhas é transposta, vales, corredeiras vão ficando para trás e antes do meio dia, como havíamos previsto, chegamos a um grande poço de onde uma CACHOEIRA se espalhava de um lado a outro do rio, formando um grande tobogã natural, hora de jogar as mochilas ao chão para um descanso mais demorado e comer algo porque o lugar é mesmo especial. Aquele lugar era mesmo incrível, de uma transparência única. Sentei-me sobre uma grande rocha para poder me aquecer um pouco, já que eu mesmo havia me atirado de cabeça naquele grande poço. Fiquei ali parado, inerte, assistindo parte do grupo despencar cachoeira abaixo, escorregando na grande rampa. Estávamos ali, imersos em um lugar onde, muito provavelmente, nunca ninguém esteve antes e aqueles homens, alguns com a metade da minha idade, mais pareciam crianças descendo no escorregador do parquinho, felizes da vida e imersos num mundo só deles, sem se preocuparem com coisa nenhuma, apenas a desfrutar de uma vida simples e de desapego. A galera parecia não querer ir mais embora, mas depois de descerem de trenzinho mais uma vez, tomaram ciência de que aquela expedição teria que terminar ainda hoje e para guardar uma boa lembrança daquele lugar, nos reunimos para uma foto histórica no coração selvagem da Serra do Mar Paulista, como a fazer um brinde pela vida e pela oportunidade de estarmos mais uma vez juntos em mais uma travessia memorável. Depois da cachoeira do grande escorregador, pegamos uma sequencia onde o rio afunilavam nos obrigando a descermos por dentro das corredeiras e sempre tendo que cuidar para não sermos levados ao desescalarmos por dentro da água e assim foi o ritmo por mais de uma hora até tropeçarmos em outro grande poço com uma pequena cachoeirinha que despencava num refluxo de águas azuis, onde mais uma vez fizemos uma parada para recreação, regados a muitos pulos e mergulhos. Na sequencia ainda passamos por incontáveis outros poços aonde nos jogávamos de cima das pedras e nadávamos para o outro lado, sempre nos divertindo muito até que chegamos a uma grande rampa d’água, uma cachoeira inclinada, que desaguava em outro poço fenomenal e ali paramos para mais uma descanso, para apreciar uns petiscos e esperar que a galera das cordas se divertisse tentando descer mais esse corpo d’água. Verdade mesmo que somente o Vinícius e o Natan acabaram por se envolver nesse rapel, porque o Alexandre e o Gersinho preferiram ficar à beira do poço degustando uma calabresa com limão e depois tiveram que ouvir poucas e boas porque o Vinícius teria quase se lascado na torrente de água e eles não estavam lá pra ajudar, mas não demorou muito e logo as coisas se acertaram. Lá pelas 14 horas começou a chover e estávamos sempre atentos para não sermos pegos por alguma possível cabeça d’água. A chuva veio, mas o tempo continuava quente e agradável e o rio continuava com a mesma transparência de sempre. A travessia continuava muito animada e tranquila e o terreno só se complicou um pouco quando chegamos a um grande desnível de onde despencava uma pequena cachoeira em um afluente do lado esquerdo do rio. Descemos por um desnível considerável e logo nos jogamos de cima de mais uma cachoeirinha e passado esse trecho enfrentamos uma sequencia de corredeiras mais violentas onde íamos nos jogando por dentro delas e deixando a força da água nos adiantar o caminho. No nosso localizador por satélite observamos logo que o final da travessia não estava muito longe, mas ao transpor mais um imenso poço de águas cristalinas nos deparamos com um amontoado de rochas e alguns que esperavam moleza no final, fizeram uma cara de desanimo. Foi aí que demos um pulo certeiro. Ao tentarmos varar mato pela esquerda nos deparamos surpreendentemente com uma trilha larga, aberta e bem consolidada. A trilha corria perpendicular ao rio e logo achei que ela poderia se perder em alguma localidade rural, mas o Rafael insistiu que deveríamos ir por ela, já que ele mesmo era exímio conhecedor ali daquela região. Seguimos então por ela e logo passamos por um afluente, onde o atravessamos e subimos o barranco do outro lado e em mais uns 10 minutos tropeçamos numa bifurcação e o Rafael reconheceu o lugar e nos indicou que deveríamos pegar para a direita que logo chegaríamos à Cachoeira do Paraíso. Bastou alguns minutos mais de caminhada e já avistamos a placa que indicava que deveríamos virar à direita e ao fazermos isso, já demos de cara com a cachoeira e seu grande poço de águas esverdeadas. Já fazia maios de 20 anos que eu não botava meus pés nessa CACHOEIRA DO PARAÍSO e sinceramente, nem me lembrava de que o poço era tão grandioso. Quando adentramos naquele lugar, que estava lotado de turistas, fomos recebidos com um enorme espanto pela multidão que se aglomerava naquela grande atração . Não sei o que houve naquela tarde de segunda-feira feira de carnaval porque surpreendentemente nosso grupo pareceu estar tão extasiado com o final daquela travessia que ninguém disse nada e como um zumbi, um a um foi caindo no poço e nadando para o patamar aos pés da cachoeira. Pior ainda foi a cara dos guarda-vidas do Parque Estadual, que só nos olhavam sem entender o que estava acontecendo. Quando todo o grupo se juntou, fomos tomados por uma sensação inigualável de sucesso, de dever cumprido. Havíamos proposto realizar uma travessia inédita, desbravar um grande rio a partir da sua nascente e agora estávamos todos ali, havíamos cumprido o planejado. Estávamos eufóricos, extasiados, inebriados pela conquista, nos abraçamos e celebramos o sucesso da empreitada. ( Cachoeira do Paraíso) Depois daquela cena memorável, varias pessoas ficaram nos perguntando o que estava acontecendo e de onde vínhamos com aqueles trajes de astronautas. Desconversamos, muito porque já percebemos que os salva-vidas ganharam a nossa movimentação e avisaram a portaria pelo rádio que algo estranho estava acontecendo. Juntamos-nos para uma ultima foto do grupo enfrente a cachoeira, apanhamos nossas mochilas e saímos vazados de lá. Bom, agora havia chegado a hora de enfrentarmos a fiscalização do Parque Estadual do Itinguçu, parque esse que foi meio que desmembrado da reserva Ecológica da Jureia, justamente para poder permitir que o cidadão pudesse frequentá-lo, mas que jamais entenderiam se falássemos que vínhamos da nascente do rio, três dias atrás, mesmo assim teríamos que enfrentar esse problema. Quando o grupo chegou à portaria não demorou muito para um dos controladores de acesso encurralar o Natan na parede. Perguntou que horas havíamos entrado, se estávamos nos aventurando mais acima da cachoeira do Paraíso e o Natan já deu um “migué” dizendo que havíamos chegado bem cedo e já foi picando a mula sem dar maiores satisfações e assim foi seguido pelo resto do grupo, que mal olhou na cara dos guardinhas e ganhamos rapidamente a rua e sem nem olhar para trás, continuamos caminhado até sair das vistas de quem quer que seja. Ficamos sabendo que o único ônibus que poderia nos levar de volta à civilização só partiria depois das oito da noite, então resolvemos caminhar uns 3 ou 4 km até uma bifurcação de onde tentaríamos outro ônibus ou uma carona para nos levar até Peruíbe, mas quando lá chegamos, descobrimos que talvez não houvesse ônibus algum, já que o rio que corta a estrada estava cheio. Mesmo chovendo, não Havia alternativa, senão tentarmos chegar ao vilarejo do Guaraú caminhando por umas três horas ou mais. Sem termos o que fazer, lá fomos nós, um pé à frente do outro até que logo à frente nos deparamos com a cheia do rio que inundou uns 200 metros de estrada e chegamos bem a tempo de presenciarmos um caiçara que incorporou a mãe d’água e foi morar com sua motoca no fundo da inundação. Depois desse trecho passamos por um camping e por sorte, uma conhecida do Potenza estava por lá “excursionando” e não demorou nadinha para o menino passar um óleo de peroba na cara e ir lá descolar uma carona numa Van, mediante a um pagamento simbólico. O veículo nos deixou numa pracinha do Guaraú, que fica bem ao pé do morro de mesmo nome e o que nos restava agora era termos paciência até que o ônibus que partiria para Peruíbe chegasse. A chuva não dava trégua e mesmo assim a festa de carnaval corria solta no vilarejo, onde um trio elétrico fazia a alegria da multidão de foliões que, possivelmente com a cara cheio de pinga, não estavam nem aí com a “molhasseira” dos infernos. A noite já ia caindo e nada do tal ônibus chegar. Estávamos todos molhados e com frio e ficamos ali, numa marquise de uma lanchonete, assistindo ao show de horrores dos “cú de pinga” dançando carnaval e quando um dos nossos (Alexandre), depois de tomar uma latinha de cerveja, resolveu descer na boquinha da garrafa, decidimos que era hora de fazermos algo pela gente e que nos tirasse daquele antro de perdição. Quando uma Kombi encostou enfrente a lanchonete do outro lado da avenida, vislumbramos a possibilidade de conseguirmos um transporte para Peruíbe e para isso destacamos para essa missão, nosso enviado especial para assuntos logístico, o xavecador mor, VGN Vagner e esse foi o maior erro que cometemos nessa expedição. O Vagner voltou dizendo que havia conseguido um carreto para Peruíbe por meros “cinco conto”, mas que o nosso motorista parecia estar um pouco alterado. Quando lá chegamos com nossas cargueiras, nos deparamos com uma Kombi toda zuada, sem bancos e com um “rippie maconheiro” , com o rabo cheio de fumo. Bom, é aquele negócio, já que está no inferno abraça logo o capeta, mas essa frase talvez não fosse muito adequada para o que ia se seguir. A chuva havia aumentado ainda mais e rapidamente nos jogamos com mochila e tudo para dentro da Kombosa e cada um se ajeitou como pode e como deu. O motorista e seu ajudante ainda tiveram tempo de dar um sorriso amarelo, quando viram nove homens e suas cargueiras adentrarem no veículo. Deu a partida no bagulho e logo que se livrou dos foliões que desfilavam atrás de nós, ganhou a estradinha escura que leva ao alto do Morro do Guaraú. O barulho era ensurdecedor, parecia que o carburador iria explodir a qualquer momento, mas mesmo assim estávamos contentes porque finalmente parecia que sairíamos daquela travessia, porque já tinha gente comparando aquela expedição com a Caverna do dragão. O rippie acelerou, esgoelou, a Kombi tremeu, balançou e foi subindo aos trancos e barrancos e nós tentávamos ajudar com a força do pensamento, mas quando faltava menos de 1 km para chegar ao alto da serra, o trambolho morreu de vez e ficou atravessada na diagonal, no meio da pista e não houve nada que o rip pudesse fazer para que ela voltasse a pegar, inclusive nem o freio ele conseguia acionar direito, fazendo com que a gente quase caísse na ribanceira. Ficamos todos ali, sem saber o que fazer e só esperando a hora que um carro viria para estraçalhar a Kombi com a gente dentro e a cada freada dos veículos na escuridão, nossos corações pareciam que saltaria pela boca. Ninguém disse uma palavra, eu olhava para os caras e só via olhos arregalados e o safado do rippie também não dizia coisa com coisa e quando alguém resolveu tomar uma atitude dizendo que iria sair para sinalizar e abriu a porta da perua, uma avalanche de mochilas e caras cagados, se jogaram para fora da Kombi naquela noite escura e chuvosa e essa foi a ultima vez que ouvimos falar do o tal rippie porque não quisemos nem saber o que houve com ele e com aquele veículo do satanás. Tendo nos livrado do rippie para salvar nossas vidas, caminhamos até o alto da serrinha e lá nos amontoamos embaixo de um ponto de ônibus mequetrefe e esperamos até que um ônibus nos apanhasse e evitasse que morrêssemos de frio e nos levasse direto para a rodoviária de Peruíbe e chegando lá, embarcamos imediatamente para Itariri. Já passava das dez da noite e ali na minúscula cidade, nos despedimos da galera paulistana, que conseguiram um taxi para poder resgatar o carro na fazenda de bananas, enquanto eu, o Alexandre, o Vinícius e o Gersinho resolvemos dormir num hotelzinho e voltar para casa somente na terça feira, já que não queríamos dirigir a noite por quase 300 km até a região de Campinas. E essa foi mais uma EXPEDIÇÃO, até então inédita na Serra do Mar Paulista, uma aventura que marca mais um pioneirismo em um dos mais exuberantes lugares do mundo, uma travessia de descobrimento, encantamento, regada a amizade, companheirismo e determinação, uma aventura em busca de conhecimento, de aprendizado, mas antes de tudo, um brinde a vida e ao desapego porque a simplicidade sempre nos bastou. Fomos em busca do novo, do diferente, de um mundo selvagem, nos embrenhamos na selva para escaparmos das mesmices de sempre e voltamos de lá extasiados pela descoberta, porque em matéria de AVENTURA, essa SERRA nunca decepciona . Divanei Goes de Paula - Fevereiro/2018
  3. Divanei Goes de Paula 04/02/2018 02:20 com 1 participante EXPEDIÇÃO ALTO AREADO: ILHA BELA -SP Expedição às maiores cachoeiras de ILHA BELA , pela primeira vez grupo de exploradores conseguem chegar ao topo das nascentes do RIO AREADO. Relato Rox 7 0 EXPEDIÇÃO ALTO AREADO Quando meu espírito atravessa aquele portal mágico que costumamos chamar de floresta, deixo para trás exatamente tudo que fui antes, não sou mais o mesmo eu, sou outro eu, mas agora travestido de mim mesmo. Descarrego ali a minha barbárie civilizatória e passo a viver com a pureza de outrora, sou uma criança a me deslumbrar com os sons, com a beleza das águas, com o cheiro do mato, sou o aventureiro descobridor das coisas, sou menino vivendo num outro mundo. ILHA BELA sempre me fascinou desde os primórdios da minha vida aventureira. Os relatos que envolviam aquele arquipélago no Litoral Norte de São Paulo sempre atiçavam o meu espírito de aventura e não foram poucas as vezes em que me vi tentando explorar coisas na ilha da magia. Mas já ia longe a última vez em que havia pisado meus pés lá, desde a Volta Completa feita em 2012. De tudo eu já havia feito um pouco e se não fiz mais é porque alguns lugares não me apeteceram e porque achei que seria muita energia gasta para pouca coisa, mas quando começaram a surgir os mapas de satélites, minha alma já se levantou do estado de letargia e voltou a deslumbrar uma grande aventura nos confins das florestas fechadas no sul da ilha. O rio Areado até então era somente um bucólico córrego de águas cristalinas que cruzava a trilha para a praia do Bonete, uma simpática praia de pescadores distante a não mais que uns 12 km de Borrifos, último lugarejo habitado no sul da Ilha Bela. Olhando a ilha de cima, do espaço, o tal rio Areado nascia no interior da ilha a uns 800 ou 900 m de altitude e começava a despencar em impressionantes quedas d’água de dezenas de metros e em uma das suas vertentes me chamou a atenção uma grande queda que poderia passar facilmente de uns 150 metros de altura, uma coisa impressionante para uma ilha que intitulava como sua maior queda d’água a Cachoeira do Gato que mal tinha 40 metros de altura. Juntamente com outros amigos, fui tocando outras expedições, algumas inéditas, mas aquele rio nunca saiu da minha memória, um dia eu ia pegar minha mochila e ia lá naquele fim de mundo desvendar aquele mistério que sempre martelou na minha cabeça. Os anos foram passando e o plano de exploração nunca conseguia sair do papel, até que um dia me deparei com um artigo na net sobre um grupo que havia se aventurado pelo vale. Senti-me meio desolado pela demora, bobeei, alguém chegou primeiro, méritos para o pessoal da “viagem ecológicas.com.br”. Mas ao ler o artigo logo notei que o tal grupo mal aranhou o local e haviam chegado apenas até aos pés da grande queda do qual eles deram o nome de CACHOERIA GRANDE DO AREADO e aí foi a deixa que me faltava para retomar meu plano. Chegar até as paredes da Cachoeira Grande é sim um grande feito, mas a grande cereja do bolo era a vertente da direita, mais de um km de paredes aonde outras 4 ou 5 cachoeiras gigantes despencavam em abismos colossais e cânions quase que intransponíveis e com todo respeito aos outros grupos que por aí andam, se houvesse alguém capaz de desvendar esse grande mistério, esse grupo seria o nosso, justamente pelos vários anos nos dedicando a expedições como essa , então seria preciso juntar 4 ou 5 corajosos e novamente , como sempre digo, botar as faca nos dentes e ir lá tirar aquela lenda do papel e botar no mapa de vez. Voltando de férias às barrancas na foz do Rio Grande, no interior Paulista, me vi ainda com quatro ou cinco dias de ociosidade e nas curvas do destino acabei por relembrar novamente deste projeto, mas como eu poderia encontrar um grupo que pudesse esticar o fim de semana por mais uns dois dias, sendo que todo mundo da nossa equipe estava voltado aos afazeres e obrigações trabalhista? Eis que esses caras apareceram: Paulo Potenza, Felipe Asheley e Anderson Rosa se apresentaram por ter trabalhos autônomos. Daniel Trovo estava de férias com a família em São Sebastião e quando ouviu falar a palavra EXPEDIÇÃO SELVAGEM, largou sua boia de pato, sogra, filhos, mulher, cachorro , papagaio e picou a mula para Ilha Bela, rsrsrsrsrsrsrsrs. Formada a equipe, embarquei de Sumaré, no interior de São Paulo e me encontrei com o grupo lá nos confins da zona Leste, na capital do Estado e antes mesmo que o Potenza e o Asheley comessem todo o bolo de cenoura da mãe do Anderson Rosa, tratamos logo de arrastar os dois para dentro do carro e partimos numa tarde de sábado para o litoral Norte, aonde chegamos por volta de dez da noite. Comemos um pastel de vento no centro da Ilha e nos dirigimos para o sul aonde nos encontraríamos em Borrifos com o Trovo, mas ao chegarmos ao lugarejo não encontramos ninguém, então tocamos para o estacionamento, no fim da estrada, já na boca da trilha que vai para a PRAIA DO BONETE. O plano era deixar o carro no estacionamento do pescador, mas como já era tarde da noite, resolvemos dormir numa cobertura de lona enfrente da propriedade porque não queríamos acordar ninguém. Estendemos uma lona no chão e jogamos nossos sacos de dormir e o Rosa dormiria no carro mesmo. Já passava da meia noite quando ele chegou. Quase havíamos pegado no sono e ele veio com aquele portunhol horrível, nos indagando o porquê de estarmos dormindo ali em frente da propriedade. Estava meio zuado de cachaça e por isso não demos muita atenção, apenas dissemos que não queríamos incomodar o pescador e descansaríamos até o dia amanhecer. Ele continuou a nos encher o saco, dizendo que a família dele morava ali na propriedade agora e que ali não era lugar para playboy acampar. Era um chileno todo tatuadoe dizia que tinha estudo, que falava quatro línguas e outras balelas que a gente não queria ouvir, falou outro tanto de coisas inúteis e se foi na escuridão da noite. Logo depois o Daniel Trovo surgiu e veio alegrar nosso mocó, pegou seu saco de dormir e se juntou a nós naquele chão duro, daquela noite quente de verão. O chileno voltou, desta vez espumava raiva pela boca. Ficou lá, novamente a nos atazanar as ideias. Pedíamos para ele nos deixar dormir, mas ele não arredava pé até que déssemos o fora de lá. Nossa paciência já foi chegando ao limite até que o Anderson Rosa saiu do carro e veio ver o que estava acontecendo. Imploramos para o chileno folgado se retirar, mas não teve conversa e o que a gente tentou evitar aconteceu: O Rosa já peitou o cara e aí começou o quiproquó. Todo mundo se levantou e cercou o estrangeiro safado, já meti a lanterna no olho do meliante, enquanto outros já ameaçavam chutar ele para o outro lado da Cordilheira dos Andes, mas foi o cangaceiro de ilha Bela quem deu a cartada final. Paulo Potenza das Candangas já sacou seu facão e passou nas ventas no dito cujo que arregalou os olhos e murchou na hora, estava instalado uma crise diplomática. O facão só assustou o chileno, que vendo que o negócio havia esquentado, tratou logo de se retirar da nossa presença para nunca mais voltar. O dia amanhece quente, mas embaçado. Guardamos o carro no terreno do pescador, arrumamos as mochilas e adentramos na larga trilha que antes já fora uma estrada até a Praia do Bonete, mas que a floresta tomou de volta, impondo assim uma derrota acachapante ao governo militar, que tentou construir o caminho na década de 80. No começo parece mesmo que iremos caminhar por uma estrada, passamos por dois mirantes de onde se pode avistar o mar sem fim e menos de uma hora depois estacionamos na famosa CACHOEIRA DA LAGE para um gole de água. Nesse intervalo o tempo já melhorou e o sol já brilhava forte, mas como ainda era muito cedo, ninguém se atreveu a entrar na água ou brincar nos poços e escorregador que marcam a atração. Atravessamos a ponte pênsil e continuamos nossas andanças, mas agora o caminho já vai se enfiando numa voçoroca enorme e 4 km depois chegamos ao RIO AREADO com mais uma ponte pênsil para atravessar. É um rio com uma beleza sem igual, a água de uma transparência única e alguns metros acima da ponte, um poção lindo para um mergulho, mas ao chegar ao rio a gente já sabia que a brincadeira havia terminado, era chegada a hora da aventura começar, era hora de discutir a estratégia e deixar todo mundo ciente de que naquela expedição selvagem cada qual estaria por conta própria e cada um teria que assumir os riscos. Logo de cara me chamou a atenção o peso da mochila do Anderson Rosa, achei que poderia estar levando muitas coisas desnecessárias, mas não gosto de ficar cagando regras, muito porque cada um sabe o que aguenta carregar e quais suas necessidades. A única coisa que procurei deixar bem claro, inclusive antes de sair de casa, era a necessidade de todo mundo estar munido de perneiras anti-cobra e isso faria toda a diferença no decorrer daquela expedição. Decidimos que subiríamos o rio por dentro do seu curso e ao chegarmos à bifurcação onde ele se divide em dois, montaríamos um acampamento fixo e exploraríamos as duas vertentes, da esquerda que é de onde despencaria a cachoeira gigante de mais de 150 m e o da direita, por onde despencaria várias cachoeiras em uma parede COLOSSAL de mais de 1 km. Num primeiro momento tentamos achar um caminho pela direita de quem sobe o rio, prestando atenção para ver se não achávamos uma trilha perdida nesse início de expedição, mas surpreendentemente encontramos um mato totalmente fechado, denunciando assim que, mesmo sendo uma trilha turística, ninguém se atreve a subir o leito do rio. Abandonamos o mato e nos enfiamos por dentro do rio mesmo, pulando de pedra em pedra, mas não deu nem cinco minutos e nos deparamos com uma parede intransponível, num amontoados de pedras grandes Eu até pensei em escalar por dentro da água, mas os meninos acharam cedo para se molhar e o Asheley foi à frente e encontrou um buraco no meio dos matacões, aonde você tem que se enfiar e atravessar como se tivesse saindo do útero da sua mãe. Demos a volta nessas grandes pedras e voltamos ao rio novamente e logo nos deparamos com uma cachoeirinha incrível, com um poço profundo e como eu era o único que portava uma mochila totalmente estanque, os meninos optaram por passar e subir ao lado dela e fizeram um grande malabarismo para não se molharem, mas eu não me fiz de rogado e logo cedo já me joguei na água. Escalada essa pequena cachoeira, surgiu à nossa frente, mais uma cachoeira muito parecida com a anterior, mas com um poço gigante, esverdeado, daqueles de cair o queixo. Já me joguei para dentro dele e fui nadando até ela, enquanto o resto do grupo bordejou pela esquerda, mas somente depois de cada um se esbaldar dentro do lago esmeralda. Não havíamos caminhado nem três quartos de hora e já havíamos nos apaixonado pelo rio e ficávamos a todo o momento nos perguntando por que um lugar daqueles, tão perto da trilha principal, não havia sido descoberto pelos turistas. Escalei a cachoeira e me encontrei novamente com a galera e juntos pulamos pedras e quinze minutos acima chegamos ao POÇO DO ESCORREGADOR, uma grande atração desse roteiro, uma pedra inclinada e extremamente lisa, de onde o rio se precipitava. Escalamos a rocha pela esquerda e largamos nossas mochilas do lado direito do rio, hora de comer algo e nos lançarmos de volta ao passado, hora de viramos crianças novamente e escorregarmos nossa felicidade para dentro da água. Aquele lugar era incrível, sentado ali naquela grande rocha plana aonde seria possível até montar uma barraca, fico a apreciar aqueles meninos felizes da vida se jogando cachoeira a baixo e mergulhando de cima de uma rocha oposta para dentro do poço, mas logo me esqueço de que já vou me encaminhando para quase meio século de vida, me levanto e despinguelo rio abaixo também e vou me juntar à criançada como quem vai brincar no jardim de infância. A brincadeira estava boa , mas logo nos lembramos para que viemos, é hora de retomar a caminhada porque aquela ainda era uma expedição séria e havíamos traçado um objetivo de atingir a confluência dos rios até o anoitecer. Jogamos as mochilas nas costas e partimos novamente rio acima, hora pulando pedra, hora varando mato ou escalando ao lado do barranco. Meia hora acima, talvez um poço mais, outra cachoeira nos fecha o caminho novamente e obriga parte do grupo a se pendurar pela esquerda, enquanto eu aproveito para mais um mergulho, me jogando em mais um poção incrível e depois escalando por dentro da cachoeira de rocha lisa como mármore polido. Já é sabido que tenho um grande problema com água gelada, mas por incrível que pareça o rio Areado naquele dia estava com uma temperatura agradabilíssima e desta vez eu tinha decidido me divertir muito no rio. A subida do rio realmente não é complicada. Mas o esforço que se faz acaba por ir aos poucos minando a energia da gente. São várias as pequenas escaladas feitas com a água batendo de frente e logo notamos que o Anderson começava a definhar de vez, não porque fosse mais fraco que qualquer um de nós, mas porque havia mesmo escolhido mal os equipos e exagerado no peso. Eu e o Potenza começamos a monitorá-lo e já havíamos confabulado entre nós que se fosse preciso, dividiríamos um pouco da sua bagagem entre o resto do grupo. Não demora muito e a primeira queda um pouco maior se apresenta à nossa frente, na verdade, são três cachoeiras, uma ao lado da outra e com mais um poço maravilhoso ao seu lado. Sem demora parte do grupo já estava lá, se esbaldando em suas águas translucidas. O próximo trecho nos leva para um rio mais estreito, com várias ilhas e alguns afluentes do lado direito até nos depararmos com outra cachoeira, não muito alta, mas com mais uma piscina natural para ninguém botar defeito, aonde mais uma vez tivemos que experimentar a incrível sensação de nadar onde praticamente ninguém nunca nadou. A caminhada estava avançando bem, mas a gente sabia que se não apertasse o passo poderíamos ser pego pela noite sem chegar ao entroncamento dos rios . Grandes matacões começaram a surgir e depois de enfrentarmos uns trepa- pedras dos infernos , nos deparamos com mais uma grande cachoeira e bem que tentamos escala-la pela esquerda , mas foi mesmo o Rosa que encontrou o melhor caminho pela direita, varando mato até sairmos em mais uma ilha, onde o rio volta a se afunilar. Já passava das 17 horas e nada da gente chegar a tal confluência, então decidimos que avançaríamos por mais uma hora e acamparíamos no primeiro lugar decente que encontrássemos. Como o rio não deixava avançar, resolvemos varar mato pela direita e nos enfiando numas grotas e paredes de pedra que iam formando uma espécie de cânion seco, um lugar muito bonito , com uma paisagem diferentes das que estávamos acostumados na Serra do Mar no continente. Passado esse trecho, o barulho de uma grande queda nos chamou a atenção, então abandonamos o vara- mato e voltamos ao rio para nos encontrarmos com a maior queda até então. Aquela sim era uma cachoeira de respeito e aquele poço era algo para agradecer e fazer esquecer os perrengues passados até agora. Ficamos todos encantados com aquela queda e as caras amarradas pela ultima hora passada no mato, sendo estraçalhados por espinhos e cipós, se abriram num sorriso de felicidade e juntos decidimos que era mais que hora de descansar os esqueletos e mais que depressa retomamos a caminhada, sempre de olho em algum lugar plano para montarmos nossas redes. Subimos o rio por mais uns 15 minutos e ao encontrarmos uma laje plana e boa, jogamos nossas mochilas ao chão para tentar conferir nossa localização, já que a tal confluência não chegava nunca e para surpresa de todos, o nosso GPS nos mostrou que já havíamos passado faz tempo do entroncamento e por incrível que pareça , havíamos pegado o rio da direita e já estávamos uns 100 metros de desnível acima da confluência. Logo descobrimos o erro: Havíamos passado direto quando começamos a varar mato entre as paredes rochosas e sem nem perceber, adentramos ao rio da direita e o seguimos montanha acima. Antes mesmo que algum de nós começasse amaldiçoar o erro, alguém grita ao voltar seus olhos para cima: “- olha lá gente, a grande cachoeira do areado despencando do outro rio que acabamos por passar direto”. Sim , lá estava o monstro a despencar de uma parede colossal entre as árvores, que nos fechava parcialmente a visão. Sem querer, tínhamos avançado bem e agora, pelos cálculos do Trovo, poderíamos chegar à base dela em não mais de meia hora varando mato e interceptar novamente a vertente esquerda do rio. Ficamos felizes de termos cumprido com o objetivo do dia e não havia mais o que fazer, encontramos um terreno favorável para montarmos nossas redes e demos por encerrado esse primeiro dia de expedição. Parar ali foi mesmo fundamental porque o dia ensolarado já havia partido e no alto da serra ,uma tempestade já se avizinhava. Parte do grupo se apressou em montar suas redes, enquanto a outra parte ficou moscando à beira do rio e o Asheley ainda escapou por pouco de tomar uma picada de jararaca. O tempo virou numa velocidade inesperada e a tal tempestade chegou de vez. Eu havia já montado minha rede e meu toldo, mas não deu nem tempo de esticar todas as cordinhas antes que o dilúvio desabasse. Pulei para dentro da rede e fiquei segurando a cobertura para o vento não levar e torcendo para que minhas coisas continuassem secas. Choveu desgraçadamente durante quase 2 horas e a turma que demorou em montar abrigo, acabou por pagar o seu preço e depois de se lascarem todos, foram dormir sem janta. Quando a chuva deu um tempo, minha rede estava meio unida, mas nada do que eu já não tivesse acostumado, mesmo assim eu estava feliz porque os famosos borrachudos de Ilha Bela não haviam dado as caras com aquela voracidade já conhecida e isso já era algo para comemorar e eu e o Potenza resolvemos fazer uma janta e saborear um bacon com arroz, pra fechar a noite e alegrar a alma. Foi uma noite espetacular. Na madrugada bateu um vento tão quente que secou até as meias jogadas ao chão. Às seis horas da manhã já estávamos de pé preparando nosso desjejum e já conversando e discutindo a estratégia para a conquista final das CACHOEIRAS GIGANTES DE ILHA BELA. Eu achei que levaríamos mais de uma hora varando mato na diagonal para atingirmos a base inferior da grande cachoeira do areado, situada no outro rio, mas o Daniel Trovo insistia em dizer que em uns 15 minutos estaríamos nos regozijando embaixo da queda, mas o Potenza não contente , quis apostar com o Trovo que o tempo seria infinitamente maior que o que ele insistia em dizer, mas o instrumento da aposta vou me dar ao direto de omitir pelo bem da moral e dos bons costumes, rsrsrsrsrsrssr Bom, como a nossa intenção era explorar os dois rios apenas com mochila de ataque, deixando o nosso acampamento montado, apenas enfiei na minha cargueira os equipos de emergência, caso algo desse errado, isso me daria um conforto maior pra sobreviver por uma noite ao relento. Plano traçado, aferimos o azimute e partimos atravessando o rio, subindo o barranco e já descendo a um vale com um córrego de águas cristalinas. Galgamos terrenos em nível por menos de 15 minutos e já nos deparamos com o véu da grande cachoeira. Ninguém disse nada, cada qual procurou se livrar do mato que nos fechava a passagem, cada qual se apegou ao seu espírito desbravador e no fundo todo mundo sabia que aquele momento era de pura magia e encantamento e quando a paisagem se abriu de vez, cada um correu para onde achava melhor e de onde estávamos ficamos lá parados a contemplar o GIGANTE despencando da pedra. A GRANDE CACHOEIRA DO AREADO se apresentou ao nosso grupo, mas se recusou a se mostrar por inteira porque seu gigantismo é tão imenso que não é possível vê-la por completo. Aquilo que a gente esperava se confirmou diante dos nossos olhos e aquela era de longe, mas de muito longe a maior cachoeira de Ilha Bela. Sua altura passava fácil de 150 metros, mas de tão grande mal podíamos ver um terço dela. A gente tinha a plena certeza que não éramos o primeiro grupo a por os olhos nessa cachoeira, como eu havia dito no começo deste relato, mas estávamos dispostos a sermos os primeiros, até que se prove o contrário, a chegar até o seu topo, mas também sabíamos que a conquista não viria de graça, haja vista o tamanho do paredão que teríamos que escalar. Num primeiro momento pensamos na possibilidade de seguir pelo lado esquerdo, mas ao analisarmos melhor o terreno, a possibilidade pela direita nos apresentou mais viável. Começamos a empreitada nos distanciando da queda e aproveitamos uma rampa inclinada, mas bem protegida pelas arvores para avançarmos montanha acima. Cada um se segurou e seguiu por onde achou melhor, sempre tentando se livrar dos inúmeros espinhos que guardam esse patrimônio. Os pés e as mãos sempre grudados na rocha e na vegetação que parecia que despencaria a qualquer momento e nos jogaria no vazio astronômico. A chegada ao topo da Grande Areado foi marcada por muita comemoração e para nos presentear, a visão se abriu para um horizonte de frente para o mar azul, naquela manhã ensolarada de janeiro. Embaixo dos nossos pés uma pedra lisa e abaulada de onde a cachoeira despencava no vazio infinito. Estar ali é fazer história, é se sentir grande diante de tamanho feito e ao mesmo tempo minúsculo diante de tamanha beleza colossal. Depois de nos inundarmos de tamanha satisfação, chegou a hora de dar continuidade a nossa Expedição e dessa vez iríamos tentar ir aonde provavelmente ninguém jamais havia botado os olhos antes. Chegar até a maior cachoeira da ilha já era um feito incrível, mas chegara as cabeceiras do ALTO AREADO, como vínhamos chamando o outro rio, era a grande cereja do bolo na Ilha Bela. Iríamos explorar 1 km de paredes de onde possivelmente despencariam outras cachoeiras gigantes. Voltar ao nosso acampamento era uma decisão que poderíamos ter tomado e de lá poderíamos partir subindo o rio até sua cabeceira, mas ao invés disso, decidimos apontar nosso GPS de onde estarmos e vararmos mato nos aproveitando da crista da serra, onde já sabíamos por experiências anteriores que a vegetação é mais espaçada, podendo nos dar um corredor rápido até o alto do outro rio e depois era só descermos por dentro da água, explorando as grandes cachoeiras. Então foi o que fizemos, tocamos para cima , escalando num primeiro momento uma parede inclinada até ganharmos o topo da crista e seguimos por ela sempre subindo, num terreno gostoso de caminhar e a passos largos e por nos entretermos com a caminhada tranquila, por pouco não fomos apanhados por mais uma jararaca que nos encurralou no canto de uma árvore. Deixamos a serpente em paz e seguimos nosso caminho e quando paramos para ver nossa localização no GPS do celular foi que ficamos sabendo que havíamos andado fora da rota estabelecida e já estávamos praticamente paralelos ao rio da grande cachoeira do Areado. Já havíamos subido bastante e para corrigir o curso resolvemos pegar uma diagonal para a direita e não nos desgrudarmos mais do GPS até que pudéssemos atingir o outro rio. Portanto, abandonamos a crista que não estava mais servindo ao nosso propósito e voltamos a varar mato lateralmente, nos mantendo meio em nível e nos dirigindo para o outro rio, mas antes já sabíamos que teríamos que passar por dentro de um grande vale para depois escalarmos uma parede íngreme que nos deixaria na cumeada da parede esquerda do vale do Alto Areado. Quando chegamos nesse vale intermediário tivemos que abrir mão de uma corda para podermos descer em segurança, mas os mais ousados trataram logo de se jogarem morro a baixo apenas se valendo de alguns troncos e alguns cipós e ao tropeçáramos no riacho, aproveitamos para uma breve pausa para um gole de água. À nossa frente agora, uma parede íngreme, que logo conseguimos chegar ao seu topo e vendo que estávamos na calha do rio buscado, partimos para uma diagonal definitiva, descendo de vez até as margens, aonde fomos parar bem no meio de uma cachoeira que nem chegamos a ver seu topo de tão grande que era. Nesse momento vimos que o melhor a fazer era nos distanciarmos do leito do rio e ganhar mais altitude, numa tentativa de alcançar o seu patamar superior e foi o que fizemos e mais uma vez nos deparamos com uma cachoeira ainda maior onde o Daniel Trovo achou que ali seria nossa ultima parada antes de nos jogarmos dentro do próprio rio e descê-lo, explorando todas suas cachoeiras até interceptarmos de novo nosso acampamento perto da confluência. Mas foi aí que um pequeno impasse se instalou entre o Trovo e eu e o Potenza. O Trovo achava que deveríamos atravessar por ali e eu e o Potenza insistíamos que o topo das cachoeiras ainda não havia chegado, mas depois de uma conversa mais demorada, chegamos a um consenso e convencemos o Daniel de que deveríamos continuar escalando. O Asheley tomou à dianteira e Foi puxando a fila até que nosso caminho chegou ao fim, barrados por uma parede intransponível e que mais uma vez nos deixou travados no meio de uma queda d’água. Agora o caldo havia entornado de vez, ou a gente voltava e tentava uma volta gigante para retomar nosso rumo pela direita até o topo ou dávamos por encerrado aquela exploração, tentando voltar a descer até que pudéssemos passar para o outro lado rio. Mas ainda havia uma terceira opção, tentar uma escalada suicida pelas bordas do abismo. O Trovo que havia perdido a contenda anterior, só de sacanagem já foi empurrando o Asheley e fazendo o menino escalar o paredão, se segurando numas vegetações cretinas que nem os calangos selvagens estavam querendo se ariscar. Com a ponta do pé sobre uma raiz que ameaçava se descolar da parede e jogar todo mundo no vale , pegaram impulso e foram se elevando como dava, deixando a gente para trás e o Paulo Potenza, com um olho arregalado, já pensando que havia se fudido por desafiar o mestre Trovo e agora era caminho sem volta. Eu até que tentei subir pela vegetação, mas quando Trovo e Asheley passaram, levaram tudo com eles e como o Potenza já tava xingando horrores pelo caminho escolhido, pedi para que os meninos do topo que nos jogasse a corda e tinha que ser logo porque meus pés já não estavam mais aguentando se segurar naquela raiz mequetrefe. Com a corda instalada todo mundo foi ao alto da parede e aí foi só nos agarrarmos a mais uma rampa e varar uma pouco mais de mato até que nos posicionamos no topo das cachoeiras que vínhamos buscando, mas a comemoração pela conquista foi logo abreviada porque alguém olhou para cima de outro ângulo para simplesmente descobrir outra monstruosa cachoeira despencando em duas quedas enormes com uns 70 metros de tamanho. Agora sim estávamos de cara com a queda d’água que havíamos nos proposto a alcançar, enfim o início do ALTO AREADO acabara de ser descoberto e essa era, muito provavelmente, até que se prove o contrário, a primeira vez que uma equipe de exploradores botou o os olhos nela. A expedição não havia terminado, muito porque ainda tínhamos mais de um km de rio e cânions para descer até o nosso acampamento, mas cada um já estava ciente de que havíamos agora de completar todo o nosso planejamento. Despedimos-nos da GRANDE CACHOEIRA DO ALTO AREADO , atravessamos o rio para o lado direito de quem desce e começamos a perder altitude, nos valendo de um corredor mais aberto até vinte minutos a baixo voltarmos novamente ao rio para apreciar mais uma queda de uns 60 metros, justamente aquela que tivemos que ir escalando pelo lado esquerdo do rio. Verdade mesmo que tudo fazia parte de uma parede extraordinariamente gigante, que quase formava uma só cachoeira. Continuamos descendo até a base dessas paredes aonde encontramos um patamar e lá nos instalamos para apreciar mais um espetáculo de águas despencando de cima das pedras onde no topo, uma cachoeira de uns 50 metrosemendava com mais uns 50 de paredes. Esse nos pareceu ser o final das grandes cachoeiras da parte superior do Alto Areado, que juntando com a cachoeira mais próxima da confluência, formavam assim um total de quatro grandes quedas d’água gigantes, num dos roteiros SELVAGENS mais incríveis de Ilha Bela. Seguimos bordejando o rio, mas agora só olhando os vários poços que iam se formando. Estávamos com muita fome e havia chegado a hora de retornarmos para o nosso acampamento, foi um dia de muitas conquistas e muito esforço físico e quando lá chegamos, já tratamos de colocar nossos fogareiros para trabalhar, fizemos um almoço tardio, mas ninguém arredou o pé até que não aguentasse comer mais nada e aí ficamos jogando conversa fora à sombra de um grande pico em forma de tetas que guarda do outro lado do outro afluente, a maior cachoeira da ilha. Havíamos deixado nosso acampamento montado, então era algo com que não tínhamos que nos preocupar. A noite estava linda, mas todos estavam bem cansados, então logo que escureceu cada qual caçou seu rumo e foi descansar o esqueleto nas suas redes. Todos foram dormir cedo e para nossa alegria, novamente os borrachudos vorazes da ilha não deram as caras e ninguém reclamou de nada e logo que o dia nasceu já tinha gente de pé preparando o café. Desmontamos tudo vagarosamente e partimos de volta para a civilização, mas ao invés de voltarmos por dentro do rio, decidimos que ganharíamos a crista do lado esquerdo e vararíamos mato nos mantendo uns 100 metros afastados do rio para evitarmos as grandes pedras. Portanto, subimos o barranco e avançamos muito rapidamente ao encontrarmos uma vegetação mais espaçada, que só se fechava quando tínhamos que descer para cruzarmos os inúmeros afluentes. Achar essa rota foi realmente sensacional porque acabou nos economizando umas três horas de pernadas e mesmo a gente tendo encontrado umas passagens com alguns amontoados de pedras, inclusive formando arcos rochosos, mesmo assim foi um caminho feito na metade do tempo de ida. Mas ao chegarmos ao rumo de onde estavam os grandes poços e a cachoeira do Escorregador, apontamos nosso nariz para lá e jogamos nossas mochilas ao chão para mais uma rodada de ócio, brincadeira e descontração infantil, onde todo mundo resolveu se atirar na água e saltar de cima das pedras e escorregar na tal cachoeira. Ninguém queria ir embora daquele lugar, mas ainda tínhamos uma caminhada longa até Borrifos, onde estava o nosso carro. Fomos descendo, mas dessa vez ninguém quis mais abandonar o rio, eu mesmo fui me atirando em tudo quanto é poço e de cima das pequenas cachoeirinhas, dava para ver o azul do mar, se contrastando com o verde da floresta, numa visão realmente muito bonita. Quando chegamos de volta à ponte pênsil, aonde uma galera que voltava da Praia do Bonete estava, todo mundo olhou espantado para o nosso grupo e ninguém entendeu nada do que estava acontecendo e ficaram surpresos ao saber que havia malucos que vararam mato por três dias, subindo o rio para procurar algo que eles nunca ouviram falar. Ao chegarmos à trilha e a ponte do Rio Areado, a gente se cumprimentou e comemoramos de vez o sucesso daquela Expedição, tudo que havíamos planejado, havíamos cumprido. Retomados novamente a trilha e 4 km depois paramos novamente na pequena cachoeira da Laje para mais um banho e para comermos a única coisa que havia sobrado nas nossas mochilas: dois gomos de calabresas com limão e um suco em pó, para brindar a vida, a amizade e a conquista inédita e em seguida apertamos o passo até desembocarmos de vez no estacionamento do pescador e finalmente encerrar aquela jornada incrível. ILHA BELA é um dos lugares nesse país com o maior numero de enigmas e mistérios. A segunda maior ilha marítima do Brasil, com histórias de piratas, trafico clandestino de escravos, naufrágios memoráveis como o Navio Príncipe das Astúrias, considerado o Titanic brasileiro. Histórias de tesouros escondidos e animais exóticos. Fez fama por ser a capital da vela, tem os maiores picos insulares do país, o mosquito mais voraz da via Láctea e é claro, a grande fama de hospedar em seu território mais de 300 cachoeiras. São muitos os mistérios, mas a partir de agora o misterioso Rio Areado deixou de ser lenda e essa expedição veio para jogar uma luz definitiva nesse acidente geográfico e colocá-lo em definitivo no mapa das grandes descobertas do Estado de São Paulo. Divanei Goes de Paula – janeiro/2018
  4. TRAVESSIA VALE DO GUARATUBA Nossos olhos se entrelaçaram quando as bordas do abismo se apresentou à nossa frente. Cada qual daqueles exploradores modernos se deu conta de que haviam chegado em um caminho sem volta e uma vez tomada a decisão de descer aquele vale gigantesco, estariam por conta e risco. No fundo mesmo, havia meio que um medo estampado no rosto de cada um por tudo que tinha envolvido toda a organização daquela expedição, onde o grupo se esfacelou, com membros desistindo na última hora e dizendo ser impossível tal empreitada. Mas como a vontade de realizar algo é maior do que o medo, mesmo estando diante do maior desnível que jamais havíamos enfrentado na Serra do Mar Paulista, haveríamos de nos agarrar uns aos outros, botar a faca nos dentes e inserir mais um vale selvagem nos mapas da SERRA DA AVENTURA. Quando eu dei o start, dizendo que meus próximos estudos para as travessias selvagens na Serra do Mar estavam direcionados para o VALE DO RIO GUARATUBA, o Vagner e o Potenza já saíram da moita dizendo que já fazia algum tempo que também estavam de olho nesse rio e aí não houve problemas para que resolvêssemos juntar forças para tirarmos esse projeto do papel. Acontece que eu e eles sabíamos que acessar aquele rio no planalto de Biritiba Mirim-SP, não era nem de longe coisa fácil por ele estar inserido dentro da área da SABESP (Companhia de Águas de São Paulo) e que conseguir uma autorização era tempo perdido. As conversas nos levaram a que seria preciso alguém ou algum grupo ir até o local e achar um caminho alternativo que pudesse nos levar até o rio, ou seja, uma entrada clandestina até a Estação de Bombeamento Guaratuba, uma operação de guerra que poderia nos custar o fim do projeto caso alguém fosse pego pela fiscalização. Como eu moro no interior, coube ao Vagner e ao Tony a missão inicial de tentar achar o caminho, coisas que eles fizeram como uma competência ímpar, mas infelizmente não conseguiram chegar até o rio e então seria preciso mais uma incursão, a derradeira, para que começássemos a discussão final sobre a expedição. Na segunda tentativa se juntaram ao Vagner, o Rafael, Potenza e o Daniel Trovo e o grupo se esgueirou pela madrugada numa noite de chuvas torrenciais até finalmente alcançarem a Estação de Bombeamento e voltaram de lá com o caminho pronto para o Rio Guaratuba, a primeira parte do projeto estava finalizado, hora de nos preocuparmos com a descida em si e a convocação do grupo, que logicamente teria de ser escolhido a dedo. Como sempre tudo começa com horas e horas de pesquisas na internet a fim de descobrir se haveria algum registro de descida, mas lá no fundo todos nós sabíamos que não encontraríamos coisa alguma, mesmo porque, se não havíamos encontrado nada em outros rios com desníveis muito menor, nesse Guaratuba é que não encontraríamos nada mesmo. A segunda parte é partir para os estudos topográficos e mapas de satélite e foi aí que o queixo da gente desabou no chão. O desnível parecia grande, mas no mapa topográfico era um convite ao suicídio. Mais de 800 metros em míseros 4 km, sendo que no início o rio despencava numa parede vertical em uma inacreditável sequência de abismos e penhascos inacessíveis. Pronto, era a deixa para que parte do grupo picasse a mula, desconfiados de que aquilo ali era uma furada dos infernos e cada qual tratou logo de procurar outra coisa para fazer e nos deixou com um grupo escasso, restando apenas uma meia dúzia que ainda insistia na possibilidade de êxito. A data escolhida foi o feriado da Consciência Negra, que nos daria três dias de possibilidades, mas que por uma infelicidade nossa, quando essa data se aproximou, arrastou atrás de si uma frente fria tremenda e que anunciava um dilúvio para a região. Pronto, foi a deixa para que mais gente do grupo apanhasse seus panos de bunda e fosse se aventurar em outras paragens, ninguém seria retardado para enfrentar uma descida naquelas e com aquele tempo na sucursal do inferno. Pois é, eu mesmo queria saber se os que sobraram estavam mesmo engajados no projeto e se ainda lhes interessava ariscar suas vidas naquele vale, muito porque não haveria outra oportunidade nesse ano e para minha surpresa ainda restaram além de mim, mais quatro suicidas. É numa sexta-feira chuvosa e de transito infernal que me encontro com o Paulo Potenza no metrô de Itaquera, na zona leste da capital Paulista. Mal nos cumprimentamos e ele já veio com aquela conversa de “cerca Lourenço”, dizendo que com aquele tempo éramos candidatos a sair daquele vale como passageiros de um certo helicóptero do Águia. Enquanto o trem sacolejava na estrada de ferro, ele ia me passando um milhão de dados acerca da descida do Guaratuba, onde dizia ele ter descoberto que ali era a morada do próprio satanás e que a gente estava sendo atraído para uma grande armadilha. Eu ia escutando tudo que ele dizia, mas no fundo estava cagando e andando para os dados, muito porque não foram poucas as vezes que em outras expedições eu tive que escutar lamúrias negativas de outros exploradores e sempre me mantive firme. É mais uma vez com uma grande alegria e satisfação que na Estação de Suzano volto a rever meus amigos Daniel Trovo e VGN Vagner e passo a conhecer o Tony, que vai ser o novato do grupo e enquanto esperávamos a VAN que nos levaria para a trilha, aproveitamos para colocar o papo em dia e juntos tentarmos resistir as investidas do Potenza que tentava salvar nossas vidas da tragédia que se anunciava, pelo menos na cabeça dele. Não demora muito e o nosso transporte chega e com ele um motorista loroteiro que foi contando histórias sem pé nem cabeça e fazendo a gente dar muita risada. O motorista era alegre e sorridente, mas quando chegamos em Biritiba Mirim e o Vagner indicou que teríamos que pegar a estrada de terra para o destino Casa Grande, o piloto começou a definhar na escuridão daquele fim de mundo. A estrada fazia curva atrás de curva e nunca chegava a lugar nenhum e o motorista só fazia coçar a cabeça e o saco e amaldiçoar a dia em que ele foi aceitar aquela viagem onde cinco sem noção diziam que iriam descer para praia varando mato sabe-se lá por onde. Pouco antes do motorista ter um infarto, nosso caminho motorizado chega ao fim assim que passamos pela área principal da SABESP e pegamos logo a direita numa estradinha de terra escura e enlameada. Parados ali naquela escuridão e prestes a nos perdermos rumo ao nosso próximo destino, o Paulo Potenzaanuncia a sua desistência formal. Com os olhos arregalados de quem não sabia o que estava fazendo ali, pede mil desculpas e humildemente diz que não se sentia em condições psicológicas de nos acompanhar e é claro que nós prontamente entendemos a posição dele e achamos muito nobre da sua parte usar de sinceridade para com o grupo, do que simplesmente tentar seguir por um caminho que ele já não estava mais a fim. Bom, a gente entendeu mais ou menos, porque sempre tem uns filhos da puta que não está a fim de deixar barato e nem perder a oportunidade de dar uma zoada, então foi aí que o safado do Tony, do nada resolveu imitar um frango ou uma galinha, para aloprar a cabeça do Potenza, coisas que só as grandes amizades podem proporcionar e aí não teve jeito, fez com que a maioria do grupo rolasse no chão de tanto rir e foi assim, naquela madrugada embaçada, que vimos Potenza, Van e o motorista contador de lorotas se perderem na escuridão da noite. A caminhada agora ia começar, seriam quase 12 km até o Rio Guaratuba e logo o Vagner toma à frente, porque ele é o cara que sabia o caminho clandestino para passarmos sem ter que enfrentar a burocracia da companhia de águas. Na escuridão da noite, logo após alguns minutos, deixamos a estradinha que estávamos e nos enfiamos em outra que mais parecia uma trilha e quando chegamos a um capão de mato, adentramos no meio da floresta e fomos arrastando mata no peito e por uns quinze ou vinte minutos navegamos meio que às cegas até que a picada nos desovasse na estrada principal, já longe das vistas da Sabesp. É uma noite mesmo estranha, ao mesmo tempo quente e agradável, mas com prognóstico de muita chuva. Ganhando a estrada, em 2 km tropeçamos na primeira ponte do Rio Claro, o Vagner e o Tony vão à frente e eu e o Trovo seguimos na cola, botando a conversa em dia. Mais outros 4 km de andanças e já estávamos passando novamente por cima do Rio Claro, já que o rio vai serpenteando bem perto da nossa estradinha e à frente, numa bifurcação, pegamos para a direita e andamos mais uns 4 km e logo, após cruzarmos mais uma grande ponte, aparece a iluminação da Estação de Bombeamento Guaratuba. Os corações ficam acelerados e a apreensão toma conta de todo mundo porque não passa pela nossa cabeça sermos pegos àquela hora da noite e dizer adeus ao nosso projeto. Devagar e silenciosamente dobramos a curva e adentramos nas instalações e mesmo sabendo que nossas intenções são das melhores, porque não queremos mexer em nada que não seja da nossa conta, não tem como não sentir aquele frio na barriga que só passaria ao constatarmos que tudo estava vazio e usando do mesmo método da primeira investigação, os meninos conseguem sutilmente abrir as portas e nos botar para dentro e ali faríamos nosso abrigo até que um novo dia rompesse dizendo que havia chegado a hora da aventura começar. Foi uma noite difícil, com sobressaltos constantes, sempre com aquele medo de sermos surpreendidos, mas logo antes que o despertador batesse seis da manhã, pulamos rapidamente de dentro dos nossos sacos de dormir, arrumamos as mochilas e saímos vazados de lá. A Estação de Bombeamento Guaratuba fica bem `as margens do rio de mesmo nome e como não poderia deixar de ser, junto dela uma pequena barragem faz a contenção do rio, que surpreendentemente, apesar das chuvas dos últimos dias, está baixo e muito bonito. Falando em chuvas, foi mesmo uma sorte a nossa de a chuva não cair durante a noite porque se tivéssemos pego o rio bufando de cheio, muito provavelmente a moral do grupo já iria para os níveis mais baixos possíveis. Certo mesmo é que o grupo estava animado e sabedor de que os riscos eram muitos, mas nossas experiências passadas neste tipo de expedição durantes vários anos poderia nos dar uma chance de êxito, mas tudo dependeria do tipo de terreno e principalmente de como se comportaria o tempo, porque se o céu desabasse como estava previsto, aí a caldo poderia entornar de vez. Sete horas da manhã abandonamos de vez a Estação e nos enfiamos num rabo de trilha na curvinha da estrada e alguns minutinhos depois, estávamos no GRANDE POÇO DO GUARATUBA, com suas águas cor de Coca-Cola. Daqui para frente era varar mato e escalar pedras até definitivamente nos vermos à beira do rio e como ainda é muito cedo, ninguém quer molhar as botas e cada qual vai tentando se livrar como pode, até que o único caminho viável é atravessar o rio para sua margem esquerda, junto a primeira queda do rio, uma cachoeirinha bucólica e bonita, um pequeno aperitivo do que estava por vir. Atravessando junto a cachoeira, não demora muito já somos barrados por um grande poço e como vou à frente, o único caminho que percebo ser possível passar sem ter que se jogar na água, é escalando as paredes laterais, feito caranguejo, andando de lado, mas chega uma hora que o inevitável acontece e um passo mal dado me leva para dentro do rio, me fazendo empapar minhas botas e sentir o começo da gelada em que havíamos nos metido. Vendo que eu já havia me lascado logo cedo, os outros meninos já se metem num vara-mato e cortam essa parte e a gente se junta aonde a água começa a despencar do poço. A opção mais fácil é novamente voltar para a margem direita, atravessando sobre umas pedras lisas e escorregadias e logo ganhamos o outro lado, mas infelizmente nem avançamos muito e já nos apareceu o primeiro problema. Uma parede se eleva sobre nossas cabeças e a única solução que encontro é jogar uma corda e tentar descer uns 12 metros para poder chegar novamente ao leito do rio, mas infelizmente a nossa corda não conseguiu chegar até a água, faltando uns 3 ou 4 metros, então metemos de novo nossa corda na mochila e resolvemos escalar o paredão na unha mesmo e essa foi a única vez em toda essa travessia que tentamos usar a corda. Aqui na Serra do Mar a gente vê o que é escalar de verdade, não tem corda, não tem proteção, nem equipamento algum para salvar sua vida se algo der errado, é ter sangue frio, confiar na intuição de encontrar o lugar certo para pôr os pés e a planta certa para segurar as mãos, as vezes uma mera bromélia ou um cipó, talvez uma pequena raiz e aí é prender a respiração e praticamente levitar para conseguir chegar vivo ao outro lado e já ir preparando o espirito para o próximo lance. Descemos a outro patamar e foi nessa hora que o nosso mundo sumiu nos abismos colossais que se apresentou à nossa frente. Agora éramos 4 homens entregues cada qual ao seu medo interior. Ninguém disse muita coisa, mas no fundo a cabeça de cada um girava mais que o pião da casa própria. Será que valeria mesmo a pena a gente se jogar naquele vale monstruoso, com o maior desnível que a gente já tinha presenciado até hoje em toda as expedições na Serra do Mar? A confusão, a desistência de parte do grupo e de membros de última hora não seria um aviso para se levar em conta? O tempo ainda se mantinha embaçado e se a chuva viesse a cair como estava previsto, estaríamos perdidos no meio daqueles vales e pendurados em paredes escorregadias sem ter como voltar, porque uma vez tomada a decisão de adentrar rumo ao desconhecido, era caminho sem volta. No horizonte avistávamos uma grande cadeia de montanhas e florestas a perder de vista. Daniel Trovo e Vagner até vislumbraram um grande roteiro alternativo, caso as entranhas do inferno nos barrasse o caminho, mas eu sinceramente não estava nem um pouco convicto que varar mais de um dia de mato seria a nossa solução. O Tony, coitado, o debutante da turma, nem sabia na enrascada que poderia estar entrando e nem palpite dava. Por hora havíamos chegado à conclusão de que nosso maior obstáculo seriam os dois próximos afluentes, sendo que um grande afluente da direita, uma espécie de encontro de vales era o que poderia nos dizer se fracassaríamos ou não, então em um primeiro momento combinamos que nosso propósito era ir pelo menos até esse afluente e lá tomaríamos a decisão de seguir ou voltar, esse seria nosso porto seguro, mas eu duvidei desde o princípio. Tomada a decisão de seguir, comemos a torta da sogra do Trovo e partimos. Partimos para o alto, porque para baixo é caminho impossível, onde as águas despencavam exprimidas em gargantas estreitas, então o único caminho era voltar a escalar a parede do lado direito, ganhar altura e voltar a descer numa diagonal alucinante até voltarmos ao rio. Já na subida começamos a perceber que o tempo havia mudado e o sol apareceu no céu para renovar nossas esperanças. A subida é dura, pedras deslizam constantemente, urtigas vão raspando na nossa pele, transformando o nosso trabalho num árduo pesadelo, mas não demora muito para o Daniel Trovo soltar um grito estridente que ecoou por todo o vale: Paramos imediatamente para saber do que se tratava e foi aí que ele nos avisou que no meio da floresta, bem diante dos nossos olhos, dava para ver um pedacinho do mar e do condomínio perto da praia. Nos alegramos imediatamente e mais que depressa deixamos nossos corpos deslizarem barranco abaixo e nos rendemos a lei da gravidade até que o Vagner vislumbrou a possibilidade de acessarmos o rio descendo por um afluente seco, talvez apenas um caminho de água de chuva. O barulho do rio era cada vez maior e a “branquitude” de suas águas se refletiam no verde da floresta como a nos hipnotizar e a nos chamar para contemplar o espetáculo que estava por vir. A cada passo dado, ou a cada escorregão dado, a presença do gigante era sentida. Mais uma vez estávamos prestes a botar nossos olhos no que muito provavelmente ninguém ou quase ninguém jamais havia botado. Vamos nos livrando dos obstáculos, descendo, escorregando, caindo, despencando até finalmente nos vermos aos pés da primeira grande queda do Vale do Guaratuba. Uma impressionante cachoeira despencando numa fenda gigante. O deslumbramento tomou conta de todo mundo, o Daniel Trovo urrava feito doido e a todo momento agradecia a companhia de gente doida que não se deixou abater pelo medo do desconhecido. Se a cachoeira era um espetáculo, o que dizer da vista daquele patamar: Uma visão esplendorosa nos fez cair de costas. Simplesmente toda a visão do litoral aos nossos pés, com suas praias, suas ilhas e o seu mar. Não tivemos dúvidas que até então essa era a visão mais espetacular de todas as travessias selvagens na Serra do Mar até hoje, mas felizmente, estávamos redondamente enganados. Ficamos ali, junto a cachoeira conversando sobre o futuro incerto daquela expedição e enquanto as ideias iam surgindo, a gente ia se deleitando com alguns petiscos e mais uma rodada de torta da sogra do Trovo. A gente estava contente, não só pelo bom andamento da empreitada, mas porque o grande astro resolverá reinar no céu e aquecer as nossas almas famintas de aventura e para marcar essa primeira conquista resolvemos nomear aquela queda como SALTO DO CACAREJO, haja vista que havíamos dado muitas risadas do acontecido com o nosso amigo Potenza e lamentamos muito que ele não estivesse com a gente. Abandonamos o grande salto e caímos novamente no mato porque seguir pelo rio já sabíamos ser impossível. A tenção vai aumentando a cada metro vencido, mas o alívio também é sempre comemorado a cada obstáculo ultrapassado. Mesmo tendo que descer, a única solução é ganhar altitude para poder escapar dos paredões à beira do abismo, que insiste em querer nos jogar nas gargantas. Geralmente as ações seguiam sempre um mesmo ritmo, com eu e o Vagner nos revezando no vara-mato com o Trovo dando as direções que achava necessárias e o Tony fazendo as honras do cú de tropa, que é sempre o lugar mais confortável nessas expedições. O grande problema é sempre saber a hora certa de abandonar mais ou menos a caminhada em nível e partir para a despencada final do barranco, às vezes uma decisão mal tomada faz com que tenhamos que voltar a ganhar altitude novamente e aí dá vontade de sentar e chorar, mas não há tempo para isso, é preciso tomar folego e voltar a escalar as paredes lisas e sempre torcer para que nenhuma pedra role e atinja o explorador que vem logo atrás. Já no alto novamente, desembestamos agora numa descida alucinante e ao encontrar um grande degrau para descer ao rio, eu e o Vagner resolvemos ariscar, enquanto o Trovo e o Tony acharam um caminho melhor e logo toda a equipe se amontou em um grande patamar de rocha, junto a uma cachoeira linda onde se descortinou toda a magnitude do Oceano à nossa frente, hora de estacionar ali e deixar aflorar todo o prazer de ter podido ter a oportunidade de conhecer um lugar daquele. Poucas eram as nuvens no céu e o sol queimava tudo. No horizonte era possível quase que ver as barracas na praia de Boracéia e a gente não conseguia se conter de tanta felicidade por saber que, muito provavelmente éramos os únicos ou ao menos estávamos entre os poucos privilegiados a poder deslumbrar aquela paisagem. A cachoeira despencava numa rampa e depois caia sobre uma gruta formando um poço profundo. Já passava do meio dia e o cansaço também tomava conta da gente, já que havíamos dormido quase nada. Eu aproveitei para aquecer o corpo depois de entrar na água gelada e por um tempo fique lagarteando sob o sol, mas o Tony não tinha como esconder, a cara dele denunciava seu sofrimento aparente. Ele havia descido escorregando e caindo em tudo que é lugar e eu mesmo naquela hora cheguei a duvidar da capacidade dele de chegar inteiro no final da expedição, acho que ele mesmo ainda não havia se conformado de ter entrado naquela furada e acho que pensava constantemente onde foi que ele resolveu amarrar seu bode. Os meninos se divertiram entrando na gruta e se escondendo atrás do véu da cachoeira e eu me esbaldava com a visão do mar e logo o trovo já veio oferecendo mais torta da sogra, cada um comeu um pedaço e quando nos saciamos de torta e de daquele visual, abandonamos a CACHOEIRA GRUTA DA BELA VISTA e fomos nos aventurar em outras paragens, mas para isso tivemos novamente que estudar o caminho e ver as possibilidades viáveis. Já estávamos nos aproximando do momento crucial, onde havíamos definido que seria o lugar que poderíamos ser barrados. Primeiramente sempre depois de voltarmos a subir paredes lisas e varar mais mato nos segurando nos cipós e em vegetação cada vez mais espinhuda, cruzamos por um dos afluentes que localizamos no mapa topográfico, mas que para nossa sorte, não passava de um vale seco, talvez apenas um escoadouro de águas da chuva e logo conseguimos voltar ao rio , aonde uma singela cachoeira que despencava de um amontoado de pedras enormes nos dava as boas vindas e nos instigava a pular no seu poço de aguas escuras, chamamos de CACHOEIRA Da CUNHA ,mas resolvemos não nos demorar muito ali, estávamos ansiosos para chegarmos logo ao grande afluente superior e ver qualquer que era as dificuldades que ele iria nos impor. Desta vez não tinha jeito, era subir até onde o terreno desse passagem, muito porque, ao encontrarmos mais um rio seco, tentamos descer e fracassamos, então varamos matos e samambaias gigantes, até que lá do alto avistamos o rio se encontrando com o afluente que buscávamos. Contornamos mais acima ainda para escapar dos abismos e sem muita demora desembocamos bem acima do tal afluente, de águas cristalinas e vistas espetaculares das praias e do próprio Rio Guaratuba encontrando o mar. É impressionante como a gente projeta as coisas baseadas nos nossos medos interiores. Achávamos que ali seria as bordas do planeta, donde cairíamos nos abismos do além, mas ao contrário disso, nos deparamos com uma queda d’água deslumbrante e com vistas para o jardim do Éden. Imaginávamos que ao chegarmos nesse trecho estaríamos numa espécie de proa de navio, aonde descer seria impossível e voltar , necessário. De cima daquele patamar, junto aquele afluente lindo era possível ver o grande rio Guaratuba correndo um pouco mais manso logo abaixo e no Horizonte uma floresta verdejante se juntando ao oceano e para marcar esse incrível lugar resolvemos chamar essa queda d’água de CACHOEIRA DA PROA. Depois de um breve descanso, resolvemos descer ao pé da cachoeira e num piscar de olhos, já havíamos escorregado para baixo da sua queda aonde os mais corajosos, não eu, já se meteram embaixo dela e ficaram lá por um bom tempo se refrescando. Quando todos estavam satisfeitos, jogamos as mochilas nas costas e fomos desescalando pedras e descendo degraus até retornarmos ao rio e como as surpresas nessas expedições nunca parecem ter fim, fomos desembocar em mais uma espetacular cachoeira que vinha de um afunilamento e depois se esparramava sobre as pedras e caia em mais um poço de águas escuras, hora de parar para mais uma rodada de ócio, acompanhada de pedaços suculentos da torta da sogra do Trovo e de deliciosos petiscos roubados de uma certa festa de aniversário e para marcar mais essa conquista chamamos aquela queda de CACHOEIRA DA JUNÇÃO. O dia estava rendendo e já estávamos a mais de sete horas num ritmo alucinante e agora uma brecha no rio nos fez passar para o lado esquerdo e nossa caminhada vai seguindo passando por um infinidade de pequenas cachoeirinhas, onde descer de grandes matacões e rampas rochosas sempre era preciso, mas varar mato nunca saia de moda e logo estávamos novamente descendo ao pés de mais uma grande queda, aliás, uma não, três quedas. Talvez uma das mais bonitas sequencias de saltos, com um poço gigante que vai hipnotizando um a um até que eu mesmo, que não sou muito chegado em aguas frias, não me contenho e vou parar no fundo do rio. O Tony, o Trovo e Vagner já se enfiam debaixo na última queda e só saem de lá porque já sabem que o dia não tarda em se findar e é preciso adiantar o passo e ganhar terreno. A CACHOERIA DOS TRÊS POUSOS, serviu para termos uma certeza: Aconteça o que acontecer, nada mais poderia nos deter na nossa caminhada rumo ao litoral, mesmo que algo viesse a dar errado, o único caminho possível era finalizando essa travessia selvagem. Outra cachoeira é cruzada e quando mais uma garganta no fecha o caminho, é hora de voltar para o mato, comer folha, se pendurar em arvores de espinho, varar terreno irregular, subir pendurado em arbustos podres e rezar para que eles não quebrem e nos faça despencar nos abismos. O corpo já do sinal de que está chegando ao seu limite e já começamos a cogitar em encontrar algum lugar para acampar, mesmo porque o tempo já começa a fechar e não tarda em começar a chover, mas acampar nesses lugares não é coisa fácil, o terreno é muito irregular e achar arvores que preste à beira do rio é algo trabalhoso. Já passa das quatro da tarde e ao tropeçarmos em um afluente de águas cristalinas, a gente jogas as mochilas ao chão e damos como encerrado esse dia de aventuras e deslumbramentos. É um lugar imprestável para acampar, mas é o que temos para hoje e foi bom parar aqui porque na mesma hora as torneiras do céu resolveram se abrir. A chuva caiu por uns quinze minutos e quando parou foi a deixa para montarmos nossas redes, coisa que fiz em menos de vinte minutos e por estar tão cansado, ao deitar sobre ela, não consegui mais me levantar e apaguei por umas duas horas e só acordei porque os borrachudos já haviam comido uma das minhas pernas e a chuva havia inundado a minha rede porque os meus vizinhos resolveram cair da rede e levar junto a cordinha do meu toldo. A noite já havia caído e eu estava envolto no meu sofrimento, com a cara toda inchada de tanto borrachudo. Levantei-me naquele aguaceiro todo e na escuridão da floresta tentei encontrar minha lanterna para ver se conseguia fazer uma janta, mas desisti, não consegui localizar um palmo de terreno plano nem para estabilizar meu fogareiro e por estar com a barriga entupida de uma certa torta, nem fome estava sentindo. Enquanto eu tentava concertar meu toldo e instalar meu mosquiteiro corretamente, um dos meus vizinhos, um tal de Tony, se debatia na sua cama de mato e expunha todo o seu sofrimento de novato nessas expedições. Sem saco de dormir, numa rede molhada e sem mosquiteiro, ele exalava sofrimento que beirava o desespero, e essa foi mais uma noite passada no inferno. Para nossa sorte o dia amanheceu sem chuvas e logo que um facho de luz iluminou nosso acampamento, pulamos das redes para um desjejum meia boca. Havíamos acampados surpreendentemente na cota 350 m de altitude, conseguimos descer 500 metros de desnível em um só dia, mas sabíamos também que em matéria de distância, havíamos percorrido muito pouco e ainda teríamos muita quilometragem para descer o rio, varar mato, subir parede. Aliás, por falar em paredão, o nosso destino nesse novo dia era nos livrarmos de uma parede gigante, aonde pelo rio era impossível passar porque uma garganta profunda já se apresentava à nossa frente. Tentamos subir o afluente do nosso lado esquerdo, mas logo vimos ser impossível e aí tivemos que escalar uma das suas margens e dar uma grande volta até nos posicionarmos acima da própria cachoeirinha, passar para o outro lado e escalar uma parede menor. A sequência foi um teste de paciência, sempre tentando achar uma diagonal que nos devolvesse de volta ao rio, aonde vislumbrávamos chegar aos pés de outra grande cachoeira. A gente deu a volta em um morrote para cortar caminho e fomos descendo, perdendo altura aos poucos, nos livrando dos obstáculos, mas quando vimos que estava difícil achar uma linha de árvores para voltarmos ao rio, não teve jeito, saímos deslizando barranco a baixo nos guiando pela luminosidade da grande queda d’água até chegarmos em um patamar ao alto imediatamente jogarmos nossas mochilas ao chão para melhor podermos no desfrutar daquele espetáculo aquático. Mais uma cachoeira gigante se descortinou no meio da floresta. Três quedas despencando, sendo a última muito maior e caindo em um poço gigante. Para nossa surpresa havíamos andado muito e quase não saímos do lugar e acabamos voltando ao rio pouco abaixo de onde havíamos bivacado. Infelizmente descer até o pé da cachoeira seria um esforço enorme e como havia voltado a chover um pouco, o rio estava cheio e se aproximar da queda, muito perigoso, então batemos uma foto, viramos as costas e seguimos nosso caminho e para marcar esse ponto geográfico chamamos de CACHOEIRA NEBLINA DO GUARATUBA. Surpreendentemente aquela expedição estava seguindo seu curso numa normalidade jamais pensado pela gente, perdíamos altitude rapidamente. Nada era fácil, claro, um terreno terrível e desafiador, mas que aos poucos ia sendo conquistado e por volta da onze da manhã já conseguíamos ganhar distância caminhando pela margem do Guaratuba e ao chegarmos numa espécie de ilha foi que conseguimos achar um lugar decente que poderia ser transformado em um lindo acampamento, inclusive com uma gruta que poderia servir de abrigo para um grupo inteiro e para marcar esse lugar foi ali que resolvemos deixar nossa CAPSULA DE REGISTRO DE TRAVESSIAS SELVAGENS , bem na cota 200 de altitude.. Mas desta vez não foi nada elaborado, porque eu havia decidido não carregar nada que pudesse colocar minha segurança em risco com peso excessivo, diante da perspectiva de uma travessia ariscada. A capsula dessa vez foi improvisada com uma garrafa de boca larga e dentro deixamos os manuscritos de nossa passagem pelo vale, marcando assim essa conquista inédita, pelo menos em tempos modernos. A partir desse ponto o grande Rio Guaratuba já começou a dar sinais de calmaria, que ia se alternando com pequenas quedas. O caminho ia seguindo, cruzando por ilhotas e matacões, hora a gente seguia pelo mato, agora já com pouca inclinação, hora descíamos pelo próprio rio, as vezes alternando de margem. Até então não havíamos encontrado qualquer sinal de passagem humana, nada que nos dissesse que um dia aquele vale teria recebido alguma pegada humana, mas quando o terreno caiu abaixo dos 100 metros de altitude começamos a desconfiar de que logo poderíamos encontrar rastros de civilização e ao cruzarmos um bonito afluente do lado esquerdo, paramos para acabar de vez com a torta da sogra do Trovo e logo a frente um rabo de trilha foi localizado, então estacionamos imediatamente já que o caminho se dirigia para longe do rio. Aquela trilha poderia não nos levar a lugar nenhum, poderia servir apenas para acessar o interior da floresta para extração ilegal de palmito, mas também poderia servir para cortar caminho numa grande curva do rio, então resolvemos ariscar e ir acompanhando no mapa sua direção. Num primeiro momento ela se afastou, mas logo voltou a direção que nos serviria. Avançávamos a passos largos, mas como a tarde já estava chegando, decidimos andar até encontrarmos um local privilegiado para acamparmos, talvez algum rancho de pescador ou de caça. A trilha nos desovou novamente no rio, que agora era raso e com vária prainhas de areia. Suas águas eram cor de coca –cola, como as da Chapada diamantina e de Ibitipoca. Poderíamos acampar em qualquer lugar, mas a trilha era tão plana e gostosa de andar, que a gente se empolgou e quando a trilha sumia, avançávamos pelas areias do rio até que na sua margem direita surgiu uma trilha mais larga ainda e através dela a gente foi deslizando por muito tempo até que ela também acabou novamente no rio. A trilha continuava do outro lado do rio, mas começava a subir o rio como se tivesse voltando , então resolvemos abandoná-la e voltar a descer pelo rio, hora pelas praias de areia, hora por dentro da água mesmo, mas por um golpe de sorte, o Vagner resolveu olhar no nosso mapa e descobrimos que aquela trilha era na verdade o acesso para sair do rio e ir em direção ao condomínio por onde pretendíamos encerrar nossa expedição, retornamos imediatamente, mas desta vez convictos de que aquela jornada terminaria naquele dia mesmo. A trilha realmente era estranha, estávamos subindo o rio, mas tinha algo que a gente não havia se dado conta, aquele rio na verdade era um afluente do Guaratuba e logo a direção desse caminho começou a apontar para a civilização. Havia uma preocupação de como conseguiríamos entrar em um condomínio de luxo e cruza-lo por uns 5 km sem sermos notados. Cruzamos o afluente bem nas costas das casas do tal condomínio, que para nossa sorte não tinha muros ou cercas e ao subirmos o barranco, saímos atrás de uma casa que parecia não haver ninguém. Passamos por seus domínios na surdina, cruzando uma espécie de garagem e caímos nas ruas do milionário CONDÔMINIO MORADA DA PRAIA. Quatro eram os homens que desfilavam sua felicidade e seus orgulhos naquele que sem dúvida deve ser um dos lugares com o maior número de milionários do Brasil. Casas com estilo americano, sem muros e com jardins incríveis, algumas devem custar uma dezena de milhão, num lugar que invadiu a Mata atlântica e destruiu tudo, em um dos maiores crimes contra a Serra do Mar Paulista. Alguns estavam morrendo de medo de serem pegos lá dentro, ainda mais quando a segurança passou por nós e já fez aquele olhar de reprovação, mas outros cagavam e andavam para aquilo tudo. Éramos como sempre, extraterrestres saídos sabe-se lá de onde, vindos de algum lugar que a alta Sociedade Paulista nem sabia que existia. Desfilávamos nossa pobreza financeira pelas ruas dos endinheirados rumando em direção à praia, como tartaruguinhas que correm em direção ao mar, tentando escapar dos tubarões. Passou pela gente um ônibus, que pensamos que poderia nos levar até Bertioga, mas na verdade não passava de um transporte interno do condomínio, porque não basta ser milionário, tem que ter um ônibus particular para saber como os pobres se locomovem. O motorista, vendo a nossa cara de fome, resolveu nos dar uma carona até a portaria já na beira da praia, fazendo assim com que a gente fosse enxotadados o mais rápido possível das vistas dos condôminos e assim a gente ganhou as ruas da Praia da Boracéia entre Bertioga e São Sebastião e demos por encerrado essa grande expedição, que marcou a entrada de mais um vale perdido no mapa das TRAVESSIAS SELVAGENS DA SERRA DO MAR PAULISTA. Divanei Goes de Paula- novembro/2017
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