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  1. AGULHA DO DIABO “Agora não adianta chamar por santo nenhum, quem mandou se meter no Caldeirão do Inferno. Pendurados no meio da Unha da Agulha do Diabo, a gente só pensa em não cair e tenta grudar as costas naquela chaminé diabólica, tentando evoluir centímetro a centímetro, mas a gente sabe que o próprio dono da montanha está lá, sentado logo acima com seu rabo a balançar, como a nos atrair para uma armadilha. Não quero olhar para baixo, mas a curiosidade é maior que o meu bom senso e quando faço isso, o mundo parece dar uma rodopiada e é nessa hora que penso em gritar um “valei-me Nossa Senhora”, mas me contenho a minha insignificância diante daquele colosso de pedra, porque cada um é responsável por exorcizar seus demônios interiores e sigo determinado, sabendo que eu mesmo terei que chutar o traseiro do cão se quiser conquistar aquela montanha. ” Não por acaso que a AGULHA DO DIABO foi escolhida mundialmente entre as 15 montanhas mais bonitas e mais desejadas para se escalar em todo o planeta. Um gigante rochoso tocando o céu no meio selvagem do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no estado do Rio de Janeiro, a meio caminho entre Teresópolis e Petrópolis, mas por incrível que pareça, mesmo estando no parque por meia dúzia de vezes para a travessia famosa e para escalar o Dedo de Deus, eu jamais consegui por meus olhos nessa formação rochosa e quando os meninos levantaram a possibilidade de escala-la , aceitei o convite sem nem pensar se teria ou não condições de ir ao cume com os meus toscos e rudes conhecimentos do esporte. Havíamos combinado então que, quando o inverno desse as caras, a gente partiria para o Rio, mas a ansiedade de alguns do grupo fez com que antecipassem a tentativa da escalada para maio, data em que eu estava às voltas com uma Expedição Selvagem previamente programada na Serra do Mar Paulista, então fui deixado para trás. Nessa ocasião o grupo que tentou escalar a Agulha cometeu alguns erros de logística, extrapolaram o tempo e dos 7 integrantes, 5 ficaram pelo caminho e somente 2 foram ao cume e assim mesmo tiveram que subir quase ao anoitecer. Diante desse meio fracasso, o Alexandre Alves retomou o projeto antigo que havíamos traçado e para aproveitar um feriado Paulista, resolvemos montar uma equipe 100 % caipira, a mesma equipe que havia conquistado o Dedo de Deus (1.692 m), os mesmo que haviam se juntado um dia para aprender a escalar por conta própria. A equipe inicial seria formada por mim, pelo Alexandre e pelo Vinícius e de última hora surgiu o Dema, mas o Alexandre estava meio com um pé atrás com ele porque fazia muito tempo que o professor não aparecia para treinar e poderia pôr em risco nossa segurança por estar desatualizado quanto aos procedimentos, mas no final, a amizade acabou por falar mais alto que a nossa segurança e essa tomada de decisão seria fundamental para o sucesso daquela “expedição” rumo ao cume daquela diabólica agulha. Foram acaloradas as discussões sobre qual estratégia usar, alguns achavam que fazer um bate e volta apenas com mochila de ataque seria o ideal, já outros discordavam veementemente e insistiam que deveríamos subir com cargueira para estarmos seguros, se desse alguma merda, já que a pedra ficava num fim de mundo escondida no meio de um vale sinistro e potencialmente perigoso, além do mais , se houvesse um fracasso no primeiro dia, poderíamos acampar e tentar num segundo dia, coisa que seria impossível se estivéssemos apenas com mochilinha de ataque, sem os equipos para acamparmos. No fim, nos convencemos de que subir com as cargueiras seria a melhor estratégia e essa tomada de decisão foi a responsável por um dos integrantes, além de nós quatro, picar a mula da escalada, alegando que a gente era doido de enfrentar aquela subida do satanás com mochilas nas costas. Paciência, perdemos um experiente escalador, mas a equipe puro-sangue se manteve e se era para “se lascar” todo naquela montanha, que fosse então com um grupo acostumado a se meter em encrencas e a fazer isso com alegria. Foi então que numa tarde ensolarada de um sábado, que o Vinícius apanhou o Alexandre na rodoviária de Sumaré-SP e passou na minha casa para que eu e o Dema nos juntássemos a eles e partíssemos para Teresópolis-RJ, onde lá chegamos umas sete horas depois, já no início da madrugada de domingo, onde nos refugiámos num posto de gasolina aos pés do Escalavrado(1.410 m) e passamos a noite lá até esperar pela abertura do Parque nacional às seis da manhã. Com o ingresso do parque já comprado antecipadamente e impressos e as devidadas autorizações assinadas, não tivemos dificuldade de acesso e antes das sete da manhã, já havíamos estacionados o veículo o mais próximo possível da barragem e adentramos na trilha histórica que faz parte da Travessia Petrópolis x Teresópolis ou usada para quem quer ir apenas até o cume do parque, na Pedra do Sino (2.275) ou mesmo visitar trocentas outras montanhas de belezas ímpar. No início a subida parece ser bem suave, muito porque estamos todos animados e cheios de energia. O caminho vai se enfiando por dentro da floresta, cruzando algumas pontinhas e menos de uma hora depois chega a uma grande gruta ou toca, onde é possível bivacar com um certo conforto. Não demora muito e damos de cara com a Cachoeira Véu de Noivas, completamente seca, mas já não é grande coisa com água, pelo menos não, se compararmos com as maravilhas que estamos acostumados na Serra do Mar de São Paulo, mas também não viemos aqui atrás de quedas d’água e tocamos para cima, um passo de cada vez, numa subida enfadonha. Eu já havia subido e descido aquela trilha nas duas vezes que estive nas travessias de Petrópolis para Teresópolis e ao contrário e as duas vezes havia odiado aquela parte do caminho, mas pensando bem, acho que odiei pouco, não sei se era pela minha tenra idade com muita mais energia que agora ou porque naquela época tudo me parecia novidade em matéria de trilha, o certo é que aquele zig-zag infernal vai dando nos nervos e só faz aumentar nossa ansiedade de chegar logo na tal Cota 2.000, de onde parte a trilha mais em nível para acessar o tal Caminho das Orquídeas. Quando as curvas acabam, damos de cara com o grande descampado, chegamos ao ABRIGO 3, mas não passa mesmo de um gramado convidando-nos para um descanso, porque abrigo nem existe mais mesmo. Aqui a trilha vai dar uma guinada para a esquerda e vai dar uma nivelada, passar por um mirante também à esquerda. É preciso ficar esperto porque quando o altímetro bater uns 2.000 de altitude e mais ou menos 7,2 km desde a barragem, no início da trilha, precisamos nos atentar para uma saída à esquerda, quase imperceptível. É mesmo uma trilha meio sem vergonha e não há nenhuma placa, nenhuma identificação dizendo ser esse o caminho que vai nos levar para o Mirante do Inferno, ou por negligência do Parque Nacional (grande novidade!) ou por sacanagem de guias e agências que retiram as placas para que ninguém chegue sem seus serviços. Pegando essa bifurcação mencionada, adentramos na direção do tal Caminho das Orquídeas ou talvez seja um atalha para ele. Vamos descendo, agora numa trilha bem mais fechada, quase uma picada e logo que tropeçamos numa bifurcação, pegamos para direita e seguiremos reto até que o mundo se abre à nossa frente num MIRANTE espetacular, com um vale profundo e mais à frente já podemos deslumbrar uma minúscula parte da ponta da Agulha a nos convidar para uma aventura inesquecível. Desse mirante é possível ver também parte do Dedo de Deus e o que é mais interessante é que não é possível ver a Agulha do topo do Dedo e nem ver o Dedo do topo da Agulha, como se Deus e o Diabo nunca pudesse se confrontar. (Dedo de Deus visto do mirante) De cima do mirante às vistas para outras montanhas do parque são deslumbrantes, mas não é hora de perder tempo, o relógio anda e precisamos nos apressar. Nossa jornada é descendo pela laje de pedra e se enfiando nas canaletas floresta à dentro, desescalando até atingirmos o fundo do vale onde um brejo tem que ser pulado para não empapar os nossos tênis. Logo temos água boa vinda de um pequeno córrego e então chegando a mais uma bifurcação e seguimos para a direita contornando uma pedra e não demora muito, às 10:30 desembocamos no ACAMPAMENTO PAQUEQUER, que não passa de um lugar mais aberto no meio da trilha, às margens da nascente do riachinho de mesmo nome, hora de parar para um breve descanso, mais um gole de água e traçar uma estratégia. (Paquequer) Numa breve reunião, decidimos esconder nossas cargueiras ali nos arredores do acampamento e seguir apenas com os equipos de escalada e com uma mochilinha de ataque. Portanto, pulando o riacho, interceptamos o estirão final que vai subir sem dó em direção ao mirante e logo que chegamos mais ao alto, beirando uma grande pedra do lado esquerdo, interceptamos a tal saída que vai nos levar para a Agulha, mas antes de para lá partirmos, seguimos em frente e menos de dez minutos depois chegamos à beira do GRANDE ABISMO DO MIRANTE DO INFERNO. (Mirante do Inferno) Aquilo era inacreditável! Eu já havia dito que achava o Dedo de Deus a montanha mais espetacular do Brasil, mas diante daquela visão eu estava confuso, perdi a referência, meio que perdi o chão. O Dema e o Vinícius também pareciam encantados com aquele gigante de pedra. Dali era possível contemplar outras montanhas : São João, São Pedro(2.160), Verruga do Frade(1.920), Pedra da Cruz(1.980), Capuchinho do Frade, Santo Antonio e tudo beirava à santidade, mas era ela a grande atração do lugar, enfiada no meio do Caldeirão do Inferno, a AGULHA DO DIABO parecia nos convidar para uma grande aventura e a gente estava em êxtase e não havia mais como fugir, a gente poderia ficar por ali mesmo e nos entregarmos as coisas do céu, mas o desafio é que nos move, porque o montanhista de aventura nunca vai se contentar com o calmo e o sereno, ele quer é ver a desgraça de perto, ele quer o caos, quer a tormenta e foi com esse pensamento que a gente largou tudo para trás , voltamos a descer por uns cinco minutos e adentramos de vez à direita na trilha rumo ao nosso desafio. Esse caminho em forma de picada vai seguindo quase que em nível, mas logo faz uma curva para direita e se enfia numa garganta montanha à baixo, numa sequência de gretas e fendas potencialmente perigosas. Vez por outra surge à nossa frente assombrando a nossa alma a silhueta da AGULHA e numa dessas aparições acabei ficando para trás para tentar sacar uma foto e perdendo o equilíbrio, escorreguei de um patamar e enfiei meu pé numa laca de pedra e virei o tornozelo que veio a inchar instantaneamente. Nessa hora pensei que minha jornada naquela montanha havia acabado, mas mesmo assim gritei para que o grupo me esperasse e aguardasse uns minutinhos até que a dor diminuísse um pouco. Tentei ser forte e demostrar calma, não queria de jeito nenhum dar chance para que alguém pudesse me mandar voltar para o acampamento para eu não atrapalhar a escalada, muito porque eu mesmo já teria feito isso se sentisse que daria problema. (Agulha vista de dentro do Cadeirão do Inferno) Continuamos seguindo até nos vermos quase no fundo do vale, onde um pequeno riacho seco descia da direita e é justamente nesse amontoado de pedras que nosso caminho segue e segue subindo para valer, nos fazendo escalar rochas escorregadia e íngremes. Vou me arrastando como posso, mesmo com muita dor, me agarro na minha vontade de não desistir, pelo menos até chegarmos ao início da via. Logo à frente somos barrados por uma gruta, uns amontoados de matacões gigantes. Estamos na GRUTA DA GELADEIRA e não há outro caminho possível se não o de passar por dentro dela e sair pelo teto, por um buraco tão estreito que mais parece que você está saindo do útero da sua mãe. Escalado esse trecho apertado e úmido logo damos de cara com um pequeno platô que poderia servir até para um bivac numa emergência e mais acima, quase ao meio dia, nos deparamos com a linha de escalada propriamente dita, hora de calçar as sapatilhas, fazer o sinal da cruz e enfrentar de vez essas forças do além. (Gruta da Geladeira) Acima das nossas cabeças o gigante rochoso se elevava num espigão assombroso, rodeados por paredes escuras e colossais. Havia chegado a hora de desafiar o guardião do Caldeirão do Inferno e todas as discussões acaloradas vividas meses antes de estarmos ali, agora teriam que nos mostrar que serviu para alguma coisa. É bom lembrar que dos 4 integrantes daquela empreitada, apenas o Alexandre e o Vinícius poderiam ser considerados como escaladores de verdade, porque eu e o Dema não passávamos de meros bons montanhistas trepadores de paredes, mesmo assim, aquele grupo heterogêneo não deixava de ser formado por escaladores ainda com muito à aprender. Em um primeiro momento havia se decidido que formaríamos duas duplas para a escalada, sendo a primeira composta pelo Alexandre e o Dema e a outra pelo Vinícius e por mim, sendo que o Alexandre e o Vinícius subiriam guiando a corda e eu e o Dema faríamos o "segue"(manobras realizadas com a corda para dar segurança ao companheiro), mas num ato de desapego, de última hora, o Vinícius abriu mão de guiar e foi decidido que apenas o Alexandre seria o responsável por levar a nossa corda e essa atitude foi mesmo muito sensata, porque nos faria ganhar tempo precioso e isso também faria toda a diferença na conclusão daquela escalada. (acima croqui da escalada) Traçado a estratégia, a primeira enfiada (lance) já começa encrencada. Parece fácil, mas é uma rampa lisa e sem agarras e já no começo o Alexandre dá uma sambada até que resolve colocar um camalot (pequeno equipamento que ao ser enfiado numa fenda, por exemplo, trava e se pode pendurar a corda para dar segurança ao escalador, numa explicação bem tosca, rsrsrsr ) numa fenda para dar uma estabilizada no psico. Depois é preciso se entalar numa fenda e se espremer até ganhar o alto e subir por outra rampa até uma paredinha que dá acesso a parada junto a um platô. O Dema zueiro que é, já inventa de nem colocar as sapatilhas nesse trecho, apanha sua mochilinha e também a do Alexandre e se agarra à corda e depois se lascou todo para conseguir passar pela fenda lateral e não deu outra, ficou entalado, o tonto, rsrsrsrsr. O Vinícius foi outro que deu uma sapateada nessa rampa e eu, sem molejo para dança nenhum, não fiz mais bonito que ninguém, também rebolei pra subir ali, mas me agarrei no que deu até me juntar aos amigos do platô. (Primeiro lance) O segundo lance nada mais é que uma passagem seguindo em frente, praticamente caminhando ao lado de uma parede com vegetação. É um lance fácil, mas para mim que era o último, achei um pouco exposto e passei com cuidado, mas ao tentar descer no final do corredor de pedra, fiquei sem saída e com medo de pular até atingir a parte mais abaixo, antes de ganhar uma parede final. O problema é que você não pode seguir o seu instinto e querer perder altura logo, é preciso ir até o final da parede caminhando, onde tem várias agarras de pé e de mão para se descer em segurança e uma vez no chão é só fazer a travessia para direita quase numa escalaminhada tranquila e ir subindo até a parada em nível. (segundo Lance) A enfiada seguinte, a terceira, é um pouco mais técnica por ser mais inclinada. Começa com uma fenda em forma de diedro, do qual é necessário subir em oposição. A gente enfia as mãos dentro da fenda e começa a puxá-la até ganhar altura, mas alguns não estavam nem aí e subiram com os pés na fenda e as costas na parede abaulada da direita porque na escalada clássica a única regra é não ficar lá embaixo moscando e atrapalhando o andamento da empreitada. Depois dessa fenda, desse diedro, a parede empina de vez e é preciso ir achando as agarraras certas até poder se pendurar numa fenda horizontal, uma verdadeira salvação para quem já está despencando parede à baixo. Uma vez travado nessa fenda, onde você já está rindo à toa, aí você percebe que não há mão para ficar em pé e colocar os pés dentro da fenda para ir caminhando para esquerda e tem que colar o corpo na parede e ir levantando de vagar, raspando seu nariz na pedra até se estabilizar, pelo menos foi isso que aconteceu comigo, e logo em seguida subir e ganhar a parada. (terceiro Lance) Quando me estabilizei na parada, clipando minha solteira (pedaço de fita preso ao corpo com um gancho na ponta, afff Maria, que explicação furreca !), o Alexandre e o Dema já haviam partido para a quarta enfiada. Esse lance é muito esquisito porque se faz todo praticamente caminhando ao lado de um abismo, junto à uma parede que se estende por uns 15 metros. Dali de onde estávamos eu e o Vinícius, já era possível avistar a imponência da CHAMINÉ DA UNHA, uma laca de pedra descolada da Agulha do Diabo, uma visão assombrosa e é melhor nem ficar pensando muito e apenas nos concentrar nos problemas presentes, deixemos o futuro para depois. Essa próxima enfiada é fácil, mas com uma grande exposição para quem guia e para quem vem por último na cordada e eu passo por ali com todo cuidado, primeiro me agarrando como posso para descer um pouco mais à baixo, depois seguindo lentamente, caminhando quase numa trilha de pedra até me grudar de vez ao chegar na parada com 2 “P” e é bom marcar bem esse lugar porque será aqui o penúltimo rapel para quando voltar. (quarto Lance) Até ali, a escalada estava fluindo numa perfeição espantosa, tudo afinado e alinhado. A subida seguia sempre a mesma linha, com o Alexandre guiando a corda, precedido pelo Dema e o Vinícius, tendo eu como o último homem a fechar a corda. Ganhávamos terreno rapidamente e cada vez mais íamos subindo, nos elevando metro a metro e foi nesse quinto lance que a gente começou a tomar ciência de que estávamos chegando perto dos enfrentamentos maiores. Aliás, esse lance não passa de mera caminhada, que vai se enfiando numa trilhazinha e subindo numa escalaminhada fácil, vira totalmente para a direita e sobe até uma espécie de gruta, que também não passa de um amontoado de pedras. Passa ao lado do Pico do Diabinhoque é uma formação rochosa belíssima e já te joga de frente para as “Chaminés em L “, hora de juntar a equipe novamente, tomar fôlego, beber um gole d’água e se preparar para ganhar altura de vez. Essa tal “Chaminé L”, que marca a sexta enfiada, é muito parecida com a chaminé do Dedo de Deus, com paredes largas e com boa aderência, a subida é bem no final dela, onde a parede se fecha, e sobre o teto despenca uma rocha entalada em formato de estalactites, aquelas formações que pendem dos tetos das cavernas. É preciso subir até essa formação, que não fica a mais de uns 4 metros de altura e alcançando-a, saindo para a direita, mas isso é tão óbvio porque não existe mesmo outro caminho. O Alexandre se pendura nessa parede, se agarra na estalactite, passa pelo buraco apertado e some das nossas vistas. Lá de baixo, eu o Vinícius e o Dema não conseguimos ver nada do que se passa depois disso e mal escutamos a voz do Alexandre que parte sozinho para essa passagem para a direita. O tempo vai passando e o “nosso guia” pouco dá sinal de vida, vez ou outra ouvimos sua voz sussurrando alguma coisa e acaba demorando para descobrirmos que a corda havia enroscado. Diante daquele imbróglio todo, resolvemos mandar o Dema atrás dele e para isso foi preciso que ele escalasse em livre, ou seja, sem nenhuma segurança, foi um risco, mas era o que tinha para o momento, mesmo porque era uma subida muito tranquila e não achamos que seria um risco tão grande. Uma vez que o Dema se juntou ao Alexandre, depois de algum tempo, a corda foi liberada e logo foi o Vinícius que se esgueirou parede acima e ganhou o alto, sumindo das minhas vistas e para o nosso azar, a corda voltou a enroscar novamente. O Vinícius teve que mudar novamente a instalação da corda para liberar a minha subida. Encostei as costas na parede esquerda da chaminé e finquei os dois pés na outra parede, mas logo notei que poderia fazer diferente: Meti o pé esquerdo no fundo da chaminé onde ela se eleva até o buraco de saída, junto à pedra entalada, e fui alternando os movimentos, como se subisse num batente de porta, mas agora com o pé esquerdo na parede do fundo e o direto na parede lateral. Não sei se esse estilo foi o melhor, só sei que rapidinho eu me agarrei na estalactite e me elevei para dentro do buraco e ressurgi para um outro mundo. Depois virei para a direita, que é o único caminho onde fica plano e é necessário encostar as mãos do lado direito e dar um pulinho maroto de menos de um metro, um pulo tranquilo, mas a prova de qualquer erro ou então é cair no vazio e virar carne moída de tanto que vai ralar nas paredes da chaminé. O Vinícius foi fazendo meu "segue" até que eu me juntei a ele onde uma paredinha final de uns três metros precisa ser escalada usando uma fita em um grande “P” para poder se elevar, agarrar em um arbusto e se jogar definitivamente para cima de um grande platô, cheio de árvores, onde de tão grande, poderia servir até para se montar um abrigo provisório. Nesse GRANDE PLATÕ foi instalada uma placa para homenagear os conquistadores de 1941, mas a importância daquele lugar vai muito mais além, ali naquele marco geográfico da escalada é o lugar onde vai se separar os homens dos meninos, é ali que se define quem vai ao cume ou quem definitivamente vai abraçar o fracasso , botar o rabo entre as pernas e bater em retirada, seja por incompetência técnica ou por incompetência na hora de montar a logística, fazendo com que ao se chegar aqui, já tenha extrapolado o tempo hábil para se ir ao topo. Essa pode ser considerada a anti-sala do inferno, é aqui que o diabo faz a sua triagem, separando os caras que tem ou não as condições de enfrentar o seu desafio derradeiro, uma vez tomada a decisão de seguir em frente, você acabou de colocar seu nome na roleta russa, ou é tudo ou é nada. O Alexandre fracassou aqui da outra vez, portanto agora para ele é tudo novidade e havia chegado a hora de enfrentar o tal CAVALINHO, uma passagem alardeada por muitos como sendo a parte mais complicada da escalada, é o sétimo lance, uma passagem por fora da montanha, uma fenda lateral que vai dar acesso a entrada da Unha do Diabo. A partir de agora todos as mochilas devem ficar ali no platô, todos devem esvaziar as suas mentes, sua bexiga e tudo mais que faça o sujeito entrar leve porque uma vez dentro da chaminé, até respirar será difícil. O Alexandre procura não perder tempo e quando vejo , ele já havia sumido das minhas vistas e quando chego à beira do abismo, só consigo ver parte do Dema já dentro da fenda , gemendo para conseguir se jogar para dentro da chaminé. (Cavalinho) Quando chega a vez do Vinícius, auxilio fazendo uma espécie de segundo "segue". Ele se apoia na costura na entrada da fenda fixada logo acima, enfia a perna esquerda e parte do corpo na grande rachadura e se pendura no vazio até se arrastar para a entrada da chaminé e com muita dificuldade consegue se jogar para dentro. Assim que o Vinícius se acomoda entre as paredes da Unha, dá o start para que eu comece a escalar. O problema de fechar a corda é ter que fazer alguns lances tão expostos quanto quem faz a guiada e aqui no Cavalinho é pior ainda, porque se houver uma queda, além do escalador despencar no vazio fazendo um pendulo monstro, ainda vai arrastar o cara que está dando "segui" de dentro da unha, porque mal é possível se mexer lá dentro. Me aproximo do abismo com muito cuidado e já me agarro à costura para manter o equilíbrio. Muitos escaladores dão a dica para se entrar nessa fenda deitado com a barriga para cima, ou seja, enfiando a perna direita e ir se arrastando de costas até chegar na entrada da chaminé e já entrar virado para o lado certo, mas para mim é uma grande bobagem, coisa de gente barriguda mesmo. Portanto, seguro firme na costura e enfio a perna esquerda dentro da fenda que num primeiro momento me deixa com metade do corpo pendendo no vazio e para contraria as dicas dos velhos escaladores, já me ponho a olhar para o abismo de uns 200 metros, mas para quem já esteve pendurado no lance da Maria Cebola no Dedo de Deus, aquilo nem causa vertigem. Colo o corpo à pedra e vou avançando fenda acima porque na realidade não é uma reta e sim uma diagonal e é necessário fazer força para se avançar. Ganho meio metro de terreno e o meu corpo já escorre para dentro da fenda e me entalo dentro do buraco. Que beleza! Aquilo foi mole, uma vez dentro do fundo da fenda só faço avançar lentamente e já caio direto no interior da GRANDE CHAMINÉ DA UNHA DO DIABO, para mim aquele cavalo não passou de um pônei. Claro, caí do lado errado, com as costas viradas para a Unha, quando o certo é estar com as costas na parede da Agulha, mas basta um contorcionismo indiano e já me junto aos meus companheiros, tentando buscar um melhor posicionamento num lugar tão estreito que mal se consegue virar o pescoço e quem sofre de claustrofobia, deve pensar muito antes de encarar esse desafio. Continuando com a analogia, uma vez dentro da Unha, você agora está no terreno do tinhoso, agora não tem mais volta. Naquele lugar frio e úmido, espremido feito uma mortadela no pão de forma, é preciso ter sangue frio para seguir em frente, no caso, seguir definitivamente para cima. Aquele colosso de pedra que marca o oitavo lance dessa escalada incrível, vai com certeza marcar a vida de qualquer homem metido a escalador e eu acho que não há ninguém que não saia dali transformado, pelo menos não se o cara for alguém chegado recentemente ao esporte ou até mesmo velhos escaladores, o certo é que ninguém sai indiferente. O Alexandre foi quem veio tocando toda nossa escalada até então, coube a ele a responsabilidade de abrir caminho guiando a nossa corda, fazendo desenrolar as encrencas que iam surgindo pela frente, e sem que ninguém se apresentasse para enfrentar o demônio de frente, coube também a ele arrombar as portas do inferno e dar início aos trabalhos de escalada da temida chaminé da Unha. O primeiro grande problema é conseguir sair do chão nessa chaminé, já é difícil até respirar lá dentro de tão apertada, imagina conseguir espaço para se elevar e se grudar às paredes, ainda mais para o Alexandre com estatura alta. A ralação inicial é de dar dó do coitado, mas ninguém disse que seria fácil. Aos poucos ele foi progredindo e quanto mais se sobe, melhor fica, porque a parede vai abrindo aos poucos. Logo ele chegou à primeira proteção da chaminé e estacionou numa grande fenda que serve como um patamar de descanso, o primeiro demônio havia sido vencido, mas uma legião de outros demônios estava à espreita, só esperando para o contragolpe final. (chaminé da Unha ) Lá embaixo, estacionados no fundo da Chaminé da Unha, Eu, o Dema e o Vinícius, não conseguíamos ver nada do que estava acontecendo com o Alexandre, porque como eu disse, o lugar é estreito e sobe em curva. O Alexandre fez de tudo, mas parecia mesmo que esse era um demônio que ele não estava a fim de encarar guiando. Também pudera, sua condição psicológica já deveria estar em frangalhos somada ao excesso de gasto energético ao qual tinha passado para trazer nossa corda guiando até o momento. Ele resmungava ao longe, como se tentasse levar os capetas guardadores de chaminé na conversa, mas não teve jeito e não houve reza e nem oração que fizesse com que deixassem o nosso amigo passar, seria preciso chamar alguém tão ruim quanto aqueles filhotes de satanás. Ainda lá embaixo, passando frio e apreensivos quanto ao rumo daquela “expedição”, três escaladores quase que brigavam para não ir, ou ao menos, não ser o primeiro a tentar salvar aquela escalada, já que o nosso principal guerreiro já estava meio fora de combate grudado na parede mais acima. Nessa luta do bem contra o mal, cada um se defende como pode e eu já usei minha arma principal, que é a de persuasão e logo tentei convencer que o DEMA era o cara perfeito para aquele enfrentamento, olha só que ironia, o mesmo cara que saiu desacreditado porque estava há muito tempo afastado da escalada. Mas o Dema foi o cara que se apresentou primeiro mesmo, parecia ser o cara mais confiante naquele momento e eu e o Vinícius torcíamos muito para que desse certo, senão teríamos que sair da nossa zona de conforto, que nem era tão confortável assim, e nós mesmo tentarmos fazer aquilo que a gente sabia que teríamos que fazer. Assim foi feito, com as nossas bênçãos, o Dema grudou naquela parede e subiu até onde estava o Alexandre e daí para a frente mal ouvíamos a conversa entre os dois, somente quando o Dema gritava para que os demônios que o atormentava fosse saindo do seu caminho é que ouvíamos a sua voz. O Alexandre auxiliava ele, mas ali não é a técnica que prevalece, é a força interior é a vontade de não cair e de permanecer grudado à parede, a vontade de chegar ao final da chaminé, e só o Dema poderia narrar esse sentimento, o certo é que quando ele gritou:" cheguei", o ecoo da sua voz chegou ao nossos ouvidos lá embaixo e houve um misto de felicidade e satisfação, era a certeza de que havíamos dado um grande passo para que aquela escalada terminasse com sucesso. Chegando na Ponta da Chaminé da Unha, o Dema puxou o Alexandre, fazendo o "segue" dele e quando esperávamos que seria a nossa vez de nos juntarmos aos dois, o próprio Alexandre pediu que esperássemos porque não havia mais lugar lá encima e que primeiro faria a proteção para que o Dema fosse ao cume e nos esperasse lá, era mais do que justo. Quando o Vinícius partiu de vez, foi que me vi só naquele mundo hostil, encravado no meio de um vale selvagem, quase no cume de uma das formações rochosas mais espetaculares do todo o planeta. O Vinícius chegou ao topo da unha, não sei como, não sei de que maneira, não sei que tipo de enfrentamentos teve nesse seu martírio, só sei que quando ele gritou que o "segue" já estava pronto e que eu poderia subir, não deu nem tempo de fazer o sinal da cruz porque a ansiedade era tanta que eu já estava a uns dois metros do chão, totalmente inebriado pelo aquele momento mágico. No começo a subida parece impossível, mas pensando bem, mesmo apertado e quase que usando os dentes para conseguir ganhar altura no início, é muito melhor do que o que estava por vir. Logo chego à primeira proteção, onde consigo encaixar os pés e tomar fôlego, tiro a corda da costura e ao olhar para cima ainda me dou conta que faltam uns 15 ou 20 metros de chaminé, Jesus! Naquela Chaminé dos infernos pouco importa se você está guiando ou se está indo de "segue", ali os seus demônios interiores vão te colocar à prova. Quando meus pés deixaram aquele ultimo patamar e virei com as costas agora para pedra da unha, foi como se todos os demônios pulassem para cima dos meus ombros. Milímetro a milímetro fui vendo aquela parede passar diante dos meus olhos e o demônio da dor foi o primeiro a tentar me derrubar pelo tornozelo, já bastante inchado pela torção na trilha de acesso. Me concentrei o máximo que pude, as pernas tremiam e a cada metro ganho, mais infeliz eu ficava porque via o chão cada vez mais distante. “Não quero cair, não vou cair, sai pra lá cão dos infernos, cadê o fim disso meu Deus do céu? ‘ Minha cabeça parece girar, não quero olhar pra baixo, mas é o instinto ou é a tentação do além que me força a fazer isso. A cada metro subido, a chaminé vai ficando mais larga e mais difícil de se sustentar, já perdi a concentração, mas continuo mirando somente a costura que está acima da minha cabeça, não quero nem saber, vou me agarrar nela quando lá chegar, mas quando lá chego, ela já ficou para baixo dos meus olhos e nem serve mais para nada mesmo, só faço seguir adiante confiando que o Vinícius ainda vai estar lá para me receber e não o chifrudo guardião do lugar. Na hora que minhas duas mãos tocam a aresta afiada do topo da CHAMINÉ DA AGULHA DO DIABO e prendo minha solteira nos cabos de aços que vão levar ao estirão final, mentalmente dou uma banana para aquele diabólico abismo em forma de chaminé. “ Não foi dessa vez que vocês nos venceram, seus desgraçados! Sentei-me ali na ponta da Agulha na companhia do Vinícius, já que o Alexandre também havia partido para o cume. Aliás, a visão do estirão final até o cume é algo impressionante, uma ponta de pedra lisa e que se não fosse a instalação de um potente cabo de aço, seria impossível ir ao cume dessa montanha. O tempo está perfeito, mal ventava nesse dia, lá encima muito mais quente que dentro daquela chaminé. Tomei folego, apreciei a paisagem ao redor e quando a “segui” vindo dos meninos do cume ficou pronta, me grudei aos cabos de aço e clipei minha solteira para o derradeiro lance antes da conquista final. (subida final) Esse é o nono lance, o que antecede o cume, e olhando para ele você acha que vai ser uma moleza e que vai passar com os pés nas costas. Eu também achei e me lasquei bonito, porque entrei nele todo displicente, somente pensando no topo e por isso mesmo fui com tanta sede ao pote que levei um escorregão e dei um tranco nos braços. Aquela pedra é extremamente lisa, é preciso procurar as aderências certas e botar uma força descomunal, além de ter que ir passando a sua solteira de um lado para o outro até que finalmente consigo avistar o Dema e o Alexandre junto à caixa do livro de cume. Estava definitivamente vencido os 2050 metros da AGULHA DO DIABO e quando lá cheguei, já não havia mais nenhum diabo para chutar a bunda, os meninos já haviam feito o serviço sujo e quando o Vinícius se juntou a nós, foram calorosos os abraços de comemoração, havíamos conquistado o PENHASCO FANTASMA, como era conhecida essa montanha nos seus primórdios. O topo é minúsculo, mas muito maior do que havia sido alardeado por outros escaladores, tanto que depois ouvimos uma história de que alguém havia acampado no cume com uma barraquinha e se o topo não é lá grande coisa, a paisagem ao redor é grandiosa. Para muitos estar no cume daquela montanha lendária poderia ser somente mais uma escalada, mas para nós era mesmo uma grande honra, como eu havia dito, não somos pertencentes as comunidades de escaladores tradicionais, somos mais um grupo de amigos do interior Paulista que um dia ousou se juntar para aprender os rudimentos da escalada e olha só aonde fomos parar. Aquilo era incrível, quanta montanha linda ao nosso redor, quantos abismos colossais, que paisagem fenomenal ! ( Cume) Já passava das cinco da tarde e era preciso parar de sonhar e voltar ao mundo dos homens, muito porque, subir é só a metade do caminho e já é sabido que a maioria dos acidentes acontecem nas descidas. Assinamos o livro de cume e já demos início ao primeiro rapel que num primeiro momento vai nos devolver até o topo da unha. A descida do cume da Agulha do Diabo até topo da chaminé da unha é um dos piores rapeis que eu já enfrente na vida. É necessário descer a pedra lisa, atrelando a solteira ao cabo de aço porque é muito grande a chance de se escorregar e fazer um pendulo que vai rodopiar no vazio. A gente vai descendo e a força da gravidade vai te jogando para fora da pedra, te empurrando, como se quisesse te chutar para fora da montanha. Uma vez no topo da unha da chaminé, o segundo rapel não é por dentro dela e sim por fora, uma descida não muito melhor que anterior e só não é pior porque alguém serve como anjo lá embaixo, guiando a corda para fora dos abismos até que se chegue em segurança no platô da unha, juntamente enfrente de onde está a placa homenageando os conquistadores. Quando desclipo a corda e me achego ao próximo rapel, o terceiro em questão, nem encontro mais o Alexandre e o Dema, que já desceram com a outra corda e já vão se encaminhado e adiantando o caminho. Nesse terceiro rapel vamos descer direto do platô da unha até a entrada inicial das chaminés em “L”, bem de frente para o pico do Diabinho, o que vai nos fazer cortar todo o caminho. Quando o Vinícius fecha a descida, ajudo ele enrolar a corda e juntos já pegamos a trilha, passamos novamente por dentro da caverninha e descemos até onde termina a quarta enfiada, aquele lance que você caminha beirando a parede rochosa. Nesse ponto encontramos dois “P” e nele já vemos a corda instalada que vai se enfiar por dentro de um mato e esse será o quarto e penúltimo rapel. Ao chegarmos ao patamar mais abaixo, agora sob a luz das nossas lanternas, finalizamos o último rapel, o quinto e descemos todos em segurança aos pés da Agulha do Diabo, perfazendo assim quase sete horas de escalada entre subir e descer. ( Pico do Diabinho) Conquistada aquela montanha, agora era preciso sair vivo daquele buraco. Sem muitas delongas já estávamos de volta à Gruta da Geladeira, mas ao invés de nos enfiarmos no buraco no teto e voltarmos para útero da nossa mãe, aproveitamos um “P” instalado encima da gruta e improvisamos um rapel até o chão e sem perder tempo fomos descendo aquele vale de pedra no escuro, escorregando nos patamares rochosos até chegar na curva que vai nos levar de volta para cima. É uma subida de matar mula, coisa que nem nos demos conta quando estávamos descendo, talvez pela ansiedade da escalada, mas agora é um tormento. Aquilo é praticamente outra escalada e a canseira e o sono vão tomando conta da gente e quando saímos desse racho da montanha e nos vimos na parte plana, foi como se tirássemos uma tonelada das nossas costas. O Alexandre ia à frente porque conhecia mais a trilha e sem que nos descemos conta, pegamos uma bifurcação errada. Gritei para o Alexandre que estávamos confusos e ele murmurou algo sem sentido e eu acabei indo parar numa falsa trilha, descendo em um mato alto e me perdendo e aí tive que varar um capim no peito e subir trepando um barranco íngreme e enquanto fazia isso, ia fazendo elogios à mãe do Alexandre por não ter nos esperado naquele trecho. Interceptamos a trilha da descida final e logo caímos morto novamente no Acampamento Paquequer. Ao chegarmos ao Paquequer, o Alexandre já foi dizendo que não ia acampar ali de jeito nenhum, que ali era muito úmido e que ia passar um frio do cão. Eu por mim teria desmaiado por ali mesmo, mas como o Vinícius e o Dema também não quiseram enfrentar a “tirania” do Alexandre, pouco me importei e quando eles levantaram a bola de fazer uma janta quente antes de partirmos para talvez acamparmos no gramado do Abrigo 3, eu já estava com o fogareiro ligado tostando o bacon. Já era bem tarde quando partimos e deixamos aquele vale para trás. Escalamos as rampas de pedra até o mirante, nos embrenhamos na mata morro acima até saírmos de vez na trilha principal que desce da Pedra do Sino e nos pomos a caminhar mais rapidamente, agora com a visão deslumbrante das luzes de Teresópolis no vale. Ao chegarmos no Abrigo 3, um infeliz dos infernos teve a ideia de querer continuar a caminha a fim de bivacarmos na grande toca que fica há mais ou menos uma hora do final da caminhada. Nessa hora eu já não tinha mais vontade de dar opinião nenhuma, eu era só um zumbi tomado pela vontade de ver o fim daquela aventura terminar em algum lugar que pudesse esticar o esqueleto. Caímos de vez novamente naquele zig-zag irritante e uma hora depois, ao pararmos para tomar um folego, já havíamos tocado o foda-se e decidido não dormir em mais nenhuma toca, iríamos sair do parque seja lá que hora fosse. A madrugada já ia alta e a gente ainda estava presos naquela trilha e pior, até os caras novinhos não faziam outra coisa senão a de amaldiçoar aquele caminho. Teve uma hora que o grupo se dispersou. Minha lanterna já não clareava mais nada e eu mal enxerguei quando a tal gruta passou ao meu lado. Eu já nem caminhava mais, meu pé já parecendo uma bola, apenas fazia com que eu me arrastasse em transe e não demorou muito para o Alexandre me ultrapassar e me por na condição de fiofó de tropa. Pensei em parar, sentar, deitar um pouco para aliviar os pés e as dores nas costas por causa da mochila, mas não estava querendo passar atestado de molenga, tinha uma reputação a zelar e quando ouvi o barulho de água me animei um pouco e tirei forças para desembocar de vez no asfalto da barragem, já dentro da sede do Parque Nacional da Serra dos Orgãos e sem perder tempo já descemos pelo asfalto até onde havíamos deixado o carro estacionado. Passamos pela portaria do Parque, demos baixa na nossa saída e ganhamos a estrada e voltamos novamente ao posto de gasolina aos pés do Escalavrado, chegando depois das 2 da manhã, 20 horas depois de termos partido daquele mesmo ponto. Ninguém queria saber de nada e eu muito menos, tanto que quando me deitei em um lugar qualquer naquele posto de gasolina, já ameacei de morte o primeiro cara que inventasse de me acordar antes das oito da manhã. Quando o dia amanheceu e o sol ameaçou nos despejar, pegamos nosso caminho e voltamos para a nossa aldeia , perdido num canto esquecido do interior Paulista. Na semana que antecedeu a escalada, a maioria teve insônia e a ansiedade tomou conta de praticamente todo mundo. Naquele momento cada qual travava uma batalha ferrenha, era uma guerra silenciosa contra os seus próprios demônios interiores. Parece ter ficado claro que todos os tais demônios narrados nesse relato, nada tem a ver com personagens malignos, tirados de qualquer religião, é tão somente a materialização dos nossos medos, das nossas angustias, das nossas frustrações. Temos medo do fracasso, medo de não dar conta da empreitada que nos propusemos a realizar, medo de falhar e por consequência, nos quebrar, mas quando esses medos são domados, esses demônios exorcizados, aí a gente cerra os punhos e comemora a vitória, aí a gente volta para casa feliz, porque a luta valeu a pena, descobre que não vencemos só uma montanha, mas vencemos a nós mesmos. E aquela AGULHA nem era tão do Diabo assim, haja vista que nos fez voltar para casa com um belo sorriso no rosto, nos fez voltar para casa muito mais satisfeitos, porque juntamos um grupo de velhos amigos num só objetivo: Escalar uma das mais incríveis montanhas do mundo e celebrar a vida. Divanei Goes de Paula - julho/2018 NOTA IMPORTANTE: Esse relato foi escrito de uma forma simples para que as pessoas que não são ligadas a escalada possam enterder, muito porque, eu mesmo sou apenas um montanhista que aprendeu os rudimentos da escalada para poder ir ao cume de montanhas como a Agulha do Diabo e o Dedo de Deus, portanto, se você é escalador profissional ou graduado, leve isso em consideração antes de tecer elogios a minha mãezinha (rsrsrrsr) . Abraços a todos.
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