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“vamo, vamo... se a gente não acelerar os passos nesse vara mato, vamos ficar presos na mata fechada, e obrigados a passar a noite por aqui. Sem barraca, sem lona, roupas molhadas... Vambora, porra.”

 

Feriado de Páscoa, tudo certo para irmos fazer a tão desejada e perigosa Travessia pelos Cânions do Perequê. Ou melhor, nada certo. De última hora, vimos que havia um desentendimento nas datas e horários do evento, que tivemos que cancelar às vésperas do mesmo.

Dentro de mim, eu não admitia a hipótese de ter que ficar em casa, sendo que já tínhamos planos de realizar algo tão esperado e planejado. Eu abri mão de outros eventos (trilhas), passeio com a família, etc... E agora? O que vou fazer ? Pra onde vou ? Com quem vou ? O comichão me atacou de novo kk. Pedi ajuda aos universitários, mas os palpites não me animaram muito. Minha alma ainda pedia algo que se aproximasse da dificuldade (VeryHard) daquilo que enfrentaríamos.

Nada contente com as sugestões, recorri aos mapas e fiquei calculando, traçando rotas alternativas em uma trilha tradicional de São Bernardo do Campo, e acabei elaborando um trajeto que eu ainda não soube de infos de quem o tenha feito. Algo que envolve um vara mato violento, descidas em precipícios, andar pelo leito de rios, ou seja: Ligar ao Rio Perequê,,sendo a descida pelo primeiro e uma subida dos diabos pelo segundo, que segue seu rumo por um dos vales mais profundos da Serra do Mar.

A princípio, para o tal evento que foi cancelado, o recrutamento foi o mais robusto possível, pois o desafio exigia isso. Mas, como eu não poderia mais contar com a presença desses nobres combatentes, como eu realizaria tal circuito ? e com quem ? sozinho ? Nãããooo. Adilson da Silva e Tony Eduardo, foram os corajosos que toparam formar a trinca e encarar tamanha doideira, sem nem imaginar o que teriam pela frente. Coitados de nós kkk.

 

 

Relato

 

Álbum completo das fotos

 

 

Assista o vídeo:

 

 

Era exatamente o início da sétima hora daquele sábado (04/04/2015), quando demos os primeiros passos na trilha que dribla a portaria do Pólo Ecoturístico Caminhos do Mar.

Eu puxava o bonde, com meus sentimentos em turbulência, sabia que seria algo muito difícil de se realizar, a responsabilidade daquele dia era toda minha, pois era o único que sabia qual direção tomar. Eles foram pegos de surpresa e nem se quer tiveram tempo de ler ou estudar o que faríamos. E mesmo com a adrenalina a flor da pele, me mantive concentrado durante os milharmetros que tivemos que andar, ainda em terreno aberto, antes de nos enfiarmos de vez na mata fechada.

Ali foi nossa pausa para o primeiro lanche do dia, e quando terminamos, ali mesmo, perguntei: Vocês tem certeza disso ? Vão encarar mesmo ? Aproveitem que ainda tá em tempo de desistir. E o pior, é que eu já sabia qual era a resposta. Eles não desistiriam.

Na linha de frente, vestido com perneiras e empunhando um facão como fazedor de caminhos, eu segui animado até certo ponto (50 metros kkk). A mata não era nada fácil de ser penetrada, meu chapa. Até a tentativa de visualizar as áreas um pouco mais abertas logo a frente, foi tarefa complicada. Por todo lado que se olhava, tinha daqueles bambuzinhos malditos que te rasgam, te arranham, machucam, e não deixam você abrir caminho nenhum. Quando não eram eles, era a vegetação que quase nos cobria pela altura. O desgaste foi grande, pois ninguém queria tomar a frente, mesmo que para aliviar meus braços que doíam de tanta saraivada que eu dava dentro daquela espeça massa de vegetação, com um facão que não corta nem vento. Em meia hora eu já estava quase entregando os pontos por causa da dificuldade na navegação. Quase desisti.

Com a persistência e a teimosia de uma mula véia, eu pensava: não posso desistir, tenho que prosseguir. Fui até encontrar uma pequena vala com pequenas poças dágua formadas pela chuva, isso já me trouxe esperanças. Tentamos seguir tal curso, mas a mata nos impediu novamente. Retomamos o varamato pra esquerda, e seja o que Deus quiser.

Não tardou muito, vimos que vinha muito declive pela frente, o desnível das copas das árvores caguetava a aproximação do vale. Pra nossa sorte, uma vala, bem maior que a anterior, cruzou nosso caminho sem qualquer vestígio de água, com apenas o rastro de erosão e deslizamentos em pelo caminho, e sem pensar duas vezes, seguimos aos trancos e barrancos por essa vala, já que a mesma ia na direção desejada. E apesar da facilidade, o avanço não foi tão ameno assim.

Por ora, apareciam penhascos a serem vencidos, e se não fosse pela corda que é item obrigatório na mochila, com certeza, não iriamos avançar meio metro a frente. Tal corda também não nos livraria dum tombo feio se não houvesse o cuidado. Mas com sua ajuda, uma hora e quarenta depois de abandonar a trilha principal (09:40h), chegamos de frente com uma cachoeira de uns 15 metros, bem charmosa e convidativa a um banho recompensador, hehe. Recebemos como um prêmio.

 

 

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Pós banho, fotos e um lanchinho pra repor as energias, a certeza era de que a partir dali tudo seria novidade, encontraríamos outras cachoeiras pelo caminho, mas também não sabíamos quais surpresas nos aguardavam. Eu estava tão satisfeito, que deixei de lado a velha mania de ficar olhando o relógio pra tentar calcular onde estamos, quanto tempo resta, etc e tal.

Toda caminhada dentre rios é truculenta, mas, como pra todo esforço há uma recompensa. A descida foi maravilhosa, passamos por várias cachoeiras de diversos tamanhos e belezas individuais, poços lindos, de águas tão cristalinas que refletiam o verde da floresta. Algo tão belo e surpreendente que faz a gente esquecer de qualquer obstáculo que superamos pelo caminho. O momento me fez lembrar sua semelhança com o lindo Rio Mogi, que desce a mesma serra a poucos km’s dali.

 

 

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Sobe pedra, desce pedra, desescala cachoeiras, toma banho nas cachoeiras, escorrega, anda, cai, suor, fome, cansaço. Assim foi nosso avanço pelo leito do rio, aliás, com muito tombo provocado pelo limo das rochas/pedras, mas foi proveitoso. Muito proveitoso mesmo! O sol ajudou com seus “30°C de fritar o coco,” assim, caminhar pelas águas foi tarefa agradabilíssima rsrs.

 

Algumas horas se passaram, e pouco depois do rio ficar mais plano, chegamos na confluência Titãs x Perequê, exatamente no topo da “Cachoeira do Dragão.” Lugar que provoca medo (sim, medo!), foi uma sensação estranha que tivemos quando pisamos os pés na cabeceira daquela cachu, que despenca violentamente num abismo (tipo uma garganta)estreito que chega a dar vertigem só de olhar, fazendo um barulho absurdo quando cai num buracão . Mas como dali adiante não seria nossa direção, só observamos e retomamos rio acima. Agora pelo Rio Perequê.

Um enorme e belo piscinão foi nosso primeiro obstáculo nessa nova etapa, mas o cansaço não nos deixava dispor de forças pra um mero mergulho que fosse. O contornamos pelo lado direito numa elevação vinha aos poucos, com capotes que vinham aos montes, as risadas eram constantes e o desafio parecia interminável. Enquanto o leito se mostrava sinuoso, tudo bem, mas quando terminava uma curva, com ela, vinha de brinde uma cachoeira monstruosa pelo caminho. Era hora de parar e estudar o jeito menos perigoso para seguir. E o resultado, na maioria das vezes, insistia em no jogar mata a dentro, rasgá-la cada vez mais fechada, em morros cada vez mais inclinados, nos terrenos cada vez mais instáveis (Caraaaaleo... tava osso). E quando tínhamos que retornar ao leito do rio, outro penhasco nos obrigava a recorrer ao uso da corda.

 

Numa curva dessas, o Tony levou um tombo, tão feio enquanto subia num tronco cheio de limo pra poder avançar (não rimos, só arregalamos os olhos), que por sorte, não aconteceu nada grave, apenas pancadas fortes num dos braços, ombro e joelho. Isso nos rendeu um tempão parados até ele recompor pra poder continuar. Mas, ali morria o espírito de um guerreiro, que quase não falou, tão pouco brincou depois da queda. Suas forças foram extraidas naquele tombo kk. Mas, como não tinha o que fazer, a não ser seguir em frente, seguimos.

Quando chegamos na curva que apresenta de longe a gigantesca Cachoeira da Torre, a maior queda em sequência da Serra do Mar (desculpa se eu estiver enganado, mas ela é gigaaaaante). Deixamos nossas mochilas onde deságua um afluente que vem mais ao norte, e com cautela fomos até sua base, apreciar sua beleza e, lógico, tirar umas fotinhas hehe. Mas dali não se via apenas um belo cenário e a força que a mesma demonstra ter. A direita, um morro, uma montanha, uma encosta, sei lá... (quem esteve lá, sabe do que falo). Uma subida infernal, era o único lugar que se tem como rota de fuga, e seria por ali a continuação da nossa odisseia. Foi nessa hora, às 14:45h, que eu disse: TAMO FUDIDO. Vamos levar de três a quatro horas pra chegar lá encima.

 

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Procurando algum ponto mais aberto na mata, ainda andamos por esse afluente que não acho palavras para elogiá-lo, vendo ele correr com águas tão cristalinas que tem suas partes mais fundas visíveis a metros de distância.

Quando olhei no navegador que eu tinha em mãos, vi que se a gente continuasse a subir e procurar por uma brecha, estaríamos nos distanciando muuuito da direção e proximidades do rio. Veio a pergunta: E então galera, vamos subir por aqui mesmo ? - com uma resposta unânime, decidimos encarar a piramba e perceber que começaria a brincadeira de gente grande.

Entramos, quase escalando, e logo de cara já vinham nas mãos, troncos, folhagens e raízes quando tentávamos um apoio pra subir. O pior de tudo, era quando a gente puxava o que tinha como apoio na tentativa de avançava, o solo fofo, cedia e jogava a gente por morro abaixo novamente. Ainda achamos uma fraca corrente de água com pequenas quedas, tentamos subir por ela, que por ora era mais aberto o caminho, mas do nada a passagem era barrada por outros desmoronamentos.

Na intenção de seguir pelo menos tortuoso dos caminhos, entre as poucas frestas que se abriam a nossa frente, “ziguezagueávamos” feito baratas tontas. E com isso o suor escorria pela testa, o corpo era cravado por espinhos, as pernas tremiam devido ao esforço, e a boca só abria (frequentemente) para pedir uma pausa.

Com tantas paradas pra descansar, foi que eu comecei a pensar no que tinha feito...

O que eu estava fazendo ali ? e com pessoas não tão inexperientes. Que encrenca eu fui enfiar esses dois, hein!!?? Um tinha o repertório de meia dúzia de trilhas feitas, o outro estava em sua terceira. Creio que não estariam dispostos a passar a noite na mata. E quando citei essa hipótese, um dele disse: se escurecer, eu não arredo o pé do lugar. Enquanto o outro não dizia nada sobre o assunto, e fazia cara de TOMARA QUE NÃO.

Comecei a acelerar eles, pois as pausas estavam muito frequentes e duradouras. Quanto mais eu queria adiantar, mais se repetiam os pedidos de parada.

“vamo, vamo... se a gente não acelerar os passos nesse varamato, vamos ficar presos na mata fechada, e obrigados a passar a noite por aqui. Sem barraca, sem lona, roupas molhadas... Vambora, porra.”

E foi nessa hora que acabou a bateria do GPS, e pra piorar a situação, a bateria reserva não queira funcionar, e ainda tinha muito pela frente. Pedi ao Tony, que vinha escutando música no celular o tempo todo, economizar bateria. E ele, ironicamente, questionou:

- Por quê ? Tá pressentindo alguma coisa ?

- Não é questão de pressentir. É uma questão real de que a gente pode passar a noite aqui. A gente precisa de um telefone pra avisar alguém, um resgate, o que for. Em casa estão todos cientes de que vamos voltar no mesmo dia, daí bate duas horas da manhã, não chega nenhum de nós, pronto, você sabe como é família, né!!?? O desespero vem a jato. É capaz de chamarem até o Exército pra resgatarem a gente.

Depois dessa simples explicação, que o “bonito” foi entender o por quê que ele tinha que economizar bateria.

Continuamos a subir, subir, subir, e quanto mais subíamos, parecia que nosso alvo ficava cada vez mais longe. E sem instrumento navegador, usamos a beirada do penhasco pra nos orientar. Andávamos pelas bordas, no medo que de a qualquer momento alguma parte do solo poderia se desprender e nos arrastar pra baixo. Ao ver que o perigo se aproximava demais, voltávamos a adentrar à mata por questão de segurança.

Quando a floresta permitia, o contato com a primeira grande/gigaaante queda daquele cânion era coisa de deixar boquiaberto. Um visual que nos faz lembrar o quão somos frágeis em meio àquela imensidão.

Outras trocentas paradas vieram, mas quando nos aproximávamos do topo, com o chão mais nivelado, esticamos os passos, e ao longe, ouvimos vozes (sim, vozes), pensei em estar delirando. Mas não.

E para noooossa alegria, isso deixava claro que não estávamos tão longe da cabeceira que serve de mirante na serra. Uffa, graças a Deus.

A gana de querer sair logo dali nos guiou instintivamente até o playground da rapaziada trilheira. Ali vimos que uma galera de uns 9 cidadãos bebiam Sminorf e fumavam maconha sem a menor preocupação, e nem se espantaram ou questionaram de onde viemos. Nós, tão pouco demos bola a eles também, do jeito que estávamos, cansados, aos farrapos, imundos e esgotados, desabamos no chão a espera do crepúsculo que logo chegaria. Eu estava varado de fome, tudo que tinha nas mochilas eu devorava, e era disso que eu precisava pra encarar os próximos 5 quilômetros de trilha até a guarita.

Não deu nem quinze minutos, e a noite caiu. Como era o único que portava lanterna, pra variar rsrs, fui na frente. Seguimos quase mudos pelo conhecido caminho, bem aberto, sem empecilhos. A única coisa estranha que aconteceu, foi quando um ser voador deu um rasante próximo da minha cabeça e brecou seu vou a nossa frente, ele era branco, tinha duas caldas, e com asas abertas media cerca de um metro. Seus olhos brilhavam refletindo a luz da lanterna, ele sumia e reaparecia das sombras das árvores, sempre nos rodeando. Mas acredito que não estava querendo atacar, só estava sendo atraído pela luz. Minutos depois, num voo mais rápido, ele desapareceu de vez na escuridão.

Já no final da estradinha, não contornamos a portaria por trilha, eu estava “cheio" de trilha. Pegamos o asfalto e passamos com a lanterna apagada, mas o guardinha não tava nem aí pro que acontecia do lado de fora da sua cabine. Ela dava atenção mesmo à televisão que o distraía.

Check point. Missão 100% concluída com sucesso. Uma hora e meia depois, todos já estavam no aconchego de seus lares. Felizes e esgotados depois de um dia daqueles.

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Show o relato Vagner. Parabéns pela conquista, foi uma grande aventura com belas cachoeiras. Pena que eu não pude acompanhar, mas fica para uma próxima.

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