O maior deserto de sal do mundo, localizado na região sudoeste da Bolívia, é um dos destinos mais surpreendentes da América Latina. Natureza em estado bruto, o Salar de Uyuni é a porta de entrada para um passeio de três dias que te leva a paisagens desérticas exuberantes e lagoas coloridas belíssimas, com direito a banho em um poço de água quente vulcânica em meio a temperaturas congelantes e a um fedorento gêiser a quase cinco mil metros de altitude (prepare as roupas de frio).
Minha visita ao Salar de Uyuni fez parte de uma viagem incrível de 15 dias que se iniciou em Cusco, no Peru, e terminou no Deserto do Atacama, no Chile.
A viagem pela Bolívia começou pela bela cidade de Copacabana, à beira do Lago Titicaca. De lá parti em um confortável ônibus de turismo até a capital do país, La Paz, que é de uma feiura estonteante. Passei apenas uma noite na capital localizada a 3.600 metros de altitude e, no dia seguinte, tomei um avião da companhia Amaszonas para a cidade de Uyuni – base para o passeio pelo deserto de sal para quem parte da Bolívia.
A passagem área para Uyuni custou, com as taxas, menos de R$ 350 (com o dólar então cotado em R$ 2,50). O vôo tranquilo de pouco menos de uma hora substituiu com louvor uma longa e (dizem) desconfortável viagem de ônibus de quase oito horas de La Paz até o sudeste do país. Vá por cima!
O minúsculo aeroporto de Uyuni fica colado à desértica e desolada cidade. Fui de taxi até a rua onde se encontram as empresas que fazem o passeio pelo Salar – são diversas opções e rola um certo desconforto na forma ríspida como o pessoal das agências tenta cooptar os turistas. Estava acompanhado por minha esposa e um casal de amigos e acabamos decidindo pela Expediciones Empexsa muito por conta do relato favorável de um brasileiro no livro de visitas da empresa.
O preço por pessoa para o passeio completo, com hospedagem e refeições incluídas? Pouco mais de US$ 100. Partindo do Atacama também é possível conhecer o Salar, mas por um preço maior
Antes de iniciar a viagem compramos muita água mineral (já havíamos nos abastecido com salgadinhos e bolachas em La Paz) e ajudamos nosso guia, o calado Johny, a empilhar as bagagens no carro. Pelo que vimos depois, especialmente ao chegar nas hospedagens onde dormimos, a impressão é que não faz muita diferença qual empresa você escolhe: o roteiro básico do passeio é o mesmo.
A primeira parada do passeio é no cemitério de trens localizado ainda na cidade de Uyuni. A região foi por muito tempo um importante ramal ferroviário boliviano, levando minérios da região de Potosí até o porto de Antofagasta, no Oceano Pacífico, mas viu seu movimento cessar quando as impressionantes riquezas minerais da Bolívia foram finalmente sugadas até a extinção. Os trens, inúteis, foram abandonados e se tornaram um símbolo da (má) sorte de Uyuni e da própria Bolívia. Pausa obrigatória para fotos num cenário pós-apocalíptico no estilo Mad Max…
A Bolívia, país mais pobre da América do Sul, vive sob o signo da injustiça: depois de ter quantidades abissais de prata e cobre roubadas por espanhóis e ingleses por séculos, viu sua saída para o mar tomada pelos chilenos no século XIX. A região de Antofagasta (onde está localizado o Deserto do Atacama e as cidades de San Pedro de Atacama e Calama), parte do território boliviano explorada por empresas mineradoras chilenas com capital inglês, foi anexada em 1879 pelo Chile, dando início à Guerra do Pacífico. Com a vitória militar em 1883, os chilenos tomaram definitivamente a área, reclamada até hoje pelos bolivianos…
A cidade de Uyuni fica na borda do salar, que se assemelha a um grande mar de sal entre os meses de abril e novembro – no verão, com a chegada do período de chuvas e derretimento de geleiras nos Andes, parte da área fica alagada e cria um imenso espelho d’água. O maior salar do planeta tem mais de 12 mil km² de área (mais da metade da extensão do Estado do Sergipe) e foi formado pela evaporação da água salgada de um enorme lago.
A maior atração do Salar de Uyuni é a Isla Incahuasi. Ela se destaca por ser uma das poucas áreas elevadas do salar, permitindo uma vista fantástica do deserto, e também por seus belos cactos gigantes que dizem ter mil anos de idade.
Ao fim do primeiro dia de passeio pelo salar, ficamos hospedados em um interessante hotel construído com blocos de sal. Tínhamos até acesso a água quente (banho de cinco minutos) e o jantar foi saboroso – havíamos almoçado na parada de Isla Incahuasi: uma refeição com legumes, quinoa e frango levada pelo nosso guia Johny. Nada de perrengue!
O segundo dia de passeio é o mais puxado, com muitas horas de chacoalhões dentro do carro – não existem estradas propriamente ditas nesta região e é incrível acompanhar a habilidade dos guias em encontrar os caminhos certos (não é preciso nem dizer que, para alguém de fora, seria estupidez tentar dirigir por estas trilhas).
Já fora do deserto de sal propriamente dito, nesta parte do roteiro passamos por lagoas coloridas belíssimas e paisagens desérticas pontilhadas de curiosas formações rochosas. Depois de encarar muita poeira, chegamos na hospedaria localizada no meio do nada que tanto assustava nosso grupo. Esqueça as comodidades da vida moderna por aqui: os banheiros não possuíam água quente (numa altitude de cerca de 4 mil metros, você pode imaginar como era frio) e os quartos coletivos eram muito rústicos, bons apenas para uma noite mal-dormida…
Acordamos antes do sol nascer para o último dia do roteiro, que começou com uma visita ao Gêiser Sol de Mañana, localizado a cinco mil metros de altura. Apesar do frio congelante da manhã, do barulho e do cheiro de ovo podre inesquecível, é uma atração sensacional: ao caminhar com cuidado entre os jatos de vapor quente que emanam das profundezas da Terra, você se sente como um astronauta explorando mundos alternativos.
Após o gêiser, a parada é nas Águas Termales de Polques. A piscina natural quente, cercada de água congelada e ventos frios andinos por todos os lados, é um desafio para os friorentos: muitos turistas preferem manter as calças, blusas e gorros e só apreciam a vista da piscina e do entorno. Quem entra, por outro lado, não se arrepende – a sensação de curtir um banho quente ao ar livre neste cenário é única. Pena que a parada é rápida, de cerca de 30 minutos.
Após a imersão nas águas termais, passamos por uma região apelidada de Deserto Dalí, por conta da paisagem desértica pontilhada por pedras que remetem às pinturas do espanhol Salvador Dalí. A última parada é na Laguna Verde, com o belo vulcão Licancabur ao fundo. A divisa com o Chile fica a poucos minutos do local e de lá nos despedimos de nosso guia, tomando uma van que nos levou a San Pedro do Atacama.
A região do Salar de Uyuni pode não ter uma estrutura de primeira linha para os turistas mais exigentes, mas compensa isso com uma beleza estonteante e a prestatividade de seu povo. Sem dúvida é um dos melhores destinos turísticos do mundo, e está a um pulo e poucos reais de distância do Brasil.