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Quero agradecer ao AUGUSTO e aos mochileiros por emprestarem sua paciência nas informações que pedi. As fotos da travessia estão no Orkut ; Divanei Goes de Paula

 

 

 

 

 

 

A Ilha da Grande Volta e a Serpente do Paraíso

 

Quando nos lançamos no mundo das caminhadas e das aventuras, sonhamos logo com as clássicas caminhadas e travessias. Aquelas que estão expostas na mídia e que ficamos esperando que surja um feriado, de preferência um de quatro dias para termos um bom tempo para aproveitar. Para nós da região Sudeste do país, Petrópolis x Teresópolis, Serra Fina, Marins x Itaguaré, Trilha do Ouro, Ponta da Joatinga, por exemplo, são caminhadas quase obrigatórias, mas há uma caminhada que é tão clássica quanto todas estas, mas tem um diferencial, não pode ser feita em apenas 4 dias. Para fazer a Volta da Ilha Grande é necessário quase uma semana para ser feita e por isso mesmo muitos já ouviram falar desta linda caminhada, mas efetivamente, poucos a fizeram. Eu era uma destas pessoas. Sempre sonhei em conhecer a tal ilha, mas é claro, queria conhecê-la somente quando tivesse a oportunidade de fazer a famosa volta e por muitos e muitos anos acabei recusando diversos convites de amigos que sempre iam pra lá e voltavam falando maravilhas do local.

Depois de ter mudado de emprego e finalmente ter conseguido cinco dias de folga, não tive dúvidas, arrumei minha mochila e acompanhado de um primo, um amigo de infância que considero quase como um irmão e de sua noiva, embarcamos na rodoviária de Campinas para S. José dos Campos e depois para Lorena e como não conseguimos nenhum transporte para Angra dos Reis, decidimos ir até Barra Mansa e ver se tínhamos mais sorte por lá. Esta estratégia logo se tornou inútil, pois quando chegamos a Barra Mansa lá pelas 10 horas da noite não tinha mais ônibus e então tivemos que ficar em um hotel para aventureiros, que no nosso caso foi o banco da rodoviária mesmo.

Depois de uma noite mal “dormida” embarcamos ás 05h30min para Angra. Duas horas sacolejando pela estreita rodovia, o dito cujo nos deixou na pequena rodoviária. Meu primo não estava conosco neste trajeto. Ele, que mora em São Paulo, teve que ir direto para o Rio de Janeiro e depois pegar um transporte para Angra. Enquanto esperávamos meu primo chegar, passamos na TURISANGRA para conseguirmos a autorização para acamparmos na praia de aventureiros, o único local na ilha que é preciso a tal autorização. Até o meio dia, aproveitamos para conhecer a cidade, que eu já conhecia quando fizemos a Trilha do Ouro, uma década atrás. A cidade melhorou muito, está mais limpa, organizada e bem segura.

 

Às 12h30min partiu a escuna Itacaruna rumo a Ilha Grande. Em menos de duas horas já estávamos ancorados na vila do ABRAÃO, a capital da ilha. Lugarejo simpático, com prainhas calmas e transparentes, com pequenos bares e restaurantes, uma pequena igreja, e meia dúzia de carros oficiais, já que na ilha não existe automóveis. Aproveitamos para almoçar e preparar melhor a bagagem para começarmos a caminhada o mais breve possível, pois já era quase duas horas da tarde. Ao verificar a mochila do LINDOLFO, meu primo, constatei que o cara havia trazido comida para um mês e tratei logo de fazer com que ele arrumasse um lugar para deixar as inutilidades,pois ele correria o risco de não conseguir subir nem o primeiro morro com todo aquele peso desnecessário nas costas. Na pracinha principal de Abraão haviam montado um palco para o carnaval e antes mesmos que acabasse de tocar a música da Ivete Sangalo, para nossa sorte, já estávamos fora do vilarejo, junto à bifurcação das trilhas do Lazareto e do Aqueduto.

Na bifurcação das duas trilhas existe agora um posto do INEA, órgão ambiental e foi aí que fomos parados. Quando viram nossas mochilas perguntaram para onde iríamos. Disse logo que pretendíamos seguir até o SACO DO CÉU, onde iríamos acampar. NEGATIVO!!! Esta foi a resposta das meninas e dos guardas que faziam o controle. Já vi que a coisa começará a ficar difícil antes mesmos de iniciarmos a travessia. Perguntei por que não poderíamos passar. Disseram-me que não existia nenhum camping autorizado por lá. Como meu primo conhecia um morador de lá, ele disse que ficaríamos na casa dele, um tal de “seu Antonio”. Mesmo assim endureceram e não queriam que passássemos de jeito nenhum. Foi quando usamos o argumento de que aquelas são trilhas de uso público e que eles não tinham o direito de barrar a nossa passagem. Os guardas entraram em contato com a sede para saber se havia mesmo este tal de Antonio morando no Saco do Céu, mas como não acharam nenhum telefone do pescador, resolveram nos deixar passar. Mas os cretinos do INEA tocaram o maior terror, disseram que a volta da ilha estava proibida e que não existia nenhum camping regular naquela parte da ilha e muito menos pousadas e que se fossemos pegos acampados no terreno de algum morador, seríamos autuados, recolheriam todo o nosso equipamento. Depois viemos a descobrir que tudo que eles haviam ditos era pura canalhice, pois havia dezenas de camping e pousadas durante o trajeto. Eu já estava quase me pegando na porrada com o pessoal do INEA e por isso meus amigos trataram logo de me tirar de lá para podermos seguir enfrente na trilha.Mas fica aí um alerta, oficialmente,pelo menos por enquanto a volta da ilha está proibida , mas não deixem que esta ilegalidade tirem vocês do caminho pois o lugar é de uso público, faça valer o seu direito.

 

Na tal bifurcação da discórdia, fomos primeiro conhecer o Lazareto, lugar usado como presídio e para “tratamento” de leprosos e outras doenças infecciosas da época. Ficamos por lá pouco tempo e logo seguimos para a outra trilha, rumo ao poção e o Aqueduto. Como o calor estava insuportável aproveitamos para dar um mergulho na cachoeira e ir conhecer o imponente aqueduto, uma construção gigantesca que era usada para levar água do “interior da ilha” até o lazareto. Deixando tudo isso para trás, finalmente entramos trilha adentro. Logo depois da subida encontramos uma trilha, que imaginamos ser a trilha que vai até a Cachoeira da Feiticeira, mas como já era muito tarde passamos batido. Esta trilha sobe sem dó, pior para nós que estávamos sem aquecimento nenhum, depois desce até chegar a uma bifurcação, a qual seguimos para a direita e descemos em 15 minutos ou menos até a Praia da Feiticeira. Na praia selvagem havia somente um pequeno barco com uma família se divertindo nas águas calmas e extremamente transparentes, lugar lindo. Não teve jeito tiramos a roupa e caímos na água e ficamos por lá até a noite.Depois de passarmos muita raiva com o pessoal do Ineia, decidimos que iríamos acampar por ali mesmo. O pequeno barco foi embora e ficamos com a praia só para nós. Claro que estávamos morrendo de medo de sermos pegos, por isso fomos até o canto direito da praia, caminhamos uns dez metros por cima das grandes pedras e fomos acampar em um cantinho fora da visão de qualquer barco ou pessoa que passasse pela praia. Estávamos lá escondidos e já passava das 8 da noite, quando vimos passar no mar um barco com as características do barco da polícia ambiental. Pensamos logo: Fomos denunciados pelo barquinho que sabia que estávamos por aqui, estamos ferrados!!!

 

O barco parou na Praia da Feiticeira, ficamos inertes, paralisados de medo, seríamos pegos a qualquer hora. De cócoras atrás de uma grande pedra e no escuro, fiquei imaginando ser aquela uma situação constrangedora de um sujeito comemorar seu aniversário, eu estava fazendo 40 anos neste dia 12 de fevereiro e estava ali me arrastando feito um fugitivo, mal feitor, facínora, salafrário, ladrão de cavalo e o pior, parecia estar acompanhado pelo Escadinha ou pela Madame Satã, famosos bandoleiros,que outrora ficaram presos nesta ilha e acabaram se tornando lenda.

Não demorou muito outro barco também encostou na praia, nesta hora a Val ,namorada do meu amigo Rogério,já queria voltar para Abraão.Se nós já estávamos nos “cagando” de medo de sermos pegos, imagine para uma garota que estava pela primeira vez neste tipo de aventura.Esta situação se perdurou por mais de hora e só nos acalmamos quando ouvimos barulho de crianças na praia.Não,não era o barco da polícia ambiental ,era dos moradores da casa logo acima da praia,que provavelmente vieram buscar as crianças e as mulheres para o carnaval ou outra festa qualquer.Depois de tudo isso resolvemos nem montar as barracas,estendemos um plástico no chão e dormimos dentro dos sacos de dormir,já que o tempo estava firme e quente.

O dia amanhece lindo e muito quente. Já refeitos do susto da noite anterior, tomamos café, arrumamos a mochila e voltamos para a trilha principal. A trilha segue descendo e chega a uma bifurcação, pegamos para a esquerda e descemos a Praia de Camiranga e assim adentramos de vez no Saco das Estrelas, uma enseada com várias praianhas de águas transparentes. A primeira delas é a do Perequê,.onde encontramos o “seu Antonio” amigo do meu primo. Trocamos algumas palavras e seguimos enfrente. Atravessamos um riacho e começamos a caminhar pela Praia de Fora. Lugar agradável e de areia grossa, onde pequenas árvores quase beijam o mar. O lugar é realmente belíssimo, parece uma grande lagoa e quase não há construções por aqui. Seguimos até um pequeno restaurante e entramos ao lado dele.; Atrás deste bar-restaurante,vimos dois camping, o que nos deixou bem”putos” com os caras do INEIA. Pegamos de novo a trilha principal e em poucos minutos chegamos ao SACO DO CÉU. Aqui as praias são de lodo, estamos junto a um grande mangue. O caminho é um pouco confuso quando passa pelo vilarejo, vai cruzando algumas pontes, passando por algumas praias lodosas, depois sai do vilarejo e segue seu curso sem subir muito, passa por uma bifurcação, que pegamos para a esquerda e nos leva direto para a pequena PRAIA DO FUNIL.

 

No começo subestimados esta praia. Como o nome diz, parece um funil. A água meio turva e com muitas folhas. Paramos para fazermos um lanche e descansarmos um pouco. Aproveitei a parada para me refrescar um pouco e pra minha surpresa encontrei dez metros mar adentro uma água muiiiito transparente. Peguei o snorkel e corri pra mergulhar. No canto esquerdo vi dezenas de peixes coloridos, corais lindos e pra minha surpresa, um polvo. Sai da água extasiado com tanta beleza. De volta a trilha, passamos por um campinho de futebol, no qual seria um bom ponto para montar uma barraquinha a noite sem levantar qualquer suspeita, e poucos minutos depois já estávamos na PRAIA DE JAPARIZ. Mais uma praia calma com um pequeno píer. Cruzamos a praia e entramos de novo na mata, passamos por uma bica d”água e logo depois por um pequeno riacho e então chegamos a uma pequena praia e paramos para mais um inesquecível mergulho, onde a VAL disse ter visto uma enorme cobra, que não passava de um enorme galho de árvore.Deixando mais esta deliciosa praia para trás,passamos por umas casas e entramos na grande PRAIA DE FRGUESIA DE SANTANA.Fomos logo conhecer sua imponente igreja, construída em 1796 e um pequeno cemitério que fica ao seu lado. A intenção era daqui ir conhecer a famosa LAGOA AZUL. Seguimos pela praia até o seu final e então pegamos um trilha para a PRAIA DA BALEIA e em dez minutos já estávamos nela. Perguntamos para os turistas que estavam na trilha como chegar até a tal lagoa e ninguém soube informar. Como a descida até a praia da Baleia é complicada,deixei a mochila com a galera e fui sozinho perguntar da tal trilha para a lagoa. A praia da Balei estava sensacional,a água estava muito quente e a areia idem.Me disseram que só daria para ira a lagoa passando pelo costão. Tentei ir pelas pedras, mas queimei meus pés. Pulei na água ou cai, com roupa e tudo e óculos também.Só de raiva fui até a outra baia a nado e finalmente cheguei até a LAGOA AZUL. Dei um bom mergulho e voltei, também a nado ,é claro. A galera resolveu não ir até lá. Alguns não sabiam nadar e passar com mochila estava fora de cogitação.

 

Pegamos a trilha de volta para Freguesia de Santana e foi de lá que ficamos sabendo que a passagem pela enseada do Bananal estava interditada devido ao desastre natural do ano Novo. Ficamos preocupados, mas decidimos arriscar. A trilha do Bananal sai atrás da igreja e segue mata adentro. Sobe sem parar, passa por algumas bicas de água e então começa a descer. Caminhar por estas matas poderia ser muito agradável, mas a temperatura por aqui está batendo os quarenta graus, culpa de uma onda de calor poucas vezes vista neste século. Não há vento, o que torna tudo uma sucursal do inferno. Duas horas depois chegamos a enseada do BANANAL.

Aqui, caros amigos, permitam-me fazer uma pausa para traçar um breve perfil dos meus amigos e companheiros de aventura. ROGÉRIO, geógrafo formado pela Unicamp, como já disse, amigão de infância, quase um irmão. Fizemos muitas trilhas juntos e outras viagens espetaculares, mas a uns cinco anos ele estava afastado das aventuras. VALQUIRIA, estudante de fonoaudiología, também na Universidade de Campinas, noiva do Rogério, menina meiga e de fala mansa, essa é praticamente sua primeira longa caminhada. LINDOLFO, micro empresário da indústria do suco. Meu primo, meu companheiro há vários anos nos perrengues e aventuras. Já nos metemos em várias enrascadas juntos e sempre saímos vivos pra contar a história. Seu único problema é ser catastrofista de mais, se ele ouve uma bombinha estourar, já diz ter ouvido uma bomba atômica, muito provavelmente foi ele quem elaborou a teoria do cáus e da desgraça.

Aqui na ENSEADA DO BANANAL, meu primo se sente em casa. O caus e a desgraça está por todo lado. Há cheiro de morte no ar, o local parecer ter sido bombardeado, tudo está revirado, a praia sumiu do mapa, juntamente com 31 vitimas fatais que sucumbiram naquela trágica noite de ano novo.

Passamos pela primeira casa e perguntamos se seria possível passar pelos desmoronamentos. Um pescador nos informou o caminho mais fácil. Então cruzamos um pequeno riacho junto ao único pedaço de areia que sobrou por aqui.,passamos pelo cais de concreto, que fica enfrente a um gramadinho e seguimos por uma ponte até sairmos na igrejinha, para então começarmos a cruzar de vez por cima dos destroços. Chegamos embaixo da gigantesca laje exposta, subimos por ela uns cinco metros e interceptamos novamente a nossa trilha. Em poucos minutos estávamos já na PRAIA DE MATARIZ.

Matariz é uma pequena comunidade de pescadores. Há muito tempo atrás existia aqui uma fábrica de sardinhas, mas hoje tudo está em ruínas. A tranqüilidade é a marca deste local e o mar transparente o torna um dos mais belos cenários desta parte da Ilha Grande. Chegamos aqui por volta das cinco da tarde e achamos que já era hora de encerrarmos nossa caminhada. Havia embaixo de uma grande árvore, um pescador e perguntamos a ele por algum lugar para acampar. Ele nos ofereceu seu quintal. Lugar belo e agradável, junto a uma pequena cachoeirinha. O chão era todo gramado e não pensamos duas vezes, tiramos nossas mochilas das costas e ficamos por lá mesmo, onde preparamos nossa janta, tomamos um refrescante banho e depois de ficarmos até tarde batendo papo e observando o maravilhoso céu estrelado, caímos no sono.

 

O dia amanhece quente, muito quente. Surge então o nosso primeiro grande problema. A Valquíria estava mal. Sentia dores abdominais e estava com diarréia. Pra nossa sorte, em Matariz existe um pequeno posto de saúde. Enquanto esperávamos o médico chegar, eu fui dar um mergulho para espantar o calor. A água do mar já estava muito quente logo pela manha, que delícia !!!! O médico chegou e atendeu a Val. As notícias não eram nada animadoras, a nossa amiga estava com uma infecção intestinal e o médico a aconselhou a interromper a caminhada por umas doze horas até que seu organismo estivesse totalmente reidratado. Resolvemos então que seria melhor arrumarmos um barco para levá-la até onde iríamos acampar no final do dia e deixa-la descansando por lá. E assim foi. Eu e meu primo seguiríamos pela trilha e a Val e o Rogério iriam de barco até a Praia Grande de Araçatiba. No pequeno cais, nos despedimos dos nossos amigos e enquanto eles iam mar afora , eu e o Lindolfo seguíamos trilha a dentro. Passamos pela antiga fábrica de sardinha, cruzamos o riozinho e ao chegarmos ao fim da praia encontramos a trilha. A trilha sobe um pouco e o calor torna-se insuportável. Depois da subida, claro, sempre vem a descida,e em menos de uma hora já estávamos de novo contemplando este oceano de águas quentes e límpidas .

 

Estamos em PASSATERRA, dois trapiches tomam conta da praia e é em um deles que aproveito para me deliciar, pulando de um enorme trampolim. Estamos em plena enseada do Sítio Forte, lugar delicioso pra caminhar. Não demora muito e outra pequena trilha já nos leva até a PRAIA DE MAGUARIQUESSABA, outra linda prainha.. Passamos rápido por esta agradável praia e seguimos logo pela trilha, passamos por uma ponte sobre um belo riozinho e chegamos a PRAIA DE SÍTIO FORTE, uma enorme praia sem cais, com uma pequena escola e um tosco campinho de futebol. O local parece mesmo um sítio, cheio de grama e grandes coqueiros, um charme. Nosso caminho atravessa a pontinha no final da praia, entra na trilha e em pouco tempo já estamos novamente mergulhando perto de uns rochedos de águas calmas. Estamos na PRAIA DA TAPERA e daqui já podemos ver a trilha que nos espera morro acima. No final desta praia encontramos um belo campo de futebol todo gramado e isolado, lugar perfeito para se montar uma barraca sem ser incomodado por ninguém.

A trilha até a próxima praia é curta, mas por ser totalmente exposta ao sol é dura de ser trilhada. A visão do topo da trilha é realmente indescritível, umas das mais bonitas deste dia de caminhada. Depois de suarmos em bicas, finalmente chegamos a PRAIA DE UBATUBA, onde aproveitamos para mais um mergulho.

 

Para fazer esta caminhada eu havia trazido vários mapas e roteiros, mas não sei onde, consegui perde-los, mas como eu tinha informações que a trilha seguia sempre junto aos postes de energia elétrica, foi isso que fiz, segui os postes. No final da praia de Ubatuba, subimos um morrinho e seguimos enfrente de olho nos tais postes. Passamos por uma ponte sobre um riacho, desviamos de alguns bambus que caíram sobre a trilha e chegamos a uma porteira fechada. A trilha aqui estava muito suja e cheia de mato, meio estranho, mas os nossos amigos postes estavam lá para nos servir de guia e então abrimos a porteira e seguimos. A coisa foi piorando e cada vez ficava mais difícil de passar. Chegamos a uma pequena prainha onde mergulhamos. Voltamos para a trilha que seguia cada vez mais suja, passou por um brejo e se enfiou mato adentro. Depois de muito caminhar começamos a desconfiar do rumo que o caminho estava seguindo. Chegamos a uma casa com alguns cachorros e perguntamos para um senhor que estava por lá. O homem nos disse estávamos no caminho errado e que a trilha para onde queríamos ir, saia da praia de Ubatuba e que ali era a PONTA GROSSA. “ Puta que o pariu”, ponta grossa, sugestivo nome pra gente se ferrar. Toca a gente voltar por esta quiçaça tudo de novo. E lá vamos nós de volta para Ubatuba. Chegando na praia vimos o nosso erro. Nesta parte da ilha os postes de energia se bifurcam, coisa que não percebemos, pois estávamos distraídos contemplando a paisagem e então passamos direto e alem do mais a trilha para próxima praia começa bem estreita e só alguns metros depois volta a ter aspecto de estradinha como todas as outras. Subimos então pela trilha calorenta que segue por dentro da mata. Neste momento andávamos sem camisa e de chinelos para aliviar o calor insuportável. Pouco mais de uma hora, depois de muitas paradas, descemos até a PRAIA DA LONGA, onde atravessamos por dentro de um rio que desemboca junto a praia. Neste rio havia umas crianças brincando, pensando que era raso e sem medir a profundidade, coloquei a mochilinha na cabeça e tentei atravessar. Afundei feito ancora e quase tive que soltar a mochila no rio para não me afogar. Refeito do susto, passamos pela igrejinha de S. Pedro e abandonamos esta praia em direção a outra trilha, que entre subidas e descidas nos devolveu a PRAIA GRANDE DE ARAÇATIBA. Nesta praia reencontramos nossos amigos Rogério e Valquíria, que já estavam instalados no camping do Bene. De todas as praias esta foi a que menos me agradou. Gente de mais , barco de mais, muvuca de mais, tinha até bloco de carnaval. Mas não teve jeito, o dia já se foi é por aqui que iríamos acampar por hoje.

Bom, o dia amanhece como todos os outros, com sua “bola de fogo” queimando tudo. Atravessamos a praia e suas casas e restaurante, atravessamos o rio, passamos pelo beco entre outras casas e descemos até a PRAIA DE ARAÇATIBINHA.Pequena praia muito agradável e tranqüila, lugar ideal para acampar em seu final . Não nos demoramos muito por aqui, pois tínhamos informação que a próxima trilha era muito longa e com grande desnível. Pegamos a trilha e não demorou muito ela se bifurcou. A trilha da direita segue até a Praia Vermelha e a Gruta do Acaiá, mas infelizmente não vamos até lá, a Val ainda não se recuperou totalmente e resolvemos não ariscar. Então seguimos para a esquerda e subimos, subimos muito. Para aliviar o esforça da Val, resolvi carregar a mochila dela também, morro acima. Depois da grande subida, a trilha desce agradavelmente por dentro da mata, nivela um pouco e começa a descer até que já avistamos a PRAIA DE PROVETÁ. Daqui de cima a visão é muito bonita, mas eu tinha informação que Proveta era um lixo. Entramos no vilarejo pela sua periferia e logo chegamos a principal igreja do povoado, na sua maioria composta por evangélicos. Contrariando tudo o que tinha ouvido e lido, achei PROVETÁ um lugar muito agradável e bonita, muito melhor que Araçatiba. Tomamos café na padaria e fomos mergulhar no canto esquerdo da praia. Foi lá que consegui ver um Tubarão Anjo, junto a alguns lindos corais.

Estávamos entretidos com o mergulho e logo quando saímos da água um pescador nos ofereceu uma carona até a praia de Aventureiros, claro, pediu um caixinha em troca. Como achamos o preço bem convidativo, aceitamos, já que sabíamos que a trilha tinha um grande desnível e que não passaria por praia nenhuma, decidimos seguir por mar mesmo. O pequeno barquinho, quase uma canoa a motor, contornou toda a ponta e nos deixou na linda PRAIA DE AVENTUREIROS. O local é realmente fantástico, o mar é de uma transparência única, um aquário natural. Um coqueiro que caiu e depois cresceu de novo na vertical, tornou-se o símbolo do lugar. De frente para esta praia estão a Praia do Leste e do Sul, por onde deveria continuar o nosso caminho, mas infelizmente não nos deixaram passar e disseram se insistíssemos seríamos multados, porque ali era uma área de preservação ambiental e que somente naquele dia, quinze pessoas já haviam sido autuadas. Mais essa agora. Tivemos que mudar nossos planos e conseguir um barquinho para nos deixar do outro lado da reserva, na praia de Parnaioca. Enquanto o barquinho Dois Irmãos não zarpava, fomos comer alguma coisa e mergulhar um pouco.

Aventureiros é realmente muito linda, mas sinceramente, não sei se é porque sou exclusivista de mais, não foi nem de longe a melhor praia que conheci na ilha, talvez fora de feriados eu mude de idéia. Ás 14 horas partimos rumo a Parnaioca e não levou mais de uma hora para chegarmos lá.

Mesmo um pouco cheia, achei a PRAIA DE PARNAIOCA encantadora. Passamos bastante tempo nadando e mergulhando nas suas águas quentes. Já passava das 16 horas, quando iniciamos a trilha que sai quase bem no meio da praia, junto a uma casa. Meu primo queria acampar por aqui, mas achamos muito cedo para deixar de caminhar, haja vista que não havíamos caminhado muito por hoje, já que tínhamos economizado a pernada de Proveta a Aventureiros. A trilha passa pelo quintal da casa, curva-se para a direita e depois começa a subir no meio da mata. A minha intenção era acampar na GRUTA DOS FUGITIVOS, pois tinha informação de ser plana e que daria para montar umas três barracas. Como meu primo já havia feito esta pequena trilha anos atrás, ele nos disse que sabia onde se localizava a tal gruta. Depois de subir bastante, a trilha praticamente nivela e vai cortando a agradável floresta, mas é longa e já passava das seis da tarde quando chegamos a uma enorme e imponente figueira. Mas a tal gruta não aparecia nunca. Eu já começava a duvidar da sua existência, quando uma enorme toca aparece a nossa frente. Meu primo não teve dúvida em afirmar que aquela era a tal gruta. Fique decepcionado, o local era tosco, não dava para montar uma barraca se quer e nem mesmo dormir sem barraca. Puxa vida, não era possível que todas as informações que me deram estavam erradas. Decidi que não iríamos acampar ali, seguiríamos até a grande ponte, onde ouvi falar que seria outro bom local para acampar antes de chegar até o vilarejo de Dois Rios. Mas antes de abandonar de vez esta gruta, resolvi investigar para ver se não havia alguma outra entrada, onde a galera poderia acampar.

 

Enquanto meus amigos descansavam na boca da gruta, escalei uma pequena pedra para investigar. Não, não havia qualquer entrada, o melhor mesmo seria ir para a grande ponte. Ao descer da pedra, que não tinha mais que um metro de altura, pulei no matinho logo abaixo e ao cair no chão, senti como se um espeto de churrasco tivesse entrado no meu tornozelo.Pensei ser alguma bromélia espinhuda que havia me pegado. Mas ao olhar para a esquerda, o que vi quase me deixou paralisado. Uma COBRA JARARACA, fugia as pressas por cima das pedras. No exato momento já dei o alerta : GENTE ACABEI DE SER PICADO POR UMA COBRA !!!! Agora a paralisia mudou de lado, meus amigos me olharam com cara de pânico. Peguei o soro da Val e joguei no ferimento. Alguém pedia para que eu me sentasse. Em menos de dois minutos eles decidiram que o Rogério e a Val iriam buscar socorro e o meu primo ficaria comigo. Já era 06h30min da tarde e logo escureceria. A Val não tinha a menor condições físicas para acelerar na trilha e o Rogério já era sabido a muito tempo, não teria a menor condições de andar a noite,caso precisasse voltar para ajudar a me socorrer pois sua visão não o deixa enxergar a noite.Não tive dúvidas, mesmo contrariando todos os procedimentos corretos, joguei minha mochila de quase vinte quilos nas costas, disparei tão rápido na trilha, que nem o jamaicano me pegaria. Arrebentei mato no peito, quebrei bambu, atravessei rio sem ponte, passei pela verdadeira gruta dos fugitivos e soltei um palavrão de raiva.Decidi correr até não agüentar e se eu desmaiasse, meus amigos que se virassem para me carregar.Minha boca ficou um pouco seca, mas ainda não sentia nada.Passamos pela grande ponte e aos gritos de VAMOS EMBORA GENTE, fiz meus amigos correrem como jamais correram em todas as suas vidas.A Val, coitada, de sedentária, tranformou-se em maratonista. Passamos por parte das ruínas do presídio e logo chegamos ao povoado de DOIS RIOS.

Ao chegar em Dois Rios, avistamos o guarda que toma conta do local e pelo rádio ele fez contato com o único transporte disponível por ali no momento. Era uma Toyota velha, que rapidamente me jogou porta adentro, juntamente com meus amigos, e rumou para Abraão pela única estrada de toda a Ilha Grande. Quase uma hora, foi o tempo que ele levou para chegar à capital da ilha. Eu não sentia nada, somente uma grande dor no local da picada. Me levaram para uma maca, me aplicaram logo uma dolorida vacina antitetânica. Por incrível que pareça, em Abraão não existe o soro antiofídico e eu teria que ser transferido para Angra do Reis e para isso teria que esperar a Defesa Civil vir lá do continente para me levar pra lá.

 

Enquanto espera pelo barco ambulância da Defesa Civil, deitado na maca do Pronto Socorro de Abrão, entrou um mulher com a pressão alterada. Ela veio do carnaval direto para o atendimento e carregava sobre sua cabeça uma peruca de cobra. Mesmo sofrendo de dor e sem saber se sobreviveria ou não, não teve jeito, fui acometido por um ataque de riso diante da situação cômico-trágica em que eu estava passando. Quando a Valquíria entrou para me ver, pedi pra ela avisar meu primo para não ligar para ninguém e nem comentar sobre o acidente, pelo menos por enquanto. Tarde de mais, a notícia já havia sido dada e não tardaria em chegar aos ouvidos da minha mulher, minha filha e meus pais. Quase uma hora depois chega o barco da defesa civil. A lancha super rápida levou pouco mais de quarenta minutos para nos deixar no cais de Angra dos Reis, onde uma ambulância já nos esperava. Meia hora depois eu já estava recebendo o soro Antibotrópico. Da hora da picada da JARARACA, até o atendimento com o soro, haviam se passado 4 horas, tempo de mais para um atendimento de extrema urgência.

Poucos minutos após começar a receber o soro antiofídico, fiquei totalmente roco e com pequenas bolhas pelo corpo, eu estava com choque alérgico e me aplicaram um remédio e em 10 minutos já estavam bem de novo. Tomei a decisão de avisar minha esposa sobre o acidente, antes que a notícia dada pelo meu primo chegasse distorcida até a minha casa em Sumaré, no interior de São Paulo. Mas não adiantou, o estrago já havia sido feito, minha mulher não acreditou quando disse que estava bem, ainda mais porque liguei quando estava meio roço. Durante toda a noite que passei em observação, meu primo catastrofista mandava notícias pra São Paulo sobre minha possível saúde.

Eu estava todo inchado, com os rins comprometidos, sangrava pela boca, sangrava pelos poros, minha perna estava preta, meu sangue havia coagulado, estava cheio de bolhas, sangrava pela urina, tinha febre, minha garganta fechou. Esta notícia se espalhou pelos quatro cantos do estado de São Paulo. Meus pais que estavam pescando a 600 km da minha casa, na divisa do Mato Grosso do Sul, onde mora minha irmã, largaram tudo e vieram embora, minha mãe chorava o caminho inteiro com a eminência da morte. Parentes ligavam oferecendo dinheiro para me trazer de avião para casa. Minha filha chorava.

 

E eu, bom, eu não sentia nada, estava muito bem de saúde, apenas uma pequena dor no local da picada e mais nada. Estava lá apenas internado por puro procedimento médico diante deste tipo de acidente. E 20 horas depois do acidente eu estava liberado pelos médicos para voltar para casa e apenas continuar o tratamento do pé, na minha casa, pois o veneno já havia sido neutralizado.

Claro que esta não foi a volta da ILHA GRANDE que planejei. Mas todos nós sabemos que imprevistos são o que mais acontecem em se tratando de aventura e tecnicamente a volta a ilha foi dada. Saímos de ABRAÃO e chegamos em ABRAÃO. Claro que ficaram lugares que eu sonhará em conhecer, mas isso será uma boa desculpa para eu voltar pra lá. Agora alem das histórias de piratas, índios canibais, leprosos ,traficantes de escravos, presos político, bandidos perigosos. Para nós agora , se juntará a todas estas histórias, mais uma. A história do AVENTUREIRO ENVENENADO. E eu deixo alem de muitas saudades deste PARAÍSO, uma amiga, a senhora JARARACA .

 

 

Divanei Góes de Paula - fevereiro de 2010

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Blz Divanei.

 

Ficou parecendo que aquela abordagem lá no Abraão pelo pessoal do INEA só foi um prelúdio do que os aguardava pela frente hein?

 

Depois dessa, vc vai ter muita estória p/ contar p/ a sua filha e esposa.

 

Normalmente a picada de uma jararaca começa a provocar sequelas graves depois de aproximadamente 6 a 8 horas sem nenhum tratamento, mas isso também depende da quantidade de veneno que ela injetou.

 

E as fotos?

Anexa algumas aqui no relato.

Não tem nenhuma da dita cuja?

 

 

Abcs

  • Membros de Honra
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Envenenou o pobre ofídio ::prestessao:: Tu é sangue ruim, Divanei ::lol3:: Coitada da bichinha! ::lol4::

Brincadeiras a parte, tu sabes que a decisão de correr não foi a mais indicada, tecnicamente falando... talvez seja a que te sobrava, como teu relato diz (incapacidade de socorro pelos outros). O bom é que passou e tu estás bem.

Diz aí, nesta hora estavas de chinelos?

 

No mais, show o relato, as fotos tão muito bacanas.. o que é a água daí?!??! Bela trilha!

  • Membros de Honra
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E as fotos?

Não tem nenhuma da dita cuja?

Augusto, tu é um sádico ::lol4::

O cara vendo que a situação não era das melhores - os companheiros não seriam capazes do resgate - e tu queria uma foto da cobra? ::ahhhh::

Só tem doido aqui, rapá! ::lol3::

  • Membros de Honra
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Cacius, vai que o Divanei quisesse deixar p/ a posteridade a imagem da bichana. ::lol4::::lol4::::lol4::::lol4::::lol4::::lol4::::lol4::

 

Toda cobra que eu cruzo, sempre que posso, dou uma clicada nela. Na verdade é uma forma de dizer: tá vendo, escapei por pouco. Tenho de ficar atento a tudo daqui p/ frente.

 

 

Abcs

  • Membros de Honra
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Augusto e Cácius,

Durante quase 20 anos sempre caminhei com botas, mas na ilha grande resolvi andar de chinelos para dar um descanso para os pés, pois as trilhas são bem abertas e limpas e achei que seria mais fácil ser picado de cobra no shopíng do que lá. Baixei a guarda na segurança e viu o que deu. De agora em diante até para entrar no mar vai ser de botas,rsrsrsr.

Quanto a foto da cobra eu não tirei e nem poderia pensar nisso em uma hora daquelas. Correr não foi o correto, mas foi o mais sensato naquela ocasião. As pessoas que estavam comigo não tinham a menor condição de me socorrer em um tempo hábil.

Vou postar algumas fotos aqui para os que possam ter um noção da galera.

 

20100222154005.jpg

  • Membros de Honra
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Eu estava todo inchado, com os rins comprometidos, sangrava pela boca, sangrava pelos poros, minha perna estava preta, meu sangue havia coagulado, estava cheio de bolhas, sangrava pela urina, tinha febre, minha garganta fechou.

::hahaha:: Jararaca transmissora de Ebola! ::hahaha::

Esta notícia se espalhou pelos quatro cantos do estado de São Paulo. Meus pais que estavam pescando a 600 km da minha casa, na divisa do Mato Grosso do Sul, onde mora minha irmã, largaram tudo e vieram embora, minha mãe chorava o caminho inteiro com a eminência da morte. Parentes ligavam oferecendo dinheiro para me trazer de avião para casa. Minha filha chorava.

::lol3:: Esse seu primo é mais perigoso que qualquer serpente Divanei. ::lol4::

 

Mais um ótimo relato.

Abraço. ::otemo::

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