Membros de Honra LEO_THC Postado Setembro 11, 2009 Membros de Honra Postado Setembro 11, 2009 (editado) Hard Trip nos alpes baianos! Grande parte das pessoas que visitam a Chapada Diamantina tem uma visão estreita do potencial turístico daquela região, seja por desconhecimento proveniente de falta de divulgação das prefeituras, ou por preconceito em achar que a Chapada Diamantina resume-se a Lençois, Capão, Mucugê e Andaraí, cidades realmente espetaculares, mas não únicas no quesito grandiosidade, beleza, e trilhas. Visito a chapada há vinte anos; como mochileiro, trilheiro, dez anos. Meu objetivo desde quando comecei a explorar este lugar era conhecê-la de cabo a rabo, e ao logo destes anos venho cumprindo a tarefa, explorando quase todas as trilhas existentes de Lençois, Palmeiras, Mucugê, Andaraí, Igatu, Iraquara, Itaberaba e alguns distritos. Este ano a idéia era visitar um pico que eu ainda não tinha ido e de imediato pensei em Ibicoara, estava muito a fim de fazer a trilha da Cachoeira da Fumacinha por baixo e de quebra o Buração. Em princípio pensei que viajaria uns 7 dias, mas depois esta conta cresceu e resolvemos eu e minha noiva Milena dobrar os dias, arredondando ficamos 15 dias. Mais tempo nos proporcionaria a possibilidade de mais trips e pesquisando roteiros me veio na mente montanhas, e neste quesito pude comprovar que a região que compreende as cidades de Abaíra, Rio de Contas, Rio do Pires e Piatã seria a melhor opção. Lá encontra-se os três maiores picos do nordeste: Pico do Barbado, soberano com seus 2033 metros de altitude, Pico do Itobira, com 1970 m, o segundo mais alto e mais complexo que o Barbados e Pico das Almas que fica em terceiro com 1.958 metros em relação ao nível do mar. Comecei a procurar por maiores informações e cheguei até o número da Associação de Condutores de Visitantes de Abaíra – ACV. Entrei em contato e para minha surpresa quem atendeu o telefone foi uma criança. A primeira impressão não foi boa, pois tentava imaginar uma Associação de Condutores com uma criança atendendo ao telefone. Depois de pedir à criança que passasse o telefone para um adulto, consegui falar com uma mulher que estranhou um pouco quando falei sobre a ACV. Demorou a cair a ficha, mais quando falei em guias para uma trilha ela relacionou a coisa e me disse que guia na cidade só tinha um, e que o resto teria partido para São Paulo trabalhar em casas de esfirras de um filho da terra que deu sorte e enriqueceu na megalópole. Leomagno era o nome do derradeiro guia de Abaíra e por conhecidência ela era esposa do cara, aliais, este telefone é da casa dele e o guri, seu filho, o pequeno Iorran. Neste dia, e por mais uns dois dias eu não conseguia falar com o cara é já estava ficando triste, uma vez ele tinha ido em um seminário em Lençois, outra estava no campeonato de futebol da cidade, e no seguinte na praça, e nesse processo só na semana seguinte consegui falar com o cabra e ele me confessou que o lugar onde ele vivia era Catolés, distrito de Abaíra, a terra da cachaça, que leva o mesmo nome da cidade. Conversamos algumas vezes por e-mail, telefone e fechamos um pacote com uma guiada para o Pico do Barbados e na seqüência o Pico do Itobira, primeiro e segundo do nordeste em altitude. O valor de guiadas nesta região e outras menos famosas na chapada ainda são baixos em relação ao primo rico, que no caso é Lençois e Capão. A guiada para o Pico do Barbado sairia por R$ 100, valor a ser dividido com até 5 pessoas, e a guiada para o Pico do Itobira custaria R$ 140 também com limite de 5 pessoas. No Capão, o cartel de guias determinou que a guiada para qualquer lugar é de R$ 80, por pessoa (dia), ou seja, você não gasta menos de R$ 500 pra fazer a trilha do Vale do Paty, por exemplo. Um abuso, algo que não falta nesta região. Para se fazer estas trilhas é possível começar por diversas cidades, como a própria Abaíra, Piatã, Rio do Pires ou Rio de Contas. Relatarei os passos por Catolés, Distrito de Abaíra, lugar base e segundo Leomagno melhor ponto de partida. Um dos grandes problemas desta região com certeza é a precariedade do transporte, por isso o nosso guia nos instruiu a pegar um bus até a cidade de Piatã, que de lá eu tomaria uma rural com um amigo seu até o Distrito de Catolés, onde o encontraríamos. A passagem de Salvador para Piatã custou R$ 62 e a empresa que faz essa região é a Viação Novo Horizonte nos horários: 6h, 12:30h e 22:10h todos os dias. Galgando o circuito do ouro Viajamos no dia 12 no bus da noite, a viagem dura de 8 a 9 horas. O ônibus não é dos melhores, pois não possui cintos de segurança aparentes e as cadeiras são apertadas. Outro inconveniente é que não sei por qual motivo o bagageiro lotou e as pessoas começaram a amontoar coisas dentro do ônibus. Crianças choraram e pessoas conversaram alto até as 2h da madruga, felizmente cansaram e nos deixaram dormir. Até chegar em Piatã o ônibus faz paradas curtas nas cidades de Feira de Santana, Itaberaba, Boninal e Seabra, um verdadeiro pinga-pinga que tiramos de letra, pois afinal, quem já andou nas estradas bolivianas pode encarar qualquer estrada do mundo, até na lua. 13 de junho – sábado Quando chegamos a Piatã era mais ou menos 5h da manhã e a temperatura estava em 16 graus. Apesar das cidades ainda serem bastante desestruturadas pra receber visitantes, o nosso guia cuidou de não nos deixar a ver navios. A primeira orientação era falar com um senhor na rodoviária, dono da única lanchonete de lá, o nome dele é Seu Angelino e segundo meu xará sabia de tudo na cidade. Como já disse o transporte entre as cidades é muito precário, e quem fazia o roteiro de Piatã para Catolés eram transportes particulares como o de Jornando, o cara que levou a mim e a Milena a remota Catolés. Na verdade, o que Jornando vai fazer oficialmente na cidade dia de sábado é levar pão pra vender na feira semanal, na volta, cobra R$ 5 por pessoa para quem quer regressar para qualquer cidadezinha do roteiro até Catolés. Como Jornando só seguiria pra Catolés após o fim da feira ao meio-dia, resolvemos dar uma rolê pela cidade e lembramos da dica que o Leo nos deu, deixar a mochila numa casa de esfirra chamada Ponto da Esfiha, de propriedade da prima da sua mulher. Pedi que Milena ficasse com as mochilas e sai pra procurar o tal Ponto da Esfiha. Bem no topo da cidade encontrei, identifiquei-me como amigo de Leo e muito educadamente a Sara nos permitiu colocar as mochilas por lá. Não só descobrimos um lugar pra deixar a mochila, quanto pra realmente fazer um lanche legal, o lugar é bastante limpo e as esfirras, sucos e lanches são de primeira qualidade. Pedimos suco e algumas esfirras e depois de comer, saímos pra rodar um pouco mais pela cidade, até quando o meio dia não chegasse. Piatã é uma cidade aconchegante, assim como quase todas as cidades da Chapada, é a cidade mais alta do nordeste com 1.180 metros de altitude e um dos climas mais frios também. A cidade foi construída no auge da garimpagem na chapada, no século 17 formou-se em Rio de Contas, emancipando-se posteriormente. O sol já estava aberto, porém o frio persistia, saímos um pouco da área urbana pra observar ao redor. Piatã fica num platô entre a Serra do Tromba e a Serra do Santana, uma fortaleza, assim como o que quer dizer Piatã em Tupi, “fortaleza”. Já era 10h30 e o tempo estava demorando a passar, Milena e eu já estávamos com vontade de tomar um banho, ir ao banheiro e ainda faltava mais de duas horas pra tomarmos a rural pra cidade de Catolés, foi quando avistamos uma pousadinha conhecida como Casa Paroquial, próximo a Igreja Matriz de Bom Jesus e tivemos a idéia de checar por quanto sairia um banho. Pra nossa surpresa fomos muito bem recebidos e a garota que nos atendeu nos disse que não precisaríamos pagar nada, que podíamos usar o chuveiro e o banheiro a vontade, e como era tão rápido poderíamos usar o quarto também. Não perdemos tempo, bem felizes e desacreditados tomamos um ótimo banho quentinho, justamente o que estava precisando diante daquele vento frio insistente no rosto. Faltando dez minutos para o meio dia resolvemos nos movimentar e seguir para Catolés. Dei R$ 10 que seria somente um agrado pela gentileza dela ter nos cedido o quarto tão solidariamente. A garota resistiu a aceitar dizendo que era muito, mas não houve acordo e ela aceitou. Por curiosidade questionamos a outra senhora na saída da pousada quanto custava à diária lá, e ela respondeu que R$ 10 por um quarto sem banheiro e R$ 12 suíte, não acreditei, o quarto era realmente muito limpo assim como o banheiro compartido, e o agrado realmente saiu um super agrado. Meio dia em ponto estávamos prontos em frente a feira que já estava se desfazendo, Jornando prometera que no máximo ao meio dia e meia estaríamos seguindo. Antes do horário previsto partimos para Catolés. O trecho Piatã-Catolés me lembrou o trecho Palmeiras-Capão, ambos com belezas particulares com um “porém”, sem sombra de dúvida, que o trecho para Catolés é bem mais aventureiro do que o do Capão. Durante o trajeto levamos alguns gelos e frio na espinha pois o caminho desce uma enorme serra, e as curvas, um pouco lembram as terríveis rotas na região de Sucre e Potosí na Bolívia. Dividimos o frete com mais três pessoas, um garoto e dois idosos que ficariam em outros distritos pelo caminho. Vendo toda aquela beleza na minha frente não acreditei que levei tantos anos pra chegar até ali, o grande circuito do ouro, região marcada por maravilhosas serras, tais quais passamos como: a Serra do Tromba, Serra do Vindá e Serra do Bastím. Depois de mais ou menos 30 minutos de estrada passamos pelo primeiro distrito já dentro de Abaíra, Curralinho, na sequencia passamos por Ouro Verde e antes de Catolés o vilarejo de Engenho, onde os dois idosos ficaram. A imagem dentro dos distritos era sempre a mesma, casas com quilos e mais quilos de café secando em suas portas. Nesta região, café é como uma poupança, pois o café pode ser estocado em semente por até três anos, quando a dificuldade bate a porta, eles vendem uns saquinhos de café pra resolver o problema. Após quase uma hora sacolejando e levando sustos nas curvas das serras de Abaíra, chegamos à remota Catolés. Ao entrar na cidade fomos seguidos por diversos olhares, não mais que 600, os outros 600 estão em São Paulo trabalhando. Diferente das cidades populosas e mais turísticas da Chapada Diamantina, Catolés ainda estranha a presença de forasteiros, quando alguém diferente chega, a cidade toda se comunica e quando você menos espera alguém diz: “você é de Salvador não é? Tá na Casa do Leomagno”. Contudo o povo não chega a ser grosseiro apenas acanhado demais. Quando chegamos na ruazinha sem saída onde nosso guia moraconhecida como Rua Nova, ele já estava na porta esperando, juntamente com sua esposa, filho e sogra. Agradecemos ao Jornando e principalmente a Deus por chegar-mos vivos. Enquanto conversávamos um pouco sobre a viagem, um senhor passava próximo e o Leomagno o chamou, anunciando que nós seriamos os inquilinos da sua casa pelos próximos 6 dias. Como a cidade não conta com camping e possui somente duas pousadas relativamente caras, achamos vantagem alugar a casa do seu José Vieira por R$ 10 a diária do casal, acreditem se quiser, segundo eles, deixar a casa vazia era mais desvantagem do que alugar por um preço relativamente baixo. Obviamente não discuti a decisão do dono da casa em nos cobra tão pouco e imediatamente nos instalamos. A casa realmente era um show, dois quartinhos, um banheirinho e uma cozinhazinha, realmente uma mini casa, mas tudo muito conservado. Mesmo dentro da casa resolvemos armar a barraca por conta do frio que prometia durante a noite, para completar o melhor de tudo, o banheiro tinha água quente. Apesar de muito boa a casa estava pura, não tínhamos geladeira o fogão não tinha gás, também por esse preço já seria demais. Substituímos os principais, geladeira e fogão por idéias amenizadoras. No lugar da geladeira, bastava colocar o produto na janela da cozinha, pra que o tempo frio se encarregasse de conservar o alimento, gelar a água, etc. Mantivemos um saquinho de maionese por todos os dias que estivemos lá na geladeira natural. Cozinhar era impossível, mas sempre carregávamos água quente na minha térmica pra preparar um leite quente, chocolate, café, miojo, sopa. Não faltaram convites pra comer na casa do guia mais preferimos não incomodar o pessoal que já estava sendo muito hospitaleiro. Depois de acomodar as coisas saímos com Leo para visitar uma atração próxima, uma espécie de mini represa, foi quando conhecemos o Dead Proff, o carro a prova de morte do nosso guia. O carro é um Corcel 76, suspeito eu que tinha motor de trator adaptado, pois o bichinho atravessou rio e quase escalou o Barbados. Já era aproximadamente 16h e a tarde caia, a temperatura de Catolés é mais alta do que a de Piatã, mas não deixa de ser fria. Resisti a entrar na água mais caí de corpo e alma para purificar o corpo pecador. Depois do mergulho conversamos sobre a trilha que enfrentaríamos e confesso que comecei a ficar cabreiro, pois não tinha certeza do grau de dificuldade que passaria junto com Milena que apesar de ter raça é frágil. Conversando com Leo observei que na beira do rio tinha uma enorme bosta, e aquilo me assustou. Apesar de popular e tão visitada, nunca tinha encontrado algo parecido no Capão. Aprofundando-me no assunto, Leo me falou da dificuldade de se preservar o meio ambiente na região, pois além de guia, ele é o assessor ambiental da cidade, a ignorância ainda é muita na região onde agricultores ainda queimam o terreno pra plantar. Fora isso, é na trilha que ficamos mais assustados pois, por mais remota que seja, o lugar não está livre de sujeiras. Como quase não existe freqüência turística a sujeira e depredação fica por conta dos nativos que não perdoam. Apesar de ser uma Área de Proteção Ambiental - APA, a Serra do Barbado sofre com todo tipo de desrespeito, inclusive o jurássico costume de caçar animais silvestres. Durante a trilha escutávamos a todo o momento estouro de armas de diversos calibres. O sol já tinha ido embora e voltamos pra cidade, precisava fazer algumas compras para o café, apesar de ainda ser 17h estávamos muito cansados pela viagem e resolvemos nos recolher sob protesto de Léo que queria que saíssemos para a praça pra prosear. Combinamos a saída no dia seguinte para começar às 6h da matina, para pegar o mínimo de sol na subida. 14 de junho - domingo As 5h já estávamos de pé nos aprontando pra vencer o maior pico do Nordeste, o Pico do Barbado. No horário combinado Leomagno já me chamava de lá de fora pra anunciar que o seu poçante havia tido um pequeno problema e que teríamos que adiar a saída em uma hora. Relaxamos um pouco mais e depois fomos ver o que estava ocorrendo, parecia que a bateria tinha caído definitivamente. Depois de muito empurra-empurra pro carro pegar, o “imortal” ressuscitou. Pra resumir a ópera, saímos de Catolés 8:30h, a distancia da cidade até o ponto de partida a pé era de 8km mais ou menos e eu juro que estava afim de andar, mas quando tudo parecia perdido o carro reagiu e partimos. Depois de alguns minutos, quando já subíamos em direção ao ponto de partida da trilha o carro pifou novamente e dessa vez o problema foi o gás, isso mesmo, o carro era movido a gás de cozinha, algo muito comum na região da chapada. Depois de alguns minutos parados no meio da serra, passou um carro de mesmo modelo, só que mais inteiro com um coroa e dezenas de crianças, provavelmente seus filhos, Leomagno pediu uma carona até acidade pra comprar um botijão de gás. Meia hora mais tarde voltaram e então seguimos pra “riba” e quando chegamos no início da trilha já era 10h, o sol já começava a dar sinais que iria apontar e aprontar nesta subida. Na trilha que pegamos tanto no Pico do Barbado quanto do Itobira, passamos por estradas centenárias, chamada de Estrada Real, por onde passaram inclusive os Bandeirantes. O Pico do Barbado na maioria do tempo não oferece uma subida mais técnica, mas na hora final passamos tensões em pedras com limo e desfiladeiros logo abaixo. Em relação à água, a subida possui alguns pontos para colher e apenas um pra banhar-se, a grande deficiência desta região. Mesmo com o sol batendo em cima mantivemos um ritmo bom, as meninas cooperaram e Milena até o momento não tinha apresentado nenhum problema nos joelhos. Uma boa parte da primeira metade da trilha fizemos por entre fazendas de café e laranja, obviamente não perdemos a oportunidade e na primeira parada pra descanso detonamos quase cinqüenta laranjas os quatro. Depois da farra da laranja, seguimos na subida que começava a tornar-se árdua, a medida que o sol começava a bater. Quando chegamos no primeiro platô, região de fronteira entre as cidades de Abaíra e Rio do Piris o clima mudou caindo a temperatura bruscamente para 16 graus. Aproveitamos o solo reto pra descansar e mais uma vez comer, no local exato da divisão das cidades fica um pequeno muro de pedras, e sabendo do local exato da divisão não há que não queira tirar a tradicional foto pé de um lado, pé do outro, nas duas cidades ao mesmo tempo. Show a parte é o paredão oposto ao que subimos pra chegar ao cume do Barbado, quanto mais subíamos, mais víamos o tanto de grandes montanhas a região possui. Apesar de eu não realizar escaladas técnicas, vi que diversos são os tipos de paredes, totalmente próprias para as diversas categorias de esportes de escalada. Minutos antes de atingirmos o cume passamos por uma formação curiosa, diversas pedras uma maior do que a outra empilhadas, fazendo um portal entre uma rocha e outra. Enquanto as meninas caminhavam exaustas de cabeça baixa, avistei o cume, o guia brincou com agente dizendo que ainda faltava mais uma hora, não deu tempo das meninas reagirem à brincadeira e chegamos ao ponto culminante do Nordeste. Pra muitos 2033 metros podem parecer ridículos em relação a tantos outros, mas esse de fato é o nosso ponto alto. Dentro da Bahia é que fica as maiores montanhas de toda a região nordeste e isso nos orgulha. Ter a Chapada Diamantina, sem dúvidas a chapada mais bonita do Brasil dentro da Bahia é mais do que orgulho. Lá de cima é possível ver o Pico do Itobira e a Serra das Almas onde fica localidado o Pico das Almas. A “APA” Serra do Barbado compreende parte de seis municípios: Abaíra, Érico Cardoso, Jussiape, Piatã, Rio de Contas e Rio de Pires, abrangendo uma área de 63.652 hectares. A vegetação predominante é a Caatinga, com partes de mata atlântica e nas partes mais elevadas campos rupestres. Depois de descansar viajando naquele visual resolvi explorar um pouco mais as outras áreas do cume. Descemos eu e Leo pra uma parte inferior, onde tiraríamos a clássica foto no despenhadeiro e gravaríamos um videozinho para o mochileiros.com. Apesar do caminho todo praticamente ser impossível de se perder, os últimos minutos até o cume são bem propícios a enganos, e um erro pode te levar para a bagaceira, pode dar de cara com um penhasco ou nem mesmo percebê-lo e só cair no vazio, uma morte terrível, espatifando-se nas pedras do lindo cenário, nada mal, uma morte bonita que eu não estaria a fim de encarar nesse momento. Passamos lá em cima cerca de uma hora e meia curtindo o visual e descansando, depois desse tempo descemos no chamado “cavalo doido”, voando pelas pedras abaixo em velocidade bem acima da que subimos logicamente, só reduzindo nos fatídicos momentos de pedra com limo. Como estou sem maquina digital, pedi emprestada a um amigo que prontamente me atendeu, coloquei ela com a capinha entre a alça da minha doleira, ficando na cintura e quando desci uma pedra a bendita maquina rolou pedra abaixo e em câmera lenta eu vi R$ 500 reais saindo do meu bolso com duas asinhas, provavelmente esse é o preço de uma maquina nova no mercado livre. Suei frio mais pra minha felicidade ela parou numa moita, ainda sim fiquei preocupado, pois não via possibilidade de ela estar inteira. Me estiquei um pouco preocupado com o limo e puxei ela com dois dedos. Liguei e estava tudo ok, o único problema foi que por ter batido em cheio na pedra, como ela é preta, ficou marcas de queda, mas chegando lá conversei com o brother e tudo ficou bem. Na ida, Leomagno havia pedido a um colega dele que fosse junto para trazer o carro e aproximadamente 15h nos pegar no mesmo ponto em que começamos a andar, estávamos apostando nisso e foi com essa esperança que descemos rápido sonhando com o carro. Já em certo ponto, ainda distante Leo avistou a estrada e nada de carro. Danou-se! A solução é paletar exaustos cerca de 9 km. Começamos a andar, meio que desiludidos, mas contentes com o feito, a trilha para o Pico do Barbado tinha sido muito recompensante e a sensação de alcance de objetivos é inexplicável. Depois de uns 15 minutos de andada Leo avistou o Death Proff embaixo de uma arvore. Comemoramos contentes que ele tinha vindo. Chegando próximo o colega de Leo deu a péssima notícia de que o Dead Proff havia falecido de verdade Senti a tristeza de Leo, pois pude perceber o quanto ele valorizava o seu possante a prova de morte. Já tínhamos tirado sapato, relaxado e tudo e colocamos as botas novamente pra encarar a realidade da estrada de chão batido até Catolés. Seguimos o caminho, Leo pediu ao dono da casinha perto pra “passar o olho” no carro que no meio da semana ele voltaria para resgatá-lo. Mais vinte minutos de chão e uma caminhonete se aproxima, cumprimenta o guia, ele pede a carona e o coroa permite, estávamos salvos daqueles quilômetros doloridos, seguimos até Catolés mas antes tivemos que ir buscar algumas sacas de café num sitio. Na carroceria tinha mais de vinte sacos de café e seis pessoas, felizmente chegamos na cidade na santa paz. Chegando na cidade a primeira coisa que fizemos foi ir na pizzaria devorar uma família acompanhado de refrigerante gelado, nada saudável mas como um premio por termos chegado. Antes de levantar da mesa, tomamos um Dorflex pois as dores musculares já era garantido. De acordo com o que eu planejei, faria o Pico do Itobira no dia seguinte do Barbado, no caso na segunda feira, voltaria na terça e pegaria o ônibus pra seguir para o Capão na quarta, só que fiquei sabendo que só teria ônibus na quinta feira de qualquer forma. Como estávamos todos moídos resolvemos descansar a segunda e fazer o Itobira na terça, voltando quarta no final da tarde e seguindo viagem na quinta. 15 de junho - segunda-feira Tiramos o dia pra descansar e colocar as coisas em ordem, arrumar a mochila e recuperar um pouco a musculatura pra encarar a pedreira no dia seguinte. Milena no retorno deu sinais em um dos joelhos, fiquei preocupado de cara, mas tinha ainda a esperança que 24 horas fossem suficientes para recuperar aquela ponta de dor. Ao meio dia fomos almoçar na casa de dona Selma, ela prepara almoço e jantar sob encomenda. Pagamos R$ 8 cada por um almoço caseiro, bem preparado e farto, com refrigerante. Sobrou bastante comida e olha que eu estava com muita fome. No menu: feijão, arroz, macarrão, salada verde e salada de maioneses, carne e frango, pode acreditar. Depois do almoço Leo nos convidou pra visitar a prefeitura e conhecer a sua rotina não como guia, mas como funcionário da cidade. A estrutura é pequena e divide espaço com os Correios. Depois da prefeitura fomos na Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso e pela primeira vez, tive acesso a todos os cantos de uma igreja. A Igreja foi concluída em 1775 e já está com rachaduras de ponta a ponta, esperando a boa vontade dos órgãos competentes para sua reforma. Subimos até onde fica os sinos e de lá fiz algumas fotos, estava tenso pois a estrutura era de madeira e estar ali era um risco. Do topo da igreja pode-se ver um pouco da cidade que na paz dos seus dias esconde alguns dramas, principalmente o desemprego, resultando num alto índice de suicídios e alcoolismo o que é lamentável. Outra constante na cidade de Catolés são os loucos, cruzamos com ao menos uns 5 figuras engraçadas e lunáticas. Ainda sob olhares atentos, seguimos a tuor pela cidade e próximo das 18h fomos no mercadinho comprar algumas coisinhas para o café. Depois disso voltamos pra casa pra nos recolher, pois no dia seguinte a trilha começaria ainda com o dia escuro pra não correr o risco de subir o paredão no sol. Chegando em casa, fomos arrumar os últimos detalhes para o dia do Itobira, deixando tudo em ponto de bala pois marcamos a saída para as 5h em ponto. Expedições para montanhas sempre me deixa tenso, acho que li demais sobre desastres e roubadas em montanhas, sempre acabo carregando coisas demais, mas com a sensação de estar prevenido. Coloquei o despertador para as 4h pra dar tempo de tomar café, arrumar o resto das coisas para as mochilas e partir, ou melhor sair, quem parte vai para o além. 16 de junho – terça feira Quando o despertador do celular tocou, senti um frio na espinha, o mesmo que precede grandes trips, o frio do medo, do desconhecido, da excitação, da felicidade, da dúvida. Neste momento sempre rezo antes de levantar, pedindo sempre o melhor. Desta vez rezei todas as rezas que sabia, pressenti que precisaria de muita raça pra honrar as botas. Levantamos e de imediato recolhemos e enrolamos o saco de dormir, a barraca e em dez minutos tudo já estava dentro das mochilas, tomamos um café reforçado e checamos se a casa estava fechada. Faltando 5 minutos para as 5h Léo já nos chamava lá fora. Fechamos a casinha e fomos pra fora onde Léo já nos esperava de mala e cuia. Levei um susto ao ver como ele sairia, aparentava estar bastante desconfortável para ele, pois a mochila não era de trilha, muito pequena nem sequer cabia a barraca que tinha vendido pra ele, que por sinal é grande. Leo também estava sem saco de dormir, anoraque, fleece, nada técnico. De fato essa é a maior prova que a rentabilidade para o turismo é praticamente nula, pois se não ganha, não investe em melhoras inclusive pra si. O termômetro batia 15 graus e já estávamos prontos pra começar. O dia ainda não tinha clareado por isso era praticamente impossível avistar a Serra do Corvão onde encontraríamos o primeiro paredão que subimos e que por sinal é a parte mais difícil. Começamos a andada em direção a parte alta da cidade de Catolés, região onde ficam as famílias mais pobres. O primeiro ponto a alcançar depois de vencer o perímetro urbano é o “Vale do Guarda Mor”, pra isso caminhamos cerca de duas horas ininterruptas de subida moderada, na verdade é possível seguir de carro até próximo do vale, o frete custa R$ 50 e obviamente não tínhamos nenhuma intenção de pagar, por isso paletamos. À medida que íamos subindo, Milena começou a sentir a trilha, pois apesar de ter boa resistência, não tem experiência alguma em montanhismo e locais com certa altitude. Quando chegamos no Vale do Guarda Mor já era aproximadamente 7:30h, o lugar realmente é muito bonito e lembra o Vale do Capão, obviamente por ser um vale, naquela hora ainda tinha muita neblina mas o tempo já começava a melhorar e logo o sol estaria a pino. O Guarda Mor é uma região com alguns sítios de laranja e café, para seguirmos a trilha é necessário cruzar porteiras e varar propriedades o que na realidade não é um problema, os donos não embasam nem um pouco, e pelo contrário fornecem água e se for com sua cara umas laranjas. Como estávamos com Léo a recepção foi sempre muito boa, paramos pra descansar e conversamos um pouco com o seu Jurandir, dono do sitio que cruzamos primeiro. Vendo mais de perto o paredão da Serra do Corvão que teríamos que vencer logo de cara pra seguir a trilha, fiquei um pouco apreensivo com Milena. Seu Jurandir nos disse que fazia esse paredão em dez minutos, Léo torceu a boca, obviamente era conversa dele, logo depois pude comprovar o quão era conversa dele pois ninguém humano faria esse trajeto subindo ou descendo em dez minutos. Numa área descampada percebi um grande amontoado de sujeira como: sacos, muitas latas de leite, sardinha, papel higiênico usado, um amontoado de provavelmente uns 300 quilos de detritos, fiquei assustando, o seu Jurandir falou que isso era o que os “imutabilistas” traziam de seus acampamentos pelas trilhas do Itobira, o interessante é que segundo compreendi da missão desses caras, salvar o universo era uma das coisas, não estou aqui para acusá-los mesmo porque não sei o que ocorre. O seu Jurandir disse que inclusive eles pagaram pra alguém pra que esse lixo fosse removido, mas segundo a informação do mesmo o volume já estava ali há mais de 3 meses. Tantos enlatados e plásticos, isso não combina com salvar o planeta, pesquisando num blog provavelmente de um integrante do movimento achei a seguinte definição: “O Imutabilismo é um movimento sócio-cultural instituído, mantido ou restaurado por mais um imutabilista de passagem por esse planeta, que objetiva incentivar a humanidade quanto à cultura espiritual relativa à Imutabilidade, ou seja, à Moralidade do Universo que a conduta dos corpos celestes denuncia; portanto, relativa ao que estabelecem as Leis Divinas, as Leis Universais, enfim, as Leis Naturais que regem o Universo”. Fora esse problema um dos mais graves era a queimada, que normalmente era iniciada pelos próprios nativos, o que é um absurdo. Não só queimadas como escavações, construções de estradas, sujeira na trilha, feita exclusivamente por nativos. Após descansarmos demos início a peleja que de fato foi uma das mais pesadas que já fiz. Começamos num ritmo moderado pra rápido e depois de uma hora subindo, diminuímos os passos gradativamente ao passo que a subida ia se acentuando. Até chegar no paredão de aproximadamente 110 graus, levamos cerca de duas horas e meia, sempre parando e descansando. Percebi Milena com expressão de dor, e logo percebi que se tratava do joelho e que aquilo seria um problema pra ela nesta trip. O céu ainda não estava aberto e parece que na noite anterior tinha dado um pé d’água as pedras estavam úmidas e venenosas. Olhando de baixo para cima quase entro em pânico, um escorregão em muitos pontos da subida poderia representar um problema muito grave ou até mesmo a morte. Milena me confessou que ambos os joelhos já davam sinais de dor, mas que nada de muito grave. Como ela não queria forçar muito, acabava tendo o dobro do trabalho para subir de uma pedra para outra com uma mochila de 60 litros, até para mim foi difícil e em muitos momentos em que a escalada era mais técnica. Honestamente acredito que uma trilha como essa deva ser feita com capacete e em alguns momentos com auxilio de corda, é possível vencê-la facilmente, mas não tranquilamente, o risco de uma pedra rolar de lá de cima na cabeça é muito grande, em alguns trechos a diferença de uma pedra pra outra é de 1:70m, o que não é demasiado alto mas quando você está com uma mochila mas costas e uma pessoa com os dois joelhos avariados torna-se uma dificuldade. Léo ia à frente também penando com sua mochila armengada tendendo pra um lado, o que deveria estar fudendo com as costas dele. A sensação de estar naquele lugar, “ilhado” de dificuldades até pra desistir da aventura de certa forma era boa, diferente e confortante. A sensação de estar fazendo algo realmente diferente e encarando problemas tão “orgânicos” me fez parecer mais vivo. Estávamos nós ali, os únicos da trilha toda enquanto outros trekkers faziam pela milésima vez trilhas na Fumaça por Baixo, Pati, entre outras maravilhas manjadas, estava dando oportunidade destra trilha me mostrar o quanto era foda e ela parecia estar descontando todos os meus anos de ausência, provando passo por passo que ali o “buraco é mais embaixo”. Milena também me impressionou, pois desde que a conheci e inseri nesta “vida” ela abraçou a causa e passou também a amar as atividades “outdoor”, desde sempre com algumas limitações físicas, mas com uma força mental absurda. Sempre em relação a outras garotas na trilha observei o seu desempenho sempre bom. Desta vez ela se superou, os adversários eram muitos, como ela mesma disse, se sentia como uma paraplégica se arrastando montanha a cima, mas fazendo de conta que nada daquilo estava acontecendo. Quando mais subia eu tentava alcançar com os olhos alguma planice, um fim, algum fio de incentivo mas estava difícil, Léo como um bom guia sempre nos dizia que “estava chegando” e obviamente esse chegando nunca chegava. Já fazia uma hora que estávamos subindo o paredão e enfim ele avisou que o fim desta fase já estava próximo, durante todo o trajeto eu estava pensando como seria a descida já que era um caminho de pedras molhadas, pensava numa estratégia de cordas, mas o máximo que tinha era quatro metros de cordão grosso pra reforçar a barraca caso o vento estivesse muito forte, uma coisa eu sabia era que não me arriscaria a descer com mochilas nas costas. A medida que alcançávamos o platô a neblina invadia e tornava a visão mais difícil, pra acabar de completar o que faltava acontecer era uma chuva pra matar todo mundo de hipotermia. Olhei no termômetro e a temperatura já estava em 15 graus. Entre a neblina rala observávamos Catolés longe e o cheiro das montanhas, me parece que aquele paredão era o que teria de mais difícil nesta trilha e Milena havia conseguido subir sã e salva. Já era perto de meio dia e resolvemos parar um pouco pra lanchar e descansar um pouco mais, já estávamos andando há 7 horas, ainda tinha pelo menos umas 3 horas de chão até chegarmos no pé do Itobira. A trilha que se seguiu era uma espécie de enduro a pé, muita subida e descida curta e zigue zague, não creio que seja uma trilha que você faria sozinho nem pela segunda nem pela sexta vez que fosse, muitos momentos mais de tensão ocorreram, pois tiveram momentos que passamos em encostas com limo e grandes quedas logo abaixo. A medida que ficávamos mais altos a beleza ia aumentando, a vegetação no Itobira é muito bonita e diversificada, passamos por diversos micro climas e na mesma hora que estávamos há 16 graus, essa temperatura subia para 21 facilmente, então caia novamente. A grande preocupação que eu tinha era a chuva, pois andar naquelas condições com chuva deveria ser uma catátrofe. Milena a esta altura estava como um Buda flutuando, evitando falar pra não desconcentrar e a dor fazer com que ela parasse de andar, por um momento na trilha me irritei com ela por estar tenso, mas depois me arrependi pelo grande esforço que ela fazia. Durante toda a trilha eu mirava o Itobira, especificamente o cume e já sonhava estar lá em cima assim como o Barbado. O Itobira pode ser ridiculamente menor que grandes montanhas brasileiras, mas existe um sabor especial naquela resistência da natureza em nos deixar chegar perto dele, a sensação é que ele se afastava 2 km, a cada um que conseguíamos avançar. O plano inicial era chegar no Itobira bem mais cedo, pra poder atacar o cume entes de finalizar o dia. Do ponto que paramos pra acampar era a uma hora de distância do cume, chegando mais ou menos as 13:30h retornaríamos as 16h dando o tempo de subida, uns trinta minutos no cume e a descida, restando ainda mais uma hora e meia para anoitecer. Na hora que chegamos a “Inês” era praticamente morta, já era 15h:30, horário que planejava estar de volta ao acampamento. Obviamente não daria pra Milena subir junto com a gente e isso implicaria em ter que deixar ela só no acampamento enquanto fazíamos o ataque o que não agradava a ela em nada. Um tanto frustrado resolvi abortar a subida daquele dia e provavelmente definitivamente, penso que numa investida em grupo a vitória era do grupo e deixar um integrante pra traz, com medo, sozinho e ferido não fazia parte do meu conceito, apesar da regra da montanha ser clara: “salve os mais fortes”, e além de tudo quando essa pessoa que ficaria pra trás é minha noiva. Conversei com Léo sobre a possibilidade de fazermos o ataque no outro dia, talvez com Milena, isso especulando uma melhora nos dois joelhos ruins dela. O sol ainda nem ameaçava cair e o tempo estava ficando mais frio, confesso que estava com medo do tempo. Iria estrear meu anorak, fiz longas pesquisas no mochilerios.com pra comprar um digno, só que o dia da trip se aproximava e minha grana não aparecia, acabou atrasando e só saiu 2 dias antes do dia de viajar. Aqui em Salvador não rolam equipamentos mais técnicos e gringos pra comprar e o melhor que pude encontrar foi um Panka Andes da Trilhas e Rumos, segundo eles o equipamento mais técnico que eles possuem. Fiquei bem cabreiro e apesar de achar visualmente que ele é de muita qualidade ainda restava duvidas, pelo amadorismo do equipamento. No entanto fiquei bem satisfeito, ao menos nas condições que estive, o bixo nem de longe me fez sentir nada que lembrasse frieza, peguei um número maior do que eu realmente uso, a única falha deste anorak é que o fleece é regata o que deixa os braços mais vulneráveis. Armei a minha barraca e resolvi colocar uma lona de PVC amarela para cobrir, não sabia se iria ficar muito úmido, se iria chover forte ou ventar e resolvi armar logo o circo. Depois de armada as barracas fomos tentar acender a fogueira, no meio do caminho pegamos uns três pedaços de candombá secos de queimadas anteriores. Candombás são plantas típicas de serrados, na região da Chapada Diamantina essa planta é abundante, é utilizada como uma espécie de bucha incendiária, ela produz uma secreção que facilita a combustão, por isso as vezes é muito difícil controlar incêndios na região da Chapada. Juntamos uns galhos que me pareciam úmidos, uma folhas e colocamos no centro os pedaços da planta combustora, tocamos a tentar acender e nada, o tempo estava passando, o tempo esfriando e realmente percebi que precisaríamos de uma fogueira enquanto estivéssemos do lado de fora. Um café ou chocolate e um macarrãozinho quente também era necessário, uma vez que tínhamos pegado 10 horas praticamente ininterruptas de trilha. Depois de muito custo conseguimos manter o fogo que permaneceu tímido, deu pra esquentar a água pra fazer o macarrão e tomar um chocolate quente. Quando o sol estava quase se pondo, uma neblina saiu de trás do Itobira e avançou no acampamento como num filme de terror, confesso que aquilo me assustava. Ainda era antes das 20h, mas meu corpo estava moído, estávamos conversando com Léo que estava quebrado também, mais por conta da mochila do que da trilha. Acho que 20h em ponto entrei na barraca pra tentar domir, estava muito frio e estava eu com uma camisa de algodão, o fleece regata e o anorak. Na parte de baixo estava com uma calça de lã de lhama e um corta vento, o pé com uma meia. Com tudo isso ainda estava num saco de dormir 18 graus, muito fraco se eu não tivesse bem agasalhado. Tentava dormir depois de conversar bastante com Milena, Leo já tinha pegado no sono lá na barraca dele ha muito tempo e eu estava tentando. Ainda acordado me aconteceu algo obviamente louco, enxerguei de olhos abertos uma figura com olhos bancos, cabelos arrepiados e cara de caveira, por um momento pensei que estava dormindo, mas não estava. Meu coração disparou e senti um pouco de falta de ar, levantei imediatamente e abri a barraca procurando ar. Depois de mais recuperado comecei a refleti os motivos que poderiam ter me levado aquela alucinação, pois eu não tinha bebido e nem usado alucinógenos, estávamos a aproximadamente 1900 de altitude, portanto isso não seria o problema. Talvez desidratação, insolação ou até uma claustrofobia, algo recorrente comigo, acho que pânico. Depois disso levei um longo tempo conversando novamente com minha fiel companheira de trilha que apesar de cansada ficou acordada comigo, a essa altura já tinha batido o calor apesar de estar tinindo de frio lá fora com um vento fortíssimo. Conversamos tanto que não vimos o momento em que pegamos juntos no sono e acordei com Milena resmungando algo como “que frio é esse?”, enquanto conversávamos abri um uns palmos a barraca pra circular o ar, pegamos no sono com a barraca aberta e sem o saco de dormir, eu já havia aberto o anorak e tirado o gorro. Acho que se passasse mais tempo daquele jeito certamente teríamos no mínimo uma pneumonia ou hipotermia. Acordei meio zonzo fechando a barraca e me enclausurando dentro das roupas novamente pra fugir do frio. Milena pegou no sono rapidamente mas eu ainda pensava naquela coisa, seria um zumbi? Apelidei a aparição de Zumbi do Itobira e segundos depois eu já tinha decidido se atacaria ou não o cume na manhã seguinte. Acho que subir o Itobira seria uma atitude muito irresponsável da nossa parte, levando em consideração que levamos 10 horas pra fazer a trip até aquele ponto, lembrando que parte do trajeto ainda não tinha ninguém machucado, subindo o Itobira, voltaria no mínimo as 8h da manhã, pra desarmar ainda abarraca. Saíndo 9h, chegaria sete da noite em Catolés, caso contrário teríamos que dormir no Guarda Mor e perder mais um dia o que eu não queria. Quando o relógio despertou as 4:30h o Léo gritou do outro lado: - Cume ou casa? - Casa! Me sentia realmente derrotado mais algo me dizia que aquela seria a saída razoável pra amenizar a situação, resolvemos descansar mais um pouco e uma hora depois levantamos pra desarmar as barracas, tomar um café e cair fora. O dia estava maravilhosamente perfeito para a subida, o sol iluminou o Itobira e meu coração começou a bater forte novamente, uma recaída me chamava para o pico. O ponto do acampamento até o paredão foi imperceptível, apesar de Milena está com os dois joelhos péssimos seguia firme e quando avistamos a cidade de Catolés ao longe tive a confortante sensação que um dia eu iria parar de andar, tomar uma água gelada, comer uma comida quente e seguir a trip para o Capão. Quando chegamos no ponto que começa a decida do paredão o sol já estava mais do que escaldante, a inclinação era muito forte e eu rezei antes de começar a decida, como previsto não levaria as mochilas nas costas. Era naquela hora que a minha trilhas e rumos de 9 anos de idade iria mostrar se era forte mesmo. Primeiro peguei a mochila de Milena e atirei de lá de cima tentando jogar num lugar que caísse dentro da trilha, uma mochila rolando montanha dá uma previa do que seria um corpo caindo sem controle pedra abaixo. A minha que era mais pesada certamente iria mais longe, tirei antes a maquina fotográfica e lancei também, ela rolou pra fora da trilha e Léo me disse que eu tinha perdido. Observando melhor do ângulo onde eu tava, pois Léo estava um pouco mais abaixo, vi que conseguiria ir lá buscar e assim consegui. Milena descia com muita dificuldade machucando o joelho e forçando muito a barra. Durante o trajeto de descida do paredão achei mais tranqüilo do que pensava que iria ser, ou da própria subida. Como o sol já estava forte naquele dia as pedras estavam bem mais secas e sem as mochilas nas costas ficava menos perigoso. Quando chegamos no fim do paredão, onde começava a inclinação de 110 graus avaliei a mochila e para minha surpresa nada, absolutamente nada tinha acontecido com ambas. Apesar de parecer irracional, essa foi a melhor decisão que tomei nessa descida. Chegado naquele ponto não encararíamos até catolés mais nenhuma subida, só descida moderada e reta até Catolés, há mais ou menos 3 horas. Quando destampamos no campo aberto do Guarda Mor avistamos três bois que nos olhavam atentamente. Continuamos andando e eles começaram a vir em nossa direção, era só o que faltava, pensei, além de queda coice. Chegarmos arrasados da trip e ainda levar chifrada de boi. Milena daquele jeito sem poder correr seria uma catástrofe, do ponto onde estávamos até a porteira ainda faltava uns 100 metros, quanto mais avançávamos o boi acelerava o passo. Por precaução peguei um pedaço de madeira e Milena também, fomos gritando tipo enxotando e avançando para a porteira, tática que funcionou perfeitamente, mas os miseráveis vieram encurralando valentemente, como se estivesse nos expulsando da sua fazenda. Fizemos esse último pedaço em pouco mais de uma hora e meia, quando chegamos na parte alta de Catolés ainda tinha um pouco de sol, seguimos sujos e esfarrapados pela cidade que nos acompanhava como se fossemos monstros do pântano saindo da mata. Durante as horas finais pensei incisivamente em uma coca cola com pizza, algo bem gorduroso e pouco saudável, mas que matasse minha vontade. Depois da pizza com coca-cola seguimos pra casa, pois no outro dia pegaríamos os bus das 5h da manha rumo ao Capão. Pra chegar ao Capão desde Catolés o trajeto é trabalhoso, apesar de ser próximo. Pegamos um micro ônibus de Catolés até Boninal, de lá outro até Seabra, de Seabra esparamos até 11:40 para seguir para Palmeiras, de Palmeiras pegamos finalmente uma condução para o Capão. Pra compensar a super-trilha cansativa ficamos dez dias no Capão, fazendo pequenas trilhas diárias. O circuito do ouro de fato me entusiasmou e me surpreendeu, suas serras e montanhas são tão marcantes porém tão obscuras ao grande turismo que tarda mas não falha a chegar e quando isso acontecer a natureza deverá estar bem preparada para a sede de aventura, para os mal modos do turista, que por sua vez também precisa ficar de olhos bem abertos para as ciladas que a mãe natureza prepara para a sua auto defesa. Editado Novembro 13, 2009 por Visitante Citar
Membros de Honra peter tofte Postado Setembro 11, 2009 Membros de Honra Postado Setembro 11, 2009 Que perrêngue Leo! O Itobira fica para uma próxima vez. Tente ir por Rio de Contas pegando uma rural até uma pequena comunidade (depois lembro o nome). De lá é mais fácil atingir o Itobira (2 a 3 hrs). E se quiser vc ainda vai para o Barbado via Guarda Mor e desce em Catolés (caminhada para 2 a 3 dias). Eu fiz estes picos em dois momentos distintos, fazer de uma vez só é cansativo. Acho que o Barbado via Catolés de Cima é mais fácil. O Itobira via Rio de Contas também. Esta história do Zumbi do Itobira vai entrar no folclore local! É uma região bonita e bem menos explorada que a área do Capão e Lençois! Abs, Peter Citar
Membros de Honra LEO_THC Postado Setembro 12, 2009 Autor Membros de Honra Postado Setembro 12, 2009 Pois é cara, fica para uma outra oportunidade. Vou fazer ele em tempo record, só pre me vingar! rsrsr Até hoje me lembro do Zumbi do Itobira, essa imagem me perseguiu por todo o tempo que estive em Catolés. Citar
Membros de Honra Cacius Postado Setembro 23, 2009 Membros de Honra Postado Setembro 23, 2009 Belo relato, Leo! Deu vontade de puxar pro nordeste! Agora, vc podia postar mais fotos, hein? Pra judiar ainda mais! De minha parte, são alguns anos fazendo trilhas leves e algumas pesadas, e se tem uma coisa que eu aprendi a admirar é o cara saber a hora de dizer "ok, não vai dar. bora". É coisa pra quem conhece o que está fazendo, se conhece, conhece seu parceiro e tem muita auto-confiança. Parabéns pela sábia decisão! :'> Descidas eu acho substancialmente mais perigosas que subidas. Os degraus são mais difíceis de estimar, e se por um lado a gravidade não te bloqueia igual na ascensão, ela te faz suar muito pra controlar a vontade de ir pra baixo. Bela trip! Citar
Membros de Honra peter tofte Postado Setembro 23, 2009 Membros de Honra Postado Setembro 23, 2009 Leo: O nome do lugarejo, para partir para o Itobira é Caiambola. Dia de feira em Rio de Contas tem rural para lá, no final da feira. Depois da Ponte do Coronel, vira a esquerda. Deve dar 2 horas de carro até lá. Cacius: saia deste frio sulino e faça umas trilhas aqui na Chapada. Tem muita coisa bonita! peter Citar
Membros de Honra LEO_THC Postado Setembro 23, 2009 Autor Membros de Honra Postado Setembro 23, 2009 Belo relato, Leo! Deu vontade de puxar pro nordeste!Agora, vc podia postar mais fotos, hein? Pra judiar ainda mais! De minha parte, são alguns anos fazendo trilhas leves e algumas pesadas, e se tem uma coisa que eu aprendi a admirar é o cara saber a hora de dizer "ok, não vai dar. bora". É coisa pra quem conhece o que está fazendo, se conhece, conhece seu parceiro e tem muita auto-confiança. Parabéns pela sábia decisão! :'> Descidas eu acho substancialmente mais perigosas que subidas. Os degraus são mais difíceis de estimar, e se por um lado a gravidade não te bloqueia igual na ascensão, ela te faz suar muito pra controlar a vontade de ir pra baixo. Bela trip! Vou postar sim, faltando tempo, mas pode deixar! ab Citar
Membros de Honra LEO_THC Postado Setembro 23, 2009 Autor Membros de Honra Postado Setembro 23, 2009 Leo: O nome do lugarejo, para partir para o Itobira é Caiambola. Dia de feira em Rio de Contas tem rural para lá, no final da feira. Depois da Ponte do Coronel, vira a esquerda. Deve dar 2 horas de carro até lá. Cacius: saia deste frio sulino e faça umas trilhas aqui na Chapada. Tem muita coisa bonita! peter Peter, tú mora aqui velho? Morria e não ia saber. Te mandei uns MP e vc nunca respondeu, há alguns anos, fiz uma trilha na chapada com um cara chamado Peter, a mãe dele é norte americana. Não seria tu não ? abraço! Citar
Membros de Honra peter tofte Postado Setembro 23, 2009 Membros de Honra Postado Setembro 23, 2009 Leo: Respondi sim. Deve ter dado algum problema na minha caixa de saída ou na sua de entrada. Não sou o mesmo Peter. Meu pai que era estrangeiro. Minha mãe é brasileira. Mas a gente com certeza vai se bater na Chapada! Abs, Peter Citar
Membros Madinho Postado Outubro 19, 2009 Membros Postado Outubro 19, 2009 Prezado Léo, Vim através deste esclarecer, acreditando eu, o equivoco quanto a informação acerca do amontoado de sujeira, sacos, latas de leite, sardinha, papel higiênico usado e outros encontrados no descampado de seu Jurandi. Sou Imutabilista e todo aquele material visto por você foi por nós recolhido durante as nossas caminhadas vindo do Itobira e de outros locais, não foi lixo nosso, por conseguinte, por nós levados, até por que neste lixo existi uma série de outros objetos que não fazem parte de nosso consumo em trilha, inclusive o próprio Jurandi, que é um grande irmão nosso, andou recolhendo outros detritos pelas proximidades. Em todas as nossas viagens buscamos levar apenas comida necessária para a nossa trilha, e com grande preocupação para não deixarmos nada pelo caminho, qualquer coisa que não seja biodegradável trazemos em nossas mochilas para Salvador. Por termos recolhido uma quantidade muito grande de lixo e não ser possível o seu transporte em nossas mochilas, resolvemos pagar para um morador do local fazer a remoção do mesmo. De fato me permiti lhe esclarecer este fato devido a sua própria colocação de não estar a acusar, e ter se colocado na condição de não entender o que ocorre, demonstrando disponibilidade e disposição para compreender o ocorrido. Sendo assim, me coloco as ordens para possíveis esclarecimentos. Att, Madinho Citar
Membros de Honra LEO_THC Postado Outubro 19, 2009 Autor Membros de Honra Postado Outubro 19, 2009 Madinho, Como tu observa no texto, a duvida em relação a veracidade disso é grande, fico imaginando porque um grupo como vocês fariam uma coisa tão controversa como essa. Porém, for isso que ele passou, que o pessoal subiu e na volta trouxe o lixo, pagou a uma pessoa pra recolher, e essa pessoa até aquela data não tinha feito. Não acho que vocês tenham culpa, pois sua obrigação foi feita, se caso o lixo que vi não seja seu, penso que deva lembrar ao Sr Jurandir, que também não creio que tenha feito uma acusação maldosa. Visito a chapada a 20 anos e sempre lidei com esse povo que é honesto, pacato e pouco maldosos. Seja lá quem tenha deixado o "visu" estava feio, sorte que a beleza supera. abraço Citar
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